sábado, 12 de novembro de 2011

Uma ONG da saúde no esquema de Agnelo



Ex-colega do governador do DF, dona de entidade condenada pelo TCU, o acusa de jogá-la para dentro das fraudes do programa Segundo Tempo no Esporte

Claudio Dantas Sequeira

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Pela primeira vez desde que foi revelado o esquema montado pelo atual governador do DF, Agnelo Queiroz, no Ministério do Esporte, surge uma testemunha que não tem envolvimento político no caso. Hematologista com mais de 30 anos de serviço público, a médica Jussara Oliveira Santa Cruz de Almeida não é ligada a nenhum partido político, é bem-sucedida e reconhecida internacionalmente por seu trabalho com hemofílicos. Há dois anos, recebeu um certificado da Federação Internacional de Hemofílicos atestando proficiência na área. Este ano, porém, na condição de dirigente da Associação dos Voluntários, Pesquisadores e Portadores de Coagulopatias (Ajude-C), Jussara se viu arrolada pelo TCU, teve suas contas reprovadas e foi condenada a devolver à União mais de R$ 300 mil. Na semana passada, em entrevista à ISTOÉ, a hematologista abriu o jogo e explicou como tudo aconteceu. Disse que foi usada pelo esquema de Agnelo de desvio de recursos do Esporte por meio de ONGs e acabou virando sua cúmplice. “Tínhamos que cumprir uma série de requisitos, fazer licitações, prestar contas de pagamentos a fornecedores. Eles, então, me apresentaram ao João Dias, dizendo que ele poderia me ajudar”, afirma a médica.

Ela e Agnelo, que também é médico, se conheceram nos tempos de residência no Hospital de Base, de Brasília. A amizade foi o que levou a médica a procurar o então ministro em busca de apoio para projetos envolvendo a prática esportiva no tratamento da hemofilia por meio da Ajude-C. A parceria começou em 2004, quando o Ministério apoiou a realização da I Olimpíada Latino-americana de Portadores de Coagolupatia. O programa deu certo. Quando lançou o Segundo Tempo, Jussara não teve dúvidas e recorreu novamente ao amigo ministro. A partir daí, começaram os problemas. Foi através de Agnelo que Jussara caiu na teia do esquema pilotado por João Dias. “O Agnelo pediu que eu procurasse o Rafael Barbosa (então secretário Nacional de Esporte Educacional e, até hoje, braço direito de Agnelo no governo do DF), que, por sua vez, me conduziu aos outros personagens do esquema.”
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VELHOS CONHECIDOS
Jussara e Agnelo se conhecem desde os tempos de residência no Hospital de Base, de Brasília
A médica foi apresentada ao policial militar João Dias, durante um congresso de capacitação de gestores, por meio de outra funcionária do ministério, chamada Racilene Santiago, a Lene, esta indicada a Jussara por Rafael Barbosa. Logo depois, o policial militar a levou ao comerciante Miguel Santos Souza, responsável por criar empresas laranjas e recrutar ONGs fantasmas, conforme revelou ISTOÉ em sua última edição. Jussara Almeida conta que Miguel ficou responsável por toda a parte legal, organizando pregões de fachada e emitindo notas frias. “Ele chegou a levar o pregoeiro à sede do Hospital de Apoio. Eu falei que não tinha como pagar por aquilo tudo, mas ele disse para não me preocupar”, diz. As empresas que participaram da concorrência funcionavam no mesmo endereço, na 711 Norte. Quem venceu a licitação fraudulenta da Ajude-C foi a JG Comércio, a mesma que conseguiu contratos em cinco ministérios, no STF e nas Forças Armadas. “Quando o ministério liberava a verba, eu sacava para pagar o Miguel. Sempre paguei em cash. Quando ele não estava, eu entregava ao Júnior”, como era conhecido Geraldo Nascimento de Andrade, o motorista de Miguel.
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A TESTEMUNHA
Jussara diz que os problemas começaram quando Agnelo pediu para que
ela procurasse Rafael Barbosa, então secretário de Esporte Educacional
O esquema para prestação de contas era todo forjado, desde as notas fiscais até os contratos com entidades parceiras. Segundo Jussara, que conseguiu dois convênios num total de R$ 280 mil, João Dias arrumava tudo. Quando havia alguma pendência que o policial não conseguia resolver, a médica ligava diretamente para o ministro que, por sua vez, indicava Rafael. “Quando começou a dar problema na prestação de contas, eu os procurei novamente. O Rafael disse que não me preocupasse, pois tudo seria resolvido. Só que isso não aconteceu”, diz. O TCU acabou reprovando as contas da ONG de Jussara. A médica não fala mais com Agnelo e lamenta que o programa Segundo Tempo tenha sido desvirtuado. Irritada com o fato de ter seu nome envolvido num esquema de fraudes, Jussara está disposta a confrontar o governador para confirmar suas declarações. A situação de Agnelo Queiroz é delicada. Ele é alvo de processo no STJ, de cinco pedidos de impeachment na Câmara Distrital e uma tentativa de abertura de CPI na Câmara dos Deputados. Agora, o novo testemunho pode levá-lo de vez ao cadafalso.
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Propina no ministério de Lupi




