domingo, 19 de junho de 2011

Empreiteira não aceita 'em nenhuma hipótese' lei anti-cartel na Copa




Aprovada na Câmara, lei de licitações especial para Copa do Mundo tem regra que governo chama de anti-cartel e empreiteiros boicotam. Em documento, associação de construtoras diz que não aceita "em nenhuma hipótese" mecanismo que é recomendado internacionalmente contra conluio entre empresas. Segundo um ministro, empreiteiras patrocinam noticiário negativo sobre lei especial. Objetivo seria desmoralizá-la para Congresso não aprovar. Construtoras preparam-se para fazer lobby no Senado.

André Barrocal



BRASÍLIA – As empreiteiras não aceitam “em nenhuma hipótese" uma regra que o governo chama de “anti-cartel” e propôs na lei de licitações especial que defende para obras da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. O dispositivo boicotado pelas construtoras autoriza o setor público a não revelar sua estimativa de custo de erguer uma determinada obra, antes de fazer o leilão para escolher quem vai tocá-la.



“Em nenhuma hipótese o orçamento previamente estimado pela Administração deverá ser fornecido somente após o encerramento da licitação”, diz a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), em documento assinado pelo presidente da Comissão de Obras Públicas da entidade, Arlindo Moura. Para a CBIC, essa modelagem abriria possibilidade de uso de “informação privilegiada” por parte de alguma empresa.



O governo também usou palavras fortes para defender o mecanismo, aprovado pela Câmara dos Deputados na quarta-feira (15/06). Para a presidenta Dilma Rousseff, ele combate “formação de cartel”. Para o ministro do Esporte, Orlando Silva, impede “conluio” entre empresas.



Os dois argumentaram, em entrevistas dadas na sexta-feira (17/06), que, ao esconder das empresas seus cálculos financeiros, o governo tira delas uma referência em torno da qual poderiam combinar os lances que farão num leilão. Os valores seriam conhecidos de início apenas pelos tribunais de contas, que fiscalizam as administrações públicas, e pelos órgãos de controle dos próprios poderes executivos.



A ocultação do orçamento em licitações, segundo Dilma e Silva, é recomendado internacionalmente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e aplicada na União Européia.



O governo considera este é um dos pontos fundamentais da lei de licitações exclusiva para Copa e Olimpíada que propôs ao Congresso, chamado burocraticamente de Regime Diferenciado de Contratação (RDC). O RDC tem normas mais draconianas do que a Lei de Licitações (8.666, de 1993) para, segundo o governo, tentar proteger melhor o interesse público contra o interesse das empreiteiras.



O projeto impede, por exemplo, que uma empresa assine contrato com o setor público e depois peça aumento de preço por causa de algum problema de engenharia surgido durante a obra. A possibilidade de fazer aditivos aos contratos está prevista na Lei de Licitações e, diz um técnico do governo, produz “aditivos infinitos” que só favorecem as construtoras.



Pelo RDC, somente a Federação Internacional das Associações de Futebol (Fifa) e o Comitê Olimpíco Internacional (COI) é que terão autoridade para pedir revisão de valores.



No documento em que condena a idéia de ocultação do orçamento, resultado de uma reunião de dirigentes da entidade realizada dia 18 de maio, a CBIC faz uma série de críticas ao RDC, mostrando que o setor não concorda com a essência da proposta.



Para o governo, este é o motivo de a aprovação do RDC na Câmara dos Deputados, especialmente no caso do “orçamento oculto”, ter sido noticiado de forma condenatória. Na imprensa, prevaleceu, num primeiro momento, a interpretação de que o governo queria “esconder” os gastos com Copa e Olimpíada.



Um ministro disse à Carta Maior que tal interpretação foi “com certeza” patrocinada pelos empreiteiros. Segundo um técnico do governo, “grandes empreiteiras” estariam por trás do balizamento do noiticiário sobre o RDC porque querem continuar se beneficiando de brechas na Lei de Licitações tradicional. O objetivo seria desmoralizar a ideia do RDC perante a opinião pública, para que o Congresso não o aprove.



Derrotadas na Câmara, as empreiteiras preparam-se agora para fazer lobby no Senado contra o RDC.







O papel de Wall Street no narcotráfico




A política dos EUA para o México é um pesadelo. Ela minou a soberania mexicana, corrompeu o sistema político e militarizou o país. Obteve também como resultado a morte violenta de milhares de civis, pobres em sua maioria. Mas Washington não está nenhum pouco preocupado com os “danos colaterais”, desde que possa vender mais armas, fortalecer seu regime de livre comércio e lavar mais lucros das drogas em seus grandes bancos. Os principais bancos dos EUA se tornaram sócios financeiros ativos dos cartéis assassinos da droga. A guerra contra as drogas é uma fraude. Ela não tem a ver com proibição, mas sim com controle. O artigo é de Mike Whitney.

Imagine qual seria sua reação se o governo mexicano decidisse pagar 1,4 milhões de dólares a Barack Obama para usar tropas norte-americanas e veículos blindados em operações militares em Nova York, Los Angeles e Chicago, estabelecendo postos de controle, e elas acabassem se envolvendo em tiroteios que resultassem na morte de 35 mil civis nas ruas de cidades norte-americanas. Se o governo mexicano tratassem assim os Estados Unidos, vocês o considerariam amigo ou inimigo? Pois é exatamente assim que os EUA vêm tratando o México desde 2006.

A política dos EUA para o México – a Iniciativa Mérida – é um pesadelo. Ela minou a soberania mexicana, corrompeu o sistema político e militarizou o país. Obteve também como resultado a morte violenta de milhares de civis, pobres em sua maioria. Mas Washington não está nenhum pouco preocupado com os “danos colaterais”, desde que possa vender mais armas, fortalecer seu regime de livre comércio e lavar mais lucros das drogas em seus grandes bancos. É tudo muito lindo.

Há alguma razão para dignificar essa carnificina chamando-a de “Guerra contra as drogas”?

Não faz nenhum sentido. O que vemos é uma oportunidade descomunal de empoderamento por parte das grandes empresas, das altas finanças e dos serviços de inteligência norteamericanos. E Obama segue meramente fazendo seu leilão, razão pela qual – não é de surpreender – as coisas ficaram tão ruins sob sua administração. Obama não só incrementou o financiamento do Plano México (conhecido como Mérida), como deslocou mais agentes norteamericanos para trabalharem em segredo enquanto aviões não tripulados realizam trabalhos de vigilância. Deu para ter uma ideia do cenário?

Não se trata de uma pequena operação de apreensão de drogas, é outro capítulo da guerra norteamericana contra a civilização. Vale lembrar uma passagem de um artigo de Laura Carlsen, publicado no Counterpunch, que nos mostra um elemento de fundo:

“A guerra contra as drogas converteu-se no veículo principal de militarização da América Latina. Um veículo financiado e impulsionado pelo governo norteamericano e alimentado por uma combinação de falsa moral, hipocrisia e muito de temor duro e frio. A chamada “guerra contra as drogas” constitui, na realidade, uma guerra contra o povo, sobretudo contra os jovens, as mulheres, os povos indígenas e os dissidentes. A guerra contra as drogas se converteu na forma principal do Pentágono ocupar e controlar países à custa de sociedades inteiras e de muitas, muitas vidas”.

“A militarização em nome da guerra contra as drogas está ocorrendo mais rápida e conscienciosamente do que a maioria de nós provavelmente imaginou com a administração de Obama. O acordo para estabelecer bases na Colômbia, posteriormente suspenso, mostrou um dos sinais da estratégia. E já vimos a extensão indefinida da Iniciativa de Mérida no México e América Central, incluindo, tristemente, os navios de guerra enviados a Costa Rica, uma nação com uma história de paz e sem exército...”

“A Iniciativa de Mérida financia interesses norteamericanos para treinar forças de segurança, proporciona inteligência e tecnologia bélica, aconselha sobre as reformas do Judiciário, do sistema penal e a promoção dos direitos humanos, tudo isso no México” (“The Drug War Can’t Be Improved Only be Ended” – “A Guerra contra as drogas não pode ser melhorada, só terminada”, Laura Carlsen, Counterpunch)


A impressão que dá é que Obama está fazendo tudo o que pode para converter o México em uma ditadura militar, pois é exatamente isso o que ele está fazendo. O Plano México é uma farsa que esconde os verdadeiros motivos do governo, que consiste em assegurar-se de que os lucros do tráfico de drogas acabem nos bolsos das pessoas adequadas. É disso que se trata: de muitíssimo dinheiro. E é por isso que o número de vítimas disparou, enquanto a credibilidade do governo mexicano caiu como nunca em décadas. A política norteamericana converteu grandes extensões do país em campos de morte e a situação não para de piorar.

