quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Heloisa Villela: Passou no Wal Mart, comprou munição e matou gente

por Heloisa Villela



Loucura?



Em meio a toda essa sandice, mais uma de tantas explosões aparentemente gratuitas de violência neste país, as perguntas e tentativas de explicação voltam à tona. São sempre as mesmas, recicladas ou não como novidade. E tudo sempre se resume a uma análise “aprofundada” do sujeito da ação. O cara é desequilibrado, tem problemas mentais, ninguém tomou providência a tempo, etc, etc. Quantas vezes já ouvimos tudo isso?



Pois é, cansa e parece farsa na quarta ou quinta vez. E fica ainda mais evidente que talvez o blá, blá, blá da mídia sirva apenas para calar a verdadeira discussão que esse país aqui se recusa a travar. São várias, na minha muito modesta opinião. E não passa disso: opinião mesmo, de quem mora há mais de 20 anos aqui, não tem curso de psicologia nem de sociologia. Mas ainda assim, são coisas que me martelam a cabeça.



O rapaz do Arizona comprou uma arma, sem problemas, na loja “Sportsman’s Warehouse”, em novembro. Poucas horas antes de matar seis pessoas, entrou em um Wal Mart (esses hipermercados populares) e comprou munição. No táxi, com toda tranquilidade, ele foi para o estacionamento do mercado Safeway, onde acontecia o pequeno comício, ou corpo-a-corpo da deputada Gabrielle Giffords.



Agora, paramos aqui e juntamos: armas acessíveis, munição à vontade e políticos, em geral, cada vez mais odiados pela população. O que acontece com o debate político nesse país? Nada, porque ele não envolve a população. Nas eleições presidenciais, quando um número maior de eleitores participa, o índice de comparecimento fica ali pelos 50%. Ou seja, metade da população não se interessa em sair de casa para votar. Não se sente representada, talvez, por nenhum dos dois partidos majoritários.



Mais recentemente, a decepção com a classe política se aprofundou. A crise financeira, o socorro aos bancos e o total desinteresse pela situação dos que perderam suas casas porque não podiam mais pagar a prestação irritou muita gente. Em seguida, veio a discussão da reforma da saúde, acalorada, lotada de distorções e mentiras.



O presidente Barack Obama foi eleito numa onda de esperança que mobilizou um bocado de gente. Em seguida, foi uma ducha de água fria. Muita gente se sentiu traída porque ele não atacou os problemas com o vigor que se esperava. Não estou dizendo que o sujeito lá do Arizona decidiu matar uma meia dúzia porque estava irritado com o governo. O que me parece é que existe um descolamento total da política, que não diz nada para a vida do cidadão comum, hoje em um clima tenso, de desesperança.



Ao mesmo tempo, o espaço do debate político foi tomado por uma retórica vazia, de acusações falsas e promoção do ódio aos imigrantes, às minorias… O xerife do condado do Arizona, onde aconteceu o massacre, diz que esse discurso político deve ter influenciado o rapaz. Quanto ao acesso às armas, foi mais radical: “Talvez agora eles exijam que todo bebê mantenha uma Uzi no berço”. Alguém, por aqui, ainda pensa.



O Departamento de Segurança Interna, há dois anos, produziu um estudo mostrando que havia um acirramento dos grupos de ódio e de direita radical, alimentado, entre outras coisas, pela eleição de um presidente negro pela primeira vez na história do país. O estudo alertava para a possibilidade de atos isolados e perigosos. Mas o documento foi engavetado depois que os republicanos berraram, especialmente o agora presidente da Câmara, John Boehner, dizendo que não passava de propaganda do governo Obama.



E, mais uma vez, o governo Obama se calou diante da oposição…



Sabesp diz que abertura de comportas de represa em Franco da Rocha era “inevitável”

Texto extraido do vi o mundo.


Sabesp diz que abertura de comportas de represa em Franco da Rocha era “inevitável”



Vice-prefeito atribuiu alagamento em Franco da Rocha à ação da empresa



João Varella, do R7



A direção da Sabesp, empresa responsável pelo saneamento básico em São Paulo, negou que a abertura das comportas da represa Paiva Castro tenha alagado a cidade de Franco da Rocha, na região metropolitana. A empresa atribuiu a enchente – no início da noite desta quarta-feira (12) partes do município permaneciam alagadas – a chuvas fora do comum e informou que a abertura da represa era “inevitável”. Caso contrário, a barragem se romperia e o alagamento seria ainda pior, disseram dirigentes da empresa.



Em entrevista na tarde desta quarta-feira, o presidente da Sabesp, Gesner Oliveira, afirmou que “as represas estão atenuando a ação das chuvas” em Franco da Rocha. Segundo o vice-prefeito, José Antônio Pariz Júnior, o alagamento foi provocado pela abertura da represa Paiva Castro, que, na manhã de terça-feira (11), atingiu o nível máximo.



Paulo Masato, diretor da Sabesp na região metropolitana, confirma que a abertura das comportas é responsável pela permanência da enchente em Franco da Rocha, mas ressalva que a ação era inevitável, uma vez que a represa estava muito cheia por causa das chuvas que atingiram a região. Segundo a Sabesp, a água será escoada gradualmente. Partes da cidade permanecem alagadas, porque o rio Juqueri tem agora capacidade menor de escoamento do que a represa demanda.



- Já tínhamos avisado a Defesa Civil e tivemos que tomar essa decisão de abrir mais as comportas. A Defesa Civil estava junto com a Sabesp. O que tem que fazer é melhorar a canalização do rio Juqueri.



No período das cheias, as represas retêm boa parte da vazão de água que chega ao rio, liberando esse volume aos poucos, de forma controlada, evitando ou reduzindo o impacto das inundações.



Se não chover, a previsão é de, na noite desta quarta-feira, a abertura comportas seja reduzida, diminuindo assim a área alagada. Masato diz que, a partir de agora, o volume de água no rio Juqueri deve começar a baixar. Segundo ele, no final da manhã desta quarta-feira, a represa Paiva Castro liberava 37,92 m³/s de água. Entre a 0h e a 7h, a barragem chegou a liberar 80 m³/s.



- A represa passou de um nível de 45% de água para, em menos de 18 horas, ir para 97%. Estamos descarregando agora 50 m³/s. A partir das 19h, vamos liberar só 10 m³/s. Isso, se não voltar a chover.



A vazão média da represa é de 1 m³/s – cada metro cúbico de água equivale a 1.000 litros (volume de uma caixa d’água residencial).



Cloro



O presidente da empresa anunciou que haverá distribuição de cloro para a população de Franco da Rocha. O produto deverá ser usado na higienização de casas que foram alagadas. Tendas da Sabesp estão sendo montadas na cidade para orientar os moradores.



- Faremos tudo que é necessário para mitigar os efeitos da chuva e colaborar com qualquer ação que as prefeituras venham a precisar.



Segundo a Sabesp, a prefeitura decidirá quando inicia a distribuição, que começará na estação de trem de Franco da Rocha.



PS do Viomundo: O gerenciamento das represas que circundam São Paulo é, do ponto-de-vista da população, uma caixa-preta, especialmente agora que interesses privados foram injetados no sistema

Cobrança tardia (ou tudo igual na relação da mídia com os tucanos)

Abaixo vai publicado uma série de postagens do blog do Azenha sobre o descaso do governo de São Paulo, há dezesseis anos nas mãos do PSDB e a omissão da grande mídia que por conivência é também responsável pelo caos que instalou-se no estado mais rico e importante da federação.Nos últimos dias a terra da garoa vem sendo castigadas por incessantes pancadas de chuvas, causando enorme transtorno aquela população e tornando a vida do paulistano um inferno.










por Luiz Carlos Azenha



Passei o dia de ontem trabalhando na cobertura das enchentes de São Paulo. O mesmo filme de sempre: improvisação, improvisação, improvisação. Um governo incapaz de alertar os moradores da cidade — a não ser para gritar “não saiam de casa”. Um poder público irresponsável, que não arca com as consequências de sua incompetência. Tentativas de jogar a culpa exclusivamente em Deus ( “excesso de chuva”, imitando o “excesso de veículos” que congestiona as ruas, como se não houvesse relação entre congestionamento e governo/desgoverno) e na população (que joga lixo nas ruas). Falta de coleta? De varrição? Não é preciso andar muito por São Paulo para constatar que, além da população mal educada, o próprio poder público contribui com as enchentes ao abandonar as ruas da cidade ao Deus dará.



No meio da tarde, na rádio CBN, o locutor vocifera contra… a “farra dos passaportes”. Isso mesmo. O locutor da CBN, no dia em que São Paulo enfrentou uma das maiores enchentes dos últimos anos, prometia procurar o presidente da OAB para cobrar ação contra a “farra dos passaportes”. Este é o nível de indigência jornalística que permitiu que as coisas chegassem onde chegaram.



Registre-se que a Folha de S. Paulo passou os últimos dias muito ocupada com a “farra dos passaportes”, ou denunciando que o Exército gastou 6 mil reais com o ex-presidente Lula, com farta cobertura inclusive na primeira página.



Em 2009, em texto assinado por Conceição Lemes, o Viomundo denunciou que o governo Serra deixou de fazer a limpeza necessária na calha do rio Tietê, que atravessa a cidade e para a qual convergem outros rios e riachos que cortam a capital paulista. Agora, indiretamente, o governador Geraldo Alckmin admite que a Conceição tinha razão: “Há 2,1 milhões de metros cúbicos que precisam ser retirados do Tietê”, segundo Alckmin. O desassoreamento, afirma o governador, deve ser “eterno”. Tudo indica que o governo Serra negligenciou a manutenção da obra-vitrine do antecessor.



O que deu errado?, pergunta hoje a Folha na capa de um caderno.



É só olhar para o próprio caderno da Folha para entender: na contracapa do caderno dedicado às enchentes em São Paulo, aparece o artigo “O grande timoneiro”, no qual em tom de blague o articulista diz que “Lula só será realmente aclamado pelas massas se der ao Corinthians o Mundial, a Libertadores e um estádio”. A Folha, obcecada por Lula, enquanto São Paulo afunda…



As cobranças do jornal em relação aos governos paulistas são pontuais e não cobrem as questões realmente essenciais: o assoreamento do Tietê, a invasão das áreas de várzea, a presença física de uma central de abastecimento de frutas, verduras e legumes ao lado de um rio fétido que transborda, o (bom ou mau) gerenciamento das represas da Penha e do Cebolão, a falta de piscinões (são justificáveis do ponto-de-vista sanitário?), a obra de ampliação da marginal, a falta de transporte público, a falta de coordenação entre as prefeituras da região metropolitana e a submissão do planejamento da cidade aos interesses da especulação imobiliária (aquela, que anuncia maciçamente seus novos empreendimentos nos jornalões paulistas).



É de se estranhar que vá acontecer tudo de novo, igualzinho, no ano que vem?

“O problema de São Paulo é de gestão”

Em entrevista, o professor Júlio Cerqueira César Neto, que durante 30 anos deu aulas na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e foi o primeiro presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, diz que cabe ao governador paulista reorganizar a gestão da região metropolitana de forma a enfrentar os graves problemas de saneamento básico enfrentados pela população.



Ele diz que a região tem uma característica singular no mundo: é a única situada no alto de uma bacia hidrográfica, ou seja, onde a vazão do rio (no caso, o Tietê) é baixa. Por isso, é maior o impacto sanitário de transformar os córregos e rios em canais de esgoto a céu aberto, que atravessam áreas densamente povoadas. “Cada um faz aqui o que quer, quando quer, como quer”, diz o professor, que acredita em uma solução integrada para os problemas, envolvendo a oferta de moradias, a manutenção da calha para evitar enchentes, o acesso a novos mananciais de água e o tratamento do esgoto.



Isso exige uma ação política que os governadores de São Paulo, pelo menos os mais recentes, não tiveram a coragem de assumir.



O professor também acredita que, por falta de investimento, a Sabesp está praticando uma espécie de “racionamento branco” em São Paulo, com cortes periódicos do fornecimento de água.