O sindicalista João Carlos Cortez diz que assessores diretos do ministro do Trabalho queriam 60% do imposto sindical para regularizar sua entidade

Claudio Dantas Sequeira

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ESQUEMA
João Carlos Cortez diz que a corrupção poderia chegar a R$ 12 milhões
"EXIGIRAM-ME PROPINA NUMA SALA DO GABINETE ONDE
FUNCIONA A SECRETARIA DE RELAÇÕES DO TRABALHO"
Uma acusação pesada bate às portas do gabinete do ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Além das denúncias envolvendo o desvio de dinheiro público por meio de ONGs, agora o gabinete do ministro é acusado de extorquir sindicatos para desviar recursos do imposto sindical à central controlada pelo PDT e por assessores de Lupi. Quem faz a denúncia é o presidente do Sindicato de Trabalhadores em Bares e Restaurantes da Baixada Santista, Litoral Sul e Vale do Ribeira (Sindrest), João Carlos Cortez. Na semana passada, ele gravou uma entrevista à ISTOÉ, na qual afirma que existe um esquema de venda de cartas sindicais montado dentro do Ministério do Trabalho. O sindicalista afirma que “tudo é operado por pessoas ligadas diretamente ao ministro”, que falam e agem em nome dele. “Prometeram reativar nosso registro desde que eu repassasse um percentual da arrecadação do sindicato”, afirma Cortez. “Exigiram-me propina numa sala do gabinete onde funciona a Secretaria de Relações do Trabalho”. O caso aconteceu no fim de julho de 2007. Ele conta que procurou Lupi para tentar regularizar o registro de sua entidade. Segundo ele, foi marcada uma reunião pelo deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (PDT-SP). Ela aconteceu no quarto andar do ministério, na sala onde despachava o então secretário de Relações do Trabalho, Luiz Antônio de Medeiros – homem da total confiança do ministro. No organograma do ministério, a Secretaria de Relações do Trabalho integra o gabinete do ministro Lupi. Eram cerca de 10h30 da manhã. Além de Medeiros e Paulinho, participaram do encontro o assessor especial Eudes Carneiro e Luciano Martins Lourenço, presidente do PDT de Santos e braço direito de ­Paulinho. Eles conversaram sentados em volta de uma mesa de madeira redonda, usada para reuniões. “Esperei uns 15 minutos, eles nos serviram café. Medeiros me cumprimentou e indicou seu assessor, Eudes Carneiro, um homem extremamente gentil, que foi quem conduziu a reunião”, lembra. Quem mais falou durante o encontro foi Lourenço.
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NO FOGO
Negociações de cartas sindicais são feitas por
secretarias que integram o gabinete ministerial de Lupi
Cortez alega que não tinha ideia de que estava diante de um esquema ilegal de arrecadação. Em seguida, diz ele, na presença de todos, perguntou o que poderia ser feito e mostrou um parecer da AGU favorável à regulamentação do seu sindicato. Carneiro, um ex-policial federal que acompanha Lupi há anos, sorriu e falou para o sindicalista ficar tranquilo. “Vamos resolver o seu problema, me disse.” Em seguida, Lourenço explicou o que precisava ser feito. Em vez de procedimentos burocráticos, o sindicalista recebeu uma orientação pouco republicana. “Me fizeram uma proposta indecente, um pedido de propina ali dentro do ministério”, conta. Coagido, ele aceitou. “Eu não tinha outra saída,” justifica. O pedágio consistia em repassar à conta bancária da Força Sindical (central ligada ao PDT e comandada pela dupla Paulinho-Medeiros) um total de 60% de toda a arrecadação sindical que seria obtida pelo Sindrest nos três anos seguintes. Um valor superior a R$ 12 milhões, segundo cálculos do próprio Cortez, com base nos 100 mil trabalhadores que compõem a categoria na região de atuação do sindicato e que têm descontados seus contracheques anualmente em cerca de R$ 205.

