quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Jovem Milionária Chinesa Que Saiu Da Lista Dos Ricos Para O Corredor Da Morte


Wu, nos bons tempos

Wu Ying era o retrato da Nova China. Nascida numa família pobre de camponeses, aos 25 anos ela já estava na lista das pessoas mais ricas da China, segundo uma influente revista local de negócios, a Hurun. A partir de um salão de beleza, Wu criou uma rede de empreendimentos que deu a ela um patrimônio avaliado em cerca de 700 milhões de reais. Suas atividades filantrópicas – em torno das quais ela tratava de fazer estardalhaço, como é tão comum entre os bilionários americanos – renderam a ela uma copiosa cobertura festiva na mídia chinesa.
Hoje, aos 31 anos, Wu continua a ser o retrato da China – mas numa situação oposta. Ela simboliza, agora, a complexidade jurídica e financeira do país.
Wu foi condenada à morte por fraudes financeiras. Ela arrecadou dinheiro de investidores privados sob a promessa de retornos espetaculares que – clássico na história tola e gananciosa da humanidade – acabaram não se materializando.
Nesta semana, a sentença foi suspensa, e a expectativa é que haja um novo julgamento para a jovem chinesa que foi rapidamente do topo para o abismo.
O caso arrebatou os chineses e chamou a atenção para vários pontos que necessitam de reforma urgentemente.
Primeiro, a severidade da lei para crimes financeiros que não envolvem violência física. Há sentido em pena de morte? A opinião pública chinesa está dizendo que não, e é provável que a legislação seja revista. (Um crédito deve ser dado, aí, aos internautas chineses, que comandaram uma campanha pela vida da jovem empreendedora caída.)
Depois, o que levou Wu a procurar investidores privados foi consequência da estrutura financeira em vigor na China. Pequenos e médios empresários como ela têm imensa dificuldade em conseguir financiamento dos grandes bancos locais. Estes colocam a esmagadora maioria de seu dinheiro em empresas governamentais – absolutamente seguras.
Acabou florescendo, por conta disso, uma espécie de mercado paralelo de empréstimos. Nele, o retorno é maior, e o risco também. É uma espécie de agiotagem destinada não às pessoas físicas, mas aos pequenos e médios empresários. Wu, provavelmente, acabou colhida nesta teia.
Sua história tão espetacularmente oscilante é, desde já, um marco na história moderna da China – em que o capitalismo misturado com o socialismo é ainda, como se vê, a despeito do extraordinário crescimento das últimas três décadas, um edifício em construção.

A Ética Entre Os Jornalistas


MEU PAI, DE GRAVATA, NA REDAÇÃO: O LIVRO É PARA ELE
Estou escrevendo um livro sobre jornalismo. Meu maior receio é que se torne mais uma edição das Memórias de um Átomo, de Ega, personagem de Os Maias, de Eça de Queiroz. Lá, Lisboa inteira espera o romance de Ega, que afinal não vem. Não que alguém espere meu livro, mas não gostaria de repetir As Memórias de um Átomo. Acho que falta bibliografia jornalística no Brasil, algo essencial para que os jornalistas se avaliem, se critiquem e melhorem.

