segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ação brasileira no Oriente Médio irritou os EUA, revela WikiLeaks



“A comunidade judaica brasileira, também procurada pelos diplomatas americanos em busca de reforço aos seus argumentos, pintou um quadro ainda mais radical: o rabino Henry Sobel acusou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, literalmente, de ser antissemita, assim como a liderança sênior do Itamaraty.”


“Os esforços do governo brasileiro até hoje refletiram um enfoque altamente favorável aos árabes. Lula não é amigo de Israel ou dos judeus”, insistiu ele, acrescentando que por isso mesmo o Brasil não era um candidato essencial para um assento permanente na ONU. Segundo a embaixada americana, Abraham Goldstein, presidente da B’nai B’rith do Brasil, a maior entidade judaica de direitos humanos, endossou as opiniões de Sobel, e disse que vinha notando um crescimento do antissemitismo no Brasil.”


“Outro estabelece de forma ainda mais bruta: “Temos de aproveitar a oportunidade de tentar desviar o Brasil de seu costumeiro papel de franco atirador secundário, e tentar recrutá-lo para um papel mais útil ou pelo menos verdadeiramente neutro.”


Ação brasileira no Oriente Médio irritou os EUA, revela WikiLeaks


Publicada em 06/02/2011

José Meirelles Passos


RIO – A iniciativa do Brasil em se inserir, de alguma forma, no processo de paz no Oriente Médio tornou-se uma dificuldade a mais para o governo americano: os Estados Unidos têm encarado essa ingerência brasileira praticamente como uma intromissão indevida; e se queixam, nos bastidores, de que ela mais atrapalha do que ajuda naquela tarefa.


“As posições inúteis do Brasil e suas declarações às vezes inexatas com relação ao Oriente Médio, tornam as águas mais turvas para a política e os interesses dos Estados Unidos no Oriente Médio”, conclui um dos telegramas escritos pelo então embaixador americano em Brasília, Clifford Sobel, agora revelado ao GLOBO pelo WikiLeaks.


Um pequeno pacote contendo 26 mensagens confidenciais enviadas a Washington por aquela representação, entre abril de 2004 e dezembro de 2009, deixa transparecer claramente um motivo da insatisfação americana com essa indesejada presença do Brasil nas negociações: o fato de o governo brasileiro agir por conta própria, sem antes consultar os EUA.


“Funcionários do Itamaraty recusaram os pedidos dos EUA de que o Brasil nos consulte antes de fazer pronunciamentos que possam complicar as delicadas reuniões de paz. O Itamaraty declarou que o Brasil não precisa pedir permissão aos Estados Unidos para realizar iniciativas de política externa, e que os Estados Unidos devem esperar por mais declarações brasileiras sobre assuntos do Oriente Médio”, relata também Sobel.


A queixa principal é a de que o Brasil não aceita apenas os tradicionais negociadores, insistindo na presença de outros países à mesa de negociações, além de mais personagens da região – que os EUA não engolem – como os grupos Hamas e Hezbollah, além do Irã. Sem esse engajamento, em vez de isolamento, não haveria uma solução duradoura.


Depois que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, propôs tal coreografia durante uma viagem à região, os Estados Unidos argumentaram: “A viagem de Amorim criou confusão e enviou sinais embaralhados, e isso acentuou o perigo de que ‘um grupo de apoio de retaguarda’, como o Brasil quer estabelecer, poderia inadvertidamente se transformar num ‘grupo de sabotagem de retaguarda’”.


Em outro despacho, oito meses mais tarde, o diplomata insistiu: “As posições do Brasil sobre assuntos referentes à paz no Oriente Médio estão evoluindo, mas ainda carecem de profundidade, e isso leva a posições que ainda não são úteis para resolver o problema. Diplomatas árabes com quem temos conversado dizem que as posições do Brasil são ingênuas”.


Para ministro egípcio, tema virou obsessão


Mahmoud Nayer, ministro da Embaixada do Egito em Brasília, em 2009, disse a Sobel que a entrada do Brasil no circuito nada mais era do que uma forma do país ganhar corpo em sua ambição de obter um assento no Conselho de Segurança da ONU. “Isso é uma obsessão e, francamente, eu já nem sei mais como falar com eles sobre isso, porque esse assunto surge em todas as nossas conversas”, afirmou Nayer.


A comunidade judaica brasileira, também procurada pelos diplomatas americanos em busca de reforço aos seus argumentos, pintou um quadro ainda mais radical: o rabino Henry Sobel acusou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, literalmente, de ser antissemita, assim como a liderança sênior do Itamaraty.


“Os esforços do governo brasileiro até hoje refletiram um enfoque altamente favorável aos árabes. Lula não é amigo de Israel ou dos judeus”, insistiu ele, acrescentando que por isso mesmo o Brasil não era um candidato essencial para um assento permanente na ONU. Segundo a embaixada americana, Abraham Goldstein, presidente da B’nai B’rith do Brasil, a maior entidade judaica de direitos humanos, endossou as opiniões de Sobel, e disse que vinha notando um crescimento do antissemitismo no Brasil.


Em vários dos telegramas, a embaixada americana solicita a Washington o envio à Brasília de especialistas em Oriente Médio, para convencer tanto o governo quanto os parlamentares e a imprensa de que a posição dos EUA é a mais viável. “Temos que engajar o Brasil, em níveis altos, se quisermos ter a esperança de que o país adote uma posição mais equilibrada, em vez de simplesmente acrescentar a sua voz ao já totalmente repleto coro anti-israelense”, diz um dos documentos.


