sábado, 22 de março de 2014

O separatismo assusta


A decisão da Crimeia de se separar da Ucrânia dá fôlego a movimentos de independência no Reino Unido, Itália, Espanha e Canadá e ameaça a estabilidade da geopolítica ocidental

Mariana Queiroz Barboza (mariana.barboza@istoe.com.br)
Faltavam poucos minutos para as 11 horas de uma manhã quente de junho de 1914 em Sarajevo, a hoje capital da Bósnia-Herzegovina, quando o jovem separatista Gavrilo Princip disparou por duas vezes uma pistola semiautomática .380 de fabricação belga contra o arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do império Austro-Húngaro, e sua esposa, a duquesa Sofia. Ferdinand foi atingido na veia jugular e, Sofia, no abdome. Ambos morreram poucos minutos após serem alvejados. Princip fazia parte de um pequeno mas aguerrido grupo separatista que lutava apenas pela independência da Sérvia e da Bósnia do Império Austro-Húngaro, mas que, com seus tiros, fez com que a Europa e o mundo mergulhassem em um período de instabilidade, crises e guerras, que, em última instância, duraria mais de 30 anos e mataria quase 100 milhões de pessoas nos dois maiores conflitos armados da história da humanidade.
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CONFRONTO
Russos étnicos, ucranianos e tártaros brigam depois que uma bandeira da
Crimeia é hasteada em Simferopol, capital da península anexada pela Rússia
Agora, às vésperas do aniversário de 100 anos do início da 1ª Guerra Mundial, um novo movimento em busca de autonomia faz a Europa e o mundo recordarem como o separatismo pode ser um fator desestabilizador do statu quo geopolítico e econômico. A decisão da Crimeia de se separar da Ucrânia e se unir à Rússia obedece a dinâmicas e razões distintas dos movimentos clássicos de separação – afinal de contas, os habitantes da península não querem a independência –, mas suas consequências podem ser tão desastrosas quanto qualquer movimento separatista tradicional. Até agora, felizmente, a disputa pela Crimeia envolveu apenas ameaças, blefes e demonstrações de força. A Rússia anexou a região que é sede histórica de sua marinha de guerra sem disparar um tiro e as forças ocidentais, que apoiam a decisão do governo central de Kiev de promover uma espécie de separatismo cultural e econômico da Rússia, permanecem apenas na retórica. Isso não significa, no entanto, que as coisas não possam sair do controle. Como mostra a história, muitas vezes basta apenas um tiro de pistola para que toda a ordem vigente se desfaça.
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XADREZ
Enquanto luta contra o separatismo da Tchetchênia
e do Daguestão, Putin apoia a Crimeia
A decisão dos habitantes da Crimeia de escolher por conta própria os destinos da região em que vivem não tem impacto apenas nos mapas da Europa Oriental. O sucesso da empreitada dá mais fôlego para diversos grupos ocidentais que pretendem redesenhar o mapa-múndi. Apenas na Europa, três países enfrentam, nesse momento, pressão crescente de parte de seus habitantes por independência. A Escócia decide nos próximos meses se permanece ou não no Reino Unido; a Catalunha amplia a pressão para se separar da Espanha; e até a romântica Veneza faz soar os tambores do separatismo. Do outro lado do Atlântico, a província canadense de Quebec tenta, mais uma vez, tornar-se o mais novo país norte-americano. Mais do que nunca, o separatismo mostra não ser um problema enfrentado apenas por países da África ou da Ásia, como China ou Sudão, que se dividiu há pouco tempo.
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“O interesse de longo prazo da União Europeia é manter a ordem do pós-guerra, em que as fronteiras são robustas e questões territoriais não são decididas pela força”, disse à ISTOÉ Jan Techau, diretor do centro de pesquisas Carnegie Europe, de Bruxelas. “A Crimeia não votou para ser mais livre, como os movimentos separatistas clássicos, mas para ser menos livre sob o controle da Rússia. Mesmo assim, a desestabilização provocada por sua decisão é um pesadelo para o mundo.” Steven Blockmans, pesquisador do Center for European Policy Studies, também de Bruxelas, acredita que os líderes europeus, incluindo Vladimir Putin, devem temer o fôlego renovado dos movimentos separatistas. “Putin calculou mal o impacto do precedente que a independência da Crimeia criou para a federação russa”, disse à ISTOÉ. Dentro de seu território, no Cáucaso do Norte, movimentos insurgentes na Tchetchênia e no Daguestão reivindicam sua própria independência. “Não existe país no mundo que aceite perder terra”, afirma Leonardo Paz, diretor do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. “O separatismo envolve o medo de perder poder, recursos naturais, impostos e população.”