Vou, regularmente, publicar um trecho aqui no Diário. Entre outras coisas, será uma lembrança para mim de que a experiência de Ega não deve se repetir em mim. Começo com um assunto menos cuidado nas redações do que geralmente se imagina: os brindes para os jornalistas, uma velha e barata prática para conquistar (ou comprar) simpatias editoriais. O livro é dedicado a meu pai, o maior jornalista que conheci, e em quem tive lições práticas cotidianas de honradez no trabalho.
Por Paulo Nogueira
ÉTICA, NO JORNALISMO COMO EM TUDO, É UM CONCEITO EM CONSTANTE mudança. Coisas que se aceitavam um dia podem, na semana seguinte, ser tidas como absurdas. No início dos anos 80, por exemplo, quando eu era um repórter iniciante, era comum jornalistas tirarem carros com desconto das montadoras.
Funcionava assim. A montadora vendia a você sem a comissão da concessionária. Isto significa um preço entre 15% e 20% abaixo do pago pelo consumidor. Comprei um carro assim. Era banal. Posteriormente, no correr dos anos, entendeu-se que a imagem de independência do jornalista e de seu veículo poderia ficar ameaçada. A ética foi reescrita, e já faz tempo que é reprovada a compra privilegiada de carro.
A mesma revisão se deu para os brindes. Na década de 1980, os almoços de finais de ano promovidos pelas empresas eram cobiçados pelos jornalistas, não pela notícia que poderiam cavar ou pela possibilidade de encontrar velhos amigos. Os presentes dados aos jornalistas, naquelas ocasiões, eram realmente caprichados. Uma vez saímos, todos os repórteres, com um Walkman recém-lançado. Posteriormente, viu-se que também isso não era bom.
Sempre temi repetir As Memórias de um Átomo
Grandes empresas criaram na década de 1990 um código para presentes que vigora até hoje. Basicamente, eles não podem ultrapassar um valor ao redor de 200 reais. Uma boa gravata, tudo bem. Um iPhone, nem tanto. A melhor lógica que vi nesse tópico e em outros encontrei em José Roberto Guzzo, diretor da Veja e da Exame por mais de 20 anos. Guzzo é aquele tipo raro de pessoa que faz coisas complicadas parecerem simples. Lembro com saudade dos finais de tarde na Exame, no final da década de 1990, em que saía de minha sala para ir à de meu vizinho e chefe, para conversar de jornalismo, literatura policial e pôquer. “Não faça nada que, publicado, embarace você”, dizia Guzzo sobre questões de conduta ética. A sabedoria prática e espirituosa de Guzzo é encontrada hoje na coluna quinzenal que ele escreve na Veja.
É uma boa divisa a dele.
Por estar em constante mutação, ética jornalística é um tema que requer acompanhamento permanente. Para mim, um tema que, nos dias de hoje, merece discussão imediata são as palestras (remuneradas) de jornalistas. Você tem uma coluna de economia e é contratado por um banco para dar uma palestra. Como vai tratar depois de uma informação negativa para esse banco? A Folha de S. Paulo apertou o parafuso em torno disso. Seus jornalistas não podem fazer palestras que não sejam gratuitas.
Certíssimo.
HÁ UMA SENSAÇÃO entre os jornalistas de que coisas básicas como a política de brindes já estão devidamente estabelecidas, pelo menos nas grandes empresas. Mas não é bem assim. Em minha passagem pela Editora Globo, em meados da década de 2 000, vivi um episódio penoso.
Chegou a mim a informação de que o diretor de redação da revista de negócios da editora, Nelson Blecher, voltara com presentes dados por todos os patrocinadores de um encontro de presidentes de empresas. Era algo como 16 brindes. Que os executivos que comparecem a tais encontros aceitem brindes, que de resto não costumam ser modestos, é uma questão que cabe a suas empresas analisar para verificar se há ou não conflito de interesses.
Mas já fazia um bom tempo que se entendera que um jornalista não poderia aceitar aquele tipo de coisa. Fiquei extremamente irritado e convoquei uma reunião de editores para debater o assunto. Não havia, para minha surpresa, uma política clara que governasse a questão dos brindes na editora.  Pedi que imediatamente fosse adotado um limite de acordo com o bom senso.
O quanto esse episódio foi desgastante, os fatos posteriores contam. Minha relação com Blecher — que eu levara para a Globo, ao cabo de alguns meses em que ele me procurara com insistência desde antes mesmo que eu assumisse o cargo de diretor editorial  — se deteriorou. E logo se romperia, um fato determinante para a minha saída do posto de diretor editorial da Editora Globo. Blecher acabou indo ao Rio de Janeiro falar de mim a Jorge Nóbrega, um discreto, obediente e bem cotado conselheiro da família Marinho.  Jamais, em minha carreira, consegui lidar bem com executivos com o perfil sibilino de Nóbrega. Não os admiro — longe disso — e isso fica claro em mim. Para mim, aquela é uma classe de executivos que vicejam à sombra do trabalho duro, muitas vezes épico, de outra classe de executivos — os que correm riscos e são capazes de transmitir às pessoas um sentimento de causa que transcende salários e benefícios.
