domingo, 10 de abril de 2011

Islandeses dizem 'não' a socorro a bancos

Jamil Chade
Enquanto milhares de pessoas saem às ruas das capitais europeias para protestar, é na Islândia que uma revolta de fato ocorreu no fim de semana. A população simplesmente foi às urnas e votou contra o uso de dinheiro público para indenizar bancos.


Em 2008, o país foi a primeira vítima da crise internacional. Seus principais bancos faliram e o país sofreu um colapso financeiro. Agora, coloca banqueiros na prisão e vota "não" ao pagamento de resgates.
Durante a quebra do sistema bancário em 2008, a falência de bancos da Islândia acabou causando prejuizos de quase 4 bilhões de euros para o Reino Unido e Holanda. Esses países haviam feito empréstimos aos islandeses e, em alguns casos, prefeituras desses países haviam depositado toda sua poupança nos bancos islandeses, em busca de lucros extras.


Com a quebra, o governo da Islândia e os credores chegaram a um acordo para o pagamento de indenizações. Inglaterra e Holanda usariam o dinheiro para compensar seus 340 mil cidadãos que perderam dinheiro depositados nesses bancos. Mas coube aos 320 mil habitantes da ilha no Ártico exigir que o assuntos passasse por um referendo.
O resultado, neste fim de semana, foi uma rejeição da proposta por 60% dos eleitores. A decisão foi lamentada pelo primeiro ministro, Jóhanna Sigurðardótti, que alertou ontem para um "caos politico e econômico" diante do resultado da votação.


Segundo ele, investimentos não estão entrando no país por conta da confusão em torno do futuro dos bancos. Agências de classificação de risco devem rebaixar a Islândia, diante do voto.
Mas a população neste fim de semana preferiu apenas comemorar. O argumento é de que não foram eles quem cometeram os abusos financeiros antes de 2008 e, portanto, não será com seu dinheiro que as dívidas serão pagas.

No Reino Unido, o governo já anunciou que levará a Islândia às cortes internacionais. "Estamos decepcionados", admitiu o número 2 do Tesouro britânico, Danny Alexander. "Esse processo acabará nas cortes. Temos a obrigação de recuperar o dinheiro que é dos cidadãos britânicos ", disse.
A Islândia, um pedaço de gelo e pedra nas proximidades do Ártico, nunca pensou que estaria tão vulnerável ao sistema financeiro internacional. Mas, com a crise de 2008, descobriu que sua expansão na última década havia sido baseada em pura alavancagem.


Em média, a produção anual de cada habitante havia gerado empréstimos de 10 milhões de euros. O desemprego era de 1% e, de uma economia baseada na pesca, se transformou em poucos anos num dos países mais ricos do mundo. O problema é que nada disso era baseado em uma expansão real da economia. Com a quebra mundial, descobriu-se que os três bancos islandeses haviam emprestado 12 vezes o tamanho do PIB do país. Desde 2008, o PIB contraiu em 15% e uma a cada quatro casas não terão suas hipotecas pagas.

O país com uma das tradições democráticas mais antigas da Europa havia se transformado em um campo de testes a ceu aberto para o neoliberalismo. Agora, a população decidiu que a história não acabaria com um resgate do FMI e aos bancos.

Os maiores executivos do país foram presos, como o banqueiro Sigurdur Einarsson, e agora os cidadãos declaram que não aceitarão pagar pelos erros dos bancos.
Os mais cínicos alegam que não se trata de uma revolta popular ou da coragem desafiadora de origem viking. Apenas a constatação de que a Islândia simplesmente não tem de onde tirar os 100 bilhões de euros que deve.

http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,finlandeses-votam-contra-proposta-de-indenizacao-de-bancos-,704389,0.htm

Hoje é a vez dos peruanos

10/4/2011, Carlos Noriega [de Lima], Página 12, Buenos Aires
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
  
Segundo todas as pesquisas, Humala, demonizado até a exaustão pelos jornais, televisões e jornalistas, é o favorito, mas não ganharia no primeiro turno e terá de disputar outra vez em junho contra Fujimori, Toledo ou Kuczynski.

A burguesia peruana está à beira de um ataque de nervos. Nas ruas dos bairros ricos respira-se o medo de uma vitória de Ollanta Humala, candidato das esquerdas, nas eleições presidenciais de hoje.