A reunião durou aproximadamente 20 minutos. Lourenço avisou Cortez que esperasse um novo contato dentro de poucos dias. “Saí de lá confiante de que estava resolvido”, afirma. Coube ao dirigente do PDT tocar o negócio. Lourenço explicou a João Carlos Cortez que o valor da propina poderia ser parcelado em três vezes, em percentuais decrescentes. No primeiro ano, seriam repassados 30% da contribuição sindical; no segundo ano, 20%; e no terceiro ano, 10%. Para escapar à fiscalização das autoridades, as transferências deveriam ser feitas diretamente para a conta bancária da Força. Embora recebam dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), as centrais sindicais não estão sujeitas à análise do TCU, da CGU e outros órgãos de controle externos, o que dificulta o rastreamento de golpes como os denunciados por Cortez.
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O negócio, segundo o sindicalista, teria sido sacramentado duas semanas depois. Luciano Martins Lourenço marcou novo encontro com Cortez, desta vez em Santos (SP), numa tradicional padaria perto do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas da Baixada Santista (Sindquim). Lourenço, além de presidente do PDT de Santos, é membro da diretoria do Sindquim. Enquanto tomavam um café, ele retirou de uma pasta três folhas de papel e mandou Cortez assiná-las. Consistiam num chamado “Termo de Compromisso de Doação”, pelo qual João Carlos Cortez, na qualidade de presidente do Sindrest, se comprometia a realizar os repasses pré-combinados nos anos de 2008, 2009 e 2010. “O Luciano me disse que estava a mando do deputado e do Medeiros, que falava em nome do ministro Lupi. Ele levou os documentos prontos para eu assinar. O termo de compromisso, a título de doação à Força Sindical, servia para encobrir, na realidade, o pagamento da propina. Tudo foi presenciado por outro diretor do Sindrest, Luiz Claudino da Silva”, diz Cortez. Depois daquele dia, o sindicalista diz ter participado de várias audiências com Medeiros e Luciano Lourenço, além de assessores, tanto no gabinete em Brasília como na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo, onde o secretário também fazia plantão.