A lembrança mais vívida que guardo de Nóbrega é a espera de 40 minutos a que fui submetido por ele em condições de estresse extremo na conversa no Rio  — longa, inútil, em que ele fazia anotações provavelmente destinadas ao lixo — em que teoricamente eu teria a oportunidade de me defender das acusações de Nelson Blecher. Logo ficaria claro que ele ouvira Blecher, a quem pagara a passagem para um encontro marcado sem que eu soubesse, com muito mais interesse do que a mim. Uma das ironias é que eu sempre elogiara Blecher no Rio, dando-lhe créditos que, a rigor, não eram dele. No mesmo Rio, ele fez o oposto em relação a mim. Se eu tinha que encontrar um Calabar na carreira, ali estava ele, na improvável figura de alguém que me tratava como um ídolo mais que como chefe. Passei, antes de assumir o cargo na Globo, uma semana num hotel em Águas de São Pedro para descansar. Deixei o celular desligado. Ao ligá-lo, a primeira mensagem que havia era de Blecher se oferecendo para dirigir a Época.
COM MEUS FILHOS, EM MEADOS NOS ANOS 90, QUANDO VIVI MINHA MELHOR EXPERIÊNCIA AO LADO DE LONDRES, NA EXAME
OS BRINDES INAPROPRIADOS eram, na verdade, o segundo problema grande que eu tinha com Blecher em um curtíssimo espaço de tempo. O primeiro se dera na maneira como ele tratara da demissão do redator-chefe Ivan Martins. Fazia tempo que Blecher se queixava a mim de Ivan, que segundo ele não o respeitava e tinha uma relação complicada com a equipe. Disse a Nelson que resolveríamos a questão assim que Ivan voltasse de suas férias. A parceria não funcionara na Negócios, mas Ivan poderia ser aproveitado em outra redação. Blecher, contra minha recomendação expressa, avisou a equipe de que demitiria Ivan.
Como era de esperar, um amigo de Ivan imediatamente telefonou a ele para dar a notícia. Ivan acabara de chegar à Espanha, para onde levara a velha mãe espanhola para uma viagem sentimental. Não poderia haver maneira pior para demitir alguém, algo particularmente bizarro numa revista que escrevia artigos sobre como mandar embora com dignidade alguém. Só soube da história quando recebi um telefonema de um boletim de notícias de redações me perguntando se era verdade que Ivan tinha sido demitido em plenas férias. Fora a questão humana, a reputação da Negócios — cujo projeto eu elaborara com imenso capricho e entregara pronto a Blecher para executá-lo, sob meu acompanhamento de perto — ficaria manchada. Disse a Ivan que falaríamos sobre sua situação na volta das férias e procurei tranquilizá-lo. Hoje, ele é editor executivo da principal revista da Globo, a Época. A Blecher, avisei que só não o demitia por termos uma longa história em comum. Um pouco depois ficaria claro meu erro em não ter feito o que deveria. A amizade não pode se sobrepor a decisões executivas objetivas.
O episódio dos brindes acabaria com o resto de paciência (que os anos desgastantes como chefe foram progressivamente reduzindo, é verdade) que me restava. Não me consta que os brindes recebidos por Blecher no encontro de executivos tenham sido devolvidos, conforme eu determinara. Imagino que não, porque, não muito depois, soube que ele fora a um novo encontro de presidentes de empresas, desta vez em Portugal, acompanhado do seu novo chefe.  O que sei é que a crise provocada pelo caso tornaria minha permanência na editora inviável.
Meu temperamento também virou conversa de café. Sou fácil? Não. Sou explosivo? Sim. Eu gostaria de trabalhar com um chefe como eu? Não sei, sinceramente. Mas o fato é que as pessoas que eu levei para a Globo me conheciam muito bem. Eu apenas mudara de escritório, não de personalidade. Na Exame, onde como diretor de redação chefiei Blecher, reescrevi textos seus inúmeras vezes. Não com a polidez de diplomata, admito, anotei em laudas coisas que o ajudariam a redigir melhor. Ele tinha um problema irritante de dispersão em textos. Com meu traço precário, fiz algumas vezes um desenho em que mostrava uma estrada. Como numa viagem, uma reportagem deve sair de um ponto e terminar em outro. Dispersões longas equivalem a pegar desvios. Os textos de Blecher acabaram melhorando. Em alguns momentos na Exame, teatralmente, amassei capas  de que não gostara, passadas para mim por meu grande amigo Píndaro Camarinha Sobrinho, então diretor de arte da revista. Lembramos disso, hoje, em meio a risadas e cerveja em sessões nostálgicas. Amigos leais e queridos como Píndaro e Sérgio Berezovsky, com quem compartilhei anos em redações, foram a contrapartida preciosa para instantes particularmente difíceis. Ambos, sem que eu fizesse um movimento, romperam imediatamente relações com Blecher.
Nas manobras subterrâneas contra mim, Blecher encontrou uma aliada perfeita em Cynthia de Almeida, articulada, inteligente e astuciosa. Eu levara Cynthia para a Editora Globo como adjunta. Minha expectativa era que ela revigorasse editorialmente as revistas femininas, notadamente a Marie Claire, e a revista de celebridades Quem. Passados dois anos, eu estava desapontado com os resultados. A Época fora reinventada. Duas revistas novas, a Época Negócios e a Época São Paulo, chegaram com um frescor que me agradava. Mas a Marie Claire e a Quem tinham melhorado, é certo, mas bem menos que eu esperava.  Sacudir revistas femininas e de celebridades era, naquela época, uma vontade forte minha. Em duas décadas de carreira, jamais tinha tido a oportunidade de submeter aquele tipo de publicação a um choque criativo. Eu estava começando a acompanhar de perto a Marie Claire e a Quem, em conversas com suas editoras e não apenas com Cynthia, quando os acontecimentos se precipitaram.
COM O CASAL GUZZO EM LONDRES: A SABEDORIA PRÁTICA DE GUZZO É INSPIRADORA