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RETÓRICA
Apesar das ameaças, Estados Unidos e União Europeia
apenas decretaram brandas sanções à Rússia
Antes da Crimeia, a última separação que ocorreu no continente europeu foi traumática. Com quase dois milhões de habitantes, a grande maioria de origem étnica albanesa, o Kosovo recebeu apoio da Otan, braço militar das potências ocidentais, numa guerra para se separar da Sérvia, que provocou mais de 10 mil mortes. Em 2008, o Kosovo declarou unilateralmente sua independência, mas países como Rússia e China não reconheceram seu novo status. A justificativa usada pelo Ocidente para se sobrepor à soberania nacional, neste caso, era a de um cenário de opressão aos albaneses, com graves violações aos direitos humanos e faxina étnica. Em 2010, a Corte Internacional de Justiça, vinculada à ONU, declarou que a separação teve respaldo legal. A prevalência da integridade territorial sobre o princípio da autodeterminação dos povos é seguida pelo Itamaraty e, por isso, as declarações do Ministério das Relações Exteriores do Brasil em relação à intervenção da Rússia na Crimeia têm sido cautelosas.
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MOTIVAÇÃO
Grupo separatista sérvio deu início à 1ª Guerra Mundial
Independência
Embora os argumentos econômicos tenham importância central no debate, no cerne do separatismo estão as raízes culturais, étnicas e históricas e um sentimento de identidade. Em Veneza, capital do Vêneto, região ao norte da Itália, há uma série de iniciativas criadas para a conquista de sua independência e a volta da Sereníssima República de Veneza. Soberana até o século 18, quando foi tomada pelo expansionismo do imperador francês Napoleão Bonaparte, a República de Veneza era governada por um doge, auxiliado por um conselho de notáveis, e foi rival de Gênova no mar e do Ducado de Milão em terra. Capital do estilo barroco na música, de onde se sobressaíram as figuras dos compositores Antonio Lucio Vivaldi, Alessandro e Benedetto Marcello, Veneza inspira saudade de uma época de efervescência cultural. Na semana passada, do domingo 16 à sexta-feira 21, milhares de pessoas participaram de um plebiscito online que perguntava aos venezianos se eles queriam que o Vêneto se tornasse uma república federal independente e soberana. Outros grupos trabalham paralelamente recolhendo assinaturas para serem enviadas à União Europeia e desenvolvendo projetos políticos que reconheçam aos venezianos o direito de autodeterminação.
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FORÇA
Sem entrar em combate, tropas russas tomaram as bases navais da Ucrânia na Crimeia
“A região do Vêneto é usada pelo governo central como uma colônia a ser explorada”, disse à ISTOÉ Alessio Morosin, cofundador e líder do movimento Indipendenza Veneta. Para os separatistas, a carga de impostos paga pelos venezianos é desleal. Eles argumentam que o governo de Roma recolhe todos os anos da região, com quase 5 milhões de habitantes, 70 bilhões de euros em tributos e, em troca, ela recebe serviços públicos no valor de 50 bilhões de euros. “Nós damos 20 bilhões de euros de graça para um Estado central falido, que criou uma dívida pública de 2,1 trilhões de euros”, afirma Morosin, que está envolvido na luta pela independência há 20 anos. “Nossos negócios fecham, nossos empresários cometem suicídios no desespero, os jovens fogem para o Exterior. A situação é insustentável.” O Indipendenza Veneta convocou para o domingo 23, em Pádua, uma manifestação em apoio ao projeto de lei 342, que determina que a independência deve ser decidida pelos próprios venezianos, sem consulta a outras regiões da Itália.