Veja-se esta entrevista com Charles Bowden, que descreve como é a vida das pessoas que vivem na Zona Zero da guerra das drogas no México, Ciudad Juárez:

“Isso ocorre em uma cidade onde muita gente vive em caixas de papelão. No último ano, dez mil negócios encerraram suas atividades. De 30 a 60 mil pessoas, sobretudo os ricos, mudaram-se para El Paso, no outro lado do rio, por razões de segurança. Entre eles, o prefeito de Juárez, que prefere ir dormir em El Paso. O editor do diário local também vive em El Paso. Entre 100 e 400 mil pessoas simplesmente saíram da cidade. Boa parte do problema é econômico. Não se trata simplesmente da violência. Durante esta recessão desapareceram pelo menos 100 mil empregos das empresas fronteiriças devido à competição asiática. As estimativas são de que há entre 500 e 900 bandos de delinquentes”.

Há 10 mil soldados das tropas federais e agentes da Polícia Federal vagando por ali. É uma cidade onde ninguém sai à noite, na qual todos os pequenos negócios pagam extorsão, onde foram roubados oficialmente 20 mil automóveis no ano passado e assassinadas 2.600 pessoas no mesmo período. É uma cidade onde ninguém segue o rastro das pessoas que foram sequestradas e não reaparecem, onde ninguém conta as pessoas enterradas em cemitérios secretos onde, de forma indecorosa, volta e meia aparecem alguns corpos em meio a alguma escavação. O que temos é um desastre e um milhão de pessoas que são muito pobres para poder ir embora. A cidade é isso”. (Charles Bowden, Democracy Now)


Isso não tem a ver com as drogas; trata-se de uma política externa louca que apoia exércitos por delegação para impor a ordem por meio da repressão e militarização do Estado policial. Trata-se de expandir o poder norte-americano e de engordar os lucros de Wall Street. Vejamos mais alguns dados de fundo proporcionados por Lawrence M. Vance, na Future of Freedom Foundation:

“Um número não revelado de agentes da lei norteamericanos trabalha no México (...) A DEA tem mais de 60 agentes no México. A esses se somam os 40 agentes de Imigração e Aduanas, 20 auxiliares do Serviço de Comissários de Polícia e 18 agentes da Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos, mais os agentes do FBI, do Serviço de Cidadãos e Imigração, Aduana e Proteção de Fronteiras, Serviço Secreto, guarda-costas e Agência de Segurança no Transporte. O Departamento de Estado mantém também uma Seção de Assuntos de Narcóticos. Os EUA também forneceram helicópteros, cães farejadores de drogas e unidades de polígrafos para examinar os candidatos a trabalhar em organismos de aplicação das leis”.

“Os aviões não tripulados norteamericanos espionam os esconderijos dos carteis e os sinais rastreadores norte-americanos localizam com exatidão os carros e telefones dos suspeitos. Agentes norteamericanos seguem os rastros, localizam chamadas telefônicas, leem correios eletrônicos, estudam padrões de comportamento, seguem rotas de contrabando e processam dados sobre traficantes de drogas, responsáveis pela lavagem de dinheiro e chefes dos cartéis. De acordo com um antigo agente anti-droga mexicano, os agentes norteamericanos não estão limitados em suas escutas no México pelas leis dos EUA, desde que não se encontrem em território norteamericano e não grampeiem cidadãos norteamericanos. (“Why Is the U.S. Fighting Mexico’s Drug War?”, “Por que os EUA travam a guerra contra as drogas no México?”, Laurence M. Vance, The Future of Freedom Foundation).


Isso não é política externa, mas sim outra ocupação norteamericana. E adivinhem quem enche os cofres com essa pequena fraude sórdida? Wall Street. Os grandes bancos ficam com sua parte como sempre fazem. Vejamos essa passagem de um artigo de James Petras intitulado “How Drug profits saved Capitalism” (“Como os lucros das drogas salvaram o capitalismo”, publicado em Global Research). É um estupendo resumo dos objetivos que estão configurando essa política:

“Enquanto o Pentágono arma o governo mexicana e a DEA (Drug Enforcement Agency, a agência anti-droga dos EUA) põe em prática a “solução militar”, os maiores bancos dos EUA recebem, lavam e transferem centenas de bilhões de dólares nas contas dos senhores da droga que, com esse dinheiro, compram armas modernas, pagam exércitos privados de assassinos e corrompem um número indeterminado de funcionários encarregados de fazer cumprir a lei de ambos os lados da fronteira...”

“Os lucros da droga, no sentido mais básico, são assegurados mediante a capacidade dos carteis de lavar e transferir bilhões de dólares para o sistema bancário norteamericano. A escala e a envergadura da aliança entre a banca norteamericana e os carteis da droga ultrapassa qualquer outra atividade do sistema financeiro privado norteamericano. De acordo com os registros do Departamento de Justiça dos EUA, só um banco, o Wachovia Bank (propriedade hoje de Wells Fargo), lavou 378.300 milhões de dólares entre 1° de maio de 2004 e 31 de maio de 2007 (The Guardian, 11 de maio de 2011). Todos os principais bancos dos EUA tornaram-se sócios financeiros ativos dos cartéis assassinos da droga”.

“Se os principais bancos norteamericanos são os instrumentos financeiros que permitem os impérios multimilionários da droga operar, a Casa Branca, o Congresso dos EUA e os organismos de aplicação das leis são os protetores essenciais destes bancos (...) A lavagem de dinheiro da droga é uma das fontes mais lucrativas de lucros para Wall Street. Os bancos cobram gordas comissões pela transferência dos lucros da droga que, por sua vez, emprestam a instituições de crédito a taxas de juros muito superiores às que pagam – se é que pagam – aos depositantes dos traficantes de drogas.

Inundados pelos lucros das drogas já desinfetados esses titãs norteamericanos das finanças mundiais podem comprar facilmente os funcionários eleitos para que perpetuem o sistema”. (“How Drug Profits saved Capitalism, James Petras, Global Research).


Vamos repetir: “Todos os principais bancos dos EUA se tornaram sócios financeiros ativos dos cartéis assassinos da droga”.

A guerra contra as drogas é uma fraude. Ela não tem a ver com proibição, mas sim com controle. Washington emprega a força para que os bancos possam garantir um bom lucro. Uma mão lava a outra, como ocorre com a Máfia.

(*) Mike Whitney é um analista político independente que vive no estado de Washington e colabora regularmente com a revista norteamericana CounterPunch.

