segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Para a PODER, Roberto Kalil Filho fala sobre doenças cardiovasculares




Por Márcia Rocha para revista PODER

Foi a endrocrinologista Claudia Cozer que tirou o marido da roda-viva de trabalho em que ele estava. Não que o cardiologista Roberto Kalil Filho trabalhe menos. “Ela ficou tanto no meu pé que, agora, duas sextas-feiras por mês saio do hospital por volta de meia-noite e viajo para uma casa que temos perto de São Paulo. Volto domingo na hora do almoço e vou direto para o hospital”, conta.

Claudia também conseguiu que o marido começasse a praticar exercícios com regularidade – por isso, entenda-se caminhar na esteira três vezes por semana e fazer aulas de Pilates uma vez por semana. Uma vitória e tanto, já que o doutor Kalil é uma verdadeira máquina de trabalhar. Por volta das 7h30 da manhã, já está a postos no Instituto do Coração (InCor), onde trabalha desde a década de 1980 – atualmente, é professor titular de Cardiologia da Faculdade de Medicina da USP, presidente da comissão de ensino, da comissão científica e diretor da divisão clínica, além de vice-presidente do conselho diretor da instituição. De lá, segue direto para o Hospital Sírio-Libanês a fim de visitar os pacientes internados. Depois, faz um almoço rápido – geralmente no restaurante do hospital mesmo – e atravessa a rua para atender em seu consultório. Sai por volta das 22h30 e volta ao Sírio, onde fica até meia noite. Entre seus pacientes estão a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e José Sarney, só para citar alguns figurões da política nacional. Ele também atende a outros famosos, como Roberto Carlos e Gilberto Gil. A todos, dispensa o mesmo tratamento. “São poderosos fora do consultório. Aqui dentro são apenas pacientes e estão sob minha responsabilidade”, diz.

Kalil também é consultor do programa matinal Bem Estar, da Rede Globo, desde a estreia, há dois anos. Lá, alerta a população sobre os riscos das doenças cardiovasculares – pacote que inclui doenças dos vasos do coração e do cérebro, angina – o termo médico para dor no peito – e acidentes vasculares cerebrais (AVCs), os derrames. Ele também está escrevendo um livro sobre cardiologia com um especialista de renome mundial, Valentin Fuster, espanhol que dirige a área de cardiologia do Mount Sinai Medical Center, em Nova York. O lançamento está previsto para o ano que vem.

Nesta conversa com PODER, entre ligações para duas de suas oito assistentes a fim de monitorar pacientes, o médico fala sobre o impacto das doenças cardiovasculares na população mundial, o risco para as mulheres, a impotência diante da morte e sua relação com a medicina, entre outros assuntos.

PODER: O que dizem as estatísticas sobre as doenças cardiovasculares?

Roberto Kalil Filho: As doenças cardiovasculares (DCVs) são a maior causa de morte no mundo, seguidas de longe por alguns tipos de câncer.Projeções da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que elas serão a maior causa de mortalidade nos próximos 20 anos. As DCVs estão relacionadas a fatores hereditários, que são importantíssimos, e também a fatores de risco, como hipertensão, colesterol alto, diabetes, obesidade, tabagismo, uso de drogas e o estresse do dia a dia. É uma doença típica de países desenvolvidos. A poluição, por exemplo, aumenta em 2,5 vezes as chances de alguém ter problemas cardíacos. No campo das drogas, o consumo de cocaína pode elevar esse risco 25 vezes.

PODER: As mulheres infartam mais?
 
RKF: Há um mito de que a mulher não infarta, o que não é verdade. A incidência aumenta depois dos 55, 60 anos, quando ela entra na menopausa e perde a proteção do estrogênio sobre a parede dos vasos sanguíneos. Aí, vem outra questão importante: é preciso fazer reposição hormonal? Isso é uma grande discussão, porque não são todas as mulheres que precisam fazer reposição hormonal para prevenir doenças cardiovasculares. Porque a reposição hormonal não protege do jeito que se achava. O maior problema é que, dos 40 aos 60 anos, as mulheres não se cuidam. Elas costumam fazer mamografia e papanicolau uma vez por ano. Mas quantas avaliações cardiológicas fazem por ano? Isso quer dizer que uma mulher chega a passar 20 anos sem fazer check-up cardiológico. Ela não se preocupa muito com os fatores de risco e, quando tem a doença cardíaca, aos 60 anos, o quadro está bem mais grave, porque ela não se cuidou. E nas mulheres jovens ainda há outros problemas a considerar, como o tabagismo, uso de anticoncepcionais, não fazer exercícios, estar acima do peso… Elas também correm risco de infartar, principalmente se tiverem fatores hereditários associados. As mulheres devem fazer avaliação cardiológica como os homens. Mas não têm esse hábito, porque existe o mito que mulher não infarta.

PODER: Depois que infartam, as mulheres morrem mais do que os homens?

RKF: Como ela não se cuida, muitas vezes a incidência de morte é um pouco maior. Mas não é isso o que importa: o fundamental é que a mulher infarta da mesma maneira que o homem. Já que as mulheres querem igualdade em tudo, têm igualdade também na doen-ça coronária. Só que isso acontece quando elas ficam mais velhas – aí, elas infartam tanto quanto os homens.

PODER: A partir de que idade homens e mulheres devem fazer exames preventivos para problemas cardiovasculares?

RKF: O melhor é consultar um clínico geral e ele faz a programação baseada nos fatores de risco. Se você vem ao meu consultório e não tem fatores genéticos associados, não fuma, não bebe e faz exercícios com regularidade, eu, provavelmente, vou pedir um teste de esforço a cada dois anos. Para homens e mulheres, o mais importante é procurar orientação médica – sempre.

PODER: Poderosos e pessoas que têm vida pública correm mais risco de ter problemas do coração?