Passados alguns meses, no entanto, a situação do sindicato não foi regularizada. Cortez suspeita que o grupo de Lupi sofreu pressão de lideranças do PDT em São Paulo, como Francisco Calazans Lacerda, presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de São Paulo (Sinhores). Este teria se associado ao Sinthoresp, entidade que disputa com o sindicato de Cortez a organização da categoria na Baixada Santista. Um acordo entre eles naquele momento também evitaria o desgaste de um enfrentamento com a CUT e o próprio PT. “Ouvi que eles pagaram mais para arquivar nosso pedido. Tudo no Ministério do Trabalho é movido a dinheiro”, afirma Cortez. Ele conta que procurou Paulinho e Lupi em diversas oportunidades. Nas comemorações do Dia do Trabalho em maio de 2010, o sindicalista diz ter entregue nas mãos de Lupi um dossiê contando toda a história, na esperança de que o ministro não tivesse conhecimento da operação de seus assessores. “Foi a mesma coisa que nada. Ele nunca deu retorno da denúncia. Logicamente o ministro também está no esquema”, afirma.
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ÍNTIMOS
O ex-secretário Luiz Antônio de Medeiros (à esq.) sempre foi homem da confiança de Carlos Lupi
Hoje quem representa os trabalhadores de hotéis, bares, restaurantes e similares naquela região é o Sinthoresp, mas nem sempre foi assim. O Sindrest conseguiu em 1994 fracionar a base sindical a fim de representar apenas funcionários de restaurantes, bares e similares. Recebeu seu registro e até o código sindical, que dá acesso à conta na Caixa Econômica em que são depositadas as contribuições sindicais. Em 2003, no entanto, a CUT passou a controlar a Secretaria de Relações do Trabalho e, por pressão do Sinthores, cancelou o registro do Sindrest. Cortez recorreu e conseguiu obter da AGU um parecer que considerou ilegal o ato do Ministério. “Não cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego interferir na conveniência e oportunidade de determinada categoria para fundar ou extinguir sindicato”, escreveu a advogada da União Carmen Tomasi de Abreu.

Questões sindicais à parte, a denúncia de Cortez reforça a suspeita de que o Ministério do Trabalho virou um grande balcão de negócios para abastecer os cofres da Força Sindical e de dirigentes do PDT. Na edição de 5 de agosto de ISTOÉ, a presidente da Federação Nacional dos Terapeutas (Fenate), Adeilde Marques, revelou que foi forçada a pagar pedágio para conseguir a liberação das cartas sindicais dos sindicatos filiados. Ela apontou o presidente da Força Sindical em Sergipe, Willian Roberto Arditti, como chefe do esquema no Estado. Segundo Adeilde, o registro custaria até R$ 40 mil. ISTOÉ mostrou ainda como Lupi e Paulinho da Força têm fabricado entidades sindicais para atender a interesses políticos e partidários. Em apenas três anos e meio, foram concedidos mais de 1,6 mil registros sindicais e outros 2,4 mil estão na fila de espera. Em média, surge um novo sindicato por dia no Brasil. O esquema está na mira do Ministério Público do Trabalho, que criou uma comissão especial de 16 procuradores para investigar as denúncias de ISTOÉ. O subprocurador geral do Trabalho, Ricardo Macedo, diz que a decisão foi tomada no fim de agosto, durante reunião nacional dos procuradores. “São denúncias graves que atentam contra a liberdade sindical”, afirma. Também devem integrar as investigações o MPF e a Polícia Federal. “É um caso que envolve não só o aspecto trabalhista, mas o criminal também.”
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SEM CARTA
Sindicato dos Trabalhadores em Bares e Restaurantes não teve registro reativado
As suspeitas envolvendo a concessão de cartas sindicais fragilizam ainda mais a posição de Lupi, que perdeu apoio dentro do PDT e do Palácio do Planalto. Na semana passada, ele teve de se defender de novas acusações de desvio de recursos em convênios com ONGs para capacitação técnica. Dois assessores tiveram seus nomes associados ao escândalo e já foram exonerados. Os deputados pedetistas Miro Teixeira (RJ), José Antônio Reguffe (DF) e o senador Pedro Taques (MT) pediram à PGR abertura de investigação. Lupi, confiante na relação de amizade com a presidente Dilma Rousseff, disse que não seria abatido facilmente e só deixaria o Ministério “à bala”. Dilma não gostou e mandou o ministro se retratar. Foi o que ele fez em depoimento na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, na quinta-feira 10. “Presidente, peço desculpas. Eu te amo!”, disse Lupi. Declarações de amor, contudo, não explicam as denúncias que pesam sobre o ministro e seus auxiliares.
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A cartada de Alckmin



Ciente da dificuldade de lançar Serra à disputa paulistana, governador pode recorrer a tucano que ameaçou deixar o partido