Tradução: Katarina Peixoto

O humor ácido de Dilma


Famosa pela rispidez, a presidente tem também uma faceta engraçada. Ela gosta de dar apelidos aos interlocutores e se diverte com imitações do vice, Michel Temer
LUIZ MAKLOUF CARVALHO
Evaristo Sá/AFP
MÉTODO 
Dilma, descontraída, durante uma cerimônia em Brasília. Primeiro, ela dá o apelido. Depois, vem com o caderninho “terrível”
“Você é danado!”, para um governador. “Leão da Montanha”, para um vice. “The Turtle” (tartaruga), para um senador. “Não me venha de borzeguins ao leito”, para o presidente de uma estatal. É assim, entre apelidos e provérbios do arco da velha, que a presidente Dilma Rousseff, famosa pela rispidez, vem alinhavando seu lado bem-humorado. Pode não ter muita graça, mas são essas as histórias contadas por aqueles a quem ela faz sorrir. “Danado!”, por exemplo, é o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. A presidente, compulsiva com diminutivos, o chama comumente de Serginho. A exclamação é o prêmio que ele ganha depois de fazê-la rir com seu reconhecido dom para imitações. A mais recente é a do vice. “Faz o Michel, Serginho, faz o Michel”, pede a presidente, quando estão numa roda pequena. O governador capricha, transmuta-se em Temer, acentua um singular gestual das mãos. Dando risada, a presidente concede: “Você é danado!”.
“A presidente Dilma tem um senso de humor sofisticado, ao estilo mineiro”, afirma o governador Cabral. “É bem-humorada, mas está mais para o sorriso do que para a gargalhada.” Como exemplo do “bom humor” da presidente, Cabral conta um momento tenso que viveram juntos, dentro de um helicóptero, depois de um debate televisivo durante a campanha eleitoral. “O tempo fechou, a visibilidade era zero, o pouso foi difícil – e, com todo o estresse do debate, ela não esquentou a cabeça”, diz. “A presidenta sabe que a vida com bom humor é muito melhor.” Cabral também imita o ex-presidente Lula. Já o fez para o próprio, que adorou, e para Dilma, que repetiu o “Danado!”. Ele imita a presidente também – como já fez para Lula –, mas ainda não se atreveu a exibir-se para a própria. “Isso eu não faria”, diz. “No momento, estou me esmerando no Henrique Meirelles.”
“Leão da Montanha” – aquele personagem do estúdio americano Hanna-Barbera, do bordão “Saída pela esquerda...” – é o vice-governador do Rio, Luiz Carlos Pezão. A presidente passou a chamá-lo assim, nos momentos apropriados, durante a tragédia da Serra Fluminense, no começo de seu governo. Os dois encontraram-se lá, no meio do drama. Ela admirou seu desempenho – e foi buscar na memória o desenho animado dos velhos tempos. No primeiro dia em que estiveram na região da tragédia, a presidente observou que Pezão – de 1,90 metro de altura e pés 48 – era o único dos homens a usar sapatos, enlameados, e não galocha, calçado mais apropriado para o lamaçal. “Não achei bota do meu número”, disse Pezão, quando a presidente perguntou. “No dia seguinte a minha galocha chegou”, diz ele. “Ela mandou a Petrobras providenciar.”
Antes que a montanha desabasse, Dilma Rousseff chamava Pezão de Pezãozinho. Como o vice-governador é também o secretário de Obras, os dois se aproximaram desde os tempos do PAC, quando a presidente ainda era ministra da Casa Civil. “Ela é muito agradável, bota apelido em todo mundo e está sempre com bom humor”, diz Pezão. Com o exagero, proposital, ele preparou o terreno para a verdade: “Primeiro, ela chama no apelido, mas depois vem o caderninho, que é terrível. Esse caderno é uma loucura. Deve ter tudo do governo Lula, além do governo dela. É com ele que ela faz as cobranças”. Como é o tal caderno? “É de arame. Era um pequeno. Agora é um grosso. Tem tudo ali, além de uma cabeça extraordinária. Você não enrola ela de jeito nenhum. Ela me cobra direto o teleférico do Alemão. É louca para andar no teleférico.” Divertido, Pezão imita a cobrança da presidente: “Pezãozinho, como é que está o teleférico? Tem um ano de atraso”. Ele se explica e, em seguida, ouve: “Conversa, Pezãozinho, você é o rei das desculpas”.
“Não me venha de borzeguins ao leito” 
DILMA ROUSSEFF, numa tirada erudita 
em meio a uma discussão sobre tarifas de energia elétrica. A expressão equivale a dizer: “Não me venha com conversa fiada”
Um dia desses o senador Delcídio Amaral (PT-MS) prometeu à presidente que falaria com o engenheiro Flávio Decat, seu amigo, hoje presidente de Furnas. Diria a ele que ela queria falar-lhe – mas não ligou, e muito menos transmitiu o recado. Dilma telefonou, Delcídio atendeu: “Delcídio, The Turtle”, ela disse, algo irritada. “Agora não precisa mais, eu já falei com ele.” Eles se conhecem desde que Delcídio era diretor da Petrobras e Dilma Rousseff secretária do prefeito Alceu Colares, em Porto Alegre. No dia 8 de fevereiro, aniversário de Delcídio, a presidente ligou. “Ô, Santinho, tô te ligando pra dar os parabéns. Sei que você está fazendo 56 anos. Recebi umas pessoas que perguntaram por você, com muito carinho. Mas não vou te dizer quem foi, senão você vai ficar muito mascarado.” Versão do senador.
Marcos Ramos, Simone Marinho/Ag. O Globo e Ailton de Freitas
MEIGUICE
O vice-governador do Rio, Luiz Carlos Pezão (à esq.), é o Leão da Montanha. O governador Cabral (no alto), que faz Dilma rir, é chamado de Danado. E o senador Delcídio Amaral, que demorou para atender a um pedido, virou The Turtle
Ele defendeu o governo, na tribuna do Senado, quando um apagão atingiu oito Estados do Nordeste, no começo de fevereiro. Ela ligou: “Ô, Santinho, você acreditou mesmo em tudo aquilo que você falou?”. Amaral respondeu: “Eu sei o que aconteceu, Dilma, mas eu não vou dizer que teve barbeiragem, né?”. E disse: “Ela sabia que tinha barbeiragem, e que eu, ao defender o governo, estava escondendo o jogo”. Delcídio acha que a presidente é bem-humorada, “mas de um humor sutil, intelectual, elegante. Ela é sarcástica, elaborada, saca ligeiro. Brinca, mas com elegância. Não dá para comparar com o Lula, que fala palavrão direto”. “Sabe o que deixa ela feliz?”, pergunta Delcídio. E responde: “É dizer que ela está magra. ‘Ô, Dilma, tá numa elegância danada!’ Ela fica doida!”.
Como presa política, no começo dos anos 70, a hoje presidente era boa de humor negro na resistência às agruras. Ela contou, numa entrevista, que, quando alguma presa era retirada da cela para outra sessão de tortura, todas reagiam com uma espécie de grito de guerra: “Não liga não, se você for torturada, a gente denuncia”. E comentou: “A gente ria disso, pela ironia absoluta que é. O que é que adianta denunciar? Para o torturado, o que é que adianta? A gente estava rindo da tortura. Estava tentando controlar uma situação que é absolutamente fora do controle”.
A advogada Maria Regina Barnasque, funcionária do memorial da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, trabalhou com Dilma Rousseff nos idos em que ela jogava vôlei (sim!). Assessorou a hoje presidente no governo Olívio Dutra e foi com ela para Brasília no primeiro governo de transição do presidente Lula. Foi para ela, a quem apelidou de Buluga, que Dilma contou ter sido indicada ministra de Minas e Energia. Uma vez, quando a turma do vôlei tomava um chopinho depois da partida, Buluga e uma colega foram ao toalete. Na saída, a colega levou uma cantada:
– Oi, gatinha.
– Eu não sou gatinha.
– Oi, gatona.
– Eu não sou gatona.
– O que você é, então?
– Eu sou um ser humano.
De volta à mesa, Buluga contou o diálogo a Dilma Rousseff. Ela respondeu: “O pior, Buluga, é se ele dissesse ‘Oi, ser humano’. E ela respondesse: ‘Eu não sou um ser humano, eu sou uma gatinha’”.
“É um humor politicamente incorreto”, diz a jornalista Jandira César, outra amiga daqueles tempos.
Borzeguins são botas altas, com cadarços. Machado de Assis usou a palavra mais de uma vez. Carlos Drummond de Andrade também. E Tom Jobim idem. A banda mineira de rock Os Baratas Tontas usou “borzeguins ao leito” como título de uma música que fala da fissura de um cara por uma garota de tênis preto amarrado na canela. “Não me venha de borzeguins ao leito” equivale, em muitas possíveis interpretações, a “não me venha com conversa fiada”. Ou, numa versão mais largada, a “não esculhambe a guerra com baladeira”. Quem ouviu a frase da presidente Dilma, numa discussão sobre tarifas de energia elétrica, foi o engenheiro Maurício Tomalsquim, presidente da Empresa de Pesquisa de Energia. Tomalsquim é daqueles com quem a ministra Dilma já gritou mais de uma vez. “É o jeito dela”, ele disse certa vez, feliz da vida.
“Seu próximo destino será em Burkina Faso” 
DILMA ROUSSEFF, para o 
diplomata Renato Mosca, quando algo não lhe agrada no cerimonial da Presidência 
Com os que a servem diretamente, no dia a dia do Planalto, prevalece um clima de reverência, de cuidados para evitar que ela se aborreça, e, em alguns casos, de temor de levar a ela assuntos que possam ser considerados desagradáveis. Mas há momentos divertidos também. Um deles é a reação da presidente quando alguma coisa do cerimonial não é de seu agrado. O chefe é o conselheiro do Itamaraty, Renato Mosca. “Se prepare que seu próximo destino será em Burkina Faso”, ameaça jocosamente a presidente da República.