RKF: As pessoas que vivem expostas publicamente não são diferentes de grandes executivos. E, como a doença coronária está diretamente relacionada ao estresse, essas pessoas correm mais risco, sim. Porque não costumam levar uma vida regrada, não fazem exercícios físicos com regularidade.

PODER: Depressão tem a ver com o aumento de problemas cardiovasculares?

RKF: Tem, sim. Existem estudos comprovando essa relação. Entre outros fatores, quem tem depressão é mais sujeito a estresse, o que predispõe aos problemas cardiovasculares. Além da depressão, há outros fatores de risco não cardíacos superimportantes, como, por exemplo, o sono. Ele é fundamental sob vários aspectos – desde pessoas muito agitadas que costumam dormir mal à apneia do sono (obstrução das vias respiratórias que inibe a passagem de ar por alguns segundos várias vezes durante a noite), que aumenta o risco de obesidade e hipertensão. A pessoa não descansa, é um estresse constante. A apneia do sono aumenta o risco de doença cardíaca, sim. Assim como a depressão.

PODER: Mas com a evolução da medicina, por que a taxa de morte por doenças cardivasculares ainda é tão alta?

RKF: A cardiologia é uma especialidade que evoluiu bastante e a brasileira não deixa a desejar para nenhuma do mundo – aliás, a medicina brasileira como um todo. Os médicos são muito preparados, competentes, temos centros de referência mundial.

PODER: Apesar disso, por que as pessoas estão morrendo e vão continuar morrendo?

RKF: Há vários estudos mostrando que o grande problema é a falta de prevenção. Quando o paciente infarta, ele tem a mais alta tecnologia para tratá-lo. Tanto que o risco de alguém morrer de infarto hoje é menor do que há dez anos. Mas por que as pessoas estão infartando mais? Por falta de prevenção. Por mais que haja campanhas das sociedades médicas, dos governos, a população não se conscientiza. E isso acontece no mundo inteiro.

PODER: Quais são os sintomas de que alguma coisa não vai bem com o coração?

RKF: O grande problema da doença coronária é que 50% das pessoas apresentam dor intensa no peito, no braço esquerdo, suor frio – chegam no pronto-socorro como se estivessem com uma placa “estou infartando”. Acontece que a doença cardiovascular é traiçoeira, insidiosa. Para os outros 50%, ela pode aparecer como uma dor leve no braço, nas costas, no estômago, pode ser algo parecido com angústia, que aperta o peito e sobe para o pescoço, uma dor que deixa a mandíbula dolorida ou outro sintoma inespecífico. As pessoas acabam morrendo porque, como a dor vem e passa espontaneamente, não procuram atendimento médico. Ou a pessoa sente dor de estômago, toma um remédio e a dor passa. Ou tem dor de dente e vai ao dentista, quando, na verdade, o problema é no coração.

PODER: O senhor se considera duro com seus pacientes?

RKF: Extremamente. O paciente é poderoso daqui para fora. A partir do momento em que entra por aquela porta, está sob minha responsabilidade. Então, sou extremamente rigoroso e realista, explico que ele tem de se cuidar, sou bem duro. Não fico dourando a pílula. Minha consulta não é um bate-papo, é uma consulta técnica.

PODER: O senhor se sente poderoso?

RKF: Poderoso, não. Sou sério.

PODER: E quando se sente impotente?

RKF: Quando você perde o paciente, se sente completamente impotente, incapaz, um lixo. Isso acontece até hoje, mesmo com toda a minha experiência. Para um médico, é muito difícil lidar com a morte do paciente. Não digo que dê a ideia de falha, porque um profissional sério faz tudo pelo paciente, mas dá uma ideia de incapacidade mesmo, de “eu não pude com isso”.

PODER: O que tira o senhor do sério?

RKF: Com a minha equipe, o que mais me irrita é mentira, enrolação. Por exemplo: eu ligo para uma das minhas assistentes e ela diz que está na UTI e não está. É uma bobagem, mas me irrita. Incompetência também me tira do sério. Outra coisa é quando minhas assistentes não atendem ao celular no primeiro toque – como agora, por exemplo (enquanto fala, está ligando para uma das assistentes). Eu atendo o celular no primeiro toque. Quando dá três toques e cai na caixa postal, fico transtornado! Também fico irritadíssimo quando uma secretária pergunta: “Vamos trabalhar no próximo feriado?”. Claro que sim! Natal, carnaval, isso não existe!

PODER: O senhor exige de seus assistentes a mesma dedicação pela carreira?

RKF: Sim, mas eles trabalham menos do que eu. Agora, têm de apanhar mesmo. Apanhei muito do doutor Pileggi (Fulvio Pileggi, diretor do InCor, tio de Kalil e de quem ele foi assistente), ele era muito duro. Essa geração de hoje é muito mais mole. Na minha época, a formação dos residentes era muito diferente, um esquema militar. Com o doutor Pileggi era 24 horas. Hoje, é tudo mais liberal. No InCor, impus um sistema rígido, porque é só assim que funciona. Tem de ter horário, responsabilidade, respeitar hierarquia, seguir protocolo – senão, não vai ser médico!

PODER: É verdade que o senhor não gosta de viajar?

RKF: É verdade, eu não gosto. Mas aprendi a descansar nos fins de semana. A Claudia me fez ver a importância disso. A vida inteira sempre vim ao hospital todos os dias. Nunca tive sábado, domingo, feriado. Mas a Claudia ficou tanto no meu pé que agora faço exercícios. Nos fins de semana, temos uma casa próxima a São Paulo. Então, duas sextas-feiras por mês, saio do consultório e vou para lá. No sábado, ando, faço exercício, descanso, durmo e, no domingo, volto para o hospital. É muito bom, até porque fico mais tempo com as minhas filhas, Rafaella e Isabella. Elas adoram!