Blecher e Cynthia tinham um elemento forte de união naquele momento: o medo de que fossem demitidos por mim. Eles se reuniam, eu saberia depois, no 4.o andar, longe da minha vista. Uma jovem jornalista identificada com a plataforma transformadora que eu imprimira à Globo, Maria Rita, cuja sala ficava também no 4.o andar, diria em tom de lamento para mim, depois que os acontecimentos se precipataram. “Eu devia ter falado com você sobre aqueles encontros, mas não imaginei que fossem dar no que deram”. Maria Rita, que era uma liderança nova no jornalismo feminino à frente da Criativa, deixou a Globo pouco depois de minha saída, atraída por um convite da Abril. Ela fez o que as pessoas fazem quando estão insatisfeitas num lugar: pedem demissão.  Quando ouvi, por interpostas pessoas, que Blecher tinha “pedido demissão” ao RH da Globo por causa de meu temperamento, achei graça. Se ele quisesse de fato sair, teria simplesmente entrado em minha sala — da qual ele era o frequentador mais habitual na empresa — e dito que estava fora.
Eu já estava decidido a levar para a Globo Adriano Silva, com quem tivera uma experiência de transformação bem sucedida na Superinteressante. Não pensava em demitir Cynthia, embora decepcionado com os resultados editoriais trazidos por ela. Ia dar parte das revistas sob ela para Adriano, de forma que Cynthia pudesse ter mais tempo para cuidar das duas revistas que, para mim, demandavam urgentemente vigor editorial. Sob mim, ficariam dois diretores editoriais. Minha saída acabou tornando morta a negociação — avançada já até na definição de salário — com Adriano. Adriano, um talento natural de formador de times, um gaúcho competente e bem humorado que conheci quando ele fazia MBA em Kyoto e me mandou um artigo sobre a Toyota, foi uma vítima colateral de um conflito que nada tinha a ver com ele.
Ele já vinha colaborando informalmente com a editora. Escrevia uma coluna masculina provocativa na Marie Claire, uma continuação de uma que fazia na revista Nova quando trabalhava na Abril. Sua coluna na Marie Claire foi imediatamente suprimida com minha saída.  Em certos jornalistas há o triste costume de executar os feridos. Numa coluna sobre carreira que mantinha na Criativa, Cynthia escreveu um artigo cruel em que me citava indiretamente — isso quando eu já estava nocauteado, fora da editora. Aprendi com meu pai que é nos momentos extremos que você conhece o caráter das pessoas.
Debates em torno da ética não eram propriamente novidade para mim na minha nova casa. Quando cheguei à  Editora Globo, em janeiro de 2006, encontrei, para minha surpresa, uma terra de ninguém no campo da ética jornalística. Eu vinha de 25 anos numa empresa exemplar nesse campo, a Abril, e sabia também que a TV Globo tinha um código de ética severo para seus jornalistas.
Por que então a permissividade na Editora Globo?
Por duas razões básicas. A primeira é a distância entre o Rio, sede das Organizações Globo, e São Paulo, onde é administrada a editora. Essa distância se mitigaria se o executivo a quem Juan prestava contas, Nóbrega, fosse com alguma regularidade a São Paulo, mas isso não acontecia. A segunda é que o diretor-geral naquele momento, o basco Juan Ocerin, era um homem de visão estritamente financeira. Juan, com quem tive uma convivência tumultuada desde o início, tinha um precário conhecimento editorial. Sem isso, e com uma sede de bônus que lhe permitissem comprar as BMWs guiadas por motoristas da editora e  que ficavam à vista dos jornalistas cujos borderôs tinham sido espremidos, Juan não tinha condições de entender a importância da ética no jornalismo.
Juan fora cuidar da editora num momento de crise financeira extrema. Ele tinha passado pela consultoria Booz-Allen, pela Volkswagen e pelo jornal O Globo, sempre em cargos financeiros. Com seu sotaque espanhol fortíssimo e uma notável capacidade de girar por vários assuntos ao mesmo tempo, não era, do ponto de vista da clareza, o melhor interlocutor que eu tivera. Os jornalistas que encontrei na Globo não gostavam de Juan e se vingavam contando fofocas. Uma das mais pitorescas que me chegaram dizia que, numa edição em que a venda de carros usados era o tema forte da revista Auto Esporte, um carro seu fora anunciado.
Minha primeira experiência desagradável com Juan se deu assim que cheguei à Editora Globo. Nas nossas negociações, incluí uma cláusula de saída. Eu estava deixando uma casa em que tinha uma situação tranquila até os anos que restavam para minha aposentadoria, e entrando numa outra em que era intensa a rotatividade. Era natural, assim, que eu me protegesse.
ESSA CLÁUSULA e outros pontos de nosso acerto foram escritos por Juan num guardanapo do bar do hotel George V, em São Paulo, onde nos encontramos algumas vezes para negociar minha ida à Editora Globo. Quando me foi dado, já na sede da empresa, o contrato para que eu assinasse, levei-o para casa e passei para minha então mulher que checasse. Dei a ela o guardanapo das anotações. Ela notou a ausência da cláusula de saída.
Estranhei. Falei com Juan no dia seguinte, e ele disse que houvera algum erro no Departamento Jurídico.  No dia seguinte, recebi uma nova cópia. Passei mais uma vez a minha ex-mulher. Estava incluída, agora, a cláusula de saída. O que ela não notou e muito menos eu é que, entre vírgulas, havia uma frase que ia minando a proteção. Era uma cláusula autodegradável. Quando minha demissão foi definida ao fim da crise iniciada com Nelson Blecher, fui discutir com a direção geral os termos da saída. Juan saíra, e em seu lugar estava seu braço direito desde a primeira hora, Frederic Kachar,  Fred, como Juan um executivo de formação estritamente financeira.