Cerqueira, que é engenheiro civil, foi uma das fontes da repórter Conceição Lemes na reportagem em que ela demonstra como o esgoto produzido nas casas de São Paulo é atirado nos córregos e rios da cidade pela Sabesp, a empresa que se diz “de saúde”. Para ler o texto, clique aqui.



Durante a entrevista, informei ao professor ter testemunhado pessoalmente um trabalho acelerado de limpeza da calha do Tietê, recentemente. Em reportagem anterior publicada no Viomundo, também de Conceição Lemes, este site denunciou que o governo paulista ficou três anos sem limpar a calha do rio.

Saneamento básico: Esgoto do Palácio dos Bandeirantes é jogado em corrégo.

O título original deste post foi Saneamento Básico: Serra acusa governo federal mas tem telhado de vidro



por Conceição Lemes



Sabesp: saúde, qualidade de vida, total responsabilidade e respeito aos consumidores, às comunidades e ao meio ambiente, sustentabilidade, conforto, bem-estar, compromisso com as futuras gerações, com a flora e fauna, compromisso a vida e com o meio ambiente, a vida tratada com respeito.



É com slogans como esses que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo se apresenta ao Brasil inteiro. Ela é responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgotos de 366 municípios do estado, entre os quais os 39 da região metropolitana, que inclui a capital.



Mas, em época de estiagem, quem passa pelas marginais do Tietê, Pinheiros ou Tamanduateí, jamais esquece. Esses três rios que cortam a cidade que sedia a Sabesp têm cheiro de esgoto, assim como a maioria dos córregos de São Paulo.



Frequentemente o bode expiatório é a população pobre, que mora em favelas. A senha: ligações clandestinas de esgoto. Há até disque-denúncia.







Com 15.177 mil funcionários, a Sabesp tem faturamento anual de quase R$ 7 bilhões. Seu controle acionário é estatal. A maior parte das ações pertence ao governo paulista.



Sua missão: Prestar serviços de saneamento, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente.



“A Sabesp entende sua responsabilidade como empresa cidadã, que trata e beneficia o mais importante recurso natural que existe [a água]”, diz em seu site. “Por isso, estabelece diretrizes para a gestão ambiental e desenvolve soluções que contribuem para o desenvolvimento sustentável.”



NAS CASAS, EMPRESA EXIGE LIGAÇÃO SÓ PARA ESGOTO



A Sabesp exige ligação exclusiva para o esgoto doméstico; ele não pode ser misturado à água pluvial.



Por isso, geralmente saem das residências duas tubulações. Uma, leva a água da chuva (do telhado, quintal, jardim) até o meio-fio, ou sarjeta. Pelas bocas de lobo, essa água segue para as galerias de águas pluviais. Daí, para rios e córregos.



A outra tubulação (chama-se ramal) transporta água de pia, tanque, vaso sanitário, chuveiro, máquina de lavar roupa. Subterrânea, ela sai da calçada e vai até a rede coletora de esgoto, que pode estar no próprio passeio, no meio da rua ou na calçada do outro lado da rua.



Em princípio, essa rede coletora de esgoto deve se ligar a tubulações progressivamente maiores (coletores-tronco e interceptores), que se conectam à estação de tratamento de esgoto (ETE).



O destino final dessa água com fezes, urina, sabão e outros detritos deve ser uma ETE, para receber tratamento físico e químico. Só depois ela pode ser jogada em rio, córrego ou empregada para reuso planejado. Por exemplo, lavar a rua em dias de feira e refrigerar equipamentos, situações que não exigem água potável, apenas que seja limpa.



Esse é o procedimento adequado tanto do ponto de vista sanitário quanto ambiental.



O TESTE EM QUATRO REGIÕES DA CAPITAL PAULISTA



O Viomundo resolveu investigar se a Sabesp faz o que exige da população.



Durante dois dias, ambos ensolarados e sem chuva há um bom tempo, participamos de um teste. Despejou-se corante (vendido em bisnagas em lojas de material de construção) na caixa doméstica de esgoto (fica na calçada, bem próxima à porta do imóvel, cada um tem a sua) ou no vaso sanitário de residências em quatro regiões da capital paulista, com algum córrego próximo. Todas possuem esgoto e pagam pelo serviço à Sabesp. Tomou-se o cuidado de confirmar previamente essas informações.



Objetivo do teste: verificar se a tintura expelida em meio à descarga doméstica chegaria a pontos de lançamento (canos) em córrego na vizinhança. Fotografamos antes e depois. Veja o que aconteceu em cada região.







REGIÃO 1



Engloba as ruas Combatentes do Gueto, Engenheiro Janot Pacheco, José Ferreira Guimarães e Pedro Gomes Cardim, as praças Vinícius de Moraes, Santos Coimbra e avenida Vicente Paiva. Também as ruas Marcelo Mistrorigo, José Pepe, Rafael Ielo e Cordisburgo.



O córrego passa canalizado sob um condomínio, depois corre a céu aberto num pequeno trecho. Fica paralelo a uma viela, na altura da rua Salim Izar com Guihei Vatanabe.







REGIÃO2



Inclui, entre outras, as ruas Tomazzo Ferrara, Salim Jorge Eid, Gregório Ramalho, Maria Andressa de Abreu, Boto Cor de Rosa, Américo Salvador Novelli, Campinas do Piauí e Barros Cassal.



O córrego corta a Tomazzo Ferrara, que fica acerca de 50 metros da Boto Cor de Rosa.









REGIÃO 3





Abrange ruas, como Mario Lago, Antonieta Altenfelder, País Natal, Paulo Lincoln do Valle Pontin, Antonio César Neto, e avenida Luis Stamatis.



O córrego cruza a Mario Lago e passa atrás de uma escola da Prefeitura.









REGIÃO 4





Dela fazem parte as avenidas Doutor Lino de Moraes Leme, Jornalista Roberto Marinho e Pedro Bueno, a praça Durval Pereira, as ruas Cláudio Mendonça, Simões Pinto, Dr. Mário Mourão e Nicolau Zarvos.



O córrego cruza a Lino de Moraes Leme (na esquina tem um posto de gasolina) e desemboca no piscinão da Roberto Marinho. Ele tem dois pontos de lançamento muito próximos, ficam a uns 10 metros um do outro.













PALÁCIO DOS BANDEIRANTES NÃO TEM ESGOTO TRATADO



Nas quatro regiões pesquisadas pelo Viomundo, o corante chegou ao córrego próximo alguns minutos depois.



“Isso demonstra que o esgoto das quatro áreas é coletado mas não tratado”, alerta engenheiro Júlio Cerqueira César Neto, que durante 30 anos foi professor de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica/USP. “Se fosse tratado, o corante não iria parar no córrego.”



“Nem o ninho-mor dos tucanos escapa”, avisa um funcionário da Sabesp, que, por motivos óbvios, pediu para não ser identificado. “Durante os 12 anos em que foi ocupado por Geraldo Alckmin e os quase quatro por José Serra, o esgoto do Palácio dos Bandeirantes nunca foi tratado. Até hoje a Sabesp joga os dejetos do Palácio num córrego perto.”



O córrego em questão é o da região 1, no coração do Morumbi. Árvores e plantas bonitas em boa parte da margem direita tentam escondê-lo, principalmente no trecho em que há belas casas do outro lado da rua. Mas o mau cheiro chama a atenção, revelando o que está atrás.







De carro, fica a uns 5 minutos da sede do governo paulista. A área “pega” do Palácio dos Bandeirantes para baixo, incluindo a imensa área verde, em frente — a praça Vinícius de Moraes – e um trecho da avenida Giovanni Gronchi.







O córrego da região 2 está em Itaquera, Zona Leste. Recebe esgoto inclusive da Subprefeitura do bairro, à rua Gregório Ramalho.



O córrego da região 3 situa-se a uns 70 ou 80 metros do prédio da Subprefeitura do Jaçanã, Zona Norte. Passa atrás do CEU Jaçanã, inaugurado há três anos, na gestão do prefeito Gilberto Kassab (DEM-SP).



O córrego da região 4 fica no Jabaquara. Em ambas as margens existe muito lixo.



Na esquerda, há uma favela, destruída parcialmente por incêndio no final de julho. O esgoto in natura corre em valas abertas no chão de terra batida defronte a alguns barracos.



Na direita, apesar do lixo ao longo da margem, a rua que saí, a João de Levy, é asfaltada (há tampões de ferro no chão escrito Sabesp) e as casas são de alvenaria. À medida que se distanciam da borda, são maiores e mais bonitas. O corante foi jogado nesta área.



Consequentemente, tanto o esgoto da margem direita (por ação da Sabesp) quanto o da margem esquerda (por conta das valas feitas por moradores) caem no mesmo córrego.



“E por que fezes não aparecem nas fotos?”, alguém talvez questione, já que retratam lançamentos de esgoto.



Lembram-se de que pela tubulação de esgoto vai água de pia, tanque, vaso sanitário, chuveiro, máquina de lavar roupa? Pois no percurso desse e de outros canos as fezes se dissolvem. Por isso deixam de ser visíveis.



Importante: o destino final do córrego das regiões 1 e 4 é rio Pinheiros; o das regiões 2 e 3, o Tietê.



EMPRESA NÃO INFORMA SE O ESGOTO DESSAS ÁREAS É OU NÃO TRATADO





O Viomundo quis saber então da Sabesp:





* Hoje o esgoto é tratado nestas áreas (listamos os vários endereços pesquisados): SIM ou NÃO?



* Qual o destino do esgoto dessas áreas, uma a uma?



* O que a empresa faz com o esgoto dessas áreas, uma a uma?





“A Sabesp tem uma divisão geográfica por bacias hidrográficas, e não por bairros”, afirma por e-mail, via assessoria de imprensa. E discorre sobre as obras do projeto Tietê, iniciado em 1992 e visa à despoluição do rio. Sobre a fase atual, a terceira, diz:





A 3ª. Etapa – 2009 a 2015 – São Paulo também será beneficiada com o pacote de obras da terceira fase do projeto, iniciado em 2009. As ações se concentram nos bairros localizados nas extremidades da cidade. Socorro, Santo Amaro, Jardim São Luís, Jabaquara, Capão Redondo, Campo Limpo, Rio Pequeno, Jaguaré, Brasilândia, Cachoeirinha, Casa Verde, Freguesia do Ó, Santana, Tucuruvi, Itaim Paulista, Sacomã, Sapopemba, São Lucas e São Mateus são algumas das áreas favorecidas.





A terceira etapa do Projeto Tietê irá até 2015 e prevê investimento de US$ 1,05 bi em toda a Grande São Paulo. No total, três milhões de pessoas serão beneficiadas com o tratamento dos efluentes. A meta, pelo Projeto Tietê é elevar a coleta da RMSP para 87% e o tratamento para 84%, até 2015, nas regiões atendidas pela Sabesp.



A Sabesp, porém, dispõe de mapas detalhados e continuamente atualizados de galerias, tubulações, córregos, pontos de lançamentos, pontos de vistoria, mostrando a situação, rua por rua. Esta repórter teve acesso a eles. Abaixo uma prova.







Aliás, como operaria, fiscalizaria e estabeleceria metas de coleta e tratamento de esgoto, sem ter a cidade mapeada tão minuciosamente?



“O QUE O VIOMUNDO COMPROVOU ACONTECE NA CIDADE INTEIRA”



A coleta de esgoto da Região Metropolitana, segundo a Sabesp, saltou de 66%, em 1992, para 85%, hoje. E o tratamento foi de 24% para 72%, Na capital, em 1992, “77% do esgoto era coletado e menos de 30%, tratado. Atualmente, mesmo com o incremento de mais 1,5 milhão de habitantes, a coleta está universalizada (excluindo favelas e áreas irregulares) e 75% do esgoto coletado é tratado.”



“Não é verdade”, contesta Ricardo Moretti, professor de Planejamento Urbano da Universidade Federal do ABC. “Os dados divulgados pela Sabesp sobre tratamento de esgoto são inconsistentes. A cada hora ela divulga um com critério diferente.”