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PODER Acompanha Ex-cara-pintada, Lindbergh Farias, no Congresso Nacional




Por Paula Bonelli para revista PODER

Luiz Lindbergh Farias Filho estava no Aeroporto Santos Dumont, no Rio, pronto para embarcar para Brasília no fim da tarde daquela fatídica segunda-feira, dia 17 de junho, em que os protestos, com milhares de jovens nas ruas, se espalharam por todo o país. Ao contrário de Charles Lindbergh, piloto americano que inspirou seu nome e ficou famoso em 1929 quando cruzou o Atlântico pela primeira vez em um avião, Lindbergh Farias perdeu seu voo.

Ao ver as cenas de violência e a confusão no centro do Rio, o senador petista e pré-candidato ao governo fluminense tentou falar com o filho Luiz, de 17 anos, que estava na manifestação. Como não conseguiu, voltou desesperado para casa. À noite, o jovem surgiu são e salvo no apartamento da família, no Leblon. Farias liderou o movimento “cara-pintada” que culminou no impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, invadiu o Ministério da Educação, em Brasília, várias vezes e a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro para protestar contra as privatizações. Hoje, ele reconhece que mudou: “Engraçado: fiz tanta passeata na rua. Aí, você vira pai e fica preocupado”. O cara-pintada tem 43 anos.

O senador recebeu PODER para acompanhá-lo em seu dia de trabalho no Congresso Nacional e logo foi mostrando, orgulhoso, a foto do filho no celular com o rosto pintado de verde e amarelo. Aquela terça-feira, pós-levante dos jovens, foi um dia em que todos os maiores gabinetes levaram um sacode das ruas. A torre de babel habitual do Congresso de Brasília transformou-se em um caldeirão ainda mais fervente de pressões, estresse e cotoveladas políticas. Parlamentares, como Lindbergh, desesperados em busca de voz e de poder, acreditavam que tinham a melhor ideia e a melhor articulação para impô-la.

Lindbergh acabara de presidir a sessão da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, em que, articulado com o governo, incluiu na pauta o projeto de lei do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) de desoneração da tarifa do transporte público por meio do abatimento de impostos sobre diesel, bens e equipamentos e a redução da alíquota de contribuição sobre a folha de salários de 2% para 0,5%. Era a solução do dia para reduzir o preço das passagens de ônibus e remediar os conflitos nas ruas. Relator do projeto no Senado, Lindbergh viu a onda se formar lá no fundo e sentiu que iria surfar nela. Por isso, deu entrevistas sem parar. Quando se deu conta, já eram 13h30. Gritou no corredor para a assessora, que tentava há tempos se comunicar com ele: “Vou para o hotel tomar um banho!”, diz, passando antes pelo plenário para marcar presença na sessão. Na saída, um pastor se engancha em seu braço. Ele repete insistentemente: “Passa no gabinete à tarde”. E se livra. Consegue, finalmente, chegar no carro, uma SUV Toyota Hilux prata que o espera na porta do Senado. A ideia é correr até o hotel Royal Tulip Brasília Alvorada, tomar o segundo banho do dia e estar de volta às 14h para presidir a audiência pública com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.

 

MOTO-CONTÍNUO

Segundo banho do dia? E o almoço? “Banho é mais importante. Para dar uma levantada. Eu saí de casa faz nove horas”, justifica Lindinho, apelido que Lindbergh Farias recebeu pela beleza física e a atenção à boa forma. Ele é triatleta. “Preciso convencer o Guido Mantega”, diz, ainda, fascinado com a proposta do preço das passagens. Pede para João, o motorista que faz as vezes de secretário, ligar para marcar audiência com o ministro da Fazenda. Primeiro, Tombini e depois, Mantega. Que dia!

O telefone toca. É o marqueteiro/conselheiro Valdemir Garreta: “O melhor lugar para dar a pesquisa é na coluna do Ilimar Franco”, diz o pré-candidato. Desliga e explica: “Saiu uma pesquisa de intenção de votos ao governo do Rio que deu Anthony Garotinho com 23%, eu com 21%, Pezão com 8%, Cesar Maia com 12%, Crivella com 10%. Tá muito bom. O Garotinho tem uma rejeição muito grande e eu tenho uma taxa de desconhecimento grande no Rio. Impressionante!”, sorri, confiante.

Enquanto a reportagem espera no saguão, Lindbergh toma um banho de 15 minutos e volta para o carro fazendo o nó da gravata com o chefe de gabinete de Alexandre Tombini ligando no celular. “Em cinco minutos estou lá”, responde. “Acelera, João!”, fala para o motorista, enquanto dá aulas para a oposição tucana. “É uma sessão importante com o Tombini porque vamos falar de inflação, juros e programação monetária. Acho que a oposição está desarticulada porque é um bom lugar para eles irem bater bumbo na inflação. Mas está havendo um almoço dos senadores do PSDB com  Fernando Henrique Cardoso”, comenta. Em cinco minutos, a Hilux encosta no Senado. Muito barulho por nada. A sessão foi vazia, poucos senadores, poucos questionamentos. Tombini esquivou-se fácil e rapidamente. Lindbergh, tampouco, fez perguntas ao presidente do BC.

Sessão terminada, Lindbergh se recolhe durante 20 minutos. “Está despachando”, diz o assessor. Ressurge esbaforido de seu gabinete do Senado. Finalmente, vai comer o almoço natureba, à base de arroz integral.