Do Pantanal para Campinas



18/06/2011 - 16:05 - ATUALIZADO EM 18/06/201

ANDREI MEIRELLES E MARIANA SANCHES
No escândalo que abala a maior cidade do interior de São Paulo, os investigadores descobriram indícios de que o esquema de fraudes com contratos de publicidade voltou a se repetir

Dominique Torquato/AAN, Leandro Ferreira/AAN/AE e Dalmo Curcio/Folhapress
ELO 
O publicitário Dudu Godoy (à esq.) tem contratos com a prefeitura de Campinas, comandada por Dr. Hélio (no alto), e estava no governo de Zeca do PT (acima) em Mato Grosso do Sul quando houve desvios na área de comunicação

O escândalo do mensalão em 2005 mostrou como os contratos públicos de publicidade viraram um dos canais preferidos dos políticos para superfaturar serviços, desviar dinheiro para campanhas eleitorais e, no meio do caminho, também enriquecer alguns espertalhões. O lobista mineiro Marcos Valério, operador do mensalão, tornou-se o símbolo da corrupção nessa área. O valerioduto, pelo qual as verbas de publicidade oficial eram drenadas para a compra de apoios políticos e caixa dois de campanhas, foi primeiro implantado por ele em Minas Gerais, durante um governo do PSDB, e depois foi reproduzido em escala federal pelo PT.
Valério pode ser considerado uma espécie de massificador da tecnologia de corrupção nos contratos publicitários, mas não foi propriamente um inovador. Antes que seu valerioduto fosse replicado e ampliado pelos petistas, fraudes semelhantes eram cometidas em outros Estados. O desmantelamento da quadrilha do mensalão, há mais de cinco anos, também parece não ter inibido a proliferação de tais esquemas em vários níveis da administração pública.
Há quase um mês, o Ministério Público (MP) de São Paulo desbaratou em Campinas, uma das mais ricas cidades do interior paulista, uma rede de corrupção na administração municipal. Um dos principais focos das fraudes eram as licitações feitas pela Sanasa, a empresa pública de saneamento da cidade. Segundo o MP, Rosely Nassim Jorge Santos, mulher do prefeito Dr. Hélio (PDT), no cargo há dois mandatos, alguns secretários municipais e o vice-prefeito, Demétrio Vilagra (PT), definiam as empresas que venciam as licitações e cobravam uma porcentagem sobre o dinheiro que a Sanasa pagava pelos serviços prestados. O total desviado chega a R$ 615 milhões. Há indícios de que o esquema tenha enriquecido ilicitamente os envolvidos e abastecido o caixa dois de campanhas políticas.
O PT foi um dos grandes fiadores da eleição de Dr. Hélio em Campinas e compõe o governo desde seu primeiro mandato, iniciado em 2005. Tão logo os resultados da investigação do Ministério Público tornaram-se públicos, o ex-ministro José Dirceu, descrito como chefe de organização criminosa no processo do mensalão que será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), correu a Campinas na tentativa de avaliar os estragos e reduzir os danos. “Lula e José Dirceu são solidários comigo”, disse Dr. Hélio, numa entrevista publicada na semana passada. O nome de Lula já havia sido citado em meio ao escândalo campineiro por causa do pedido de prisão feito pelo MP contra o empresário e pecuarista José Carlos Bumlai, amigo próximo dele. Uma testemunha ouvida pelos promotores afirmou ter participado de uma conversa em que os envolvidos na corrupção diziam que Bumlai também faria parte do esquema de pagamento de propina das obras da Sanasa. Ao ser ouvido pelo MP, Bumlai negou as acusações.
Além dos movimentos de Dirceu e das referências ao ex-presidente Lula, outros elementos apontam para as implicações nacionais do esquema de Campinas. Os promotores do Ministério Público encontraram vários indícios de que as fraudes na prefeitura campineira reproduziram o uso de uma tecnologia de desvios que já havia sido aplicada em outras sadministrações comandadas pelo PT e seus aliados. Há uma quantidade nada desprezível de ligações entre os envolvidos no esquema de Campinas com o Estado de Mato Grosso do Sul. Dr. Hélio, seu vice, Vilagra, o ex-diretor da Sanasa Luiz Aquino, delator do esquema, são todos originários de lá. Uma das ligações que mais despertaram a curiosidade dos investigadores foi a coincidência de vários personagens que têm contratos com a prefeitura de Campinas e, no passado, envolveram-se em desvios de verbas publicitárias do governo de Mato Grosso do Sul, durante os dois mandatos, entre 1999 e 2002 e entre 2007 e 2010, em que o Estado foi comandado por Zeca do PT.
Um dos focos das atenções dos investigadores é o publicitário Dudu Godoy. Uma de suas agências, a PG Comunicação, detém o contrato de publicidade da Sanasa, o centro do escândalo em Campinas. Outra de suas agências, a Quê Comunicação, trabalha para a Petrobras, onde o homem forte da área de propaganda é o sindicalista campineiro Wilson Santarosa, homem do grupo político de José Dirceu no PT. O nome de Godoy apareceu, pela primeira vez, na investigação do MP porque a sala de seu escritório foi usada por envolvidos no esquema de fraudes para partilhar propinas. Ele confirma o uso da sala, mas nega ter tido conhecimento do teor da reunião. “Cedi a sala porque se tratava de um cliente. Um cliente não precisa se explicar para pedir uma sala para fazer um reunião”, disse Godoy a ÉPOCA.
Alan Marques e arq. Correio do Estado
O QUE PREOCUPA O PT? José Dirceu (acima) correu até Campinas, quando o escândalo estourou. O nome de Bumlai (ao lado), amigo de Lula, foi citado numa conversa como um participante do esquema
Em 1999, Godoy, depois de ter integrado no ano anterior o núcleo de marketing da campanha presidencial de Lula, foi escolhido pelo comando nacional do PT para chefiar a Secretaria de Comunicação do recém-eleito governador José Orcírio dos Santos, o Zeca do PT, em Mato Grosso do Sul. Além de Godoy, o hoje casal ministerial Paulo Bernardo Silva e Gleisi Hoffmann também foi apadrinhado pela cúpula partidária e se mudou do Paraná para Mato Grosso do Sul para ocupar cargos de relevância na nova administração petista. Paulo Bernardo foi nomeado para cuidar das finanças do Estado na Secretaria da Fazenda. Nomeada para a chefia de uma secretaria especial, Gleisi foi encarregada de promover um ajuste com cortes de despesas e da folha salarial.
O trio de forasteiros compôs com o secretário de Governo, Vander Loubet – homem de confiança e sobrinho de Zeca do PT –, o núcleo mais influente da administração sul-mato-grossense. Uma das primeiras ações dessa turma foi a contratação de cinco empresas para cuidar da publicidade do governo. Os problemas começaram logo na concorrência. Segundo o Ministério Público Federal, uma norma básica das licitações foi descumprida: não houve parecer jurídico para respaldar a assinatura dos contratos. De acordo com cinco inquéritos que tramitam no STF, esses contratos serviram para alimentar um esquema de corrupção. Funcionava assim: as agências de publicidade apresentavam orçamentos falsos para serviços que não seriam prestados. Depois, notas fiscais frias eram apresentadas para a cobrança deles.
Em 22 volumes, com milhares de páginas de documentos apreendidos, movimentação bancária e registro fiscal dos envolvidos, os inquéritos no Supremo mostram que o esquema vigorou nos dois mandatos de Zeca do PT. Os investigadores estimam que, só entre 2007 e 2010, mais de R$ 30 milhões foram desviados. Por causa dessa farra na publicidade, o ex-governador Zeca do PT responde a uma Ação Civil Pública na Justiça de Mato Grosso do Sul. Nos inquéritos que estão no Supremo, o principal acusado é o hoje deputado federal Vander Loubet (PT-MS). Foi na Secretaria de Governo, chefiada por Loubet, que, em 1999, teria nascido o esquema. Por decisão judicial, foram quebrados seus sigilos bancário e fiscal.
Desvios no governo de Zeca do PT somaram R$ 30 milhões em seu segundo mandato, entre 2007 e 2010
Durante as investigações, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu ao Supremo uma série de diligências a ser feitas pela Polícia Federal. Em novembro de 2009, o relator do caso no Supremo, ministro Marco Aurélio Mello, determinou à PF que cumprisse as diligências e tomasse depoimentos de cerca de 20 pessoas – entre elas, o atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e o publicitário Dudu Godoy. Um ano depois, a PF ainda não cumprira a missão, apesar de o ministro Marco Aurélio ter reiterado as ordens. Irritado com a lentidão, Marco Aurélio encaminhou ofício ao presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, pedindo providências. Peluso deu um despacho em que exige que a Polícia Federal “cumpra as diligências com a máxima urgência”. O ofício também foi enviado pelo Supremo à Corregedoria-Geral da PF para apurar as razões do atraso. Procurado por ÉPOCA, o ministro Paulo Bernardo não quis falar sobre o assunto.
Um dos inquéritos que correm no Supremo relaciona-se à contratação pelo governo de Zeca do PT da empresa Núcleo de Desenvolvimento Estratégico e Comunicação Ltda., conhecida como NDEC. A NDEC é acusada de abastecer o propinoduto petista com o dinheiro recebido num contrato com o governo estadual que sofreu nada menos que 12 reajustes de preço. A NDEC é uma produtora de vídeo, com sede em Campo Grande, que fez o s caminho inverso ao percorrido por Dudu Godoy e o casal Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann. Eles saíram de Mato Grosso do Sul e se expandiram pelo Brasil, quase sempre se valendo de seus bons contatos no PT. Depois do contrato com o governo de Mato Grosso do Sul, a NDEC entrou nos mercados de São Paulo e do Paraná. Participou da campanha da petista Marta Suplicy para a prefeitura de São Paulo, em 2000. Depois da vitória de Marta, a NDEC obteve um contrato para operar a TV São Paulo, a emissora da Câmara Municipal paulistana. Segundo uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, o endereço da NDEC registrado no contrato com a Câmara de Vereadores era o mesmo de uma empresa-fantasma investigada no escândalo sobre a máfia do lixo em São Paulo.
Em 2004, os donos da NDEC, Giovani Favieri e Armando Peralta, foram os responsáveis pela área de comunicação na campanha eleitoral de 2004 em que Dr. Hélio conquistou, pela primeira vez, a prefeitura de Campinas. Envolveram-se em várias transações suspeitas. A primeira ocorreu na prestação de contas da campanha. A NDEC foi usada para pagar os serviços do publicitário João Santana, que se tornaria o marqueteiro oficial do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff. A operação chamou a atenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ligado ao Ministério da Fazenda. Segundo o Coaf, o movimento na conta bancária na empresa de Peralta e Favieri foi incompatível com sua capacidade econômico-financeira. Passaram por ali depósitos no valor de R$ 4,5 milhões, 77% desse dinheiro sacado em espécie na boca do caixa. A Polícia Federal abriu uma investigação para apurar as diferenças de valores entre os pagamentos que a NDEC diz ter feito à empresa de João Santana e os valores que a empresa de Santana declarou ter recebido à Receita Federal.