O Relatório de Águas Superficiais 2009, da Cetesb, divulgado em julho deste ano, dá-lhe razão. Informa que apenas 44% do esgoto da bacia hidrográfica do AltoTietê é tratado. A bacia engloba 36 municípios e praticamente corresponde à Região Metropolitana de São Paulo. A Cetesb é a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo.



“O que o Viomundo comprovou acontece na cidade inteira de São Paulo”, denuncia o professor Júlio Cerqueira César Neto. “Na Região Metropolitana, a Sabesp lança in natura, em córregos e rios, a maior parte do esgoto produzido pelas casas que têm esgoto.”



Na prática, a Sabesp faz o que condena na população. Pior é que quem paga a conta não sabe de nada.



A Região Metropolitana, relembramos, é formada por 39 municípios, inclusive a capital. Atualmente, ela tem oito estações de tratamento de água (ETA), que produzem o seguinte volume:



* Alto Cotia ­­– 1.000 litros por segundo



* Baixo Cotia – 900 litros por segundo



* Taiaçupeba ­– 10 mil litros por segundo



* Cantareira – 33 mil litros por segundo



* Guarapiranga – 14 mil litros por segundo



* Ribeirão da Estiva – 100 litros segundo



* Rio Claro – 4 mil litros por segundo



* Rio Grande – 4,8 mil litros por segundo



Juntas produzem 67 mil litros de água por segundo. Porém, apenas aproximadamente 70% — em torno de 47 mil litros por segundo — chegam às casas, devido a perdas por vazamentos nas redes e/ou ramais.



Aqui, tem de se acrescentar 10 mil litros de água por segundo provenientes de poços. Eles não entram nos cálculos da Sabesp, só que viram esgoto, portanto têm de ser somados. Assim, 47 mil litros mais 10 mil = 57 mil litros por segundo.



Desses 57 mil litros por segundo, 80% — 45,6 mil litros por segundo — iriam para o esgoto. Mas isso se todas as casas abastecidas por água tivessem coleta de esgoto. Como isso não acontece, em torno de 42 mil litros por segundo vão para o esgoto.



Já as estações de tratamento de esgoto (ETE) são cinco atualmente: Barueri, ABC, Suzano, São Miguel Paulista e Parque Novo Mundo, com capacidade de tratar 18 mil litros por segundo.



“São as mesmas cinco de dez anos atrás”, atenta Cerqueira César. “Porém, a Sabesp só trata14 mil litros por segundo.”



Motivos: falta de coletores-tronco e interceptores em determinados locais e tubulações desniveladas em outros, impedindo a transferência do esgoto para as estações de tratamento. Neste caso, são obras terceirizadas pela companhia que deveriam garantir a qualidade do serviço, mas não o fazem.



Agora, é só fazer as contas: 42 mil litros (volume que vai o esgoto) menos 14 mil litros (esgoto tratado)= 28 mil litros por segundo de esgoto in natura, jogados nos rios e córregos. Equivalem a 66% do esgoto gerado.



Já pensou tudo isso lançado continuamente no Tietê que, nesta época do ano, tem um curso natural de água de 15 mil litros? São 28 mil litros de esgoto a cada segundo durante as 24 horas dos 365 dias do ano, todos os anos.



Não à toa, na capital, o rio Tietê é praticamente esgoto puro. Já na imensa maioria dos córregos só corre esgoto nos meses de estiagem. As nascentes foram quase todas eliminadas. A população, porém, não é devidamente informada sobre essa situação.



“POLUI RIOS E ‘VENDE’ SAÚDE, PREOCUPAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE”



Experimente perguntar a alguém que mora em São Paulo: Quem você acha que joga esgoto direto no rio Tietê e córregos da cidade? Quem você acha que faz ligação clandestina de esgoto?



Se a pessoa tem bom padrão de vida, quase certamente dará a mesma resposta às duas questões: é quem mora em favelas, os pobres…



Pergunte ainda: E o seu esgoto, você acha que vai para onde? Provavelmente dirá: o meu vai para uma estação de tratamento.





“São imagens falsas, distorcidas”, desmistifica Moretti. “Não é só o esgoto de pessoas de baixa renda que vai direto para o Tietê e córregos. A maior parte do esgoto da população de melhor poder aquisitivo também está indo in natura para os rios.”



“Assim como Serra e Kassab se equivocaram ao culpar o povo pelas enchentes”, observa Cerqueira César, “a Sabesp zomba da nossa inteligência ao relacionar as ligações clandestinas à poluição dos rios, desinformando a sociedade.”



Primeiro, porque ligação clandestina no imaginário popular é “coisa de pobre”, favela.



Segundo, já que a tarifa de esgoto vem na conta de água, a pessoa acha que ligação clandestina é a do outro.



Terceiro, o que a Sabesp realiza em toda casa com esgoto é a coleta, que os técnicos chamam de afastamento. É tirar o esgoto da tua porta e despejar na dos vizinhos — subterraneamente, claro. Isso também contribui para a pessoa não ter noção do que acontece depois e achar que o esgoto dela está sendo tratado.



“Mas não está”, avisa o funcionário da Sabesp, que nos pediu anonimato. “O que a companhia faz principalmente é afastar o esgoto da sua porta e ir jogando adiante até chegar ao rio ou córrego mais próximo.”



“E as ligações clandestinas?”



Realmente, por desinformação ou astúcia, há quem ligue o esgoto na rede pluvial.



“Mas é minoria”, afirma o professor Moretti. “Historicamente boa parte das conexões para jogar esgoto nas galerias de águas pluviais, nos rios e córregos é obra da própria Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo.”



“A Sabesp é a grande poluidora dos rios e córregos e não a população”, adverte o professor Cerqueira César. “Depois, zelosa, ‘vende’ nos comerciais que está preocupada com saúde, bem-estar, qualidade de vida e meio ambiente. Piada total.”



“A Sabesp vende uma imagem de eficiência ambiental que não condiz com a realidade, é um desserviço”, acrescenta Moretti. “Só mesmo alguém anestesiado pelos meios de comunicação pode acreditar nessa propaganda enganosa.”



FALTA DE TRANSPARÊNCIA NA CONTA: COLETA E/OU TRATAMENTO?



A Sabesp cobra os serviços de esgoto na conta de água. Na Região Metropolitana, o valor é o mesmo que o da água consumida.



“A Sabesp cobra pelo tratamento e distribuição de água e pela coleta de esgotos”, informa a assessoria de imprensa. “A companhia não cobra pelo tratamento de esgoto.”



Curiosamente, a conta não informa em NENHUM lugar se a quantia diz respeito à coleta e/ou tratamento. Tampouco dá para saber pela conta se o esgoto da tua casa é tratado ou não.







No próprio site da empresa, a informação não é facilmente achada. São necessárias algumas operações para localizar explicações sobre a conta.







Mais detalhada só encontramos nos comunicados sobre tarifas, inadequados para o consumidor comum.



A propósito:



* Por que essa informação não é explicitada na conta?



* A falta de transparência não fere o Código de Defesa do Consumidor?



* E a população sem acesso à internet, como fica?



* É justo quem não tem esgoto tratado pagar a mesma tarifa que aquela pessoa que tem?



* Por que a tarifa não é diferenciada para quem esgoto tratado e quem não tem?



* Qual a engenharia financeira para não cobrar o tratamento, já que exige tecnologia e custa muito caro, diferentemente do afastamento?



Como nada é de graça, a repórter quis mais detalhes da cobrança. Até porque saneamento implica abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto.



“A companhia não cobra pelo tratamento de esgoto”, reiterou a assessoria de imprensa, aí acrescentando. “O Decreto Estadual nº 8468/76 determina que todo esgoto coletado seja tratado antes de ser despejado nos rios. O link para o decreto é este: http://www.cetesb.sp.gov.br/Institucional/documentos/Dec8468.pdf .”



“Quem paga a conta, não sabe, pois a Sabesp apresenta as informações de forma tortuosa para que a população não tenha acesso pleno a elas”, critica Cerqueira César. “Ao omitir na conta que o valor se refere apenas à coleta, a Sabesp passa a impressão de que se refere à coleta e ao tratamento.”



“A Sabesp somente poderia cobrar pelo serviço de esgoto quando ele estivesse completo, ou seja, coleta-transporte e tratamento, conforme exigência do Decreto 8468/76”, prossegue Cerqueira César. “Toda essa cobrança que ela vem fazendo há anos me parece totalmente ilegal.”



“Essa nebulosidade talvez seja para não ser apanhada pelo Código de Defesa do Consumidor, já que recebe pelo tratamento de esgoto e não entrega o serviço em boa parte das casas da Região Metropolitana”, conjectura Moretti. “De outro lado, se explicitar que é só coleta, a população passará a exigir o tratamento. Do jeito que está hoje, ninguém se lembra do tratamento, logo não há pressão social pelo serviço. É uma situação cômoda para a companhia.”





INVESTIMENTOS CAÍRAM, GASTOS PUBLICITÁRIOS AUMENTARAM



Nos últimos dez anos, segundo Cerqueira César, a Sabesp não investiu nada em estações de tratamento de esgoto e muito pouco em coletores-tronco e interceptores.



Aliás, em 2009, os investimentos tiveram um corte de quase R$ 300 milhões em relação aos R$ 2,133 bilhões previstos. Portanto, 14,5% a menos. De 2000 para cá, os cortes chegaram a quase R$ 1 bilhão. Isso representa 11% a menos do calculado. Investimento diz respeito basicamente aos gastos com obras.



Em compensação, os gastos de publicidade tiveram um crescimento de 483% no governo José Serra. Os contratos anteriores a junho de 2008 eram de R$ 12 milhões por ano, enquanto os novos chegam a R$ 70 milhões.



De 1995 a 2009, (gestão dos tucanos Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra), a receita operacional líquida da Sabesp foi de R$ 98,153 bilhões em valores corrigidos pelo IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas. Já o lucro nesse mesmo período foi R$ 9,236 bilhões, também corrigidos pelo IGP-DI.



Esses dados baseiam-se no orçamento do Estado de São Paulo e nos balanços da própria Sabesp.



Conclusão: se a empresa não investiu como deveria no tratamento de esgoto, não foi por falta de dinheiro, mas por opção de gestão.



“A Sabesp está preocupada com os lucros dos acionistas e com a sua saúde financeira invejável”, observa Cerqueira César. “Não está nem aí para os usuários.”



“A população está sendo lesada”, ressalta o professor Ricardo Moretti. “Há prejuízos à saúde pública, pois expõe as pessoas a rios contaminados. Há também prejuízo ambiental à medida que os córregos urbanos carregam esgoto para os mananciais.”



“Jogar esgoto in natura nos rios é crime ambiental”, condena o professor Júlio Cerqueira César Neto. “Uma irresponsabilidade cívica de um tamanho que eu nunca vi na vida.”

Raquel Rolnik: Ampliação da marginal do Tietê, mais enchentes

por Raquel Roknik, no seu blog



Um estudo publicado na quarta-feira, 9, no jornal “O Estado de S. Paulo”, mostrou que a construção de novas pistas na marginal do Tietê terá como conseqüência a redução da área permeável da cidade. É verdade que haverá uma compensação ambiental, mas nem todas as árvores serão plantadas exatamente na marginal.



No mesmo dia o governador José Serra negou que as obras tenham contribuído para o transbordamento do rio, o que não ocorria há dois anos. Segundo ele, a ampliação das pistas não vai tirar um metro quadrado de permeabilidade do solo por causa da compensação ambiental. E o Ministério Público quer paralisar as obras da marginal, que mal começaram.



Em primeiro lugar, não é verdade que a construção de novas pistas na marginal não diminuirá a permeabilidade do solo. A cidade vai sim perder permeabilidade. Com essa obra serão perdidos 19 hectares – como se fossem 19 quadras da cidade de área permeável virando asfalto. A compensação ambiental, por meio do plantio de árvores, não irá compensar isso, pois as árvores serão plantadas em áreas verdes, que já são permeáveis hoje.