TROCA-TROCA

Como o pai Luiz, que é médico, Lindbergh fez medicina, mas só durante três anos. Com 16 anos entrou para a Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Depois, mudou para direito, curso mais compatível com as exigências do movimento estudantil. Também não concluiu. O pai também foi da UNE, vice-presidente em 1959, de esquerda, naturalmente: “Com o golpe militar de 64, ele foi para a França. Tinha uma biblioteca enorme. Depois, voltou para a Paraíba. Eu, com 14 anos, era o garoto politizado, sabe qual é? Aquele esquerdinha (risos). Gostava de Trotsky, Lenin… gostava de todos esses. Primeiro, de Che Guevara. Tinha uma coisa romântica com o Guevara, o médico que dedica a vida à causa do povo. É uma coisa muito bacana esse espírito da juventude de se entregar ao sonho de mudar o mundo. O Guevara era esse sonho”. Quando foi eleito secretário-geral da UNE, em 1991, o pai de Lindbergh estava na França. “Ele ficou desesperado, porque eu me mudei para São Paulo, onde ficava a sede. Foi para lá, tentar me convencer que aquilo era  maluquice. Eu olhei para ele e disse: ‘Mas você não fez isso também?’”, lembra. Na época, Lindbergh trancou o curso de direito e foi morar no Brás, bairro da zona leste paulistana. “Em uma república, que eles chamavam de ‘aparelho’, com o ex-ministro Orlando Silva e mais dez pessoas.”
Depois de presidir a UNE e liderar o movimento caras-pintadas, Lindbergh escolheu o Rio para seguir com a carreira política. Foi eleito deputado federal, em 1994, pelo PCdoB. Depois, rompeu com os comunistas e passou para os trotskistas do PSTU. Não conseguiu se reeleger porque a legenda não atingiu o coeficiente eleitoral. Rompeu com o PSTU. Em 2002, a convite de Lula, entrou no PT e foi eleito deputado federal. Elegeu-se prefeito de Nova Iguaçu, uma das principais cidades da Baixada Fluminense, em 2004 e 2008. Em 2010, chegou ao Senado como campeão de votos no estado. “O Rio abraça todo mundo que é de fora, não tem preconceito. Elegeram um paraibano para representar o estado. Mas o Rio tem isso. Elegeu o Brizola. Um negócio que me incomodava é que o PT era forte só na zona sul do Rio – e a Baixada Fluminense é onde moram 4 milhões de pessoas, os trabalhadores. Então, tive vontade de fazer esse trabalho. E também teve um cálculo político de criar raízes no meio do povo da cidade. Acho que fiz um movimento certo.”

Seu estilo é de líder popular, como o de Lula, não de um líder estudantil típico. Sem bravatas, só promessas, a não ser quando o assunto é o governo de Sérgio Cabral, o governador que ameaça detonar a aliança de seu partido com a base de apoio a Dilma, se Lindbergh sair candidato. “O Cabral teve relação de parceria com Lula e Dilma por muito tempo. Não pode chegar agora e colocar nesses termos. Não gosto dessa postura, não é democrático. Se eu puder dizer algo para o PMDB do Rio, eu digo ‘nos deixe em paz’. Sigam o caminho de vocês.” Lula o proibiu de falar mal de Cabral, mas Lindbergh garante que o ex-presidente deu sinal verde e apoia sua campanha a governador pelo PT – sem repetir o que fez na última eleição quando o obrigou a não sair candidato ao governo do estado.

Mesmo com os peemedebistas do Rio jurando de pé junto que vai acontecer, Lindbergh acredita que sua candidatura não romperá a aliança porque a Vice-Presidência deve ser mantida nas mãos de Michel Temer. Não se abala, dando o mote da campanha: “Acho que houve uma concentração de investimentos muito grande na Barra da Tijuca e na zona sul (no governo de Cabral). Acredito que isso criou um sentimento de Rio dividido. As pessoas estão reclamando muito”. Segundo ele, com metade dos R$ 8,5 bilhões destinados ao metrô de Ipanema para a Barra da Tijuca é possível transformar todos os trens da SuperVia que passam no subúrbio em metrô de superfície. “A meu ver, essas manifestações em São Paulo e no Rio estão associadas às dificuldades do povo na região metropolitana”, completa.

Fala durante mais 40 minutos sobre vários assuntos. Entre eles, os 15 inquéritos do Ministério Público (fase preliminar) que estão no Supremo investigando sua gestão em Nova Iguaçu, nega todas as irregularidades, diz que enfrentou um esquema poderoso de coronel na baixada, lamenta que a vida de político seja tão dura e conta que vai disputar a eleição oferecendo seu sigilo fiscal e bancário para todo mundo. Desafia seus adversários a fazer o mesmo. Atendeu à rádio Jovem Pan e explicou ao vivo, mais uma vez, o projeto de redução de tarifa. No meio disso tudo, ainda atende a uma ligação da ministra Ideli Salvatti para articular o projeto com o governo. Depois, ele para, afunda na cadeira e confessa: “Eu estou tão ruim. Bateu um cansaço agora…”. A assessora avisa que abriu o painel de votação no Senado. A adrenalina volta, ele se levanta e sai correndo em direção ao plenário. Vai votar. Votar em quê? Qual é o tema? “Eu não sei.” Depois da sessão, se reúne com Guido Mantega e o deputado federal Carlos Zarattini. O ministro diz que o governo federal se antecipou e já fez desonerações e que não há mais espaço para outras. A perda fiscal para a União com o projeto seria da ordem de R$ 4 bilhões.

No dia seguinte, a presidente Dilma e Lula, aflitos com o levante dos jovens, convenceram Fernando Haddad a arcar com custos da redução da passagem, desfalcando ainda mais os cofres da prefeitura de São Paulo. Geraldo Alckmin também arcou com esse ônus. Pelo jeito, os heróis de Lindbergh atropelaram o projeto que ainda está tramitando.

NOVA LEVA

Cinco jovens com muitos votos e disposição para a política

Amanda Gurgel, 32 anos, vereadora, PSTU do Rio Grande do Norte

Militante do movimento estudantil e representante dos estudantes de letras na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Amanda, que é professora da rede pública de Natal, entrou para o mundo da política de um jeito não convencional, em 2011. Na ocasião, participou de uma sessão na Assembleia Legislativa regional e fez um discurso sobre a precariedade do ensino público no estado. O vídeo, que teve enorme repercussão nas mídias sociais, deu a Amanda e ao PSTU – partido do qual é filiada desde 2010 – oportunidade de expor as insatisfações dos profissionais do ensino. “Não pude me insentar e dizer que não faria parte, pois as pessoas me cobravam uma posição”, diz. Amanda é uma das principais defensoras do projeto que prevê que 10% do PIB nacional sejam destinados à educação. Também participa da elaboração do projeto de lei Passe Livre e de outro na Câmara Municipal para limitar o número de alunos por sala de aula nas escolas públicas.

