segunda-feira, 6 de abril de 2015

A história da propina e as cruzadas moralistas

Por Mota Araújo



Na história econômica a propina está presente em todos os grandes negócios, empreitadas e encomendas através dos séculos. Na história moderna há registros de propinas em larga escala nos EUA, Rússia, Império Otomano, na Ásia era e é a pratica corrente, no Oriente Médio nem sequer se considera crime. Na África a corrupção é profundamente arraigada desde que existem humanos no continente.

No Brasil a propina aparece na Alfândega de Dom João VI, no Segundo Império, vide as memórias do Embaixador Heitor Lira em dois volumes, Editora Universidade de Brasília. Os embaixadores brasileiros em Londres cobravam propina nos empréstimos que o Brasil contraía em Londres, e eram altas. Na República Velha, Nelson Werneck Sodré na HISTÓRIA MILITAR DO BRASIL fala nas "vastas algibeiras" de generais quando compravam alfafa para a Cavalaria.

Na Revolução de 30 aconteceu um fenômeno de moralismo. Os revolucionários atribuíam aos coronéis e políticos da República Velha um alto índice de corrupção, chamavam-nos de "os carcomidos". Vieram então os "tenentes" puros e salvadores e, a pretexto de eliminar a corrupção,  derrubaram os "carcomidos" nos Estados e fundaram novas dinastias corruptas, muitas das quais dominam as políticas de seus Estados até hoje. Os "jovens tenentes" eram honestos até então só porque não tinham a chave do cofre, com a mão no poder ficaram os "novos carcomidos" MAS sem perder a pose de honestos de carteira. A honestidade deles era uma questão de oportunidade.
Esta é uma constante no Brasil, líderes da moralidade só são até chegar ao poder, depois viram ladrões piores do que aqueles que derrubaram.

Dinastias que surgiram com a Revolução de 30, os Alves no Rio Grande do Norte, os Magalhães na Bahia, os Collor em Alagoas, os Távora no Ceará. Na Republica de 46 os Sarney no Maranhão, Argemiro de Figueiredo na Paraíba, onde todos os Senadores de hoje são seus parentes. A cultura política brasileira se imbrica no coronelismo, no nepotismo, em costumes políticos que já duram séculos.

Na República de 30 havia corrupção discreta que mais apareceu em favorecimentos e nomeações, na República de 46 a corrupção se manifestava nas licenças de importação da CEXIM. Mas a grande corrupção das empreiteiras nasceu com a construção de Brasília, a propina foi o lubrificante que permitiu Brasília ser construída em CINCO anos.
Nos governos estaduais da República de 46 fizeram fama Adhemar de Barros em São Paulo e Moyses Lupion no Paraná. Nos Governos do Rio poucos escaparam do mar de corrupção, Lacerda foi um deles.

Mas havia um CÓDIGO na velha corrupção.

1 - As comissões sobre obras públicas eram modestas, 1 a 3%, MAS se exigia a obra feita no custo e no prazo. Adhemar era um bom tocador de obras e deixou muitas e grandes, mesmo com os fracos orçamentos daquela época.

2 - Toda a imensa infraestrutura hidroelétrica, de estradas, pontes, refinarias construídas  na segunda metade do século XX teve a presença de propinas mas dentro de um código da corrupção, não era uma farra como ocorreu recentemente, os contratos de obras tinham exata relação com a obra, a corrupção eram embutida e discreta.

Jânio,  por exemplo, cobrava uma comissão mínima na assinatura do contrato MAS acabava ai, depois era implacável com a empreiteira, não ficava "parceiro" da obra, se quitava e dava quitação na assinatura do contrato, depois virava duro. Jânio também guardava parte das contribuições de campanha, deixou 13 milhões de dólares no Citibank de Genebra e 60 imóveis, geralmente casas e apartamentos de classe média.  Jânio fazia o folclore do moralista mas adorava dinheiro, não exibia, não gastava e não era generoso nem com a família. Convivi muito com ele e seu folclore de boas estórias daria um bom livro, fora do poder era um ótimo papo, um grande ator da política.

3 - Em torno da corrupção se formou um vasto folclore de fantasias. Dizia-se que Juscelino era um dos homens mais ricos do mundo, dona Sarah certa época precisou vender quadros para se manter, não havia fortuna alguma.

Dizia-se do poderoso Ministro dos Transportes do Governo Militar, Mário Andreazza, que era a 7ª fortuna do mundo, quando morreu seu enterro foi custeado por uma lista passada entre amigos, a família sempre viveu digna e modestamente, já tratei deste assunto aqui e houve um comentário do neto dele aqui no blog com detalhes.

A propina ACOMPANHOU o desenvolvimento do Brasil sempre.

A coté, lado a lado com a corrupção vieram as CRUZADAS MORALISTAS. A primeira foi a de Carlos Lacerda contra Getúlio, entre 1951 e 1954, que acabou com a vida de Getúlio, que deixou de herança um apartamento de classe média e a fazenda de São Borja, que ele herdou do pai, era um homem probo, modesto, correto e honesto mas o mesmo não pode se dizer de seu governo.

A segunda cruzada veio da UDN contra Juscelino por causa de Brasília,  uma ala da UDN moralista , a "banda de música" tinha como líder o Deputado José Sarney. Na sequência Jânio se elegeu com uma cruzada moralista contra o grupo de JK, sua bandeira era a vassoura. A anticorrupção era, desde o inicio, seu "mote" eleitoral, sempre se elegeu com a ideia de ser o ANTICORRUPTO, o que não era, era apenas mais discreto. A mais nova foi a de Collor, que na campanha invocava os "marajás",  que rendeu-lhe muitos votos.

As CRUZADAS MORALISTAS são um mau negócio para o País, não extinguem a cultura da propina e causam tremores e instabilidades políticas. Nos EUA, no fim do Século XIX, havia mais corrupção que no Brasil. A Prefeitura de Nova York e o Governo do Estado de Nova York eram campeões de corrupção. A sede do governo do Estado, Tammany Hall era sinônimo de corrupção; Chicago era dominada (até hoje é) por uma família corrupta; Kansas City tinha o "boss" Tom Prendergast, que foi quem inventou Harry Truman como vice-presidente; a Lousiana tinha Huey Long, sinônimo de politico mafioso de altíssima corrupção. Os EUA foram mudando AOS POUCOS com lenta evolução de barreiras e filtros que foram fechando o cerco à corrupção política mas isso levou UM SÉCULO, não foi por cruzadas moralistas.

Na política o MORALISMO é apenas um instrumento para derrubar a velha corrupção e instalar uma nova, geralmente pior que a antiga, mais cruel mais voraz e mais impiedosa.

http://jornalggn.com.br/noticia/a-historia-da-propina-e-as-cruzadas-moralistas-por-motta-araujo