Mas é importante explicar que não é só porque perderemos esses 19 hectares que as enchentes aumentarão. No temporal de terça-feira houve sim um volume de água excepcional. Mas volumes de água excepcionais irão acontecer muitas vezes daqui para frente. A principal questão é que quando você coloca todo o sistema viário principal da cidade amarrado em cima dos rios, sempre que há um alagamento ele fica totalmente paralisado.



Por essa razão, o alargamento da marginal do Tietê é um erro urbanístico. É repetir o erro que já foi feito na história da cidade, fazer com que ele seja reiterado. E a prova disso foi a enchente que acabou de acontecer.



Mas não é só isso. Um problema é a área impermeável lá embaixo, ao lado do rio. Outro, mais importante, é a quantidade de área sendo impermeabilizada mais para cima, de onde vem a água que enche o rio. O Tietê tem pelo menos 16 afluentes, e esse volume todo desce das áreas altas, com terra e lixo. Essa mistura vai assoreando os rios e córregos e a própria calha do Tietê e do Pinheiros – e, com cada vez menos chuva, ocorrem mais alagamentos.



Podemos resolver esse problema do assoreamento de duas formas. A primeira é que está na cara que nossa cidade limpa está cidade imunda. A quantidade de lixo aumentou e esse lixo se acumula nos rios. Se o lixo se acumula porque o povo é mal educado, então temos que investir em campanhas, como fizemos com o fumo e com a lei seca, para que as pessoas não joguem mais lixo na rua. Mas é fato que o serviço de varrição foi reduzido, tanto que há um monte de gari desempregado agora.



E não basta apenas manter as galerias limpa, temos que coletar todo o lixo. Não pode haver nenhum pedacinho de papel no chão em lugar nenhum da cidade, incluindo nos assentamentos informais de baixa renda, que também precisam de coleta de lixo.



Outra questão é que existe algo chamado planejamento do uso e da ocupação do solo. Se você ampliar a cidade para qualquer lado, indiscriminadamente, impermeabilizando cada vez mais, teremos cada vez mais problemas de drenagem. É preciso planejar a expansão urbana. E isso é uma coisa que até hoje, na metrópole de São Paulo, simplesmente não existe.



Não há planejamento metropolitano. Cada município faz o que bem entende, não há dialogo entre eles. E os rios, infelizmente, não obedecem a limites municipais. Uma decisão tomada em Cotia ou em Barueri vai interferir naquilo que acontecerá na capital, pois o sistema hídrico é interligado.



O que o caos de terça-feira demonstrou foi que o modelo que vigorou até agora, que é pegar os rios, tamponar, canalizar e colocar todo o sistema viário em cima deles, é um modelo falido. Um modelo que não pode subsistir. Nesse sentido, entendo perfeitamente a posição da Promotoria, que questionou as obra da marginal.



As obras começaram com um licenciamento ambiental feito a toque de caixa, sem um debate adequado, e repetem um erro histórico do urbanismo paulista e paulistano. Isso depois de 450 arquitetos e urbanistas assinarem um manifesto dizendo “não repita, está errado, isso não pode ser feito”, o que foi absolutamente ignorado.



Acho que agora o governador Serra deveria parar um pouquinho para refletir. Em vez de dizer “Vocês querem que a cidade ande de burrico?”, deveria responder à população da cidade de São Paulo com uma alternativa consistente. Porque essa, mais do mesmo, a gente já viu que não vai dar certo.



Raquel é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.

Fantástico esconde a verdade em reportagem sobre lixo

Luciana Rotondi: “A matéria do Fantástico faltou com a verdade e reproduziu o discurso do Kassab e do Serra, que vira e mexe responsabilizam a população pelas enchentes, terceirizando a culpa”







Na reportagem, às 8h as ruas do Bom Retiro estão limpas. Frequentemente, porém, a realidade é esta: montes de lixo. A foto, tirada por Luciana, no dia 12 de dezembro às 8h, foi passada para o laptop do repórter.



por Conceição Lemes



Domingo retrasado, 7 de fevereiro, o Fantástico exibiu a reportagem Câmera registra como o lixo provoca alagamentos. Repórter, Maurício Ferraz. Cenário de parte dela, o Bom Retiro, bairro da região central da cidade de São Paulo, conhecido pelas confecções e comércio de roupas.



Selecionamos alguns trechos:



Para ver exatamente como o lixo se acumula, ficamos 14 horas de plantão no Bom Retiro…. O caminhão de lixo passa depois que as lojas fecham. De manhã, as ruas estão limpas. Mas, aos poucos, aparece um saco de lixo aqui, outro ali. Quatro horas depois, a sujeira já toma conta de vários lugares.





E um catador de lixo faz a maior sujeira. “O lixo que sobra, o caminhão passa e pega. É muito lixo, mas não é só meu”, conta o catador de lixo Adriano Cabral.





Os garis fazem o que podem, mas reparem: o que recolheu volta para a rua de novo, dentro de um saco plástico, à espera do caminhão de lixo.





Os bueiros já não dão mais conta. O lixo vai parando e a água vai ficando represada… É impressionante como a água sobe rapidamente. Em menos de dez minutos o trânsito para. Parece que estamos num rio.

….



Com uma câmera especial, o Fantástico registrou também como ficam os bueiros, depois dos temporais. No Bom Retiro, é tanta sujeira, tanto retalho de tecido, que fica evidente o que vai acontecer na próxima chuva. Fazemos uma blitz em vários pontos da capital paulista, e a situação é parecida.



“DEI FOTOS COM A SITUAÇÃO REAL, O FANTÁSTICO IGNOROU”



“A reportagem do Fantástico distorce a realidade, colocando a culpa em lojistas, catadores de lixo e a população em geral. Nenhuma crítica é feita à péssima coleta de lixo da Prefeitura, que é a responsável pelo serviço”, afirma Luciana Rotondi. “E não foi por desconhecimento. Eu mesma dei informações e fotos ao repórter, provando o que acontece de fato no Bom Retiro. Nada foi usado.”



Luciana Rotondi é advogada. Há sete anos trocou a profissão (“Cansei!”) pela gerência da loja de bijuterias, que fica no coração do bairro – a rua José Paulino. De segunda a sábado, às 8h, ela já está lá. Inclusive no dia 4 de fevereiro, quando cruzou com um cinegrafista da Globo, depois com o restante da equipe.



“Como estávamos sem energia desde a tarde anterior devido à chuva forte, saí para dar uma volta. Nessa hora, encontrei o cinegrafista da Globo. Parei para conversar”, relembra. “Disse-lhe que achava muito bom que filmassem as mazelas do Bom Retiro. Também que, diferentemente daquele dia que tudo estava limpinho, é comum as ruas estarem imundas logo pela manhã e que eu tinha fotos, feitas no meu celular, com data e horário, mostrando a situação real.”



“Em seguida, o repórter veio até a loja me solicitar as fotos, disse que estavam ótimas e pediu para passá-las para o seu micro”, prossegue. “Contei que, em dezembro, a coleta da rua tinha sido péssima e que em janeiro ainda estava ruim…Também que de agosto a dezembro ganhava um prêmio quem encontrasse um gari nas ruas do bairro.”



“Eles saíram da loja agradecendo, disseram que as minhas reclamações eram as mesmas de outras ouvidas pelo bairro”, continua Luciana. “Pedi apenas que apresentassem a coisa como realmente ela é… Eles disseram que iriam fazer isso, mas não sabiam como ela iria ao ar… Fiquei, sim, com uma ponta de esperança de que a Globo fosse apresentar a realidade. Não foi o que aconteceu.”



As lojas fecham entre 17h30 e 18h. O caminhão de lixo não passa logo depois como dá a entender a reportagem. “Já fiquei lá várias vezes até 19h, nunca o vi”, frisa. “No início de fevereiro, o site da empresa que faz a coleta informava que era às 23h30. Um absurdo. Atualmente consta 4 da madrugada. Outro absurdo. O ideal é que passasse às 18h. Além de evitar que o lixo se espalhe, já não há mais trânsito na região. ”



Às 8h, as ruas não estão limpas como é dito na matéria. Frequentemente nesse horário já estão com quantidades enormes de lixo. “Talvez a Prefeitura, sabendo que a Globo iria lá, resolveu mascarar um pouco o que acontece no dia a dia”, suspeita.



“O fato é que, em sete anos de Bom Retiro, nunca vi tanto alagamento nem tanto lixo acumulado nas ruas. Tem de haver uma explicação séria para isso, para buscar soluções”, ressalta Luciana. “Esse, no meu entender, seria o mote para uma reportagem honesta. Não foi. A matéria do Fantástico faltou com a verdade e reproduziu o discurso do prefeito Gilberto Kassab e do governador José Serra, que vira e mexe responsabilizam a população pelas enchentes, terceirizando a culpa. Lamentável.”







Depois das reclamações de muitos lojistas, inclusive de Luciana, o serviço de coleta de lixo passou na rua José Paulino. Horário: meio dia.

Represas do Tietê estavam cheias antes do período das chuvas

por Conceição Lemes



Sábado, 23 de janeiro. De barco, esta repórter percorreu, das 11 às 15hs, cerca de 7 quilômetros do rio Tietê na região do Pantanal. Primeiro, em companhia do líder comunitário Francisco Amaro Gurgel, coordenador do Movimento em Marcha. Depois, com Pedro Guedes, da Associação dos Moradores da Vila da Paz e do Movimento Unificado dos Moradores da Várzea do Tietê.



Passamos pelo Jardim Romano, Vila Aimorés, Fazenda Biacica, Cotovelo do Pantanal, Pantanal, vilas São Martins, da Paz, das Flores e Chácara Três Meninas. Não choveu durante o trajeto. Mas a correnteza maior – inabitual nesse trecho – chamou nossa atenção.



“O nível do rio também está bem mais alto”, acrescentou o barqueiro Sérgio Silvério Ferz, que fizera o mesmo percurso 15 dias antes.



Guedes reforçou: “Realmente, o Tietê subiu. Aqui, ele costuma ser ‘manso’ mas hoje [23 de janeiro] não está nem um pouco”.



Mal sabíamos que eram primeiros os alertas de um novo infortúnio. Nas horas seguintes, o Tietê transbordou e o Pantanal inundou muito mais do que em 8 de dezembro de 2009. As águas avançaram sobre pontos até então livres de alagamentos. Entre eles, a avenida de ligação de São Paulo com Guarulhos pela Vila Any e a rua Gruta das Princesas, percorridos pela repórter no sábado anterior com Ronaldo Delfino, do Movimento de Urbanização da Legalização do Pantanal (as fotos abaixo são dele).











Ligação de São Paulo com Guarulhos pela Vila Any: em 16 de janeiro, sequinha, no dia 24…











Rua Gruta das Princesas, onde fica o Colégio estadual Flávio Augusto Rosa. A inundação do sábado, 23 de janeiro, alagou inclusive a escola.



“Saí de casa no sábado, às 2 da tarde, estava seco. Voltei às 7, com água no joelho”, conta Maria das Mercedes Cavalcanti, 55 anos, sete filhos, que mora há quatro quadras do CEU do Jardim Romano. “Liguei para cá às quatro e meia, a minha casa já estava enchendo, ela nunca inundou. A água chegou até a coxa. Hoje, ainda está no joelho.”



“Ainda está tudo cheio. Nunca vi isso. Um conhecido nosso, o ‘seo’ Antonio, acabou de sair daqui. Perdeu tudo”, lamenta Maria Lúcia Farias, esposa de Ronaldo. “No sábado, a casa dele que não tinha enchido antes ficou com mais de 1 metro de água. ‘Seo’ Antonio e a família saíram com a roupa do corpo”.



“A parte da rua onde eu moro já estava alagada desde dezembro, mas a minha casa, não. Porém, desde sábado, estamos com água em todos os cômodos. Ficamos ilhados. Tive de chamar um guincho para tirar o carro, se não estragaria”, indigna-se Gurgel. “Como é o que o governo do Estado de São Paulo deixa a comunidade nessa situação e não se manifesta?”



