quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A mão pesada de Kamel no JN

247 – Com Ali Kamel é assim: não importa que a Rede Globo funcione mediante concessão pública, renovada periodicamente, sobre o compromisso da isenção no noticiário, equilíbrio editorial e equidistância político-partidária. Em linha direta com João Roberto Marinho, o novo diretor da Central Globo de Jornalismo já atua, com menos de dois meses no cargo, com mão de ferro sobre a sociedade. Na quarta-feira 24, ao saber que pesquisa eleitoral encomendada pela própria Rede Globo ao Ibope havia apontado larga dianteira de Fernando Haddad, do PT, sobre José Serra, do PSDB, Kamel correu para a sala de João Roberto e, ainda mais rápido, ordenou que nenhum dos telejornais da casa noticiaria o fato. Os números, afinal, estavam em desacordo com os interesses do patrão – ali eles chamam esse ente de "casa".

A pergunta que se fez imediatamente ao silêncio sobre a notícia no Jornal Nacional, do qual se diz que William Bonner é apresentador e editor-chefe, e no Jornal da Globo, em que William Waack é apresentador e editor-executivo, é sobre se há, de fato, limites legais para a operação de uma concessionária pública de informação. Esse é o caso da Rede Globo. Ao longo da história, tais limites, impostos pelo Congresso Nacional, sempre foram meramente ornamentais, mas muita gente avalia que os tempos estão mudando. Um entendimento que não ultrapassa, nem de dentro para fora, nem de fora para dentro, pelo menos por enquanto, as grades da Rede Globo.

Ali, como Ali já deixou claro em seus primeiros cortes no espelho (esse é o jargão utilizado para definir a ordem das notícias que serão veiculadas num determinado jornal de tevê), vigoram os tempos em que, do mesmo cargo, o festejado jornalista Armando Nogueira não deixava que o tal Boeing do Jornal Nacional carregasse qualquer notícia contrária aos interesses do regime militar. Havia, inclusive, um index de pessoas que não poderiam, jamais, serem entrevistadas pelos profissionais da emissora, como o político fluminense Roberto Saturnino Braga, líder da investigação na Câmara Federal, na segunda metade da década de 1960, que comprovou que os equipamentos sofisticados da Globo, comprados naquele período, tiveram recursos saídos diretamente dos Estados Unidos, o que era e é proibido por lei. O famoso caso Time-Life (http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,5270-p-21890,00.html).

Ali também, e Ali conhece a história, a Globo, em pleno período de redemocratização, ignorou solenemente o comício das Diretas Já realizado em São Paulo, que juntou mais de 200 mil pessoas, e só noticiou, com muita má vontade, o comício das Diretas no Rio de Janeiro, com mais de 300 mil participantes, dias depois, porque aconteceu no quintal do então todo poderoso jornalista Roberto Marinho. O evento foi na Cinelândia, no centro do capital fluminense, e deixou o resto da cidade vazia. Até minutos antes de seu início havia a dúvida se a Globo, afinal, iria 'abrir câmeras' para registrá-lo.

Ali Kamel, com o padrão de gestão jornalística que já empreende, também resgata, pela semelhança, a memória do rumoroso caso Proconsult. Neste episódio, a Globo jogou no ar uma aferição paralela à apuração oficial dos votos da eleição para governador de 1982 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Proconsult), que prejudicava fortemente o político que acabou vencendo pelas urnas, Leonel Brizola. Além da Globo, a rádio Jornal do Brasil também tinha a Proconsult como fonte de apuração – e Ali Kamel era o chefe da rádio JB naquele período.

Quarenta anos depois, na quarta-feira 24, o boicote de Kamel, agora como número 1 do jornalismo global, à pesquisa que apontou a vitória de Haddad sobre Serra pode ser vista, sem exageros,, como um movimento dissimulado de tentativa de interferência no resultado. Como se sabe, quem está tão atrás como Serra em comparação com Haddad não gosta de ver esse tipo de projeção revelada, pelo potencial de desmobilização de seu próprio eleitorado. Ao boicotar a notícia, a Globo deu uma mão ao tucano em prejuizo ao petista. O levantamento, relembre-se, foi contratado pela própria Globo. Na véspera, vinte minutos do Jornal Nacional foram dedicados a uma edição especial sobre a 80ª sessão do julgamento da Ação Penal 470, num gesto em linha com a campanha de Serra, que usa o que se passa no STF para tirar votos do adversário.