Pedro Marcondes de Moura

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SOLUÇÃO
Alckmin acredita na capacidade de Feldman para unificar o PSDB
Uma carta na manga do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pode mudar os rumos do jogo eleitoral paulistano. A 9.486 quilômetros da capital paulista, o secretário municipal da Articulação de Grandes Eventos, Walter Feldman, já se prepara para deixar o apartamento alugado em que vive há seis meses no bairro de Chelsea, em Londres. Oficialmente, sua missão de observador dos preparativos para os Jogos Olímpicos de 2012 chegou ao fim. Seu retorno, no entanto, já é visto por alguns líderes tucanos como uma solução para o labirinto em que se meteu o partido na sucessão municipal paulistana. No partido, Alckmin nunca escondeu o desejo de empurrar o ex-governador José Serra para a disputa da prefeitura. Mas, diante da notória dificuldade, Feldman é visto como uma espécie de plano B. Por ser ligado à velha guarda do partido, ele é um dos poucos nomes do PSDB em condições de pacificar a legenda e ser ungido candidato. “Não há dúvidas de que, se alguém conseguir unir Serra e Alckmin, todos os pré-candidatos saem do páreo”, analisa um deputado estadual do PSDB. Atualmente, a legenda tem quatro inscritos para disputar as prévias, ainda sem data marcada.

O maior obstáculo para a candidatura de Feldman pelo PSDB foi removido. O secretário municipal, para a maioria dos políticos, havia abandonado as fileiras tucanas antes de embarcar para Londres. O próprio chegou a anunciar a decisão há cerca de dois meses. Porém, segundo apurou ISTOÉ, mesmo sendo aliado de primeira hora do prefeito Gilberto Kassab, Feldman permanece filiado ao PSDB, partido do qual foi fundador. Na última semana, emissários de Alckmin sondaram o interesse do secretário, que ficou de analisar o convite. Em público, os envolvidos negam qualquer tratativa. Mas a articulação está em pleno curso. A jogada atenderia a diversos interesses. Com o apoio a Feldman, homem de confiança da dupla Kassab e Serra, Alckmin mantém o partido no comando da coligação municipal, aproxima-se do PSD e ainda agrada aos tucanos históricos. Para o prefeito de São Paulo, que viajará pela Europa ao lado de Feldman no fim do mês, a candidatura do secretário seria a alternativa mais viável para deixar um sucessor de sua confiança à frente da administração municipal.

Bancada acima da lei



Pelo menos 15 parlamentares condenados à prisão continuam soltos e exercendo seus mandatos graças ao excesso de recursos. Alguns até tentam legislar em causa própria

Izabelle Torres

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LISTA NEGRA
Alvo da Interpol, Maluf precisa
permanecer no País para não ser preso
 
Na política brasileira, há vícios de todos os tipos. O expediente é curto, as mordomias são grandes e a impunidade garante os desvios de conduta. As Casas Legislativas têm servido até mesmo de refúgio para gente que, segundo decisão dos Tribunais Superiores, poderia estar na cadeia. ISTOÉ mapeou os casos registrados nas diferentes esferas judiciais e encontrou nada menos do que 15 condenados à prisão que continuam a exercer seus mandatos parlamentares.

Há exemplos por toda parte. No Congresso, dois deputados federais, Natan Donadon (PMDB-RO) e Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), já foram julgados em última instância e condenados pelo Supremo Tribunal Federal, mas, graças a recursos, eles continuam nos cargos com tudo a que têm direito. Os crimes desses dois deputados são de naturezas distintas. Donadon foi condenado a 13 anos de reclusão por desvio de recursos públicos e peculato, enquanto Asdrúbal Bentes recebeu pena de três anos de prisão por praticar esterilização cirúrgica em troca de votos. Graças a embargos declaratórios, em que pedem explicação para as sentenças, ambos continuam a circular livremente pelos corredores do Congresso.
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DUPLA ENROLADA
Os deputados Natan Donadon e Asdrúbal Bentes (à esq.)
têm em comum o fato de ter sido julgados e condenados à prisão pelo STF

A Justiça também já tentou mandar para a cadeia os deputados Anthony Garotinho (PR-RJ) e Paulo Maluf (PP-SP). No caso do ex-governador do Rio de Janeiro, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região condenou-o a dois anos e seis meses de prisão por formação de quadrilha. Mas a pena foi revertida em serviços comunitários aliada à proibição de assumir cargos públicos. Mesmo assim, Garotinho recorreu e segue exercendo seu mandato na Câmara. No caso de Paulo Maluf, que responde a mais de 20 processos, uma dezena de pedidos de prisão se acumula e o ex-governador de São Paulo está na lista negra da Interpol. Se deixar o Brasil, Maluf pode ser preso na primeira escala internacional.