Foi Fred, a quem a área jurídica respondia quando fui contratado, que me contou o detalhe que me escapara em minha proteção. “É assim que funcionam os contratos imobiliários”, ele me disse. Apenas não se tratava de um contrato imobiliário. Eu tinha recebido luvas na transferência. No documento que assinei estava estabelecido que eu teria que devolvê-las caso saísse da editora antes do prazo de vigor do contrato — três anos. Mas ali o adendo de autodegradação não aparecia. Jamais digeri o episódio. Numa troca de emails, eu já em Londres, Fred escreveu que se sentia incomodado com minhas palavras reprovadoras sobre o caso, uma vez que ele cuidara de minha rescisão. “Se você se sente incomodado com isso, imagine eu”, respondi.
De um amigo, recebi a melhor recomendação quando contei a ele a história. “Aquele tipo de negociação tem que ser feita de advogado para advogado.”
Foi num ambiente de ética lassa que acabei topando com figuras como o governador do Amazonas, Eduardo Braga. Braga comprava livros da editora e, em troca, esperava que fosse objeto de reportagens promocionais da principal revista da casa, a Época. Quando publicamos, logo no início de minha gestão, uma reportagem crítica sobre ele, Braga deu um jeito para marcar um encontro comigo na editora. Foi péssima a conversa. Braga subiu de tom e eu lembrei a ele que aquela não era sua casa para falar tão alto. Braga disse que falaria de mim num encontro que, segundo afirmou num tom entre triunfal e intimidador, teria com a cúpula das Organizações Globo. Não fiquei minimamente preocupado. Sabia que no Rio a ética era diferente da de São Paulo.
TERMINADA A CONVERSA, Braga ligou de seu celular. no carro, para o executivo que cuidava das relações entre a editora e ele, o então diretor de publicidade Jota Erre. A pedido de Braga, o celular de Jota Erre foi encaminhado prontamente a Juan Ocerin. Juan ouviu do governador a única coisa sobre a qual concordamos: que nossa conversa tinha sido horrível.
Não sou Poliana, mas aprendi a ver que não raro coisas ruins se transformam em boas com o correr dos dias. Não fosse minha saída (traumática) da editora e não teria vindo a Londres. Ao lado dos anos passados como diretor de redação da Exame, na década de 1990, foi a experiência mais fascinante que tive até aqui em minha carreira de jornalista.
SEMPRE QUIS ser correspondente, mas a carreira e as circunstâncias me levaram para outro caminho. Em duas conversas com João Roberto Marinho, disse a ele que se a empresa achasse que fiz um bom trabalho na editora gostaria que a recompensa fosse o aeroporto e um posto de correspodente. João, de quem guardo boa impressão pela simplicidade serena e transparente com que administra a complexidade editorial das Organizações Globo e as pessoas que respondem pelas diversas mídias, me pareceu em ambas as ocasiões ter ouvido com atenção.
João comanda as reuniões editoriais da Globo nas manhãs de terça-feira, no prédio do Jardim Botânico. Está quase sempre em mangas de camisa. Não é quem mais fala, o que é compreendível em face da tagarelice típica de jornalistas reunidos,  mas quando se manifesta — pausadamente, num tom baixo — fica claro quem manda ali naquela sala. É ele o guardião da linha liberal, à Thatcher, das mídias da Globo.
O aeroporto acabou aparecendo para mim. Tecnicamente, talvez fosse mais indicado rumar para Pequim, hoje a capital do mundo. Mas Londres, para pessoas da minha geração, é Londres. De resto, a melhor mídia do mundo ainda está aqui, a começar pela BBC. Londres tem sido um MBA para mim.  Aqui, acabei me digitalizando. Não foi tão fácil assim para quem, como eu, tinha quase 60 anos de papel — os 30 de meu pai na Folha e mais os 25 meus nas revistas em que trabalhei.
EM LONDRES, ME REINVENTEI
Reinventei-me em Londres. Voltei a fazer o que menos fizera desde que assumira cargos executivos: escrever. Em Londres entendi que nunca mais quero ser executivo. Ao voltar ao Brasil, posso gozar de merecida aposentadoria. Ou quem sabe montar, numa parceria com investidores profissionais, um site inovador, ao modelo do The Daily Beast ou do The Huffington Post. O bom senso me chama para a primeira hipótese: jornalistas morrem cedo, e eu já estou com 54, a idade com que meu pai adoeceu para morrer. A paixão pelo jornalismo me empurra para a segunda.
Londres merece um capítulo à parte neste livro  — um contraponto majestoso a uma saída tumultuada. Sou, por isso, grato à Globo, a despeito de uma saída em que foi particularmente dura a sensação de ter sido traído por um grupo de pessoas que eu próprio levara para a Globo. Registrei minha gratidão à Globo mais de uma vez a João Roberto.
Eu sempre me julgara um bom formador de equipes. Aprendi, ali, que o maior erro que alguém pode cometer é se cercar de bajuladores.  Eles podem dar a você uma sensação momentânea de ser o máximo. Mas a bajulação acaba forjando ressentimento em quem a pratica sem que você se dê conta até a hora em que o sangue escorre de suas costas. Os companheiros leais que tive como chefe nunca hesitaram em me contestar, quando acharam que deviam. Só assim se forja uma relação saudável. Se alguém me pedisse um só conselho sobre como montar times, diria: não contrate bajuladores. De resto, tendem a ser eles que colocarão em risco o respeito a limites éticos que, ultrapassados, provocam danos à imagem de jornais, revistas, sites ou o que for.

