domingo, 1 de julho de 2012

Presidiário-problema




Claudio Dantas Sequeira
chamada.jpg
DESCONTROLE
Carlinhos Cachoeira foi autuado recentemente por desobediência e desacato
Quando foi preso no dia 29 de fevereiro, o bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, estava tranquilo. Sabia com antecedência da investigação da Polícia Federal e que sua prisão era inevitável. Também estava confiante de que bastariam alguns telefonemas para recuperar a liberdade. Mas não foi isso o que aconteceu. Passados quatro meses, o contraventor continua atrás das grades e numa situação cada vez pior. Cachoeira tem crises de pânico, sofre de insônia e crescentes ataques de fúria. Discute com colegas de cela por qualquer bobagem e chegou a xingar e cuspir num agente penitenciário. Autuado por desobediência e desacato, o bicheiro corre o risco de se tornar um prisioneiro marcado por seu mau comportamento.

Na sexta-feira 22, Cachoeira recebeu a visita de um psiquiatra, que o examinou e resolveu aumentar a dose diária de antidepressivos. Não adiantou muito. Na semana passada, ao ter outro pedido de habeas corpus negado pelo STJ, o bicheiro surtou novamente. Descontrolado, aos gritos e xingamentos, queixou-se de seus próprios advogados, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos e sua auxiliar Dora Cavalcanti. Quem ouviu Cachoeira avalia que a substituição da dupla é uma questão de tempo. “Ele está decepcionado, não imaginava que ficaria tanto tempo preso”, diz um funcionário da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do DF (Sesipe). Segundo o servidor, a adaptação da maioria dos presos leva em média oito meses. No caso de Cachoeira, a ansiedade é alimentada pelo constante assédio da mídia e dos desdobramentos políticos do caso na CPI que investiga o esquema do bicheiro.

A advogada Dora Cavalcanti ressalta que o estado psicológico de Cachoeira se agravou após a libertação de outros réus do processo, como o espião Idalberto Matias de Araújo, o Dadá; o ex-diretor da Delta Claudio Abreu; o ex-vereador Wladimir Garcez; além de Lenine Araújo e o empresário José Olímpio Queiroga Neto. “As outras pessoas foram sendo soltas e a angústia dele aumentou”, afirma.
01.jpg
AZEDOU
A harmonia do casal Carlinhos Cachoeira e Andressa Mendonça
já não é mais aquela demonstrada durante a CPI há um mês
Além disso, as condições carcerárias de Cachoeira pioraram ao deixar a ala federal, onde dividia com dez pessoas uma cela projetada para 24 internos. No Centro de Detenção Provisória (CPD), ele se acotovela com outros sete internos num espaço de apenas nove metros quadrados. O desconforto só é amenizado por um colchão que ele recebeu de seus advogados. Para quem estava acostumado a uma vida social intensa, boa comida e viagens, o dia a dia de privações pode ser insuportável. “Ele não está aguentando, reclama muito da comida e da falta de privacidade”, diz outro agente.

Cachoeira tem direito a três refeições por dia. No almoço e no jantar, o prato se repete: arroz, feijão, uma verdura e um tipo de carne. Quando pode, ele corre para a lanchonete do presídio, onde consegue comprar a preço de mercado frutas, salgados e refrigerantes – a entrada de comida é proibida na Papuda. Além disso, só dispõe de R$ 100 por semana, quantia máxima que um interno pode portar. A rotina inclui ainda banho de sol duas horas por dia. Pela manhã (das 9h às 11h) ou à tarde (das 13h às 15h). O bicheiro não usa uniforme de presidiário, mas é obrigado a utilizar peças brancas e em número limitado. Ele mesmo tem que lavar suas roupas, mas pode usar sabonete próprio.

De acordo com agentes penitenciários ouvidos por ISTOÉ, o temperamento de Cachoeira oscila entre a irritação e momentos de apatia. “Às vezes, ele chora à noite”, conta um funcionário. Ele diz que o bicheiro se sente abandonado pela mulher, a bela Andressa Mendonça. Não por culpa dela. O problema é que Cachoeira, como preso temporário, só tem direito a visitas quinzenais e apenas 30 minutos de privacidade no parlatório, a suíte reservada para as visitas íntimas. O encontro mais recente ocorreu na quinta-feira 28. Segundo relatos, a harmonia do casal já não é a mesma daquela demonstrada durante a CPI há cerca de um mês. Os dois teriam discutido por ciúmes e Andressa chegou a questionar se Cachoeira tem ou não curso superior, o que significaria condições melhores de alojamento. 