João Santana, marqueteiro de Lula, foi pago por empresa envolvida nas fraudes em Mato Grosso do Sul

Ayrton Vignola
TESTEMUNHA
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, era secretário em Mato Grosso do Sul por ocasião das fraudes e vai ser ouvido nas investigações
De acordo com um dirigente nacional do PT, os sócios da NDEC, Favieri e Peralta, foram encarregados de arrecadar recursos para financiar a campanha de Dr. Hélio no segundo turno da eleição em Campinas. Segundo essa versão, a dupla procurava empresários em busca de doações que teriam sido previamente acertadas por José Dirceu, então ministro da Casa Civil, e pelo pecuarista Bumlai, o amigo de Lula. Em 2005, Peralta e Favieri se envolveram em outro escândalo. De acordo com promotores públicos de Mauá, São Paulo, o deputado federal José Mentor (PT-SP) e outros petistas teriam cobrado propina de um grupo empresarial interessado em construir um shopping center na cidade. Para dar ares de legalidade, teriam sido emitidas notas fiscais frias em nome da empresa Flash Comunicações Ltda., também de Mato Grosso do Sul. Segundo escreveram os promotores na denúncia, a Flash pertencia a Peralta e Favieri, mas foi registrada em nome de laranjas. No recente escândalo em Campinas, o nome de Favieri, por enquanto, apareceu apenas indiretamente. Ele é primo de Ricardo Cândia, ex-prefeito de Corumbá, Mato Grosso do Sul, preso agora pela polícia quando exercia o cargo de diretor de Planejamento e Urbanismo de Campinas.
A investigação dos promotores em Campinas vai se concentrar agora em esclarecer a relação dos contratos de publicidade da prefeitura com possíveis desvios de verbas públicas e as fraudes já constatadas em Mato Grosso do Sul.



    Para quem é a Copa?



    Governo assume praticamente todos os custos para realizar a competição e, enquanto empresários e construtoras têm acesso a generosos recursos públicos, áreas como saúde, educação e moradia seguem carentes de investimentos


    Daniel Santini e Gisele Brito



    Itaquera, zona leste de São Paulo. Vera Lúcia Márcila tem 54 anos e uma tosse que não passa. Ela caminha de um lado para o outro cobrindo a boca com um lenço e tossindo enquanto espera por mais de 1 hora só para conseguir se cadastrar na unidade de Assistência Médica Ambulatorial (Ama). Depois, ainda terá que aguardar para ser atendida. Não dá nem para sentar, todas as 40 cadeiras disponíveis na sala de espera estão ocupadas. “Muitos desistem, né? Mas vou ficar aqui até conseguir”, diz, resignada. “Às vezes, a gente chega para a consulta e o médico nem olha para a nossa cara, só pergunta o que a gente tem e já vai logo passando o remédio.”


    Não são poucos os problemas do bairro. A um quarteirão do ambulatório, uma pracinha com brinquedos enferrujados e mato a uma altura de 40 centímetros resume o estado de abandono da região e a falta de atenção do poder público. E é em Itaquera que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve investir nos próximos anos pelo menos R$ 400 milhões, dinheirama que deve vir acompanhada por pelo menos R$ 420 milhões em incentivos fiscais, segundo proposta do prefeito Gilberto Kassab. Leia-se: impostos, que poderiam ser revertidos em melhorias para a cidade, deixarão de ser arrecadados. Ou seja,  os milhões reservados não serão para contratar mais médicos ou ajudar a situação de moradores como Vera Lúcia. O investimento total de verbas públicas, que pode passar de R$ 1 bilhão, será todo para a construção do Fielzão, como é chamado o estádio do Corinthians, um clube privado.


    A situação é emblemática e ajuda a entender a preparação para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Os investimentos públicos reservados para a realização do evento devem passar de R$ 23 bilhões – mais do que o dobro do que o Governo Federal gastou com todos os programas de assistência social do País no ano passado.


    Tal aporte será concentrado nas principais capitais. Regiões que precisam de verbas não receberão um tostão. Não passou de ilusão o discurso de que a iniciativa privada bancaria a competição, repetido reiteradas vezes por Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em 2006. A previsão de investimentos privados é de 1,4% do total.






    Para justificar o encaminhamento de bilhões dos cofres federais, estaduais e municipais, na maior parte na forma de empréstimos e financiamentos de bancos públicos, para a organização de um evento privado, os envolvidos insistem que a competição atrairá investimentos diretos e indiretos, e será importante para a melhoria de infraestrutura urbana. Quem acompanha as finanças de competições, porém, entende que não é assim que a preparação tem sido conduzida. “A construção de um legado só tem sentido se o planejamento for adequado às cidades. É preciso aproveitar o evento para melhorar a cidade e não adaptar as cidades para melhorar o evento, que é o que está acontecendo”, diz Erich Beting, diretor da revista especializada em marketing esportivo “Máquina do Esporte” e professor da Trevisan Escola de Negócios. “É o mesmo que aconteceu na África do Sul (Copa do Mundo de 2010), em Atenas (Olimpíada de 2004) e em Sidney (Olimpíada de 2000). Usaram o discurso do legado para trazer o evento, mas, na prática, não souberam aproveitar”, afirma, apontando Barcelona (Olimpíada de 1992) como um bom exemplo de planejamento. “A prefeitura pensou do início ao fim o evento como um projeto para melhorar a cidade. Não adianta pensar em soluções apenas para a Copa, mas sim em soluções permanentes”, ressalta o especialista.


    Os problemas não se resumem à falta de critérios na liberação de investimentos. Em alguns casos, em vez de ajudar a melhorar as condições de vida da população, tais verbas estão causando problemas. Segundo o dossiê apresentado pela Relatoria Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à Moradia, as obras da Copa do Mundo têm em muitos casos resultado na expulsão de moradores pobres.