Além de Nogueira, a mão pesada de Ali também guarda semelhança com a gestão, no mesmo cargo, de Alberico Souza Cruz. Frequentador assíduo do plenário da Câmara dos Deputados, onde procurava pelo interesse dos parlamentares para atendê-los ou, dependendo da coloração ideológica, contrariá-los nas transmissões da emissora. Ele caiu em desgraça depois que a direção da Globo suspeitou da ocorrência, no período de Alberico na década de 90, de troca de favores jornalísticos diretamente por dinheiro, sem intermediários, em mais de uma praça da rede, entre elas as milionárias São Paulo e Minas Gerais.

Sabe-se que a Globo não tem na audiência, mas sim no chamado Bônus de Volume (o popular BV entre publicitários e profissionais de mídia) o seu grande fator de receitas. Toda a verba publicitária que entra na emissora, vinda dos mais diferentes clientes, tem uma parcela resgatada, junto à própria Globo, pelas agências de publicidade que veiculam peças comerciais ali. O sistema de BV foi uma das grandes invenções de Roberto Marinho para o mercado, feita logo após ele conseguir a concessão pública para transformar a antiga TV Rio em TV Globo.

Anualmente, nos últimos exercícios, a emissora que Marinho deixou para seus três filhos comandarem fatura cerca de R$ 10 bilhões em anúncios. Estimado em até vinte por cento, pode-se inferir que cerca de R$ 2 bilhões desse dinheiro que entra saem pela mesma porta e voltam às agências de publicidade. Uma destas que, por exemplo, comprar uma das cotas master de anúncios para a Copa do Mundo, calculadas em R$ 7 milhões na última edição do evento, pode receber de volta cerca de R$ 1,4 milhão.

Com faturamento garantido e sem o estresse da luta pela audiência – o Jornal Nacional que já capturou mais de 50% dos aparelhos de tevê ligados em seu horário de exibição, hoje não passa de 36% na tabela do Ibope --, Ali Kamel aponta sua gestão para o passado, mirando-se nos exemplos de seus antecessores. Eram outros tempos, mas, até aqui, isso ainda não fez diferença. Centralizador ao extremo, ele não teve dificuldade, após receber a ordem para não dar a pesquisa com Haddad olhando Serra, distante, pelo retrovisor, de convencer William Bonner, editor-chefe do Jornal Nacional, e William Waack, titular da bancada do Jornal da Globo. Este último, questionado certa vez sobre quem é o público da Rede Globo dos dias de hoje, definiu o espectador médio da emissora como uma espécie de Homer Simpson, o boneco chefe de família americana com cara de bobo, voz de bobo e atitudes de bobo. Ali dentro da Globo, diante de Ali Kamel, entretanto, quem ficou com cara de Homer Simpson foram ele próprio e Bonner, cujas autoridades sobre seus jornais não passou da soleira da porta da sala do novo diretor geral de jornalismo.

Tudo indica que, seja quais forem os resultados das urnas, a Globo, com Ali no comando, será cada vez mais um partido político, operando o noticiário de seus jornais de acordo com os interesses privados de seus controladores. Uma atitude que, mesmo reprovável do ponto de vista ético, seria legalmente aceitável, mas não é. A Folha de S. Paulo e a revista Veja, por exemplo, para atenderem históricos compromissos com José Serra e o conservadorismo ideológico que ele representa, evitaram noticiar, até o limite de caírem no ridículo, o sucesso de vendas do livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr.