“Desde a madrugada de domingo, colegas ligam desesperados, com água na altura do peito”, relata Ronaldo. “Estamos sem saber o que fazer nem o que começou a acontecer a partir de sábado. Pela nossa experiência não são as chuvas. Ouvi dizer que abriram as comportas das barragens do Alto Tietê, mas ninguém nos alertou nada antes.”



“O Pantanal inundou, de novo, porque as barragens do sistema do Alto Tietê estão excessivamente cheias para o verão, e a Sabesp abriu as comportas, contribuindo para alagar ainda mais região”, denuncia o economista e ambientalista José Arraes. “É uma irresponsabilidade a Sabesp e o Daee terem deixado a cheia chegar, para começarem a descarregar água dos seus reservatórios. É um crime. É um erro tremendo de gerenciamento”



Há 13 anos as enchentes em Mogi das Cruzes, município da Grande São Paulo, levaram o ambientalista a se interessar pela questão de recursos hídricos. Ajudou a solucionar o problema do seu bairro e não parou mais. Atualmente, é membro do Comitê da Bacia do Alto Tietê, do Subcomitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e do conselho gestor da APA (Area de Proteção Ambiental) da várzea do Tietê.



Viomundo – O senhor já fez essa denúncia aos órgãos públicos?



José Arraes – Claro. Denunciamos à Sabesp e ao Daee [Departamento de Águas e Energia Elétrica], órgãos do governo do Estado de São Paulo, que as barragens do Alto Tietê estavam excessivamente cheias para o verão. Fizemos isso no final de 2009.



Viomundo – E aí?



José Arraes – Nenhuma providência foi tomada. Aliás, em 2009, duas coisas muito estranhas ocorreram no gerenciamento das barragens do Alto Tietê. No início do ano, a Sabesp e o Daee praticamente secaram o Tietê e encheram os reservatórios. Em Mogi das Cruzes, o rio ficou vários meses com apenas 20 centímetros de lâmina de água. No final do ano, as barragens estavam muito lotadas para a época. Há 13 anos acompanhamos esse processo e sabemos que o Daee e a Sabesp reservam cotas nas barragens, prevendo as cheias do verão. Em 2009, não fizeram isso. Resultado: chegamos a dezembro com a quase a totalidade das principais barragens cheias. Um absurdo!



Viomundo – Por que a Sabesp e o Daee mantiveram as barragens lotadas?



José Arraes – Eu desconfio de um destes esquemas. Primeiro: para não faltar água para a Região Metropolitana de São Paulo. Assim, pode ter havido determinação governamental para estarem na cota máxima. Segundo: a Sabesp e o Daee já estarem aumentando o volume das represas, visando aumentar a produção da Estação de Tratamento de Água Taiaçupeba de 10 metros cúbicos por segundo para 15 metros cúbicos por segundo (10m³/s para 15m³/s) . Terceira: a privatização do Sistema Produtor de Água do Alto Tietê – chamado SPAT. Hoje é um consórcio de empresas privadas que regula, administra, mantém e fornece as águas que estão represadas nessas barragens.



Viomundo – Por favor, explique melhor isso.



José Arraes – Existe um consórcio de empresas – entre elas, uma empreiteira conhecida na nossa região, a Queiroz Galvão –, que hoje gerencia as águas reservadas nas represas em uma parceria público-privada. Toda a água represada em todas as barragens do Sistema do Alto Tietê são gerenciadas por esse consórcio. Quanto mais cheias as represas, mais interessantes para o consórcio. Interesse comercial, nada mais do que isso.



Viomundo – Quer dizer que as águas das barragens do Alto Tietê estão privatizadas?



José Arraes – Sim. As empresas do consórcio fazem a conservação das barragens e a intermediação com a necessidade da Sabesp que a trata e remete para a população. Logo, para o consórcio de empresas, quanto mais cheias estiverem as barragens, mais água fornece para a Sabesp. Mais ganhos financeiros, portanto.



Viomundo – Qual das três hipóteses é a mais provável?



José Arraes – Talvez a combinação das três. Cabe ao Ministério Público investigar. O fato é que as barragens do Alto Tietê estão excessivamente cheias e as comportas estão sendo abertas, contribuindo com as inundações em toda a calha do rio até a região do Pantanal.



Viomundo – Quantas barragens há no Sistema Alto Tietê?



José Arraes – Temos cinco: Paraitinga, Biritiba-Mirim, Ponte Nova, Jundiaí e Taiaçubepa, onde existe também uma estação de tratamento de água da Sabesp. As barragens são como caixas d’água para a cidade de São Paulo.



Viomundo – Qual a capacidade de cada uma?



José Arraes – A de Paraitinga [município de Salesópolis], tem capacidade para 37 milhões de metros cúbicos, e está com 92% da sua capacidade. A de Biritiba-Mirim [no município do mesmo nome], 35 milhões de metros cúbicos, está com 94%. A de Jundiaí [fica em Mogi das Cruzes], 84 milhões de metros cúbicos e 97% de cheia. A de Ponte Nova, 300 milhões de metros cúbicos; está com 73%. A de Taiaçubepa [entre Mogi das Cruzes e Suzano] tem capacidade para 82 milhões de metros cúbicos, está com 73% de cheia.



Viomundo – Quais estão soltando água?



José Arraes – Todas. No sábado, 23 de janeiro, a de Paraitinga estava vazando 5m³/ A de Jundiaí, 2m³/s. Biritiba-Mirim, 1m³/s. Taiaçupeba, 5m³/s. A de Ponte Nova, 0,5m³/s.



Viomundo – Mas as barragens normalmente liberam água o tempo todo?



José Arraes – Liberam, mas em pouquíssimas quantidades. É para o rio não perder as suas características. Em condições normais, liberam entre 0,5m³/s a 2 ou 3m³/s, no máximo.



Viomundo – Então quanto está sendo vazado?



José Arraes – Se você somar as vazões de Paraitinga, Taiaçupeba, Jundiaí e Biritiba-Mirim, são 12m³/s. É bem maior que os 10m³/s que a Sabesp está tratando em Taiaçupeba. É uma enormidade de água. Para você ter uma dimensão do volume, você abastece toda a cidade de Mogi, que tem 400 mil habitantes, com 3m³/s.



E o mais complicado é que as barragens de Paraitinga, Biriba-Mirim, Jundiaí e Taiaçupeba vazam para rios afluentes diretos do rio Tietê. É por isso que o Pantanal está cheio. As águas vazadas já chegaram até aí. Se você libera pouca água no rio, não causa transtorno nenhum. Agora, o transtorno é liberar 5, 6, 12m³/s no rio. É água demais! Acrescida das quantidades das chuvas deste verão, piora a situação.



Viomundo – É preciso liberar as águas das barragens?



José Arraes – Agora, tem de abrir as comportas, não tem outro jeito, pois as barragens estão cheias e vão transbordar. O grande erro foi deixar as barragens acumularem tanta água antes das chuvas do verão. No momento, estão tendo de soltar muita água.



Viomundo – Ou seja, estão abrindo as comportas na época errada. Quando isso deveria ter começado?



José Arraes – O normal seria o vazamento controlado ter começado por volta de agosto, setembro, para que, agora, no verão, as barragens estivessem mais vazias para receber as águas das chuvas e não transbordar.



Viomundo – Não fizeram isso?



José Arraes – Não, não fizeram. Ou se fizeram, não foi corretamente. O fato é que as nossas barragens não poderiam chegar à época de chuvas com 90% da sua capacidade preenchida. De forma que o Pantanal provavelmente ainda vai ter muita enchente, porque as chuvas vão continuar. A Sabesp e o Daee não vão parar de vazar agora, pois há risco de essas barragens extravasarem e inundar toda a região de Mogi das Cruzes, Paraisópolis, Ferraz de Vasconcellos, Suzano, Biriti-Mirim e até São Paulo.



Viomundo – É verdade que essas barragens podem se romper se as comportas não são abertas?



José Arraes – Romper, eu não acredito. Mas poderiam extravasar, ou seja, passar por cima da barragem. Se isso acontecer, você pode perder o controle da vazão. Diferentemente de quando você abre as comportas e limita a vazão do quanto é necessário. Por isso, a nossa preocupação é também com o extravasamento dessas barragens. Elas podem encher tanto que a água começará a passar por cima dos vertedouros. Isso é perigoso. Se vier a acontecer, as águas chegariam fatalmente a São Paulo.



Viomundo – A Sabesp alega que as barragens foram mantidas cheias, por causa do risco de estiagem em 2009. Há também quem diga que não se poderia ter bola de cristal para prever as chuvas dos últimos dias.



José Arraes – Balela. A Sabesp e principalmente o Daee têm o registro das chuvas dos últimos 20, 30 anos. Todos sabem que são cíclicas. De cinco em cinco, de dez em dez anos, há um período de chuvas mais fortes. Então a Sabesp e o Daee deveriam ter se prevenido há muito mais tempo. Eu acho que não tem perdão para o que está acontecendo. É falta de gerenciamento mesmo.



Viomundo – Com que volume as barragens deveriam ter entrado na estação chuvosa?



José Arraes – Do jeito que está chovendo este ano, elas deveriam estar bem baixas. Questão de prevenção. Há cálculos matemáticos para se estabelecer esses níveis, mas eu não saberia fazê-los e te dizer quanto.



Viomundo – Será que pensaram que São Pedro fosse dar uma mãozinha para São Paulo?



José Arraes – Como poderiam aguardar a ajuda de São Pedro, se a Sabesp e o Daee sabem que chove bastante de períodos em períodos. Foi uma grande irresponsabilidade.



Viomundo – A Sabesp e o Daee só se preocuparam com o abastecimento de água e se descuidaram das enchentes?



José Arraes – Aparentemente é o que aconteceu. Lembre-se de que a água tratada gera lucro.



Viomundo – A região do Pantanal encheu, de novo, de repente, a partir do sábado no final da tarde. Para isso ter ocorrido no sábado, quando as comportas começaram a ser abertas?



José Arraes – O dia exato eu não saberia dizer, mas foi mais ou menos há 20 dias. Foi mais ou menos quando o governador José Serra noticiou que havia autorizado a abertura das comportas.



Viomundo – Demora tanto tempo para chegar aqui embaixo, na capital, na região do Pantanal?



José Arraes – Demora. Não é imediatamente. O Tietê é um rio de planície, não tem velocidade e correnteza. Tem uma vazão muito pequena. Quando são abertas as comportas, as águas demoram mais ou menos 10 a 15 dias para chegar a São Paulo, dependendo ainda do assoreamento do rio. O fato é que as comportas já estão abertas há vários dias.



Viomundo – Conversei com várias lideranças comunitárias sobre isso. Nenhuma foi comunicada da abertura das comportas. Segundo Ronaldo Delfino, do Pantanal, talvez a Defesa Civil também não tenha sido alertada, pois muitos moradores acionaram-na e não foram socorridos. Ligavam, ligavam, ligavam, só dava ocupado, “como se o telefone estivesse fora do gancho”.



José Arraes – Infelizmente, em geral, as populações não são comunicadas com antecedência. São alertadas pela televisão, mas só DEPOIS. É um erro muito grave, que pode custar vidas.



Viomundo – Pelo noticiário, as chuvas dos últimos dias são apontadas pelas autoridades como as responsáveis pela nova e maior inundação do Pantanal. O que o senhor acha?



José Arraes – As chuvas podem até ter contribuído, mas a causa mais importante dessa nova inundação é que as barragens do sistema do Alto Tietê estão vazando água. E como Tietê está assoreado, o rio extravasa, inundando a várzea.



Viomundo — Reportagem publicada pelo Viomundo denunciou que o Tietê da barragem da Penha até o Cebolão pode ter ficado sem ser desassoreado em 2006, 2007 e 2008 (até outubro) e contribuído para as enchentes históricas de 8 de setembro e 8 de dezembro? Como está o rio acima da barragem da Penha?