    Além da moradia, em poucas áreas a falta de planejamento e o improviso com que tanto dinheiro tem sido liberado é tão evidente quanto na de mobilidade urbana. O Tribunal de Contas da União (TCU), órgão responsável pela fiscalização dos recursos públicos, chamou a atenção para o problema em um relatório recente assinado pelo ministro Aroldo Cedraz.


    Ele destaca no texto a “precariedade do planejamento dos municípios e da deficiência da integração dos planos das cidades com os das regiões onde influem”, lamenta a falta de dados para determinar as necessidades no setor e conclui que fica “patente que as intervenções federais estão sendo aprovadas sem delineamento preciso da situação existente no País”. Trata-se de uma “situação ainda mais preocupante quando se considera a já mencionada alta
    materialidade dos investimentos realizados, que cresceram vertiginosamente, a partir de 2010, em decorrência das contratações relativas à Copa do Mundo de 2014, aos Jogos Olímpicos de 2016 e ao PAC 2 – Mobilidade Grandes Cidades”.




    Em vez de reforçar a fiscalização e o cuidado na liberação de tantos recursos como defende o TCU, os governantes têm aberto os cofres e procurado flexibilizar ou eliminar a necessidade de licenças e processos licitatórios, mecanismos criados para diminuir as chances de desvios e corrupção.


    A possibilidade de estádios, aeroportos e as demais adaptações de infraestrutura não serem concluídas a tempo é um argumento comumente utilizado para atropelos. “Existem tentativas de flexibilização das legislações urbanísticas, ambiental e de todas as regras do direito administrativo. As obras continuam atrasadas, o tempo passa e a pressão aumenta. Falam agora inclusive em eliminar licitações. Em todas as cidades-sedes isso está acontecendo”, diz Juliana Leite, do Observatório de Políticas Públicas. Ela cita o exemplo de Curitiba, no Paraná, para exemplificar como tal flexibilização se dá. “A prefeitura vai ceder R$ 90 milhões em um mecanismo chamado ‘potencial construtivo’ para viabilizar as obras da Arena da Baixada. Este é um mecanismo criado para viabilizar reformas urbanas, obras que tem a ver com melhorar a democratização do acesso à cidade. Não é o caso. E isso acontece sem licitação ou concorrência”, afirma.


    Frente ao descontrole na liberação de recursos públicos movimentos sociais de todo País começam a se articular para cobrar mais transparência. Organizações como o próprio Observatório de Políticas Públicas têm unido esforços para pressionar as autoridades. “A questão é grave, estamos falando do aporte bilionário de recursos públicos. Serão construídos estádios que se tornarão verdadeiros elefantes brancos. Cidades como Manaus ou Natal não tem nem times na Série A do Campeonato Brasileiro, por que precisam de estádios tão grandes?”, questiona Joviano Mayer, que, de Minas Gerais, integra o recém-criado Comitê Popular dos Atingidos pela Copa. “O pobre vai poder ir no estádio? Não, porque os ingressos são caríssimos. Os mais baratos, dos amistosos, são R$ 50. Não faz sentido. Se é dinheiro público, por que não investir em escolas ou hospitais?”, completa. “Com marketing estão tentando maquiar o que está acontecendo. Na realidade, há diversas comunidades pobres sendo removidas por obras da Copa e diversas violações de direitos humanos. Moradores de rua têm sofrido agressões para deixarem as regiões centrais e ambulantes e trabalhadores informais são perseguidos”, conclui Mayer.


    Em Itaquera, pertinho do futuro estádio do Corinthians, famílias que vivem na Favela da Paz aguardam apreensivas. A Secretaria Municipal de Habitação tem planos de desapropriar 300 imóveis em um processo de reurbanização e os moradores devem ser despejados. “Já participamos de reuniões e ninguém diz qual será o nosso destino. Até o presidente do Corinthians Andrés Sanchez veio dizer que o estádio vai dar alegria para uns e tristeza para outros e que o compromisso dele é com a construção do estádio e que nosso destino é de responsabilidade da Prefeitura”, conta o Eduardo da Silva, de 43 anos, morador da comunidade há 12 anos.

    A favela Dilma



    Comunidade composta por 35 barracos na beira de uma estrada do Rio de Janeiro adota o nome da presidente para chamar a atenção do Estado e sair da miséria em que se encontra

    Michel Alecrim





    CAMPANHA

    O sobrenome complicado de Dilma não foi empecilho

    para os moradores divulgarem a nova favela



    Foi tudo muito democrático. E estrategicamente planejado. Depois de sete anos de abandono completo do Estado, os moradores de uma favela em formação às margens da antiga Rio-São Paulo, a BR-465, em Campo Grande, na zona oeste do Rio, decidiram que apenas uma jogada de marketing ousada seria capaz de lançar luz sobre suas mazelas e atrair alguma atenção do poder público. Vagner Gonzaga dos Santos, 33 anos, que acumula as funções de pedreiro, pastor e representante da comunidade, assumiu a liderança no processo criativo da ideia. Passou semanas pensativo, andando meio avoado pelas ruelas de barro que abrigam os dois bares, os 35 barracos e a única igreja responsável por cuidar do rebanho de 150 almas que vivem ali. Até que há um mês decidiu. Reuniu todo mundo e vaticinou: a única maneira de chamar a atenção dos políticos era batizar a favela com o nome de um deles. Vagner pensa grande e propôs logo de cara que a comunidade ganhasse o nome da presidente da República. Não encontrou objeções e, desde então, o Rio de Janeiro ganhou a favela Dilma Rousseff.





    LÍDER

    O pastor Vagner desenvolveu a ação que culminou com a escolha do nome da presidente





    Como toda boa ação de marketing, passou-se à fase de divulgação. Logo alguém teve a ideia de colocar uma placa com o novo nome da comunidade às margens da rodovia, sempre muito movimentada. E lá tascaram Comunidade Dilma Rusself, sem muitas preocupações com a exatidão da grafia do sobrenome da presidente. Houve protestos a respeito do erro, mas a conclusão consensual era de que não havia por que fazer correções; afinal, o recado estava dado. “Foi uma homenagem”, diz Vagner, um pouco antes de revelar o real objetivo da tal homenagem. “Queremos benefícios como energia elétrica e esgoto, ninguém nos atende.Precisamos chamar a atenção.”



    A prática de batizar conglomerados miseráveis com nomes de autoridades já rendeu histórias de sucesso. Taguatinga é um desses casos. A origem da cidade foi uma invasão ilegal de terras na margem direita da BR 251 que se intitulou Assentamento Sarah Kubitschek para evitar o desalojamento, na época da construção de Brasília. A ideia de desencorajar a repressão da polícia deu tão certo que os inavasores receberam mil lotes, fossas e rede de água. Em 1958, o acampamento virou Taguatinga, a primeira cidade satélite de uma capital que só seria inaugurada dois anos depois.



    Na Rusself, o nome é a única coisa que distingue aquele amontoado de barracos de outros pequenos bolsões de miséria espalhados pelas grandes cidades brasileiras. Ali, quase todos estão desempregados e vivem de fazer bicos. O mais rentável deles é vender toda a sorte de guloseimas e bebidas aos motoristas que invariavelmente ficam presos nos constantes engarrafamentos da 465. Em dias de trânsito pesado, conseguem lucrar até R$ 30. Serviço de esgoto ou abastecimento de água, não existe. E a luz elétrica que abastece a Dilma Rusself é captada por meio dos gatos, as ligações clandestinas junto à rede pública de eletricidade. Na placa que briga com a ortografia do nome da presidente, há um número de CEP pintado, mas ninguém sabe muito bem para quê, já que carteiros nunca foram vistos por ali.





    ESPERANÇA

    Beraldo (acima) vive de vender salgadinhos na beira da estrada e, assim como

    Moiséis, um recém-chegado, acredita que o novo nome vai mudar a vida na favela







    Tudo começou com uma mulher: Sônia Mattos, 56 anos, conhecida como Baiana. Ela foi a primeira a erguer um frágil barraco. Logo, levou os dois filhos. A desbravadora tem, hoje, um bar que serve almoços e lanches, com duas empregadas. “Fiquei viúva e criei meus filhos sozinha. Fui pai e mãe. A Dilma está mostrando que é mulher guerreira como eu”, diz Baiana, que é, de fato, carioca. Há uns seis anos apareceu Vagner, que logo construiu uma igreja. E com ele novos moradores foram surgindo.