O diploma do curso de administração que o contraventor disse possuir é considerado suspeito pela PF. Caso consiga comprovar sua formação superior, o bicheiro poderá ser transferido para o Centro de Internação e Reinserção (CIR), uma unidade considerada mais confortável. Mas, se depender de bom comportamento, Cachoeira deve continuar a ver o sol nascer quadrado por um bom tempo.
02.jpg
Fotos: BETO BARATA e DIDA SAMPAIO/AE; ANDRÉ DUSEK

Os direitos do paciente



01.jpg

Quitação da casa própria, isenção de Imposto de Renda na aposentadoria, prioridade na tramitação de processos na Justiça, receber a cópia da receita digitada e obter remédios de alto custo sem ter de pagar nada por eles. Esses são apenas alguns dos direitos que os pacientes brasileiros podem ter, mas dos quais muitos não se beneficiam simplesmente porque os desconhecem. “As pessoas sabem pouco sobre os seus direitos. Vejo isso todos os dias aqui no hospital”, lamenta o advogado Victor Hugo Neves, do Departamento Jurídico do Hospital A C Camargo, referência nacional no tratamento do câncer. Trata-se, porém, de uma realidade que começa a mudar graças a um movimento cada vez mais consistente orquestrado pela Justiça, advogados e entidades representantes de pacientes cujo objetivo é justamente divulgar e fazer valer todos os benefícios que ajudam a garantir um atendimento médico seguro e de qualidade. 

Parte das iniciativas mais importantes está sendo executada na esfera da Justiça. É a ela que os cidadãos recorrem cada vez mais, e é dela que recebem, também cada vez mais, decisões favoráveis a seus pleitos. “É só por intermédio da Justiça que o paciente muitas vezes tem um tratamento de qualidade”, diz a advogada Rosana Chiavassa, especializada em direito da saúde. Por conta da demanda, algumas decisões importantes estão sendo tomadas. Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo editou oito resumos contendo o entendimento dos juízes sobre alguns dos conflitos frequentes entre usuários de planos de saúde e operadoras. Esse mercado, que conta com 47,6 milhões de conveniados e 1.006 empresas, é o responsável pelo maior número de queixas que chegam aos tribunais.

“No meu escritório, há cerca de 30 liminares concedidas a pacientes de convênio para uma dada a um usuário da rede pública”, diz o advogado Julius Conforti, também especializado na área. As súmulas, como são chamados os resumos feitos pelo tribunal, afirmam que os juízes são favoráveis aos seguintes direitos, mesmo que não estejam previstos nos contratos dos planos: assistência home care, cirurgia plástica após realização de operação bariátrica, colocação de stents cardíacos, próteses e órteses, recebimento de quimioterapia oral, realização de exames e procedimentos envolvidos em doenças cobertas pelas operadoras, internação sem limite de tempo, ser informado pelo menos dez dias antes de descredenciamento por falta de pagamento e não sofrer reajuste por faixa etária a partir dos 59 anos.
03.jpg
O impacto da manifestação será grande. “A súmula serve como uma informação pública sobre o entendimento majoritário do tribunal. Espera-se que os juízes sigam a direção apontada por ela”, explica o desembargador Luiz Antônio Rizzatto Nunes, do Tribunal de Justiça de São Paulo. “E, quando um tribunal define uma súmula, tenta desestimular a prática de abusos pelas empresas.” As decisões também podem ser utilizadas por tribunais de outros Estados para fundamentar suas sentenças. 

Decisões referentes a batalhas anteriores já se transformaram em jurisprudência. Um dos exemplos é sobre o que foi estabelecido na chamada “Lei dos Planos de Saúde”, de 1998. Nela, estão especificados os tratamentos que os planos são obrigados a cobrir. As empresas defendiam que a norma só valia para contratos estabelecidos depois da lei. No entanto, em razão do número de ações na Justiça, ficou entendido que as regras valem para todos os contratos. “A data da assinatura do contrato é irrelevante”, afirma o advogado Gilberto Bergstein, há 20 anos atuando na área. 

A Associação Brasileira de Medicina de Grupo também participa do movimento que acontece na Justiça. “Estamos nos reunindo com magistrados para discutir a necessidade de criar comitês de especialistas para informar com profundidade os juízes”, diz Arlindo de Almeida, presidente da entidade. 

A mobilização dos agentes envolvidos na defesa dos pacientes está resultando em outras conquistas. Há dois meses, uma lei sancionada pela presidenta Dilma Rousseff determina que os hospitais não podem exigir o cheque caução no momento da internação. Quem infringir a legislação poderá receber pena de detenção de três meses a um ano e multa.