Por mais legítimo que possa parecer o direito de uma maioria decidir seu alinhamento político, de acordo com seu senso de identidade, como aconteceu na Crimeia, a prerrogativa de autodeterminação é limitada no direito internacional. Há um consenso de que isso só pode ocorrer dentro de um processo democrático, transparente e aceito pelo governo central, como acontece no Reino Unido. Marcado há dois anos, depois de uma longa negociação entre o parlamento escocês e o britânico, um referendo de uma única questão deve decidir sobre a separação da Escócia em setembro.
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União
Uma pesquisa da consultoria Ipsos Mori de março mostrou que 57% dos escoceses votarão pelo não, influenciados pelas consequências econômicas do rompimento com Londres. O debate público fez até as celebridades darem seus palpites. Histórico ativista pró-independência, o ator Sean Connery, nascido em Edimburgo, declarou: “Essa oportunidade é muito boa para ser perdida.” O cantor David Bowie pediu, em contrapartida, ao receber um prêmio em fevereiro: “Escócia, fique conosco”. Oficialmente, o governo britânico diz que a “Escócia é mais forte dentro do Reino Unido e que o Reino Unido é mais forte com a Escócia.” Mas o primeiro-ministro, David Cameron, tem adotado um discurso mais agressivo. O premiê conservador já alertou que, uma vez independente, a Escócia não poderá mais usar a libra esterlina e vai esbarrar em dificuldades para entrar na União Europeia.
A Espanha tem especial interesse em atrapalhar a adesão de novos Estados independentes ao bloco europeu. De norte a sul, diversos movimentos separatistas convivem em seu território. Não por acaso, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, tem bloqueado todas as tentativas da região autônoma da Catalunha de promover seu próprio referendo, apesar de metade da população concordar com a soberania de Barcelona. Com o agravamento da crise econômica na Espanha, onde o nível de desemprego, em 26%, é o dobro da média da zona do euro, o apoio à independência só cresceu. A Catalunha é altamente industrializada e calcula que 43 centavos de cada euro pago em impostos ao governo central não são revertidos para a região. Em novembro, os catalães votarão num referendo mesmo sem o consentimento de Madri, que denuncia a ação como inconstitucional. Isso não impede o avanço de medidas para a fundação de um novo Estado. No fim de fevereiro, por exemplo, o governo catalão criou uma nova agência de coleta de tributos e a classificou como um “embrião” para uma futura autonomia fiscal.
Instabilidade
Fora da Europa, o separatismo também entrou para a agenda. No Canadá, o Parti Québécois, liderado por Pauline Marois, coloca como seu principal objetivo fazer da província de Quebec um país. Com mais de 8 milhões de habitantes, que majoritariamente usam o francês como primeiro idioma, Quebec é a segunda província mais populosa do país. De acordo com os separatistas, quando livre, o Quebec garantirá a continuidade dos serviços oferecidos pelo governo federal, mas poderá reinvestir seus impostos de acordo com suas escolhas e valores, modernizar seu sistema político, incentivar a produção de energia hidrelétrica e se libertar da importação do petróleo. O partido propõe manter o dólar canadense como moeda oficial e influenciar a política monetária com um assento no conselho do banco central, mas é incerto se Ottawa permitiria isso. A participação de Quebec no Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta), bloco econômico de Canadá, México e Estados Unidos, seria discutida. Já houve dois referendos sobre a independência, em 1980 e 1995, que rejeitaram a proposta dos separatistas, mas o último teve uma diferença de pouco mais de um ponto percentual, o que alimenta a esperança de um resultado favorável agora.
Ainda é cedo para saber se a nova onda de separatismo que aflora no Ocidente vai, de fato, redefinir as fronteiras em áreas que pareciam fadadas a uma estabilidade perene, como na Europa Ocidental do pós-guerra. Mas uma coisa parece certa. O eterno desejo de independência dos povos continuará sendo um componente importante de instabilidade no mundo.