    Grande parte dos moradores tem como maior fonte de renda o Bolsa Família. O benefício social do governo garante R$ 134 mensais ao vendedor ambulante Leandro Silva Fernandes, 26 anos, casado com Debora, 19 anos. Apesar de tão jovens, já têm quatro filhos para sustentar. “O Bolsa dá para comprar comida”, conforma-se. O camelô Moiséis Ângelo de Oliveira, 35 anos, não tinha dinheiro para pagar aluguel, cada vez mais caro no Rio. Tentou uma oportunidade no projeto Minha Casa Minha Vida, do governo federal, mas não conseguiu ser contemplado. Vive de vender doces na estrada. “Gostei do governo Lula, mas acho que o da Dilma será melhor.” Ele não é o único a ter esperanças na gestão da primeira mulher presidente do Brasil. Quase todos os moradores do local votaram na candidata do PT na eleição passada, como Beraldo da Silva, 25 anos, que ganha a vida vendendo salgadinhos na estrada.





    APOIO

    Leandro, a mulher e os quatro filhos (acima) sobrevivem com o Bolsa Família e votaram em Dilma nas

    últimas eleições, enquanto Maria Senita desembolsou R$ 1 mil para comprar um barraco na Rusself







    O tamanho dos problemas da pequena Dilma Rusself mostra a dimensão do desafio de erradicar a miséria em todo o País. O IBGE, que classifica as favelas como “aglomerados subnormais”, não inclui nesse grupo as que têm menos de 51 domicílios. Rusself, portanto, não existe oficialmente.













    Caserna em liquidação



    Exército decide vender, sem licitação, a folha de pagamentos da tropa e arrecada menos

    Claudio Dantas Sequeira







    DESIGUAL

    Com menos de 10% do efetivo do Exército, Câmara

    conseguiu arrecadar mais pelo mesmo negócio



    A situação de aperto que ronda a caserna é conhecida de todos. Já as soluções para resolver o problema são negociadas a portas fechadas, nos gabinetes dos generais e bem longe dos olhos da sociedade. Um exemplo foi a decisão do Exército de terceirizar sua folha de pagamento, um negócio milionário. Só que em vez de fazer licitação, como outros órgãos da União, governos estaduais e prefeituras, o Exército optou pelo credenciamento. Ou seja, não houve concorrência entre as empresas e o Exército decidiu, sem divulgar os critérios de seleção, quem poderia ou não “comprar” a folha de pagamento por um preço preestabelecido. Na terça-feira 21, nove instituições bancárias, inclusive os estatais Banco do Brasil e Caixa Econômica, assinarão os contratos de parceria durante solenidade no Quartel-General em Brasília.



    “O credenciamento é passível de críticas. O gestor, seja ele civil ou militar, deve se pautar pelo princípio da economicidade e buscar resultados positivos para a administração”, afirma o procurador-geral do TCU, Lucas Furtado, contestando o procedimento. Ele explica que, normalmente, é feito leilão para que o órgão obtenha o maior valor possível na venda da folha salarial. No edital do Exército, estipulou-se arbitrariamente o valor de R$ 15,98 a ser pago pelos bancos por conta de militar. Isso deve gerar uma renda mensal de R$ 3,5 milhões, considerando só os 220 mil beneficiários ativos. Por ano, são R$ 42 milhões. A soma é muito modesta, quando se compara a transação efetuada pelo Exército com contratos firmados por outras áreas. A Câmara dos De­putados, por exemplo, conseguiu R$ 44 milhões por ano por apenas 16 mil funcionários. Ou seja, o Exército com um efetivo 13 vezes maior receberá menos do que a Casa Legislativa.



    A prática escolhida pelo Exército não representa ilegalidade. Mas diferenças assim, na opinião de Furtado, são fruto da falta de regulamentação. “Por movimentar quantias elevadíssimas, a venda da folha de pagamento deve ser regulamentada para evitar desvios e fraudes”, afirma o procurador. E também evitar barbadas de ocasião e bondosas liquidações, como parece ser o caso da caserna.













    Atentado contra a história



    Levantando suspeitas não comprovadas de que o Brasil teria cometido erros no passado, os ex-presidentes e hoje senadores José Sarney e Fernando Collor de Mello agridem a democracia e tentam impedir que os brasileiros conheçam o próprio passado

    Lúcio Vaz e Claudio Dantas Sequeira







    FRENTE

    Collor e Sarney lideram o movimento para manter

    alguns documentos sob segredo eternamente



    O Brasil está andando na contramão da história. Por sugestão dos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor de Mello (PTB-AL), a presidente Dilma Rousseff decidiu rever o projeto de lei de acesso a informações públicas, admitindo a tese obscurantista de que alguns fatos e documentos merecem sigilo eterno. A atitude agride um princípio capaz de qualificar as democracias. A história de um país é de interesse público e deve ser tratada da forma mais transparente possível, pois pertence a todos os cidadãos. É inaceitável que apenas um determinado grupo de plantão no poder tenha acesso às informações sobre o passado de sua nação. Muito menos que esse grupo decida qual documento deve ou não ser divulgado. Em todo o País historiadores se declararam perplexos com a posição do governo. “É um imenso retrocesso”, afirma José Murilo de Carvalho, membro da Academia Brasileira de Letras. A mudança do projeto de lei evoca um tempo de sombras. No mundo atual, é cada vez maior a pressão para trazer a público o que os governantes tentam esconder. Um bom exemplo veio recentemente dos Estados Unidos, que divulgaram 40 volumes de arquivos secretos da guerra do Vietnã. Quatro décadas atrás, o governo americano processava jornais que vazavam esses documentos.



    Os ex-presidentes Collor e Sarney argumentam que a divulgação de informações sigilosas teria impacto prejudicial à diplomacia brasileira, aos serviços de inteligência e à segurança nacional. Fatos históricos sobre a Guerra do Paraguai e a tomada do Estado do Acre foram apresentados como justificativa. Na quinta-feira 16, Collor divulgou uma lista com as mudanças que pretende impor ao projeto que chegou da Câmara. O texto original estabelece o prazo de 25 anos para a manutenção do sigilo de informações ultrassecretas, com a possibilidade de apenas uma prorrogação. Assim, após 50 anos, no máximo, todo e qualquer documento público estaria disponível aos interessados. A regra atual, definida no fim do governo Fernando Henrique, estabelece um prazo de 30 anos, renovável indefinidamente, para os documentos ultrassecretos.



    A ideia de Collor é semelhante. Estabelece a renovação contínua para o prazo de 25 anos previstos no texto do projeto de lei da Câmara. Essa iniciativa fez com que toda a discussão sobre a abertura de arquivos, inclusive os da ditadura, voltasse à estaca zero. E o pior é que a medida teve o apoio imediato do governo, que até então defendia o contrário. Depois do impacto negativo, a nova ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, tentou reparar o erro, afirmando que a lei em discussão no Senado não valeria para os documentos da ditadura. Mas, havendo o sigilo eterno, será difícil convencer o Exército a tornar públicos os crimes cometidos em nome do regime militar.





    EXEMPLO

    Sarney chegou a retirar o impeachment de Collor

    da exposição sobre a história do Senado



    Questionado por ISTOÉ, o presidente do Senado, José Sarney, alegou que abrir todos os arquivos seria uma espécie de “oficialização do WikiLeaks, em alusão ao vazamento de documentos diplomáticos dos EUA. “Abrir a porta e liberar tudo não pode. Fui presidente (da República) e sei disso”, disse Sarney, que recentemente tentou impedir que o impeachment de Collor figurasse em uma exposição sobre a história do Senado. Para se defender, lembrou que essa era a proposta contida no projeto de lei encaminhado ao Congresso, em 2009, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O Collor me alertou que o projeto do Lula tinha sido todo alterado na Câmara”, afirmou. Collor, que preside a Comissão de Relações Exteriores do Senado, procurou Sarney em maio com um relatório preparado por sua assessoria. Esse dossiê teria sido entregue também ao então ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, e a Luiz Sérgio, que ainda ocupava a Secretaria de Relações Institucionais. Há duas semanas, Collor encaminhou o documento à presidente Dilma. “Ela se mostrou sensibilizada e disposta a encontrar a melhor solução”, disse o ex-presidente.