José Arraes – De Biritiba-Mirim até barragem da Penha está um horror, todo assoreado. Há muitos anos não são retirados os resíduos acumulados no fundo do Tietê. São mais ou menos uns 70 quilômetros de extensão. É um Deus nos acuda tentar convencer os órgãos do governo do Estado de que é preciso desassorear o rio.



Viomundo – O que fazer agora?



José Arraes – O que o Daee e a Sabesp estão fazendo é fruto de uma irresponsabilidade total. Nós temos denunciado isso, mas a nossa voz ainda é muito incipiente. Até as autoridades do governo do Estado levarem em consideração o que dissemos mais inundações ocorrerão, mais pessoas perderão pertences, algumas até a própria vida. O único caminho que nós temos é denunciar ao Ministério Público do Estado. Se for o caso, até ao Ministério Público Federal. É, insisto, o nosso único caminho.



Nota do Viomundo: Em função desta reportagem, a Sabesp intimou judicialmente José Arraes, exigindo inúmeras explicações, inclusive se ele havia dito o que publicamos em janeiro deste ano. Arraes achou tão absurda essa pergunta , que propositalmente a pulou na sua defesa. As respostas começam pela questão b . “Claro que o Viomundo publicou o que eu realmente disse”, afirma o ambientalista. CLIQUE AQUI para ler sobre esse desdobramento da matéria.

Sabesp exige na Justiça explicações de ambientalista sobre denúncia ao Viomundo

Sabesp exige na Justiça explicações de ambientalista sobre denúncia ao Viomundo

por Conceição Lemes



Entre setembro de 2009 e fevereiro de 2010, a cidade de São Paulo submergiu várias vezes. O Jardim Pantanal, Zona Leste da capital, ficou alagado 60 dias.



Em 23 de janeiro, de barco, esta repórter, junto com líderes comunitários, percorreu das onze da manhã às três da tarde cerca de 7 quilômetros do rio Tietê naquela região. Passamos pelo Jardim Romano, Vila Aimorés, Pantanal, vilas São Martins, da Paz, das Flores e Chácara Três Meninas.



Não choveu um pingo sequer. Mas a correnteza maior, inabitual nesse trecho, chamou nossa atenção. O nível do rio também estava bem mais alto do que 15 dias antes.



Nas horas seguintes, o Tietê transbordou e o Pantanal inundou muito mais do que em 8 de dezembro de 2009. As águas avançaram sobre pontos até então livres de alagamentos. Entre eles, a avenida de ligação de São Paulo com Guarulhos pela Vila Any e a rua Gruta das Princesas, percorridos pela repórter no sábado anterior com Ronaldo Delfino, do Movimento de Urbanização da Legalização do Pantanal (as fotos abaixo são dele)

















“O Pantanal inundou, de novo, porque as barragens do Sistema do Alto Tietê estão excessivamente cheias para o verão, e a Sabesp abriu as comportas, contribuindo para alagar ainda mais região”, denunciou ao Viomundo o economista e ambientalista José Arraes, em reportagem publicada em 27 de janeiro. “É uma irresponsabilidade a Sabesp [Companhia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo] e o Daee [Departamento de Águas e Energia Elétrica] terem deixado as cheias chegar, para começar a descarregar água dos seus reservatórios. É um crime. É um erro tremendo de gerenciamento.”



Cheias são a temporada de chuvas. José Arraes mora em Mogi das Cruzes. Há 14 anos as enchentes nesse município da Grande São Paulo levaram o ambientalista a se interessar pela questão de recursos hídricos. Ajudou a solucionar o problema do seu bairro e não parou mais. Atualmente, é membro do Comitê da Bacia do Alto Tietê, do Subcomitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e do conselho gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) da várzea do Tietê.



No dia 5 de setembro, Arraes recebeu, por via judicial, mandado de intimação da Sabesp, exigindo inúmeras explicações, inclusive se o que o Viomundo havia publicado era o que o ambientalista havia dito.



“Na minha defesa eu nem toquei nesse ponto de tão absurdo”, afirma José Arraes. “É claro que o Viomundo publicou realmente o que eu disse. Quem deveria protestar, exigir explicações e indenização da Sabesp, somos nós, moradores da várzea do Tietê, pelos danos sofridos.”



“Supondo que eu tivesse falado alguma inverdade, o que não aconteceu, ou existisse algum motivo que eu desconhecesse para as barragens do Tietê estarem vazando [soltando água], a culpa é da própria Sabesp, que se fecha e não informa a sociedade”, prossegue Arraes. “Nós temos várias testemunhas que podem confirmar que, naquela época, mesmo sem chover, o nível do rio Tietê continuava subindo.”



Aliás, é o que acontece agora. Embora não chova há mais de 60 dias na região do Alto Tietê, onde fica a barragem de Ponte Nova, o rio está cheio, quase transbordando.



Ponte Nova é uma das cinco barragens do Sistema Alto Tietê. As barragens são como caixas d’água para a cidade de São Paulo. Ponte Nova é a maior. Com capacidade de 300 milhões de metros cúbicos (m3), ela é que represa as águas do Tietê. A de Ponte Nova libera, em média, 3,15m³/s. No dia 13 de setembro, segunda-feira, estava soltando mais do que o dobro: 8,3 m³/s.



Para se ter uma ideia do que representa esse volume, a cidade de Suzano, que fica na região e tem 350 mil habitantes, consome, no máximo, 1 m³/s.



“Como os fenômenos da natureza são incontroláveis, já pensou o que acontecerá se, de repente, ocorrerem chuvas intensas agora?”, chama atenção Arraes. “O Tietê, que está cheio daqui [de Mogi das Cruzes] até a Penha [Zona Leste da capital], vai transbordar, inundando não só a região do Pantanal, como toda a várzea dos municípios ao longo desse percurso.”



O advogado ambientalista Horácio Peralta, que durante seis anos foi presidente do Conselho da APA da Várzea do rio Tietê, é quem vai defendê-lo.



“O Arraes não cometeu crime de calúnia, injúria ou difamação, como tenta lhe imputar a notificação judicial da Sabesp, pois não divulgou nenhuma ilação”, diz Horácio Peralta. “Ele divulgou o que foi dito nas reuniões técnicas do Comitê da Bacia do Alto Tietê, mas que costuma ficar circunscrito a pequenos grupos, pois a Sabesp e o Daee não transmitem essas informações à população.”



“Vamos recorrer à exceção da verdade, para comprovar tudo isso”, acrescenta Peralta. “Além de convocar um rol de testemunhas, vamos juntar uma série de documentos internos, para comprovar tudo o que estava acontecendo, inclusive o acúmulo de água nas barragens e os riscos de enchentes. Nós pretendemos ouvir o presidente da Sabesp, Gesner de Oliveira, o superintendente do Daee e o responsável pelo monitoramento hidrológico e controle de barragens do Alto Tietê.”



RESPOSTAS DE JOSÉ ARRAES AO MANDADO DE INTIMAÇÃO







O documento contendo essas respostas foi protocolado no Fórum de Mogi das Cruzes nessa quinta-feira, 16 de setembro. Abaixo a sua íntegra.



IDENTIFICAÇÃO



José Avanito Arraes, brasileiro, casado, portador do RG xxxxxxx, domiciliado em Mogi das Cruzes, sito à Rua xxxxxxxxxx, bairro do Mogilar. Escolaridade Superior, Presidente da Associação dos Amigos do Bairro do Mogilar, Membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, Membro do Subcomitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê/Cabeceiras, Membro do Conselho da APA da Várzea do rio Tietê, Membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente de Mogi das Cruzes, Membro do Conselho da Cidade de Mogi das Cruzes, Membro do Conselho da Saúde de Mogi das Cruzes, Membro do Conselho da Educação de Mogi das Cruzes, Membro do Conselho do Parque Chiquinho Veríssimo da Serra do Itapety de Mogi das Cruzes, Membro do grupo de monitoramento hidrológico do Alto Tietê/Cabeceiras, Diretor do ICATI- Instituto Cultural e Ambiental do Alto Tietê.







DOS ARGUMENTOS E PRECEDENTES



Será que a proposta não está invertida? Não deveria ser nós, da Sociedade Civil, que deveríamos fazer um “Pedido de Explicações” à SABESP? Ou ao DAEE? Ou a todos os governantes dos municípios drenados pelo rio Tietê, desde a sua nascente até a barragem da Penha?



No entanto, hoje, tenho que atender a um “Mandado de Intimação” sob a justificativa inicial de que “segundo juristas enumerados” estar agindo de “maneira covarde ofendendo a honra da SABESP de forma dubitativa, com palavras de duplo sentido”.



Ou “por referencias, alusões ou frases que inferem calúnia, difamação ou injuria”. Ou ainda “por estar cometendo crime contra a honra própria da pessoa jurídica que tem interesse em zelar por sua reputação no corpo social em que está inserida”.



É infundada a propositura. Se há ofensa, sou o ofendido, pois como cidadão morador ribeirinho do rio Tietê, habitante de uma de suas várzeas, e principalmente como Presidente de uma Associação de Moradores de um bairro ribeirinho, chamada de “Associação dos Amigos do Bairro do Mogilar” nos assombramos todos os anos com o fantasma das possíveis enchentes, fundamentalmente por causa dos extravasamentos do rio.



Por muitos anos e por diversos governos estaduais e municipais gritamos que precisávamos desassorear o rio Tietê, principalmente no trecho urbano da nossa cidade. Nenhum governante pode sequer avaliar quanto é traumático o processo para tentar convencer o administrador público que o rio está sujo, lotado de sedimentos, que sua profundidade está prejudicada e que a sua vazão está impedida.



Mesmo baseados em batimetrias e ecobatimetrias técnicas que claramente demonstram um perfil da calha totalmente assoreada, documento técnico indiscutível, nunca conseguimos uma concordância pacifica de qualquer governante. Não obstante a sempre alegada falta de recursos, uma simples avaliação quantitativa para efeito de custos, a abertura de uma licitação sempre implicou em um enorme desgaste de convencimento do obvio ululante, chegando muito próximo da exaustão.



Quando foi construída a barragem de Ponte Nova e ela tinha a única e exclusiva finalidade de contenção de enchentes e regulação da vazão do rio Tietê. O governante alterou, com essa obra, pela primeira vez, o “regime hidrológico do rio”, natural até então, que tinha em suas várzeas espaços para o extravasamento sem nenhum prejuízo ecológico ou social.



A década seguinte à instalação de Ponte Nova foi marcada pelas ocupações das várzeas por governantes inconseqüentes e por loteamentos imobiliários descompromissados com a preservação das áreas de proteção e muito basicamente porque a “barragem” controlava a vazão e mantinha a calha protegida, e daí, a várzea passou ser um “terreno” privilegiado. O que se viu foi o que aconteceu. Em Mogi das Cruzes nesta época, por exemplo, surgiram os bairros do Mogilar, o da Ponte Grande, o da Mineração, o do Rodeio e o do Novo Rodeio, assim como em outras cidades com a similaridade extremamente próxima, mesmo no município de São Paulo onde também as permissividades locatárias destas mesmas áreas que foram sendo adensados, protegidos e consolidados com a implantação do fornecimento de água tratada pela SABESP, de energia elétrica pelas subsidiárias conveniadas, esgotamentos sanitários, escolas, hospitais, e todos os equipamentos urbanos necessários para a confirmação de que a população pudesse habitar não somente a várzea disciplinada pelo Decreto Estadual 42.837/98, mas muito além, até às margens do rio Tietê, destruindo tudo desde a sua mata ciliar até os barrancos, influindo violentamente, para o assoreamento por desmoronamento, entupindo a calha e impedindo a vazão normal.



Dentro desta configuração foi que nasceu a Associação dos Moradores do Mogilar, também uma das áreas de várzea da região loteada, aterrada e habitada.



Já estávamos ao final dos anos 90, por volta de 1994, 1995 quando a barragem de Ponte Nova já não conseguia regular mais a vazão do rio Tietê e todas as várzeas sofriam enchentes por extravasão da calha. E todos os índices técnicos de batimetria ou ecobatimetria indicavam que o leito estava com seções totalmente sedimentadas com considerável redução de sua profundidade, largura e sujeira.