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Fotos: Reuters/Baz Ratner, Michael Klimentyev/Ria Novosti/AFP; Gustav Nacarino/Reuters/Latinstock; David Moir/Reuters/Latinstock; Maks Levin/Reuters/Latinstock; Marco Secchi/Corbis/Latinstock; Rogerio Barbosa/AFP; Official White House Photo by Pete Souza-, AFP Photo/ Filippo Monteforte 

http://www.istoe.com.br/reportagens/353593_O+SEPARATISMO+ASSUSTA

Fardados e farsantes


A reedição da Marcha pela Família com Deus, neste sábado, tenta escorar-se nas Forças Armadas para ganhar fôlego.
Por Cynara Menezes
 
Arquivo / Estadão Conteúdo
Marcha
Saudosistas. Como dizia Marx, a tragédia se repete como farsa
Em março de 1994, no aniversário de 30 anos do golpe, não apareceu ninguém disposto a ressuscitar a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, apoio fatal dos privilegiados à deposição de João Goulart em 1964. O presidente era Fernando Henrique Cardoso, filho e neto de generais. Em março de 2004, com o operário Lula no comando do País, tampouco as viúvas da “revolução” se ouriçaram. O que explica essa agitação às vésperas dos 50 anos? Seria apenas o peso da efeméride ou o Brasil tornou-se ainda mais reacionário?
Convocada para este sábado 22, a reedição da marcha corre o risco de levar ao paroxismo a famosa frase de Karl Marx: “A história acontece como tragédia e depois se repete como farsa”. Mesmo nas redes sociais, onde a capilaridade das ideias grotescas e atrasadas é assustadora, a adesão à passeata não chega a empolgar. No Facebook, a principal página de convocação da marcha em São Paulo tem pouco mais de 20 mil seguidores. As demais, em outras capitais, não alcançam 3 mil. Em resumo: 100 mil nem na internet. Chama a atenção, porém, a tentativa dos organizadores de vincular o evento às Forças Armadas. Os pontos de encontro dos manifestantes são comandos estaduais do Exército e Tiros de Guerra. Militares da reserva e alguns poucos da ativa manifestaram apoio ao movimento.
Mais do que defender a possibilidade de uma intervenção militar, os oficiais de pijama parecem preocupados em salvaguardar o “legado” da “revolução” contra as “mentiras” disseminadas em seu 50º aniversário. É esse o teor, para citar um caso, do texto divulgado pelo general reformado Luiz Eduardo Rocha Paiva, ex-secretário-geral do Exército, em dezembro do ano passado.
“Nos 50 anos do Movimento Civil-Militar, o Exército Brasileiro será o alvo principal de intensa campanha de desgaste a ser movida pela jurássica esquerda radical, sempre abraçada à ideologia socialista, responsável pelos maiores crimes contra a humanidade no século XX”, escreveu. “Diante desse cenário, a consciência do militar, da ativa ou reserva, com certeza lhe dirá: não se omita. Hoje, a esquerda domina a política nacional e seu ramo radical-revanchista controla amplos setores dos Poderes da União.” Uma datação científica com carbono provavelmente localizaria esse texto entre 31 de março e 1º de abril de... 1964.
No mês passado, foi a vez do também reformado general de Exército Pedro Luis de Araújo Braga, presidente do Conselho Deliberativo do Clube Militar, destacar o “jubileu de ouro” da “revolução democrática brasileira” e da necessidade de defendê-la dos “detratores” que a chamam de “golpe” ou “anos de chumbo”. Em tom de ameaça, recorreu a um discurso típico da Guerra Fria: “O Brasil, que nasceu sob a sombra da cruz e que, como diz o cancioneiro popular, ‘é bonito por natureza e abençoado por Deus’, será sempre uma nação cristã, fraterna e acolhedora, amante da paz, livre e democrata. Jamais será dominada pelos comunistas, mesmo que isto custe a vida de muitos”. Braga classificou a Marcha da Família de antanho de “extraordinária”.
Na revista da Sociedade Militar, outro general reformado, Paulo Chagas, saúda a marcha como “um bom começo” e assume o golpismo. “A debacle da Suprema Corte, desmoralizada por arranjos tortuosos que transformaram criminosos em vítimas da própria Justiça, compromete a crença dos brasileiros nas instituições republicanas e se soma às muitas razões que fazem com que, com frequência e veemência cada vez maior, os generais sejam instados a intervir na vida nacional para dar outro rumo ao movimento que, cristalinamente, está comprometendo o futuro do Brasil. Os militares em reserva se têm somado aos civis que enxergam em uma atitude das Forças Armadas a tábua de salvação para a Pátria ameaçada.”