Enquanto esperam que seus recursos caminhem na fila dos milhares de processos pendentes no STF, políticos como Donadon ainda legislam em causa própria. Apresentam projetos de lei que muitas vezes servem justamente para aumentar o espaço para a corrupção. É de autoria do peemedebista, por exemplo, uma proposta que cria órgãos destinados a fiscalizar os Tribunais de Contas nos Estados e a que permite que empresas inidôneas continuem executando contratos com órgãos públicos, mesmo depois de denunciadas. Maluf, por sua vez, é padrinho da polêmica proposta que limita os poderes do Ministério Público, seu principal algoz.
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LIVRE
Embora tenha sido condenado a dois anos de prisão,
Garotinho cumpre expediente no Congresso

Além dos nomes famosos, pelo menos em oito Estados, há políticos que poderiam estar na cadeia e não nas cadeiras parlamentares. O deputado estadual de Alagoas, João Beltrão (PRTB), é um exemplo. Condenado a oito anos de reclusão pelo assassinato de um policial militar, estava foragido e foi diplomado este ano graças a uma procuração. Ele seria preso na porta da Assembleia Legislativa por policiais civis que o aguardavam para cumprir a decisão da 17ª Vara Criminal de Maceió. Mandou o filho em seu lugar e só apareceu em público quando adquiriu a imunidade parlamentar. O mandato também livrou o deputado estadual do Amazonas, Abdala Fraxe (PTN), de começar a cumprir a pena de seis anos e meio de prisão por formação de quadrilha e crime contra a paz pública. Em Rondônia, o deputado estadual Marcos Donadon (PMDB) – irmão de Natan Donadon – também deveria estar preso, não fossem as inúmeras possibilidades de recursos previstos na legislação brasileira. O peemedebista teria de cumprir pena de 16 anos de reclusão determinada pelo Tribunal de Justiça estadual por crimes de peculato, formação de quadrilha e desvio de dinheiro público.

Para o professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas Joaquim Falcão, o grande número de políticos condenados que continuam livres é resultado exatamente do excesso de recursos e da morosidade no julgamento dos casos. “O grande problema é que há 37 portas na legislação que permitem a chegada de um processo ao STF. Não se vê isso em lugar nenhum do mundo. Também há recursos postergatórios que podem ser apresentados até depois que o Supremo toma uma decisão. Isso adia o cumprimento das decisões judiciais e desenha esse quadro de impunidade que estamos vivenciando”, avalia o especialista. Em sua opinião, a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz o número de recursos possíveis em um processo é a chance de se punir pessoas que, mesmo condenadas à prisão, permanecem livres. O projeto foi elaborado pelo presidente do STF, Cezar Peluso, e está sendo analisado pelo Senado. “Somente fechando as brechas, poderemos reduzir o número de pessoas que usa desses artifícios para fugir das punições”, afirma Falcão.
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Recaída ruralista



Omissão do governo na votação do Código Florestal favorece os interesses de políticos ligados ao agronegócio