Era comum, à época, na região jusante de Ponte Nova, desconfiar que as cheias fossem motivadas pelo excesso de vazão da barragem. Lembro-me ter influído para que umas comissões de moradores do Mogilar, que juntamente com os técnicos do DAEE fossemos à represa receber esclarecimentos e tomar conhecimento da situação do excesso de volume acumulado e que era assustador. As águas estavam bem próximas do maciço, vazava com toda plenitude até por cima do maciço o que nos deixou, apesar de leigos, desconfiados com a programação do controle tão difundido pelo DAEE.



Finalmente nos anos de 1997 e 1998, conseguimos depois de cinco anos de convencimento, desassorear o rio Tietê em 14 quilômetros, retirando do trecho urbano aproximadamente 300 toneladas de sedimentos, aumentando a sua vazão em algumas seções para até 60m³/s, a retirada dos dejetos acumulados nas margens permitiu o aumento da largura, tudo para facilitar o aumento da velocidade da vazão e impedindo o extravasamento.



Quando veio a vigorar a idéia do SPAT – Sistema Produtor do Alto Tietê, que resumidamente significa a interligação de todas as represas de Ponte Nova, Paraitinga, Jundiaí, Biritiba Mirim justapondo e direcionando as vazões para a barragem de Taiaçupeba, onde se instala a ETA-Estação de Tratamento de Água.



Novamente, e pela segunda vez, o governante alterou o “regime hidrológico” do rio Tietê, agora com a instalação no município de Biritiba-Mirim de uma Estação Elevatória que passou a recalcar para o Sistema aproximadamente 7m³/s das águas do rio Tietê, vazadas pelas represas de Ponte Nova e Paraitinga.



Durante o ano de 2009 o rio mal conseguia rolar os dejetos dos esgotos domiciliares largamente despejados. Lembro-me, quando do dia do aniversário do rio Tietê, dia 22 de setembro, pleiteávamos navegar por algum trecho e não conseguimos pois o leito tinha apenas uns 20cm de lâmina d’água, impossível até para se colocar um barco e navegar. Podíamos atravessar a pé de uma margem a outra.



Isto tudo posto considerando o excessivo mau cheiro pela contaminação dos esgotos despejados. E como conseqüência inevitável, a vazão era infinitamente insuficiente para rolar também os sedimentos destinados das ocupações marginais.



Por diversas vezes, até nas plenárias do Comitê de Bacia e do Subcomitê/Cabeceiras, perguntávamos o que estava ocorrendo. Nas reuniões do Grupo de Monitoramento Hidrológico foi tema de pauta, nem o DAEE ou SABESP que também fazem parte do Grupo, sabiam justificar as razões.



Razões também complicadas certamente encontravam os agricultores, as indústrias e a própria Prefeitura de Mogi das Cruzes que capta água a fio d’água diretamente do rio Tietê com a outorga de aproximadamente 1,2m³/s.



Também é essencial informar um importante dado técnico devidamente publico, relativo aos levantamentos para a execução do Projeto SPAT, referente a capacidade da calha do rio Tietê, desde a barragem da Ponte Nova até a barragem da Penha em São Paulo. Diz o seguinte o laudo técnico: “A área de drenagem da Bacia do Rio Tietê, a mo0ntante da barragem da Penha, é de 1.906km² e a vazão média do rio nesta seção é de 3002,2m³/s. Na seção do Rio Tietê correspondente à barragem de Ponte Nova, a área de drenagem da bacia é de 320km² e a vazão média é de 3,15m³/s”. (O grifo é meu).



Existe outra conclusão importante destes levantamentos pró-estudo e implantação do SPAT, sobre a “Produção máxima de água da região do Cabeceira”. Todos os números calculados e previstos para a dimensão territorial das áreas ocupadas pelo tamanho das represas e das captação dos rios represados para as novas barragens nos rios Paraitinga, Biritiba e Jundiaí, concluíram que a ETA de Taiaçupeba poderia tratar no máximo 10m³/s, considerando os regimes pluviométricos, as vazões superficiais e os respectivos afluentes. Surpresos e atônitos ficamos quando conhecemos a proposta governamental para aumentar o tratamento na ETA de Taiaçupeba de 10m³/s para 15m³/s.



Continuamos perguntando “de onde buscarão o diferencial?” se o próprio estudo técnico do SPAT concluía claramente que a região não tem de onde produzir mais água? Ao contrário, a ocupação descontrolada em alguns municípios como Salesópolis e Biritiba Mirim, essencialmente integrantes territorialmente em áreas de mananciais, se queixam há muito tempo por tamponamento das nascentes e desaparecimento de córregos.



O verão de 2010 nos alcançou nesta fase.



O governante contratou um Consórcio para execução de obras visando adequar a ETA de Taiaçupeba para aumentar a sua capacidade e conseqüentemente a cascata acumulativa necessária para o aumento da produção de água e necessariamente como complemento fundamental aumentarem também a capacidade de recalque da Estação Elevatória de Biritiba Mirim, de 7m³/s para 10m³/s.



Sem o que não se teria água para aumentar a produção tratada da ETA de Taiaçupeba.



Mas o governante, despercebidamente ou propositadamente, com a ação estava mudando novamente, e agora pela terceira vez, o “Regime Hidrológico” do rio Tietê. Quem tem razão direta com o “regime de controle das várzeas” já ocupadas e habitadas.







DOS QUESTIONAMENTOS



*





b) Durante muitos anos o “Grupo de Monitoramento Hidrológico” do Subcomitê/Cabeceiras, cujo coordenador sempre foi um gestor do controle das vazões das represas do DAEE, nos transmitia a planilha de acompanhamento das vazões e da quantidade de água armazenada. E sempre verificávamos e acompanhávamos as gestões pré-verão. Com a transferência para a SABESP da gestão deste acompanhamento, somando a ridícula e mínima vazão do rio Tietê a poucos meses antes da temporada chuvosa ao final do ano de 2009 que mesmo conhecendo as informações antecipadas do INPE de São José dos Campos sobre as possibilidades atmosféricas e ainda com o projeto de aumento da produção de água para o aumento do tratamento da ETA de Taiaçupeba, a conclusão inevitável do sistema de recursos hídricos na região Cabeceiras, foi que “notadamente aconteceu uma falha no gerenciamento adequado de controle nos limites das represas”, forçando o gerenciador extravasar maior quantidade de água” em plena época chuvosa. E isso realmente aconteceu. Durante muito tempo as represas mantiveram grandes quantidades de vazamentos. E como sabidamente, por dados do SPAT, que a calha de Ponte Nova até Mogi tem capacidade média de 3,15m³/s e até a barragem da Penha, média de 32,2m³/s, as enchentes nas várzeas eram inevitáveis e catastróficos. E isto não é crime? A Constituição Estadual no Artigo 205 dispõe: “O Estado instituirá, por lei, sistema integrado de gerenciamento dos recursos hídricos, congregando órgãos estaduais e municipais e a sociedade civil, e assegurará meios financeiros e institucionais para: Item IV –a defesa contra eventos críticos, que ofereçam riscos à saúde e segurança pública e prejuízos econômicos e sociais”.



Urge a mesma pergunta nos dias atuais. Estamos novamente no mesmo mês de setembro, agora no ano de 2010. O rio Tietê, está inexplicavelmente cheio, quase transbordando apesar de não chover há mais de 60 dias. Se considerarmos que daqui a sessenta dias começaremos uma nova época de chuvas, as vazões das represas fatalmente contribuirão sobremaneira para o alagamento das várzeas ainda ocupadas, loteadas e habitadas.



c) Os responsáveis pelo controle e vazão de todo o sistema SPAT sempre tiveram informações diárias sobre as precipitações pluviométricas, sobre as vazões de cada represa, do percentual nivelado da ocupação da barragem, tudo considerando as necessidades agrícolas, industriais e de serviços à jusante do sistema. E ao longo do curso d’água diversas réguas controlam o nível da calha. Ninguém do DAEE ou da SABESP em princípio, pode desconhecer o extravasamento da calha do rio em qualquer trecho. Ao contrário, para salvaguardar o sistema impedindo que o vazamento ocorra além das comportas, à única alternativa tem sido aumentar a vazão, nem que seja na maior quantidade possível, independentemente se essa quantidade provocará extravasamento da calha, enchentes ou prejuízos sociais. Como membro do “Grupo de Monitoramento Hidrológico do Subcomitê/Cabeceiras” o controle vem e sempre tem obedecido estes critérios. Ora, se o próprio documento técnico do SPAT confirma que nos trechos abaixo da represa de Ponte Nova a calha tem uma capacidade média de 3,15m³/s, não é difícil a Sociedade Civil responsabilizar os gestores como responsáveis pelos danos ribeirinhos principalmente os sociais.



d) Apesar de repetitivo, por ser um dos integrantes do “Grupo de Monitoramento Hidrológico do Subcomitê/Cabeceiras” e por conhecer os “alertas” do INPE, por diversas vezes levantei nas reuniões do grupo e principalmente nas plenárias do Subcomitê, estar estranhando o canal do rio com muito pouca quantidade de água e as barragens com quotas altas de reservação. Sempre ouvi explicações de posicionamento controlado. Mas o fato foi que o INPE acertou na previsão, tivemos um verão/2010 com elevadas precipitações, alagando todas as cidades ribeirinhas e as represas todas estavam com suas quotas máximas.



e) A afirmação “para não faltar água para São Paulo” é uma das razões positivas do sistema. Foi para isso que o SPAT foi construído. Suprir São Paulo abastecido de água é um dos maiores desafios desta geração governativa. O que sempre confirmamos e achamos é que o custo para a região do Cabeceiras é muito grande, simplesmente porque não produzimos mais água daquela que o SPAT já reservava. E preparar a ETA de Taiaçupeba para tratar mais 5m³/s requer “fabricar” água ou “armazená-la” ou “aumentar o armazenamento” de todo o sistema, inclusive a capacidade de armazenamento da barragem da própria Taiaçupeba, até pouco tempo atrás impedida pela existência de uma Indústria dentro da quota de represamento. E a contratação de um “Consórcio” para preparar um aumento da ETA, por si só, não é uma determinação governamental?



f) Do contrário onde se buscaria a água necessária para o aumento da ETA? Os estudos já na época do SPAT confirmavam que a ETA poderia tratar excepcionalmente 12m³/s e normalmente 10m³/s, simplesmente porque na região/Cabeceiras não produz mais do que o existente.



g) A contratação do “Consorcio” para administrar os recursos hídricos da região e aumentar a ETA de Taiaçupeba para tratar 15m³/s foi devidamente publicado no Diário Oficial do Estado. E tanto assim, que está antecipadamente programada a inauguração da nova ETA para o inicio de 2011, bem como o aumento da Estação Elevatória de Biritiba Mirim.



h) Ora, se um “Consórcio” privado conveniado sob a modalidade de “PPP” existe e atua no Sistema, todos os controles operativos para conseguir os objetivos tornam privatizadas as administrações.



i) A contratação do “Consórcio” foi publicado no Diário Oficial do Estado, bem como a sua finalidade.



j) Todos os anos preventivamente nos acostumamos acompanhar os gestores do DAEE o cuidado na redução dos níveis das represas visando as chuvas do verão. Esta prevenção sempre trouxe excelentes resultados e a calha extravasava em raríssimos pontos. O fato do Consorcio estar operando no sistema no verão de 2010 e o não atendimento as argumentações do INPE de São José dos Campos trouxe reflexos desastrosos em todos os bairros ribeirinhos da região do Cabeceira.



k) Em plena época das fortes chuvas todas as represas vazavam por cima dos seus maciços. Nunca afirmamos que as barragens poderiam romper, mas que não é normal vazar pelas comportas e por cima dos maciços como aconteceu por diversos dias. Deixou toda uma população varzeana preocupada. Muitas localidades foram invadidas pela extravasão da calha do rio Tietê, atingindo órgãos públicos, escolas, hospitais e residências.



l) Em todas as reuniões do “Grupo de Monitoramento Hidrológico do Cabeceiras”, bem como acontece com o mesmo “Grupo de Monitoramento Hidrológico do PCJ de Campinas” estes assuntos são tratados. O DAEE sempre teve os registros pluviométricos e arquiva esses dados para monitoramento do sistema, dos regimes hidrológicos de todos os corpos d’água e de todas as réguas métricas colocadas ao longo do rio.



m) A repórter me perguntou a data que o Sistema tinha começado abrir as comportas para o vazamento das represas. Lembrei-me que os gestores relutavam abrir as compotas e que o Sr.Governador do Estado determinou as aberturas, noticiada por todos os jornais da Capital.



n) Essa hipótese foi muito discutida na Plenária do Subcomitê/Cabeceiras. Comprovadamente muito tempo depois quando as chuvas já tinham reduzido as intensidades, mesmo assim, o rio Tietê continuava com grande volume na calha e até atingindo pontos da várzea muito distantes da calha, com grande prejuízo social. Este foi um dos argumentos fortes da população residente na região chamada de “Pantanal”, no município de São Paulo.



o) Classificar somente de irresponsabilidade os prejuízos sociais causados pelos extravasamentos do rio Tietê não é somente pela falta de gerenciamento, mas sim muito mais por descumprimento da Constituição Estadual que no Artigo 205 determina que para prevenir catástrofes o governante deve adotar o zoneamento de áreas inundáveis, com restrições a usos incompatíveis nas sujeitas a inundações freqüentes e da capacidade de infiltração do solo. (Constituição Estadual Artigo 210, item II).