    O projeto da Câmara chegou a ser aprovado em duas comissões técnicas do Senado: Comunicações e Direitos Humanos. Até então, a orientação do Palácio do Planalto era para aprovar o projeto que saiu da Câmara, segundo o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Sem conseguir explicar os motivos, Jucá reconheceu que a postura oficial agora é outra. “Precisamos discutir mais”, alegou. A votação do projeto no Senado, portanto, deve ficar para o segundo semestre. O que não encerra o problema. Caso seja modificado, o texto deve retornar à Câmara, onde poderá ser refeito. O presidente da Casa, deputado Marco Maia (PT-RS), antecipou que está preparado para a briga. “O povo tem de conhecer sua história. Vamos recompor o que for modificado”, disse Maia. Caberá, então, à presidente Dilma vetar as modificações, especialmente o polêmico artigo que prevê o prazo de 25 anos para documentos ultrassecretos, com apenas uma prorrogação. Considerando seu passado de luta pela democracia e o discurso pela instauração da Comissão da Verdade e a abertura dos arquivos da ditadura, Dilma cometerá, no mínimo, uma enorme contradição se adotar a tese do sigilo eterno. “Duvido que a presidente Dilma coloque a digital dela nisso”, aposta o senador Walter Pinheiro (PT-BA), que relatou o projeto na Comissão de Comunicação do Senado.



    Em conversas reservadas com senadores, Collor e Sarney insistem em defender a versão de que há documentos comprometedores a respeito da anexação do Acre, antigo território da Bolívia, e sobre a Guerra do Paraguai. A lei atual determina que questões que afetem a soberania, a integridade territorial, além de planos militares, econômicos e projetos de pesquisa científica, devem levar a chancela de ultrassecretos. De acordo com o Decreto 4.553/2002, a classificação desses documentos é de competência do presidente, do vice, dos ministros de Estado e dos comandantes militares, além de chefes de missões diplomáticas. Talvez Collor e Sarney não lembrem, ou não queiram lembrar, que no início da década de 1990 o Itamaraty criou uma seleta comissão de acadêmicos com a missão de analisar seus arquivos históricos, inclusive os da Guerra do Paraguai. Ao término do trabalho, o grupo de especialistas concluiu que não havia, nos milhares de páginas emboloradas, nenhuma informação que pudesse criar suscetibilidades ou reacender disputas bilaterais. Ato contínuo, o chanceler Celso Lafer autorizou a abertura do arquivo para consulta. “Foi um gesto de grandeza compatível com qualquer nação realmente democrática”, afirma o imortal José Murilo de Carvalho. “Examinamos tudo e vimos que não havia qualquer coisa que desaconselhasse a abertura dos documentos”, diz.



    Autor de uma competente biografia de dom Pedro II, ele lembra que as questões sobre os limites do País também passaram pelo crivo de um embaixador especializado em negociação de fronteiras. O diplomata também não fez restrições, reiterando que todos os acordos fechados pelo Barão do Rio Branco são atos jurídicos perfeitos e não estão sujeitos a contestações. Francisco Doratioto, que é autor do livro mais consistente sobre a Guerra do Paraguai já publicado, teve acesso aos arquivos revisados por Murilo de Carvalho e acrescenta que boa parte das informações já era de domínio público no fim do século XIX. “De inédito havia umas 20 cartas do Solano López sobre o estado de saúde de suas tropas”, afirma. Doratioto pondera sobre a possibilidade de existirem detalhes não conhecidos sobre a anexação do Acre, mas também acha difícil que novas informações possam comprometer a segurança nacional. “Isso é assunto pacificado. Só serve para atiçar alguns grupos no Paraguai e na Bolívia que usam isso para pressionar o governo brasileiro”, afirma.



    O embaixador Celso Lafer concorda e alerta para a postura irresponsável dos ex-presidentes Collor e Sarney. “Esse tipo de argumento só serve para levantar suspeitas sem fundamento e cria preocupações desnecessárias para nossos vizinhos”, disse à ISTOÉ. Lafer, que em sua gestão aprovou duas portarias regulamentando a classificação de documentos, acha que o sigilo eterno é inconstitucional e tende a manchar a imagem do Brasil no cenário internacional. “O que caracteriza uma democracia é o exercício público do poder comum. A nossa Constituição estabelece a publicidade dos atos como regra. O segredo é exceção”, afirma. Em sua gestão à frente do Itamaraty, o embaixador lembra que era responsável por determinar o nível de classificação de sigilo dos ofícios, relatórios e memorandos por ele assinados. Mesmo assim, garante não ter classificado um só documento de ultrassecreto. “Tudo que escrevi em meu trabalho, até as coisas mais sensíveis, poderiam ser divulgadas sem o menor problema dentro de dez ou 15 anos”, afirma. “Nenhum documento, por mais sensível que seja, pode ficar indefinidamente guardado nas arcas do Estado.” É o que se espera.

















    Fábrica de ilusões



    Mais de um ano depois de concluída, a primeira fábrica de chips do País já consumiu R$ 300 milhões dos cofres públicos e só produziu suspeitas

    Claudio Dantas Sequeira

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    ATAQUE
    Na carta de demissão, ex-presidente da Ceitec afirma que aditivos atrasaram
    construção da fábrica por cinco anos e que equipamentos já não funcionam mais
    Em oito anos de governo Lula, o PSB reinou absoluto no Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Uma das iniciativas mais celebradas ao final da gestão socialista na pasta foi a inauguração, no ano passado, da primeira fábrica de microchips do Brasil, localizada em Porto Alegre (RS). Em 25 de abril, mais de um ano depois do evento, o ministro Aloizio Mercadante visitou o local. Depois de algumas horas, saiu de lá com a impressão de que herdou da gestão anterior uma batata quente. A fábrica, que leva o nome de Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica (Ceitec), tem uma fachada imponente e um centro de design, mas não produziu um chip sequer até agora. E ninguém sabe ao certo quando o fará, embora já tenha consumido mais de R$ 300 milhões dos cofres públicos – o dobro do previsto inicialmente. As obras sofreram 13 aditivos em seis anos e estão na mira do Tribunal de Contas da União. Uma auditoria identificou várias irregularidades na construção, inclusive superfaturamento de ao menos R$ 15,8 milhões, além de problemas na licitação conduzida pela gestão anterior. Nos bastidores, Mercadante classificou a situação como “um escândalo”.

    Ao voltar a Brasília, o ministro baixou portaria criando uma comissão técnica para acompanhar a entrega do Ceitec, mas com a ressalva de que o recebimento da fábrica, “não exclui a responsabilidade civil pela solidez e segurança da obra, nem ético-profissional pela execução do contrato”. Assim, Mercadante lava as mãos sobre prováveis problemas legais. “O PSB armou essa bomba, ele que desarme”, comentou Mercadante a assessores.
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    FORA
    Assustado com o caso Ceitec, Mercadante comentou:
    “O PSB armou essa bomba, ele que desarme”
    Entre os investigados pelo TCU estão o ex-ministro Sérgio Resende, o diretor financeiro da Ceitec, Roberto de Andrade, e o atual chefe de gabinete do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, Renato Xavier Thiebaut. Todos foram arrolados no processo que apura indícios de superfaturamento.

    Os auditores do TCU consideraram que o edital para a contratação do consórcio Racional-Delta feriu a lei de licitações. As empreiteiras também são acusadas de inflar os preços de materiais e da mão de obra, incluir despesas de projeto executivo já contempladas no custo direto da obra e adotar salários acima da média de mercado. Houve falhas até no projeto básico, que levaram a empreiteira a girar em 180 graus a posição da fábrica. O PSB alega que, dos 20 itens identificados com irregularidades, 18 deles foram considerados regulares pelo plenário do TCU e que os outros dois itens não ocasionariam dano ao erário. O partido justifica que a construção do Ceitec é iniciativa inédita e teve acompanhamento interno da assessoria jurídica do MCT.

    Seja como for, a lista de envolvidos poderá crescer, caso os ministros do TCU decidam ouvir o ex-presidente do Ceitec, Eduard R. Weichselbaumer. O executivo alemão pediu demissão em julho do ano passado. Em sua carta de demissão, obtida por ISTOÉ, Weichselbaumer denuncia as pressões que sofreu da cúpula do ministério para assinar aditivos. “Infelizmente a administração do Ministério da Ciência e Tecnologia dificultou e tornou completamente impossível concluir esta tarefa negociando em separado com o fornecedor”, escreveu. Segundo Weichselbaumer, a fábrica de chips poderia ter sido concluída em 12 meses, mas o ministério fez questão de postergar a obra por mais de cinco anos, um prazo considerado excessivo. Weichselbaumer, que vive hoje na Califórnia, revela que os equipamentos da fábrica estão tecnologicamente ultrapassados e simplesmente não funcionam, apesar de terem sido reformados.