Izabelle Torres

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TENSÃO
Votação ocorreu em meio a manifestações de ruralistas e ambientalistas
A exemplo do que aconteceu na Câmara, os ambientalistas esperavam que o governo atuasse para diminuir a influência ruralista sobre o texto do novo Código Florestal, durante a votação no Senado. Na Câmara, o relator foi o deputado Aldo Rebelo (PCdoB), hoje ministro do Esporte, sensível às causas dos setores ligados ao agronegócio. Mas o Planalto tornou o projeto mais equilibrado, graças às pressões, no início do ano, do então ministro da Casa Civil, Antônio Palocci. Na última semana, porém, o governo praticamente ignorou a votação da proposta no Senado. Essa omissão permitirá que o relator, senador Luiz Henrique (PMDB-SC), flexibilize as normas que impõem regras para a recuperação de Áreas de Preservação Permanentes (APPs). Pequenos e médios proprietários ficarão isentos da obrigação de recompor as áreas agredidas, quando o projeto inicial obrigava todos os proprietários de terras em margens de rios a recuperar a mata ciliar. O comportamento do Executivo tem sido criticado por especialistas, que o acusam de colocar o destino da legislação nas mãos de políticos ligados ao agronegócio. “A impressão que temos é que o governo desistiu do Código Florestal. Está atuando como esquizofrênico nesse processo e o resultado disso é esse retrocesso de lei prestes a ser aprovada”, comenta Marcio Astrini, representante do Greenpeace no Brasil.

Devido à inércia do governo, na semana passada, quando se depararam com propostas de emendas capazes de dar um novo rumo ao código, hoje com um claro viés ruralista, os senadores trataram de adiar as votações para etapas seguintes. Foi o que fizeram com uma mudança defendida pelo senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), que aumenta as áreas abrangidas pelas regras de reflorestamento. “Acredito que vamos conseguir aprovar melhorias, apesar das críticas que a proposta vem recebendo”, diz o senador Rollemberg.

O otimismo do parlamentar, no entanto, não parece retratar nem de longe o sentimento da sociedade. Ao perceberem a ausência do governo nas discussões, ambientalistas e estudantes partiram para a guerra por conta própria. Manifestantes invadiram o Senado, xingaram parlamentares e foram agredidos pelos seguranças da Casa. Do outro lado do ringue, políticos proprietários de terras ameaçaram se rebelar caso as mudanças que desejam não sejam aprovadas. Presidente da Confederação Nacional da Agricultura, a senadora Kátia Abreu (PSD-GO) teve de ser escoltada para transitar no Senado.

Um STF menos conservador



Segunda indicação de Dilma Rousseff para o Tribunal, Rosa Weber tem perfil que pode virar o jogo a favor da ala considerada mais progressista do Supremo

Octávio Costa

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MUDANÇA DE LINHA
Rosa diz que todo juiz deve pensar nos efeitos sociais de sua decisão sobre a sociedade
Nem sempre o cavalo que larga na frente, nas tradicionais corridas de cancha reta no Rio Grande do Sul, acaba vitorioso. Muitas vezes o vencedor desponta a poucos metros da chegada. Na acirrada disputa pela vaga aberta com a aposentadoria prematura da ministra Ellen Gracie no Supremo Tribunal Federal, o resultado também trouxe surpresa. Sabia-se que a cadeira de Ellen, a primeira mulher a chegar ao STF, permaneceria em poder do sexo feminino. E muitos nomes foram citados nos últimos três meses, entre eles os de ministras do Superior Tribunal Militar, do Superior Tribunal de Justiça e também de advogadas e promotoras experientes. Mas a escolhida pela presidente Dilma Rousseff foi a gaúcha Rosa Maria Weber, 63 anos, atual ministra do Tribunal Superior do Trabalho. Torcedora fanática do Internacional, Rosa fará companhia à mineira Cármen Lúcia e aos demais nove ministros do STF até 2018. “O Supremo ganha uma magistrada exemplar de sólida formação jurídica e humanística”, festejou o presidente do TST, ministro João Orestes Dalazen.

Não se trata de uma mudança rotineira. A chegada de Rosa Weber ao STF altera o equilíbrio da balança na mais alta corte da Justiça brasileira. Ellen Gracie costumava se aliar à ala “legalista” do tribunal, como são chamados os ministros que definem seus votos estritamente pela letra fria da lei. Com Ellen, o lado de perfil mais conservador geralmente prevalecia nos julgamentos, somando seis votos contra cinco dos juízes qualificados como “humanistas” – aqueles que preferem interpretar as leis levando em conta as demandas sociais do País. Com a aposentadoria de Ellen Gracie, os empates vinham sendo comuns nos julgamentos do STF. Por esta razão, inclusive, o presidente do STF, Cezar Peluso, pressionava para que a presidente Dilma Rousseff definisse logo a nomeação de um novo ministro. Rosa Weber, reconhecida entre seus pares como uma juíza mais progressista, não vai apenas desempatar as votações, mas tende a virar o jogo em favor dos “humanistas”. A posse da nova ministra, prevista para fevereiro, poderá representar uma guinada expressiva no STF.