O Ministério Público é o instrumento da Sociedade Civil Organizada.



CONSIDERAÇÕES FINAIS



E por mais paradoxal possa estar parecendo, atualmente, em pleno mês de setembro do ano de 2010, dois meses antecedentes para as próximas chuvas também já alertadas pelo INPE como forte possibilidade de serem repetidas as temporadas do verão passado, a calha do rio Tietê está completamente cheia e as represas com vazamentos elevados.



Uma das melhores e razoáveis condutas da SABESP para o futuro, se pudesse influir, seria de muito interesse social que não reconhecesse as invasões e ocupações irregulares como normalmente o faz; também as companhias de eletricidade e os municípios ao abrirem ruas e asfaltando, construindo escolas e postos de saúde, dando características definitivas de regularização às ocupações irregulares.



Por isso sempre distinguimos o DAEE da SABESP. O primeiro sempre foi um Órgão Público por excelência, sem dividendos e a sem dependência do caixa popular, operando exclusivamente com dotações orçamentárias. A segunda, bem ao contrário é uma Entidade Comercial, que gera receita com a venda de água e tem interesse de atender usuários. É uma lástima para nós que estamos envolvidos em Órgãos vinculados à boa manutenção dos Recursos Hídricos no Estado e particularmente na região onde nasce o principal manancial de São Paulo, saber que a SABESP com todos os seus interesses, está gerindo o Sistema do SPAT, onde os relacionamentos são difíceis e inacessíveis.



Não há Direito de ofensa a honra do povo, nem da comunidade e nem dos cidadãos participantes e ativos. A Sociedade Civil vem aprendendo competir com o Administrador Público totalitário e com aqueles do “mando e faça”. Os instrumentos legais de gestão dos recursos hídricos do Estado de São Paulo foram os primeiros admitir paritariamente a participação da Sociedade Civil nas organizações de gestão, juntamente com o Estado e com os Municípios, tripartite em todos os Comitês das Bacias Hidrográficas do Estado.



Atenciosamente.



José Arraes



* Nota do Viomundo: José Arraes achou tão absurdo a Sabesp perguntar se o Viomundo havia reproduzido realmente o que ele dissera em entrevista a esta repórter, que pulou a questão a na sua defesa. As respostas dele começam pela questão b . “Claro que o Viomundo publicou o que eu realmente disse”, reafirma o ambientalista.

Marcos Bagno: É presidenta, sim!

O Brasil ainda está longe da feminização da lín-gua ocorrida em outros lugares. Dilma Rousseff adotou a forma “presidenta”, que assim seja chamada.

Se uma mulher e seu cachorro estão atraves-sando a rua e um motorista embriagado atinge essa senhora e seu cão, o que vamos encontrar no noticiário é o seguinte: “Mulher e cachorro são atropelados por motorista bêbado”. Não é impressionante? Basta um cachorro para fazer sumir a especificidade feminina de uma mulher e jogá-la dentro da forma supostamente “neutra” do masculino. Se alguém tem um filho e oito filhas, vai dizer que tem nove filhos. Quer dizer que a língua é machista? Não, a língua não é machista, porque a língua não existe: o que existe são falantes da língua, gente de carne e osso que determina os destinos do idioma. E como os destinos do idioma, e da sociedade, têm sido determinados desde a pré-história pelos homens, não admira que a marca desse predomínio masculino tenha sido inscrustada na gramática das línguas.

Somente no século 20 as mulheres puderam começar a lutar por seus direitos e a exigir, inclusive, que fossem adotadas formas novas em diferentes línguas para acabar com a discriminação multimilenar. Em francês, as profissões, que sempre tiveram forma exclusivamente masculina, passaram a ter seu correspondente feminino, principalmente no francês do Canadá, país incomparavelmente mais democrático e moderno do que a França. Em muitas sociedades desapareceu a distinção entre “senhorita” e “senhora”, já que nunca houve forma específica para o homem não casado, como se o casamento fosse o destino único e possível para todas as mulheres. É claro que isso não aconteceu em todo o mundo, e muitos judeus continuam hoje em dia a rezar a oração que diz “obrigado, Senhor, por eu não ter nascido mulher”.

Agora que temos uma mulher na Presidência da República, e não o tucano com cara de vampiro que se tornou o apóstolo da direita mais conservadora, vemos que o Brasil ainda está longe da feminização da língua ocorrida em outros lugares. Dilma Rousseff adotou a forma presidenta, oficializou essa forma em todas as instâncias do governo e deixou claro que é assim que deseja ser chamada. Mas o que faz a nossa “grande imprensa”? Por decisão própria, com raríssimas exceções, como CartaCapital, decide usar única e exclusivamente presidente. E chovem as perguntas das pessoas que têm preguiça de abrir um dicionário ou uma boa gramática: é certo ou é errado? Os dicionários e as gramáticas trazem, preto no branco, a forma presidenta. Mas ainda que não trouxessem, ela estaria perfeitamente de acordo com as regras de formação de palavras da língua.

Assim procederam os chilenos com a presidenta Bachelet, os nicaraguenses com a presidenta Violeta Chamorro, assim procedem os argentinos com a presidenta Cristina K. e os costarricenses com a presidenta Laura Chinchilla Miranda. Mas aqui no Brasil, a “grande mídia” se recusa terminantemente a reconhecer que uma mulher na Presidência é um fato extraordinário e que, justamente por isso, merece ser designado por uma forma marcadamente distinta, que é presidenta. O bobo-alegre que desorienta a Folha de S.Paulo em questões de língua declarou que a forma presidenta ia causar “estranheza nos leitores”. Desde quando ele conhece a opinião de todos os leitores do jornal? E por que causaria estranheza aos leitores se aos eleitores não causou estranheza votar na presidenta?

Como diria nosso herói Macunaíma: “Ai, que preguiça…” Mas de uma coisa eu tenho sérias desconfianças: se fosse uma candidata do PSDB que tivesse sido eleita e pedisse para ser chamada de presidenta, a nossa “grande mídia” conservadora decerto não hesitaria em atender a essa solicitação. Ou quem sabe até mesmo a candidata verde por fora e azul por dentro, defensora de tantas ideias retrógradas, seria agraciada com esse obséquio se o pedisse. Estranheza? Nenhuma, diante do que essa mesma imprensa fez durante a campanha. É a exasperação da mídia, umbilicalmente ligada às camadas dominantes, que tenta, nem que seja por um simples – e no lugar de um –a, continuar sua torpe missão de desinformação e distorção da opinião pública.

Marcos Bagno é professor de Linguística na Universidade de Brasília.

Via CartaCapital

Santayana: Tucson, a doença americana

Santayana: os que decidirem matar, como o rapaz de Tucson, sempre encontrarão armas



O Conversa Afiada reproduz texto de Mauro Santayana no Jornal do Brasil:







Uma doença americana



Por Mauro Santayana



Não há povos felizes, e poucas são as pessoas no mundo que se sentem em paz. Viver não é apenas perigoso: é uma aventura difícil. Sempre foi assim, mas como o passado pesa, e nos conduz, a cada época os homens se sentem mais impotentes diante das circunstâncias, que escapam de sua vontade e poder.



Os Estados Unidos são o país mais poderoso, mais rico, mais adiantado do ponto de vista científico e cultural do mundo. Talvez em razão disso, a angústia de viver ali seja mais acentuada.



Em seu editorial de ontem, Le Monde atribui à liberdade de portar armas de fogo os repetidos atentados – políticos em sua maior parte – nos Estados Unidos. É verdade que essa liberdade favorece os crimes, desde a morte de Lincoln até a dos Kennedy e os assassinatos em massa de nossos dias. Esta é uma das causas, mas há outras.



Um historiador de um futuro distante, se o mundo chegar a esse futuro, verá os Estados Unidos como um caso singular no conjunto das civilizações. Logo depois da independência, decidiram que, para garantir a liberdade individual e proteger o povo contra a eventual tirania do governo, todos poderiam portar armas.



O direito é previsto na segunda emenda do Bill of Rights, aprovado em 15 de dezembro de 1791. É importante notar que James Madison, o redator das dez emendas históricas, colocou-a logo depois da primeira, que assegura a liberdade religiosa e a liberdade de expressão. Sendo necessária a um estado livre uma bem regulamentada milícia, o direito de o povo portar armas não deverá ser infringido.



O problema não está nas armas, em si mesmas. A arma é um instrumento, que tanto pode servir para o ataque como para a defesa. Em princípio só deveriam andar armadas as pessoas que tivessem pleno domínio de sua mente e de suas emoções.



A proibição do uso de armas, nos Estados Unidos, não resolverá o problema dos atentados políticos. Os que decidirem matar, como decidiu o rapaz de Tucson, sempre encontrarão armas para usar.



A arma é uma mercadoria, como qualquer, e o mercado, na sociedade norte-americana, como na do mundo em geral, prevalece sobre o Estado, a sociedade, e suas razões. Os arsenais encontrados nos morros cariocas comprovam essa verdade.



Mais ainda: grande parte dessas armas só chegou aos morros por intermédio da polícia. Qualquer repórter encarregado de cobertura policial sabe como é fácil conseguir uma arma – em alguns casos, de graça.



Como lembrou Paul Krugman, em artigo no New York Times, há uma retórica de direita na imprensa e nas emissoras de rádio, tevê e outros meios de comunicação, nos Estados Unidos, contra o governo de Barack Obama e os democratas.



A pregação do ódio é diária, e alimenta psicopatas como o assassino de Tucson. Não foi a sua pistola Glock que disparou contra a parlamentar democrata e matou seis pessoas, mas a instigação continuada da extrema-direita, em seu ódio contra as tímidas reformas pretendidas pelo governo de Obama.



Para nós, brasileiros, é uma séria advertência. Também aqui estamos percebendo uma orquestração da extrema-direita contra o governo que se inicia. Há um limite para a tolerância democrática.



Como lembrou Marcuse, em seu ensaio sobre o tema, quando Hitler iniciou sua pregação na Alemanha, estava bem claro o que ele e seus sequazes pretendiam. A República de Weimar não soube contê-los a tempo, e dezenas de milhões de vítimas pagaram por esse descuido.



Os sinais da rearticulação da direita, no Brasil, mediante a imprensa, o rádio e a televisão, e da extrema-direita, pela internet, são evidentes. Os jornais, as emissoras de rádio e de televisão que lhes dão acolhida, ao que parece, não se lembram do que ocorreu durante o regime militar. Ou disso não querem lembrar-se.