'Quando há esquema político na Saúde as pessoas morrem'


GERAL


- Quando há esquema político na área da Saúde não se resolve os problemas e as pessoas morrem - advertiu em voz alta Flávio Dino (PC do B),  ex-deputado federal, juiz federal por 12 anos e atual presidente do Instituto Brasileiro do Turismo (Embratur), durante o sepultamento do corpo do seu filho Marcelo, de 13 anos, ontem, em Brasília. 
Ao lado de Dino, em uma das salas de velórios do Cemitério Campo da Esperança, estava Agnelo Queiroz, ex-PC do B, governador do Distrito Federal eleito pelo PT. E pelo menos mais 200 pessoas, entre elas algumas das cabeças coroadas da República, como o vice-presidente Michel Temer, o presidente do Senado José Sarney e Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal.
Dino escolheu Agnelo para despejar sobre ele todo o seu desespero.
- Não é possível alguém morrer de asma dentro de uma UTI, Agnelo. Esse hospital [de Brasília] matou meu filho. Por que não me mataram? Eu preferia mil vezes estar naquele caixão no lugar dele.
Agnelo tentou consolar Dino - em vão. Um dos políticos mais promissores do Maranhão, candidato a prefeito da capital em 2008 e a governador do Estado em 2010, Dino segurou Agnelo pelo braço e continuou:
- Vou enterrar meu filho sem saber direito por que ele morreu. Você sabia que a necrópsia do corpo não foi completa por que tem equipamentos quebrados no Instituto Médico Legal? - perguntou Dino a Agnelo. Que calado estava, calado continuou,
-  Quando meu filho parou de respirar na UTI do hospital, tentaram reanimá-lo, mas o equipamento usado para isso estava quebrado. Providenciaram outro, mas quando ele chegou já era tarde.
Àquela altura, assessores de Agnelo haviam sugerido que ele se despedisse de Dino e saísse rapidamente. Agnelo ouviu o último conselho de Dino:
- Faça pelo menos uma coisa no seu governo: interdite os hospitais de Brasília. Interdite. Vou te ligar diariamente cobrando isso.
Marcelo Dino Fonseca de Castro e Costa morreu no início da manhã da última terça-feira na UTI do Hospital Santa Lúcia – um dos maiores de Brasília. Ali havia sido internado pouco depois do meio-dia da segunda-feira. Fora vítima de uma crise de asma quando praticava esportes no Colégio Marista,onde cursava o 9º ano do Ensino Fundamental.
A suspeita de negligência e de erro médico está sendo investigada pela polícia, o Ministério Público e o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal.

Trabalhadores de obra da Racional na região da Avenida Paulista são resgatados





Por Bianca Pyl


Um grupo de 11 maranhenses que trabalhavam como pedreiros e serventes para a construtora Racional Engenharia na ampliação do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na região da Avenida Paulista, em São Paulo (SP), foi libertado de condições análogas às de escravidão em ação realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O flagrante foi feito com base em denúncia de um trabalhador que teve seu salário retido por dois meses. Os representantes da Racional alegam que os empregados eram terceirizados e que a direção desconhecia as irregularidades encontradas.