Formada pela UFRGS em 1971, Rosa deu seus primeiros passos na carreira como inspetora do Ministério do Trabalho. Em 1976, passou em concurso para juíza trabalhista e, dez anos depois, chegou a desembargadora por merecimento. Em fevereiro de 2006, foi nomeada para o TST pelo então presidente Lula. Mãe de dois filhos, Rosa defendeu a estabilidade da gestante no emprego, mesmo quando a gravidez for revelada durante o aviso prévio. E é favorável à licença de cinco meses após o parto. Também votou contra a submissão de trabalhadores a exames toxicológicos por parte das empresas, sem o devido consentimento.
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Fragata do Brasil em missão da ONU



Equipada para guerra, embarcação brasileira chega ao Líbano para patrulhar área de conflito que também envolve Israel e Síria

Adriana Nicacio

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Depois de 39 dias cruzando o Oceano Atlântico, a fragata brasileira União entrará pelo Mar Mediterrâneo na segunda-feira 14. Vai atracar no porto de Beirute e será o principal navio de guerra da frota composta por três embarcações da Alemanha, duas de Bangladesh, uma da Grécia, uma da Indonésia e outra da Turquia. Serão oito meses numa região conflagrada. Trata-se da mais longa missão da Marinha brasileira em águas internacionais desde o reinado de dom Pedro II. Cerca de 300 militares a bordo da União vão se unir à Maritime Task Force (MTF), que faz a interlocução entre o exército libanês e as Forças de Defesa de Israel. Esta força é comandada, desde fevereiro, pelo almirante brasileiro Luiz Henrique Caroli. A participação do Brasil numa missão de paz no Oriente Médio contribui para as pretensões do governo de assegurar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Caso obtenha êxito na missão, o País espera se credenciar ainda mais para a vaga nas Nações Unidas.

A tarefa não será fácil. Todo o ambiente é inóspito e novo para a Marinha brasileira. O Líbano tem seu território cercado por Israel e Síria, adversários históricos que ainda hoje disputam a demarcação das fronteiras entre si. Por isso, apesar de não ser uma das exigências da ONU, a fragata União (F-45) estará equipada para guerra. Militares brasileiros lembram que, na região, em 8 de junho de 1967, dois esquadrões de caças israelenses bombardearam um navio americano de coleta de dados. Mais recentemente, em 31 de maio de 2010, Israel atirou contra um comboio de navios em missão humanitária que iam para Gaza, na Palestina.

A Marinha acredita que a fragata brasileira está bem preparada e foi modernizada antes de partir para o Oriente Médio. Quatro novos sistemas de comunicação foram instalados. Cada borda da ponte de comando recebeu um tripé fixo para sustentar um sistema LRAD, arma acústica de grande potência. E todas as metralhadoras foram testadas.

Ao atracar em Beirute, na segunda-feira, os tripulantes ficarão baseados dentro do navio até que um grupo reduzido verifique o nível de segurança. E, sempre que forem ao continente, vestirão uniforme camuflado em vez da tradicional farda cinza. O macacão operacional será antichamas, o primeiro na história da Marinha. Na sexta-feira 18, quatro dias após a chegada da fragata União, desembarcam no Líbano o vice-presidente, Michel Temer, e o ministro da Defesa, Celso Amorim.

Desde o início de suas operações em 15 de outubro de 2006, a Maritime Task Force abordou mais de 35 mil navios e encaminhou cerca de 900 embarcações suspeitas às autoridades libanesas para novas inspeções. À fragata União caberá realizar patrulhas mais longas fora das 12 milhas marítimas do mar territorial do Líbano.