A grande dúvida é saber quem competirá com o candidato progressista no segundo turno. Na briga estão o ex-presidente Alejandro Toledo, que fez governo neoliberal entre 2001 e 2006, a deputada Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori (1990-2000) e o economista Pedro Pablo Kuczynski, candidato dos grandes grupos econômicos e favorito das classes alta e média-alta.
Os peruanos que hoje elegem o presidente e todos os 130 congressistas (congresso unicameral) são 19,850 milhões – incluídos os 754 mil que vivem no exterior e que também votam, dos quais 106.665 vivem na Argentina. Os 4.573 centros de votação abrem às 8h da manhã (10h na Argentina) e fecham às 16h.

Segundo as últimas pesquisas de ontem, às quais esse jornal teve acesso – a lei proíbe a publicação de pesquisas desde a 2ª-feira passada –, Humala consolida-se no 1º lugar com cerca de 30% dos votos, porcentagem praticamente idêntica aos 31% com que venceu o 1º turno em 2006. Na disputa pelo 2º lugar, onde até há alguns dias havia empate triplo, Keiko Fujimori conseguira vantagem, entre 2-5%, sobre Kuczynski e Toledo, que continuavam empatados. Mas é vantagem que nada garante.

Toledo e Kuczynski centraram a campanha, nos últimos dias, no esforço para apresentarem-se como melhor alternativa para “deter Humala” e evitar um segundo turno contra o candidato de esquerda, que temem por suas propostas para mudar o modelo econômico, e a filha do ditador condenado a 25 anos de cadeia por crimes de lesa humanidade e corrupção. Tanto fizeram entre si e contra Fujimori, que acabaram por deixar espaço para que Keiko Fujimori crescesse e se aproximasse do segundo turno, embora com pequena vantagem.

O partido do governo acabou sem candidato, quando a candidata virtual da situação, a ex-ministra da Economia Mercedes Aráoz, renunciou em janeiro, quando pesquisas mostraram que não teria mais que 3% dos votos. O presidente Alan García, com 70% de rejeição em todas as pesquisas, apoiou primeiro o ex-prefeito de Lima e direitista Luis Castañeda, enquanto seu nome apareceu no topo das pesquisas. Mas Castañeda desabou. Nos últimos dias, o secretário-geral do partido do governo pediu votos para Kuczynski, mas outros grupos do seu partido o desautorizaram. Toledo também procurou o apoio do partido do governo. Contudo, ante a impopularidade do governo, qualquer apoio oficial hoje pode ser abraço de afogado.

A campanha passou por várias fases. Luis Castañeda começou no 1º lugar, com folga. Sentia-se eleito. Mas logo começou a cair e hoje não tem qualquer possibilidade de ser eleito. Em janeiro, Toledo passou a liderar todas as pesquisas; para logo cair, tão depressa quanto subira. E Humala saltou de um distante 4º lugar, com cerca de 10% das preferências, onde permanecera por vários meses, para o primeiro lugar. Foi quando passou a ser furiosamente atacado pelos jornais, televisões e jornalistas. O ataque foi de tal modo violento que teve efeito contrário ao que os atacantes esperavam obter e Humala continuou ampliando a vantagem. Kuczynski, apoiado pelos jornais, televisões e jornalistas, ganhou terreno no último mês, sobretudo na classe alta e média alta que desertou da candidatura de Toledo e também se envolveu na disputa. No sobe e desce das pesquisas, Keiko Fujimori conservou sempre cerca de 20% dos votos – o chamado “voto fujimorista duro”.

Ollanta Humala, hoje o candidato favorito, capitalizou o descontentamento de amplos setores da população que não viram qualquer benefício do crescimento econômico do país. Propõe mudar o modelo econômico neoliberal, melhorar a redistribuição da riqueza, restaurar direitos trabalhistas, aumentar a participação do Estado em atividades estratégicas como energia e portos, e renegociar a relação com as multinacionais que exploram recursos naturais do país, fazendo com que paguem mais impostos, o que dará ao Estado maior capacidade para decidir sobre o uso daqueles recursos.

Keiko Fujimori é a continuidade do modelo neoliberal, imposto ao país pelo regime autoritário de seu pai, mas, como Humala, também se beneficia da ira de setores populares contra os políticos, que ainda veem Fujimori como o ‘não-político’ que, nos anos 90 tirou do poder os políticos tradicionais. Keiko Fujimori também tem apoios entre os pobres, que se beneficiaram do vasto clientelismo instaurado no Peru durante o governo de seu pai. Alejandro Toledo propõe-se a preservar o modelo político, mas garante que dará prioridade a programas sociais e a melhor redistribuição da riqueza. E Kuczynski é o homem do establishment econômico-financeiro.