Domingos Neto, 25 anos, deputado federal, PSB do Ceará

Filho do vice-governador, Domingos Filho, e da secretária de Turismo de Fortaleza, Patrícia Aguiar, em 2009 foi convidado pelo atual governador do Ceará, Cid Gomes, a juntar-se ao PSB. Aos 22 anos, Domingos Neto foi eleito o deputado mais jovem do estado, e também o mais votado, com mais de 240 mil votos. A partir daí, assumiu a presidência da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Juventude, na Câmara dos Deputados e da Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU), onde atua para viabilizar as obras da Copa do Mundo, sendo também o mais jovem da bancada. Este ano, tornou-se secretário municipal da Copa. Busca recursos e defende as cidades que enfrentam o problema da seca no Nordeste. Seu projeto futuro é ambicioso: pretende reverter verbas do fundo partidário para a formação política de jovens, como em uma escola.

Manuela D’Ávila, 32 anos, deputada federal, PCDOB do Rio Grande do Sul

Militante desde os 16 anos, Manuela, que é jornalista, filiou-se ao PCdoB em 2001. Entre 2002 e 2003, foi membro do Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e diretora nacional da União da Juventude Socialista (UJS). Em 2004, com apenas 23 anos, foi eleita a mais jovem vereadora de Porto Alegre e, em 2010, foi reeleita deputada federal pelo estado com quase meio milhão de votos. Atualmente, Manuela é lider da bancada do PCdoB em Brasília. Relatora de projetos como o da meia-entrada em Porto Alegre, a regulamentação dos novos estádios e dos estágios, a deputada também é responsável pelo Estatuto da Juventude, cujo projeto – que prevê carta de direitos e deveres a jovens entre 15 e 29 anos – deve ser aprovado ainda este ano pela Câmara. Ainda está em aprovação o projeto que prevê igualdade salarial entre homens e mulheres.

Bruna Furlan, 30 anos, deputada federal, PSDB de São Paulo

Bruna acompanha a carreira política do pai, Rubens Furlan(ex-prefeito de Barueri e deputado federal), desde pequena. Em 2009, a convite de José Serra, então governador do estado, filiou-se ao PSDB. Bacharel em direito e pós-graduada em gerenciamento de cidades, é diretora voluntária da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) de Osasco. Um dos projetos de lei de que tem mais orgulho é a criação do fundo patrimonial em universidades federais. Esses fundos fazem muito sucesso nos Estados Unidos e na Europa como forma de custear a educação e investimentos em ciência e tecnologia.
Gabriel Guimarães, 30 anos, deputado federal, PT de Minas Gerais

Filho do ex-deputado federal Virgílio Guimarães, fundador do PT no estado, Gabriel é militante do partido desde criança. Formado em direito, já trabalhou como advogado tributário e também no Ministério Público. Eleito aos 27 anos, foi considerado o deputado federal mais jovem de Minas. Hoje é também titular da Comissão de Minas e Energia. Incentiva as políticas públicas para jovens e o fortalecimento do Ministério Público. Como político, uma de suas principais pautas é a reforma tributária para simplificar o atual modelo tributário do país, um dos mais complexos do mundo. “É importante que isso seja feito de maneira sustentável para pôr um fim à guerra fiscal”, diz o jovem deputado. Gabriel atua também no desenvolvimento sustentável da mineração e de sua regulamentação, além de lutar pela melhoria das condições dos mineradores. (por Maira Giosa)

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O prefeito de Salvador, ACM Neto, chegou lá e abriu o jogo para a revista PODER



 
Por Paulo Sampaio para a revista PODER, de Joyce Pascowitch

Um dos maiores adversários do prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto, 34 anos, é seu cabelo. Apesar de mantê-lo penteadíssimo, quase grudado na cabeça, e de a divisão muito perfeita para o lado dar a impressão de ter sido feita já no corte, ACM Neto o considera rebelde. Preocupado, pede ao fotógrafo da PODER que volte no dia seguinte, para que ele possa apará-lo antes de posar para a capa da revista. “Só tenho um problema na vida, meu cabelo”, revela, passando a mão nos fios grossos e ondulados.

Sendo sincero, nosso entrevistado reconhece que no momento há desafios maiores do que pentear-se. Prefeito do município com a pior arrecadação per capita entre as capitais do Brasil, R$ 1.293 (seguido por Belém, R$ 1.312, e Rio Branco, R$ 1.367), ACM Neto (DEM-BA) diz que herdou uma dívida de R$ 3,1 bilhões da última administração. Pretende pagá-la promovendo o que chama de “eficiência na arrecadação de impostos”, algo que soa como uma dessas mágicas que se tornaram a expertise de políticos brasileiros. Ele garante que, em sua “reforma tributária”, não vai cobrar um tostão a mais do contribuinte, “apenas combater a sonegação e a inadimplência”. “Hoje, apenas 400 mil pessoas pagam IPTU. Quero elevar esse número para 1,1 milhão.” A ideia não chega a ser um primor de ineditismo. Mas, ao que parece, seu antecessor em dois mandatos, João Henrique Carneiro (PP-BA), não foi capaz de pensar em solução tão evidente.