O Ministério da Defesa admite ser difícil prever o tamanho da reedição da marcha e tem monitorado a movimentação na caserna por meio de conversas com os comandantes das três Forças. Há uma orientação expressa dos chefes militares: os subordinados estão proibidos de tratar do assunto. Segundo apurou CartaCapital, o ministro Celso Amorim não vê motivos para maiores preocupações, pois não há participação de militares da ativa. Amorim tem consciência de que oficiais da reserva não perderão a oportunidade para colocar as mangas de fora, mas entende as críticas nas redes sociais como parte da liberdade de expressão em um país democrático. Ou seja, está garantido aos milicos de pijama um direito que a ditadura suprimiu da vida dos cidadãos.
Se é natural esperar saudosismo em militares aposentados, causa espanto encontrar o mesmo sentimento em civis. Apresentadora dos vídeos que convocam para a manifestação em São Paulo, Cristina Peviani protagonizou uma cena dantesca durante o depoimento da ex-presa política e militante do PCdoB Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, em dezembro passado. Enquanto Amelinha relatava, emocionada, os choques na vagina, seios e outras partes do corpo, as sessões de palmatória e uma tentativa de estupro, Peviani mascava chicletes, ria ruidosamente e lixava as unhas. Só se conteve depois de ser advertida por um agente do fórum.
Fã de Carlinhos Metralha, ex-agente da ditadura acusado de assassinato e tortura, Peviani, atualmente desempregada, segundo ela, “graças às nossas faculdades falidas”, provocou os militantes de direitos humanos que acompanhavam o depoimento de Amelinha do lado de fora do fórum. “Cuidado, somos torturadores”, dizia, em tom de deboche, enquanto filmava o ambiente com a câmera do celular. Em um dos vídeos nos quais convoca para a passeata, afirma, categórica: “Nós estamos num período muito, muito, muito horrível”. As páginas pró-marcha comprovam a frase.
Outro entusiasta do revival golpista, o advogado Célio Evangelista Ferreira é conhecido nos tribunais de Brasília por suas petições fora do comum. Ferreira solicitou três vezes o impeachment de Dilma Rousseff à Câmara. Todas foram negadas. Em uma das petições, pretendia tirar a presidenta do poder por ela ter instalado a Comissão da Verdade, “um atentado à Pátria”. Em janeiro, solicitou à Procuradoria-Geral da República que protegesse a marcha da família da ação do “segmento do banditismo oligárquico comunista no poder encastelado no Estado”.
O mais engraçado: Ferreira assina, em nome das Forças Armadas, um “documento” de apoio à manifestação de muito sucesso nos blogs simpáticos ao militarismo. O advogado também tentou registrar no Tribunal Superior Eleitoral sua candidatura à Presidência da República. A solicitação foi rejeitada pelo fato de a legislação eleitoral não permitir candidaturas avulsas. O TSE privou os eleitores de um pouco de comédia no horário eleitoral gratuito.
Não há muitos registros de movimentos semelhantes ao redor do mundo nos últimos anos. O mais recente aconteceu no Chile há dois anos, justamente durante a Presidência do direitista Sebastián Piñera, que acaba de ceder o posto à esquerdista Michelle Bachelet. Em nome da “liberdade de expressão”, Piñera autorizou a realização de uma manifestação em homenagem ao ditador Augusto Pinochet. O centro de Santiago virou uma praça de guerra, embate que não se repetiria no ano passado, quando se completaram 40 anos da morte de Salvador Allende. Em São Paulo, grupos antifascistas agendaram protestos na Praça da Sé para a mesma hora da marcha. Pode haver confusão. Ou pode não acontecer nada, dada a incapacidade atual dos movimentos reacionários de trocar o anonimato covarde e confortável das redes sociais pelos riscos das ruas. 
http://jornalggn.com.br/noticia/fardados-e-farsantes-por-cynara-menezes