04.jpg

Também recentemente a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou portabilidade especial para pessoas demitidas sem justa causa e que querem permanecer no plano que tinham quando empregadas. Elas têm direito a ficar com o convênio por até dois anos após deixarem a empresa, dependendo do tempo de pagamento. E, com a resolução da ANS, dois meses antes do término do prazo o indivíduo pode mudar para outra operadora sem ter de cumprir carência.

Outra medida da instituição foi determinar prazos para o atendimento. As consultas pediátricas, de clínica geral ou obstetrícia, por exemplo, devem ser realizadas em sete dias a partir do momento que o usuário buscou o médico. Além disso, a ANS disponibilizou um telefone 0800 para receber as queixas dos usuários desrespeitados nesse direito. “O critério tempo é simples e tangível para o consumidor medir o grau de acesso ao serviço que contratou”, diz Maurício Ceschin, presidente da agência. No primeiro trimestre deste ano, a ANS recebeu cerca de três mil reclamações. “A operadora tem cinco dias para resolver a questão. Caso contrário, pode ser multada e até ter suspensa a comercialização do serviço em questão”, diz Ceschin. 

Em alguns municípios, pacientes com câncer, Aids e doença renal crônica, por exemplo, estão isentos de pagar IPTU. Campos do Jordão, em São Paulo, é um deles. “Incentivamos as pessoas a procurar os vereadores para propor leis assim”, diz Tiago Farina, diretor-jurídico do Instituto Oncoguia, especializado na assistência a doentes com câncer. “Também há projetos para atualizar a lista de doenças graves registrada no governo federal”, afirma Luciana Camargo, diretora-executiva da instituição. Composta por enfermidades como câncer, esclerose múltipla e Parkinson, a lista serve de base para definir quais as doenças cujos pacientes podem se beneficiar com vários direitos, boa parte deles de cunho social. Um exemplo é o direito de pessoas com câncer de sacar o FGTS.
07.jpg

A história da luta por melhores condições de atendimento é recente, se comparada a outras causas. “O Direito da Saúde começou na década de 50, com o começo dos programas de assistência de saúde nas empresas”, conta Fernando Scaff, coordenador do curso de pós-graduação em direito da saúde da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. E, por se tratar de uma área dinâmica – os avanços na medicina são frequentes –, legisladores, advogados e juízes muitas vezes se veem entre um certo descompasso entre o que dizem as leis e o que a ciência já oferece.

O problema se reflete principalmente quando se fala nos tratamentos que devem ser cobertos pelos planos. Muitas das novidades estão em uso, mas ainda não foram incluídas no rol da ANS do que deve ser pago. Um dos exemplos é a cirurgia robótica, técnica adotada em alguns casos por apresentar menores riscos. “Outro caso é o transplante de coração”, diz a advogada Joana Cruz, do Instituto de Defesa do Consumidor. Em geral, as operadoras negam a cobertura a procedimentos do tipo, mas a chance de o conveniado obter na Justiça o seu custeio é grande. No âmbito público, essa discussão também aparece. Por isso, o Ministério da Saúde criou um comitê para avaliar a incorporação de novas tecnologias ao SUS, uma medida que deve repercutir na redução das demandas judiciais. Em 2011, o ministério foi citado em 12.811 ações judiciais com pedidos de medicamento, por exemplo. 

Para que a assistência seja mais efetiva é preciso superar alguns obstáculos. O primeiro é fazer com que mais gente conheça os direitos. “Os usuários dos planos acabam convencidos de que não têm direitos, deixam de receber tratamentos e pagam pelo que não devem”, afirma Horácio Ferreira, advogado da saúde. “É enorme o número de pessoas que precisa de ajuda”, diz Vinicius de Abreu, representante da ONG Saúde Legal.
08.jpg

Brechas na legislação também impedem o alcance total da Justiça. No Procon de São Paulo, das 7,2 mil reclamações contra planos de saúde recebidas no ano passado, 950 não tiveram solução. “As operadoras se aproveitam das lacunas na legislação, em prejuízo do consumidor”, diz Paulo Arthur Góes, diretor da instituição.

E, mesmo quando a Justiça já garantiu o direito, pode haver dificuldades. “Muitos hospitais apresentam resistência à aceitação das liminares e só liberam o procedimento quando chega a autorização do plano”, conta o advogado Julius Conforti. Nesses casos, o paciente pode chamar a polícia. Outro direito garantido, mas que também pode exigir esforço de quem quer usufruí-lo, é o acesso aos medicamentos de alto custo. Não é raro que o estoque dos postos de distribuição não esteja abastecido. “Mas, apesar dessas dificuldades, estamos avançando”, diz o advogado Conforti.
02.jpg
05.jpg
06.jpg

Montagem sobre foto de shutterstock. Fotos: Kelsen Fernandes; João Castellano/Ag. Istoe; Kelsen Fernandes; Orestes Locatel