Obra de ampliação do Hospital (Divulgação)

Os operários tiveram a liberdade restringida, de acordo com Luís Alexandre Faria, coordenador do Grupo de Combate ao Trabalho Escravo Urbano da Superintendência do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP), devido à retenção de salários e às dívidas contraídas com o empreiteiro da obra. Sem receber, eles acabaram sem poder regressar aos municípios de origem, em Santa Quitéria (MA) e Tutóia (MA).



Dos 11, quatro foram aliciados no Maranhão e já chegaram a São Paulo endividados. Os demais trabalhavam em outra obra na capital. Eles foram encaminhados para um alojamento em Itaquera, na Zona Leste da capital, onde, sem dinheiro, passaram a viver em condições precárias. Os operários utilizavam espumas de colchão como papel higiênico. De acordo com auditores fiscais do trabalho, eles não tinham dinheiro sequer para comprar cartões telefônicos e entrar em contato com familiares ou mesmo para se locomover dentro da cidade.


A operação foi finalizada em 10 de fevereiro, quando a Racional recebeu os 28 autos de infração pelas irregularidades encontradas. Deu-se o prazo de alguns dias para que a empresa pudesse se posicionar antes da divulgação do caso por parte da Repórter Brasil. Os trabalhadores retornaram ao Maranhão em 23 de janeiro, após receberem as verbas rescisórias e guias para sacar o Seguro Desemprego do Trabalhador Resgatado.


A obra de ampliação do Hospital Oswaldo Cruz conta com cerca de 280 trabalhadores. No local, ocorreu um acidente fatal em novembro de 2011: um operário morreu ao cair de um andaime da altura de oito andares. A Racional é uma das maiores empresas do ramo no Brasil e, em São Paulo (SP), foi responsável pela construção de shoppings como o Morumbi e o Pátio Higienópolis, de fábricas, hotéis, empresas e obras viárias, entre outras edificações de grande porte.


Detalhe de beliche improvisada (Foto: MTE)

Ônibus clandestino


Segundo as autoridades, os quatro trabalhadores que foram aliciados no Maranhão em novembro do ano passado e os sete outros que já estavam na cidade passaram a trabalhar para Clemilton Oliveira, empreiteiro que foi empregado da Racional por 32 dias e constituiu pessoa jurídica para prestar serviços à construtora. A empresa criada foi nomeada Genecy da Silva Leite ME, nome de sua esposa. O grupo começou a trabalhar na obra em 29 de novembro do ano passado. Procurado pela reportagem, Clemilton não foi localizado.


A Racional alega que é culpa do empreiteiro a situação em que os trabalhadores foram encontrados. Para Luís Alexandre Faria, da SRTE/SP, porém, não há dúvidas quanto à responsabilidade da construtora. pois a empresa Genecy não tem sequer sede e foi registrada no endereço residencial de Clemilton, ex-funcionário da Racional.


“O poder de gestão e direção dos trabalhos era exercido efetivamente pela Racional. A existência da Genecy no mundo empresarial não passa de ficção. Seus trabalhadores e o encarregado e pseudo-empresário Clemilton são completamente dependentes economicamente de seu contratante único e exclusivo: a Racional”, aponta o relatório do MTE.


Os trabalhadores aliciados no Maranhão já chegaram a São Paulo devendo a Clemilton. Um deles declarou que o empreiteiro depositou R$ 250 para compra de passagem e que o valor seria descontado posteriormente. As vítimas viajaram três dias e duas noites, de 25 a 28 de novembro, em um ônibus clandestino e pegaram dinheiro emprestado com parentes para alimentação na estrada. Ao ser questionada sobre a Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhador (CDTT), documento que deve ser emitido no local de origem e que é considerado um instrumento importante para o combate ao tráfico de pessoas, os representantes da Racional alegaram que “a Genecy não declarou que trabalhadores tinham origem em outro Estado”.


“A falta de dinheiro para voltar a seu Estado de origem e o constrangimento de retornar à família sem os salários prometidos completam o quadro de coerção moral a que eram submetidos, com clara restrição a seu direito fundamental de ir e vir”, destaca o relatório de fiscalização.


Único banheiro disponível para todos (Foto:MTE)

Condições precárias


O alojamento no bairro de Itaquera, na Zona Leste da cidade, estava em condições precárias. Os empregados dormiam em camas improvisadas; por conta da falta de espaço, elas eram empilhadas formando beliches “totalmente inseguros”, de acordo com Luís Alexandre.