ACM Neto acha mais prudente não prolongar o assunto. Se por um lado o ex-prefeito o deixou em uma sinuca financeira, por outro Carneiro deu uma força na campanha do atual. Da primeira vez em que disputou a prefeitura, em 2008, Neto ficou em terceiro lugar. Agora, mais experiente, evitou os percalços. “Quem me apoiou foi o (secretário da Educação de Carneiro) João Carlos Bacelar (PTN-BA)”, garante, tentando rebater as acusações de que contou com a ajuda da máquina municipal para se eleger. “Bacelar me apoia desde 2002 (ele continua na secretaria). Fui eu quem organizou o PTN”, continua o prefeito, citando o nanico Partido Trabalhista Nacional. Parece esquecido de que, momentos antes, lamentava justamente a incapacidade do Congresso Nacional de realizar uma reforma política que reduza o número de legendas. “Não tem sentido essa quantidade enorme de partidos.” O próprio DEM (Democratas), ex-PFL, parece agonizante. Em 2010, o ex-governador José Roberto Arruda foi preso sob a acusação de comandar um esquema de corrupção apelidado de mensalão do DEM; depois, houve a cassação do senador Demóstenes Torres por ligação com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Os dois foram expulsos do partido. Para completar, o PSD foi criado, esvaziando o DEM.

FOLCLORE?

ACM Neto diz que a política sempre esteve em seu sangue, mas é difícil avaliar até que ponto ele queria conquistar o amor de seu avô, Antônio Carlos Magalhães, o político mais poderoso da Bahia durante quase 40 anos. Morto em 2007, aos 79 anos, ACM foi deputado, senador, prefeito de Salvador, governador do estado, ministro das Comunicações, dono da afiliada da Globo em seu estado e também do Correio da Bahia. Começou na vida pública na UDN – União Democrática Nacional, que se opunha ao governo de Getúlio Vargas –, apoiou o golpe que derrubou João Goulart, em 1964, filiou-se à Arena, que mais tarde foi rebatizada de PDS, de onde saiu um grupo fundador do PFL que hoje é o DEM. Respeitado e odiado, Toninho Malvadeza, como ficou conhecido ACM, encarnava a figura histórica do coronel com poderes ilimitados. Controlava de sentenças no Tribunal de Justiça a nomeações de prefeitos no interior. Tornado personagem folclórico, era incensado inclusive por muitos conterrâneos badalados, como Caetano Veloso e Gal Costa. Seu estilo abertamente clientelista bem poderia ter servido de modelo para personagens burlescos de telenovelas, como Odorico Paraguaçu, interpretado por Paulo Gracindo em O Bem Amado, e Sinhozinho Malta, pelo ator Lima Duarte em Roque Santeiro.

Pode-se imaginar o quanto ACM avô estimulou as fantasias do garoto ACM Neto, que, aos 8 anos de idade, já era síndico mirim do edifício onde morava. Em 1990, quando tinha de 10 para 11 anos, foi cabo eleitoral do avô na bem-sucedida eleição de ACM ao governo do estado. Mas não adiantava. O “coronel” tinha preferência notória pelo filho Luís Eduardo Magalhães, que era deputado e vinha sendo preparado desde sempre para sucedê-lo politicamente. Eis que a morte repentina de Luís Eduardo, aos 43 anos, de infarto, tornou a política uma possibilidade concreta para ACM Neto – embora seu avô agora apostasse em Luís Eduardo Magalhães Filho, o Duquinho, hoje com 31 anos, como herdeiro natural do “carlismo”. “Isso é folclore. Meu primo é cinco anos mais novo do que eu; ele tinha 18 quando entrei para a política, nem pensava nisso”, diz Neto. De acordo com um amigo de infância de Duquinho, não é bem assim. “A preferência de ACM por Luís Eduardo e pelo filho dele era pública e notória. Na festa de 20 anos da Rede Bahia, Duquinho chegou quando toda a família estava acomodada, com ACM avô ao lado de Neto. Pois o velho mandou chamar Duquinho para se sentar ao seu lado, e fez Neto mudar de cadeira. Detalhe: ele já era deputado.” ACM Neto evitava confronto. Sabia que “perderia”. “Aprendi desde muito novo a lidar com meu avô. Reconhecer o momento em que estava de bom e de mau humor. Não ficava batendo boca. Eu sumia. Passava dez dias desaparecido. Isso o deixava louco”, lembra. Em Salvador, os dois primos pertencem a turmas diferentes. Neto seria o “playboy careta” e Duquinho, o “playboy descolado”. ACM Neto também tem suas diferenças com outro primo, o deputado federal Paulo Magalhães. Nas eleições de 2010, Neto monopolizou a campanha do DEM, invadiu os tradicionais redutos de votos dos candidatos a deputados de seu próprio partido (o que ACM avô costumava respeitar), incluindo o do primo, que quase não se elegeu e, furioso, acabou se mudando para o PSD. Naquele ano, Neto conseguiu repetir o feito de ser o deputado federal com maior votação do estado.

PRECOCIDADE

Em sua ânsia de tornar-se adulto logo e provar ao avô que tinha maturidade para ser político, ACM Neto cocluiu o curso de direito em quatro anos e meio, com 9,2 de média geral. Mais: elegeu-se deputado federal aos 23 anos, casou-se aos 25 e foi pai aos 28. “Todo mundo me dizia que eu era muito jovem para me casar, inclusive meu avô, mas eu coloquei aquilo na cabeça.” Divorciado há um ano da mulher, a dermatologista Lídia Salles, 32 anos, com quem viveu dez e teve duas filhas, Lívia, 8, e Marcela, 4, ele hoje reconhece que “poucos jovens estão preparados para a vida a dois”. “Na época, eu viajava muito para Brasília, e acredito que a falta de uma convivência permanente interferiu no relacionamento.”

Segundo Lídia, Neto é um “pai dedicado”. O prefeito passa três dias por semana com as filhas, e ela, quatro. “A separação foi amigável. A relação se desgastou de forma natural, cada um tinha um projeto diferente. Mas nos damos bem”, afirma Lídia a PODER. A maior prova disso é que ela foi cabo eleitoral dele. “Eu não fazia propaganda no meu consultório”, explica a sócia da Clínica Sanlazzaro, especializada em dermatologia estética. “Mas quando as pessoas perguntavam se era para votar no meu ‘ex’, eu dizia: ‘Claro, olhe como meu carro está cheio de adesivos’.”

