sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

QUEM REDIGE ESSES TEXTOS CALUNIOSOS?



Palavras tão atuais, do biógrafo de Maria Antonieta, Stefan Zweig, para o delicado momento institucional em que vivemos, com a malta em busca de golpear a democracia me faz lembrar de um certo partido e de uma certa presidenta.

"Esta é de fato uma pergunta secundária, pois os poetastros que escrevem tais versinhos em geral realizam seu mister de maneira totalmente ingênua e descomprometida.Trabalham por objetivos alheios, por dinheiro alheio.
Na época do Renascimento, quando cavalheiros distintos queriam livrar-se de alguma pessoa incômoda, por um alforje de ouro compravam um sólido punhal ou encomendavam veneno. No século XVIII, que se tornou filantrópico, utilizam-se métodos mais refinados. Não se alugam mais punhais contra adversários políticos, e sim uma pena; não mais se ordena que se liquidem os inimigos fisicamente, e sim moralmente: mata-se por aviltamento moral. Ainda bem que por volta de 1780 é possível alugar as melhores penas a bom preço. O senhor Beaumarchais, autor de comédias imortais, Brissot, o futuro tribuno, Mirabeau, o gênio da liberdade, Choderlos de Laclos, esses grandes homens, por terem sido repelidos, podem ser comprados a preços módicos, apesar de sua genialidade. E por trás desses geniais pasquineiros está outra centena de poetas mais rudes e vulgares, de unhas sujas e estômagos vazios, dispostos a escrever a qualquer hora tudo que se exige deles, melado ou fel, epitalâmios ou diatribes, hinos ou panfletos curtos ou longos, ácidos ou doces, políticos ou apolíticos, exatamente segundo o pedido do excelentíssimo freguês.
Caso se tenha certa dose de atrevimento ou habilidade, nesses negócios ganha-se duas ou três vezes mais. Primeiro é preciso que se faça o cliente anônimo pagar pelo pasquim encomendado contra a Pompadour, contra a Du Barry, ou agora contra Maria Antonieta; depois, comunica-se secretamente à corte que um libelo difamatório encontra-se em Amsterdã ou Londres prestes a ser impresso, e recebe-se dinheiro do tesoureiro da corte ou do comissário da polícia pelo empenho de impedir a impressão. E, em terceiro lugar, o triplo espertalhão – assim agiu Beaumarchais –, apesar do juramento e da palavra de honra, retém um ou dois exemplares da remessa supostamente destruída e ameaça reimprimi-los com ou sem alterações. É uma brincadeira divertida que custa quinze dias de cadeia ao seu autor na Viena de Maria Teresa, porém, no pávido Versalhes, lhe rende mil florins de ouro e mais setenta mil libras. Logo se espalha a notícia entre os mestres das garatujas: panfletos contra Maria Antonieta seriam agora o negócio mais rendoso, além do mais, com pouco risco; assim continua a disseminar-se abertamente a moda fatídica. Silêncio e mexericos, negócio e patifaria, ódio e ganância trabalham juntos firme e fielmente na encomenda e distribuição desses
escritos. E logo seus esforços conjuntos atingem o intento almejado: fazer com que Maria Antonieta afinal seja odiada na França inteira como mulher e como rainha.
Maria Antonieta sente claramente essas intrigas maldosas feitas pelas costas, tem conhecimento das sátiras e suspeita de seu autor. Porém, por sua desenvoltura, por seu orgulho inato e incorrigível, típico dos Habsburgo, considera mais destemido desprezar os perigos a confrontá-los com esperteza e prudência. Desdenhosa, sacode das roupas os respingos de lama. “Vivemos numa época de canções satíricas”, escreve apressada à mãe, “compõem-se tais sátiras sobre todas as pessoas da corte, homens e mulheres, e a leviandade francesa nem mesmo se deteve diante do rei. No que me diz respeito, também não fui poupada.” Isso é aparentemente toda sua irritação, todo seu rancor. Que dano lhe podem causar algumas moscas varejeiras que pousam sobre suas vestes!
Encouraçada em sua dignidade real, julga-se invulnerável aos dardos de papel. Esquece que uma única gota desse diabólico veneno difamatório, penetrando na circulação sanguínea da opinião pública, pode provocar uma febre diante da qual até os mais sábios médicos se sentiriam impotentes. Sorrindo despreocupada, Maria Antonieta passa ao largo do perigo.
Palavras são para ela mera poeira ao vento. É preciso que primeiro advenha uma tempestade que a desperte. "