Dentro do alojamento, havia ainda instalações elétricas irregulares e um botijão de gás. O grupo dividia dois copos para beber água e os onze trabalhadores se revezavam para utilizar o único banheiro do local. Além disso, o empregador não disponibilizou papel higiênico, roupas de cama ou mesmo itens como sabonete e pasta de dente.


De 6 de dezembro, data do início da fiscalização, até a conclusão, foram feitas cinco inspeções no alojamento e na obra. Em 11 de janeiro, a Racional foi comunicada pelo MTE sobre as irregularidades encontradas no local em que os trabalhadores estavam abrigados.

 A empresa limitou-se a rescindir o contrato com a empreiteira Genecy. “Questionados sobre a quitação dos valores devidos aos trabalhadores, e à sua atual situação quanto a alojamento e alimentação, os representantes da Racional nada souberam informar, apenas apresentando à Auditoria os comprovantes de pagamento de R$ 435 a cada trabalhador desligado da obra”, frisa o relatório.


A Racional nega que tenha abandonado os trabalhadores após rescindir o contrato. “A Genecy quebrou o contrato ao não cumprir as suas obrigaçöes, inclusive a de não declarar a existência de alojamento. Ao tomar conhecimento do fato, a Racional atuou para garantir que a Genecy garantisse os direitos das pessoas envolvidas, o que efetivamente ocorreu”, sustentou a empresa, em nota encaminhada à Repórter Brasil.


A construtora alega ainda que exige de seus fornecedores que declarem quando há alojamento para que suas condições sejam avaliadas por uma auditoria externa. “Trata-se de compromisso social. Infelizmente, numa cidade como São Paulo, grande e descentralizada, nem sempre é possível investigar se as declarações dos fornecedores são verdadeiras ou não. Especialmente quando o fornecedor omite a informação. É importante esclarecer que o citado alojamento ficava em Itaquera, enquanto a obra ocorre nas mediações da Avenida Paulista. Seja como for, manteremos nossa postura de sempre atuar para que tais vulnerabilidades sejam mitigadas. A Racional reavalia sistematicamente todos os seus processos para que eles sigam em melhoria continua”.


Jornada irregular


Os operários resgatados relataram ainda aos auditores fiscais que trabalharam em feriados e em madrugadas no canteiro de obras, sem receber qualquer adicional ou mesmo folgas por isso. O serviço aos domingos também era frequente. A fiscalização diz que a Racional não fez qualquer tipo de registro de jornada e anotação de repousos. A empresa alega que a responsabilidade de controle dos horários era da empreiteira.


No dia 19 de janeiro, os auditores decidiram interditar o local em que o grupo ficava hospedado. Representantes da Racional se negaram a receber o Termo de Embargo, segundo o MTE. Os trabalhadores foram levados no mesmo dia para um hotel.


Os procuradores Luiz Fabre e Natasha Rebello Cabral, da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região (PRT-2), receberam o relatório da fiscalização e informaram à reportagem que devem se reunir com a empresa em breve para propor um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para buscar indenização po dano moral coletivo e também para prevenir que a situação volte a ocorrer. Caso a empresa se recuse, será ajuizada uma ação civil pública.



Nota à imprensa


Sobre as matérias veiculadas na imprensa a respeito da fiscalização conduzida pelo Ministério do Trabalho, a Racional Engenharia esclarece que:


A realização de uma obra conta com a participação de diversos fornecedores conforme a sua fase de execução.


A situação exposta pela Fiscalização do Trabalho fere as normas de conduta e ética praticadas pela Racional, que incluem a exigência de declaração de seus fornecedores sobre a existência de trabalhadores mantidos em alojamento para a realização de auditoria externa.


Era de total desconhecimento da Racional que o fornecedor mantinha trabalhadores na situação mencionada pela imprensa e pela fiscalização do Trabalho, pois a Genecy omitiu que mantinha alojamento. Infelizmente, numa cidade como São Paulo, grande e descentralizada, a omissão de existência de alojamento, tal como ocorreu no caso, não é facilmente identificada, sobretudo considerando que a fornecedora esteve na obra por pouco mais de um mês.


Informada pelo órgão competente em 11 de janeiro de 2012, a Racional cuidou para que fossem pagas todas as verbas trabalhistas, garantido o bem estar dos trabalhadores e o retorno dos mesmos às suas cidades de origem.


A Racional informa, ainda, que compareceu à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/SP), em 10 de fevereiro de 2012, e recebeu o relatório da fiscalização, documento que está sendo devidamente analisado. Independentemente, a Racional atua sistematicamente por meio de seus processos para que casos como o da Genecy não mais ocorram.


A Racional, reconhecida no mercado e com mais de 40 anos, participou de diversas obras de relevância no Brasil e reafirma seu compromisso com a sociedade.