O prefeito atende o celular, fala por uns instantes e desliga. Enquanto busca uma pose de homem ocupado na cabeceira da mesa de seu gabinete, que tem vista de 180 graus para a Baía de Todos os Santos, ele diz: “Não posso levar a mesma vida que a maioria dos jovens de 34 anos. A demanda da vida pública é enorme. Leio relatórios o tempo todo, lido com os problemas mais diversos da cidade, trabalho até 22h. Quando saio da prefeitura, não sobra tempo para ir a baladas”. ACM Neto pode não sair nos dias de semana, mas até as paredes do casario do Pelourinho sabem o quanto ele se dedica a uma noite de carnaval regada a axé e mulheres bonitas. Ele ri, assumindo que curte o grupo Psirico, um dos mais famosos da região. Aos 18, quando ainda estudava na Universidade Federal da Bahia (Ufba), foi sócio de uma produtora de bandas que projetou grupos como o Babado Novo, em que Claudia Leitte iniciou a carreira de cantora. Desimpedido, o prefeito nega a informação de que se sente especialmente atraído por moças grandes. “Nunca gostei de mulherão. Para mim, tem de ter no máximo a minha altura. Não dá para pegar uma de 1,75 metro”, afirma. Ele garante medir 1,68 metro.

VOVÔ EXPLICARIA

Sua estatura parece ter aumentado depois que ele adquiriu um Land Rover Discovery 4, automóvel estilo SUV (Sport Utility Vehicle), com 4,92 metros de comprimento e 1,88 de altura. Preço aproximado: R$ 250 mil. “Tenho meu dinheiro, independência financeira. Acho isso essencial na vida de um político”, acredita o prefeito, que declarou na Justiça Federal um patrimônio de R$ 13,3 milhões, R$ 9,4 milhões dos quais herdados do avô. Em sua conta no banco, segundo a declaração, havia R$ 1.200.

A independência financeira de ACM Neto, diga-se de passagem, também é precoce. Mas aí vovô Malvadeza explicaria melhor. Ao longo da vida, o coronel granjeou uma fortuna estimada em nada menos que R$ 345 milhões. A família andou se digladiando pela fantástica herança, mas, segundo Neto, isso foi resolvido “já faz uns cinco anos”. Seu pai, Antônio Carlos Magalhães Júnior, toma conta da Rede Bahia, o que, vamos combinar, é superbem-vindo em época de campanha eleitoral. “A política no Brasil ainda é feita de modo muito personalista”, explica Humberto Dantas, professor de ciência política do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). “Quem se chama ACM Neto nunca vai poder dizer que não tem nada a ver com ACM avô. Ele pode até ter outros métodos que não sejam a prática coronelista pautada por uma ideia antiga de política. Mas o fato de carregar esse nome já é muito.”

Neto garante que nunca, em tempo algum, pegou o telefone para sugerir uma pauta a qualquer editor dos noticiários da TV ou do jornal na família. “Pode acreditar”, diz, com indefectível postura de primeiro aluno da classe. Está de camisa xadrez Hugo Boss, calça de alfaiataria Lacoste, blazer Brooksfield e sapato Ferragamo. O traje – tão “imexível” quanto o cabelo – dá ao prefeito o acabamento de um embrulho para presente. Neto conta que costumava fazer compras no exterior, no tempo em que ia muito para fora. “Saía numa quinta-feira de Brasília, voltava na segunda. Nos últimos dois anos, fiz apenas duas viagens para o exterior”, conta ele, que coleciona relógios caros e no dia da entrevista consultava as horas em um Rolex Submariner.

FORA DE QUESTÃO

Talvez seja cedo para perguntar se o prefeito pretende se desincompatibilizar em 2014, para candidatar-se ao governo do estado – concorrendo com o candidato do PT. “Isso não está em discussão”, garante. O deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO) afirma que “o grande desafio agora é se firmar como prefeito, antes de colocar o carro à frente dos bois”. A reportagem fez a pergunta apenas para testar a reação de Neto, já que não se conhece caso de político que adiante a intenção de deixar o posto em pleno mandato para concorrer a outro cargo público. Quando se fala na eventualidade de apoiar Dilma e o PT, em 2014, ele não rechaça a possibilidade e ri como se fosse um devaneio. “Estou completamente consumido pela agenda da cidade. Não tenho nem tempo de pensar nisso.”

A outra opção para 2014 é ficar “neutro”, deixando o caminho livre para Otto Alencar (PSD-BA), vice do atual governador, Jaques Wagner (PT-BA). Funcionaria assim: Wagner se desincompatibiliza para concorrer à Câmara dos Deputados ou ao Senado; Alencar assume no lugar dele, ainda em 2014, e tenta a reeleição no fim do ano (para o mandato de 2015-2018).Ganhando, não poderá concorrer de novo, em 2018, por já ter cumprido dois mandatos. O cenário então estaria perfeito para ACM Neto, que tem entre as possibilidades futuras disputar o governo estadual. Sobre a suposta manobra, o prefeito meio que desconversa.

É inegável que a relação de Neto com o PT anda bastante amistosa – a seu pedido, três deputados do DEM da Bahia votaram com o governo na MP dos Portos. Ele nem parece aquele mesmo oposicionista que ameaçou agredir Lula (quando era sub-relator da CPI dos Correios – que revelou o mensalão – e o presidente supostamente autorizou a Agência Brasileira de Inteligência a grampear os telefones da família Magalhães). “O presidente, ou qualquer um dos seus, que tiver a coragem de se meter na minha frente tomará uma surra. Não me intimido. Tenho coragem e vou até o fim. Não mexam com os meus nem comigo, porque estou pronto para me defender”, disse, na tribuna da Câmara. Além de ganhar o apelido de “Grampinho”, ainda teve de assistir as imagens da cena serem usadas pelo PT na última campanha municipal. Tais imagens sempre o assombrarão, pelo alto potencial de estrago. Porém, o clima agora é de trégua. Neto baixou o tom porque, com a prefeitura na bancarrota, ele sabe que será melhor ter o governador Jaques Wagner e, claro, a presidente Dilma, como aliados. “Sempre tive bom relacionamento com Jaques Wagner”, acautela-se.