Com a Globo é diferente. Ao escolher se vai ou não noticiar, por exemplo, uma vitória do Flamengo, pelo fato de, sempre hipoteticamente, um de seus diretores ser Fluminense, a emissora estará colidindo com o interesse direto da opinião pública geral, que lhe empresta a concessão televisiva, por meio do Congresso. E não é para escolher entre o que pode ser dito sobre Fla e Flu que esta concessão é renovada, mas para que o público saiba o que acontece sobre Fla e Flu. Quando não noticia uma simples pesquisa de intenção de voto sobre uma eleição municipal, porque o resultado não agradou, Ali está dizendo que com ele ali, goste-se ou não, vai ser assim. O que ele parece desconhecer é que, com os tempos, mudam-se também os costumes, e a famosa 'lei do sempre foi assim' um dia pode ser revogada. O feitiço pode virar contra o aprendiz.

http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/83888/Concession%C3%A1ria-p%C3%BAblica-pode-sonegar-informa%C3%A7%C3%A3o-Concession%C3%A1ria-p%C3%BAblica-pode-sonegar-informa%C3%A7%C3%A3o.htm

Para rir ou chorar




Um juiz não pode querer condenar nem absolver, tem de procurar fazê-lo à margem de sua vontade

QUEM VIU a sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal, ou alguma das anteriores com o mesmo nível de ética e de civilidade, pode compreender que o ministro Joaquim Barbosa assim opinasse sobre o artigo do "New York Times" que qualificou de risível a Justiça brasileira:

"Eu apenas me referi a um artigo -com o qual concordo".

Mas compreender tal concordância do "novo herói nacional" não leva a compreender uma questão mais simples: por que o ministro Joaquim Barbosa permanece como componente dessa "Justiça risível", e no ponto culminante dela, se poderia desligar-se ao perceber seu caráter ou nem aceitar compô-la?
A resposta esperta seria a da permanência para lutar por melhorá-la. Resposta desgastada, é verdade, desde que certa corrente do comunismo não desperdiçava boas situações, com a alegação de que "a luta por dentro" era mais eficaz. Não só para o objetivo comunista, claro.

O artigo citado por Joaquim Barbosa ocupou-se das sessões de julgamento do mensalão. Nas quais o ministro é protagonista de cenas inspiradoras do comentário publicado. A própria referência ao artigo veio em mais um acesso de inconformismo de Joaquim Barbosa com a discordância, por sinal vitoriosa, de outros ministros à sua posição (esta, seguida pela linha-dura: Luiz Fux, Marco Aurélio e Ayres Britto).
Há pouco, houve críticas a um comentário cético do ministro Marco Aurélio sobre a próxima presidência do Supremo por Joaquim Barbosa. A preocupação se justifica, no entanto.

Os poderes maiores da presidência sempre implicam o risco de excesso incompatível com o tribunal. Se a discordância basta a Joaquim Barbosa para investir de modo insultuoso e atropelador, agora que suas condições hierárquicas têm as limitações de poder comuns a todo o plenário, não há dúvida de que o risco da futura presidência estará bastante aumentado.

Ainda ontem, quando discutida a proposta de condenação em que foi derrotado, Joaquim Barbosa voltou a uma afirmação intrigante lançada anteontem a respeito do ministro Ricardo Lewandowski: "O revisor barateia muito o crime de corrupção". Nas circunstâncias, não era uma constatação. A não ser a respeito do autor da frase e da atitude que expõe.

Cá fora, a descarga de raiva e a consequente ânsia de condenações, tão terríveis quanto possível, são partes das atitudes comuns. Mas um juiz não pode querer condenar nem absolver. Tem de procurar fazê-lo à margem de sua vontade.

O ministro Joaquim Barbosa, porém, em geral transmite a impressão -não de agora- de formular suas decisões com bem mais do que saberes jurídicos e reflexões.


Mais uma vez: "...o mensalão, idealizado pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu" (em "Valério cumprirá pena em regime fechado, decide STF", pág. A4 de ontem). Com três meses do julgamento no Supremo, o mensalão continua a receber essa origem, com frequência, em jornais, TVs e rádios.

E José Dirceu, para ser criador do mensalão, só pode ser imaginado no PSDB em 1998, com Marcos Valério, na tentativa fracassada de eleger o peessedebista Eduardo Azeredo para o governo de Minas.
Como é que isso ainda acontece? Eu é que não vou dar meu palpite.