FETTUCCINE AO GORGONZOLA

O almoço é servido por volta das 14 horas em uma sala modesta do Palácio Thomé de Souza, localizado no centro antigo de Salvador, em um prédio com estrutura de vidro e aço que não harmoniza nada com a vizinhança de casarões tombados. Foi projetado para funcionar em caráter provisório, e logo ser desmontado, já que a ideia era recuperar um dos imóveis abandonados do entorno para instalar a sede do governo municipal. Mas isso já faz 23 anos. Além do Elevador Lacerda, estão por perto o Palácio Rio Branco, a Praça Municipal e a Câmara dos Vereadores. ACM Neto mora a cerca de 7 km da prefeitura, no bairro de Ondina, em um apartamento com quatro suítes avaliado em R$ 900 mil. Ele explica que, “por falta de tempo”, almoça todos os dias no trabalho. Escolhe o menu entre os de quatro restaurantes de sua preferência, que entregam os pratos todos os dias no palácio. O cardápio, quando PODER esteve lá, era do Di Liana: paillard com fettuccine ao molho de gorgonzola; alternativa, purê de batata. Como o prefeito se recuperava de uma intoxicação intestinal, pediu apenas arroz branco e frango grelhado. Nesse momento, apesar de afirmar o tempo todo que está solteiro, sem querer ele solta que havia comido ostras – que supostamente seriam a causa de seu mal-estar – em companhia da namorada. Não houve jeito de ele revelar quem era, mas logo se descobriu que se trata de uma advogada gaúcha, loura tipo blumenáutica, altura: pouco (bem pouco) menos de 1,75 metro…

O telefone toca de novo, e dessa vez Neto não desliga tão cedo. “Não vou pagar!”, diz, enquanto palita os dentes. “São compromissos da gestão anterior”, explica o chefe de gabinete João Roma. “Isso é o dia inteiro. Se ele assumir tudo de uma vez, a prefeitura vai à falência.” Neto continua: “Não vou aprofundar meu déficit em R$ 20 milhões! Considere o que você está dizendo uma declaração de guerra à prefeitura!”. Há qualquer coisa na valentia do prefeito que não convence: é como se ele estivesse apenas “reproduzindo” o papel de um político clássico. Seu avô? Vai saber. N

O ÚLTIMO DOS MOICANOS

ACM Neto é um sobrevivente político. Na contramão do seu partido, o DEM, que vem perdendo força nos últimos anos na Bahia e no Brasil, o ex-deputado federal por três mandatos conquistou a prefeitura de Salvador formando um bastião de resistência à falência não apenas do DEM como também do “carlismo”, que reinou no governo da Bahia por décadas. Em votação acirrada, ACM Neto venceu o candidato do PT, Nelson Pelegrino, atacando os seis anos de mandato do governador Jaques Wagner (PT) e contrariando a tese do adversário de que o melhor para Salvador seria o alinhamento político com os governos estadual e federal.

Neto construiu sua carreira na oposição criticando os governos Lula e Dilma, a corrupção e o mau uso do dinheiro público. Agora, quase seis meses à frente da prefeitura de Salvador, ainda não mostrou a que veio. Apesar de ter conseguido aprovar na Câmara a transferência da administração da Linha 1 do Metrô, em construção há mais de uma década, para o governo do estado. Lutando com o caixa deficitário, conseguiu recentemente se encontrar com Dilma Rousseff pela primeira vez na expectativa de instituir uma temporada frutífera entre os dois de olho em verba para o seu município. Justamente Dilma Rousseff que patrocinou indiretamente a criação do PSD, o mesmo que desidratou o DEM: “Em 2011, em uma manobra espetacular do Planalto, com a derrota de José Serra (PSDB) para a Presidência, os políticos do DEM começam a sentir que não dava para sobreviver mantendo-se na oposição em nível federal e migraram para o PSD de Gilberto Kassab. O planalto vibra com isso. Dilma tenta matar o DEM”, explica Humberto Dantas, professor de ciência política do Insper. Ele lembra ainda do estrago feito por programas sociais no poder do DEM na Bahia: “O governo federal vira o coronel com a chegada do Bolsa Família nos rincões do país, passou destruindo as antigas lideranças nacionais”. Os números comprovam a tese: o PFL fez na Bahia 125 prefeitos em 2000 de um total de 417 municípios. Enquanto em 2012, o DEM conseguiu eleger somente nove prefeitos.

Em cenário de terra devastada, o desafio de ACM Neto agora será fazer uma gestão que agrade para alcançar seus planos. Especula-se fortemente que ele quer o governo do Estado da Bahia em 2018, a Presidência em 2022, e que está balançado com 2014, já que hoje, em sondagens de marqueteiros, está disparado na frente de todos os possíveis candidatos ao governo estadual. Quem acompanha de perto a política regional baiana, no entanto, acredita que Neto não se arriscaria no ano que vem porque teme ser punido pela população se abandonar a prefeitura no meio da gestão, a exemplo de José Serra que ousou e, em 2006, deixou a prefeitura de São Paulo para disputar a eleição para o governo do estado. Em 2012, quando ele disputou a prefeitura de São Paulo novamente, perdeu a eleição.

http://glamurama.uol.com.br/o-prefeito-de-salvador-acm-neto-chegou-la-e-abriu-o-jogo-para-a-revista-poder/