Outro estabelece de forma ainda mais bruta: “Temos de aproveitar a oportunidade de tentar desviar o Brasil de seu costumeiro papel de franco atirador secundário, e tentar recrutá-lo para um papel mais útil ou pelo menos verdadeiramente neutro”


http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/02/06/acao-brasileira-no-oriente-medio-irritou-os-eua-revela-wikileaks-923743153.asp

'Não vou me candidatar em 2012', diz Serra

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Do Valor
'Não vou me candidatar em 2012', diz Serra
Cristiane Agostine | De São Paulo
07/02/2011

Sem mandato eletivo e sem cargo de destaque no PSDB, o ex-governador José Serra (PSDB) afirma que pretende continuar como liderança da oposição no país e trabalhará para que ela seja mais "viva" e "eficiente". Serra, no entanto, não deixa claro se pretende comandar o PSDB. Diz que não sabe ao certo quando será a eleição interna, mas ressalta que não fará "nenhum gesto" para encurtar o mandato do presidente do partido, deputado Sérgio Guerra (PE). Derrotado na disputa presidencial de 2010, Serra descarta candidatar-se em 2012 para a Prefeitura de São Paulo, e desconversa sobre suas pretensões eleitorais para 2014. Abaixo, a entrevista que o ex-governador concedeu ao Valor, por e-mail:

Valor: Como o senhor pretende retornar à cena política nacional? Quais são os seus planos?



José Serra : Eu não vou retornar, pelo simples fato de que não sai dela. É o sentido de vida que escolhi. As formas variam desde que me engajei na política, quando líder estudantil, passando pelo exílio, pela universidade, Congresso e Executivo. O conteúdo é que não varia: servir a nosso povo e ao nosso país. Parafraseando aquele poeta espanhol, o caminho será feito pelo andar.
alor: O senhor pretende candidatar-se à presidência do PSDB? Serra : Apesar de todas as especulações sobre isso, devo dizer que a questão é extemporânea. Nem sei bem quando será a eleição. Não vou fazer nenhum gesto que possa, de alguma maneira, encurtar o mandato do presidente Sérgio Guerra. Vou agir como gostaria que agissem comigo. E sempre pensando no interesse do Brasil. E o Brasil precisa de uma oposição com unidade de ação, ideias claras, coragem e disposição para fiscalizar, cobrar, empurrar o governo para as posições que atendam ao interesse dos brasileiros. Vou trabalhar, com minha experiência, meus conhecimentos e minha liderança, para que a oposição seja cada vez mais ágil, mais viva, mais coerente e mais eficiente. Dentro e fora da estrutura partidária. É preciso fazer embate vivo de ideias e propostas. Isso tudo é necessário ao funcionamento da democracia, melhora o país. No Brasil, às vezes, pensa-se que o vencedor leva tudo, "the winner takes all". Mas não é assim. Tivemos o voto de quase 44 milhões de brasileiros. Perto de 44% dos eleitores que votaram, no segundo turno, apoiaram a nossa proposta. Embora tenha perdido, o PSDB cresceu. Temos de honrar esses votos. Temos de representar esses eleitores. Temos de manter esses eleitores informados e orgulhosos de sua escolha.
Valor: Qual a avaliação do senhor sobre a manifestação da bancada do PSDB da Câmara em apoio à reeleição do deputado Sérgio Guerra no comando do partido?
Serra : Criou-se um mal-entendido, um equívoco. Se os deputados estão em uma reunião e alguém propõe uma manifestação de apoio ao atual presidente do partido, é natural que todos apoiem. Todos assinaram. Em nenhum momento se colocou se haveria, ou não, outro candidato. Não era fulano contra beltrano. Eu apoiei a eleição do presidente Sérgio Guerra e o escolhi para coordenar a minha campanha. As assinaturas não devem ser interpretadas como uma manifestação contra mim, ou contra o [senador] Aécio [Neves], ou contra o [ex-presidente] Fernando Henrique [Cardoso], ou contra o [ex-senador] Tasso [Jereissati]. Como disse o [governador de São Paulo, Geraldo] Alckmin, ainda é cedo para se decidir sobre a futura direção do PSDB.
Valor: O senhor pretende candidatar-se a algum cargo eletivo nas próximas eleições, em 2012? E em 2014?
Serra : Não vou me candidatar em 2012. E 2014 ainda está muito longe. Seria burrice especular sobre o que vai acontecer daqui a quatro anos. É um erro grave trazer 2014 a valor presente.
Valor: Caso o senhor não pretenda se candidatar à Prefeitura de São Paulo em 2012, qual nome o senhor apoiaria para a disputa?
Serra : Vou apoiar o candidato que o meu partido, o PSDB, indicar.
Valor: Como poderá ser a relação política entre o senhor e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, caso ele migre do DEM para o PMDB?
Serra : Tenho com o prefeito Kassab uma boa relação, pessoal, de amizade, pessoal e política. Mas seria tolo especular sobre algo hipotético, que pode ou não acontecer num futuro ainda indeterminado.
Valor: Como tem sido a sua relação com o governador Geraldo Alckmin? O senhor aprova a aproximação do governo paulista com o governo federal? E concorda com as mudanças que estão ocorrendo em secretarias estaduais como as de Transportes Metropolitanos, Saúde, Educação, Habitação e Desenvolvimento Social?
Serra : Minha relação com o governador é ótima. Temos conversado com bastante frequência, e vou torcer e ajudar para que ele faça um excelente governo. Tenho certeza de que fará. Qualquer governante, de qualquer partido, tem de trabalhar em cooperação com outras esferas de governo, de qualquer partido. O interesse da população deve prevalecer. É assim que eu fiz quando fui ministro, prefeito e governador. Assim que vejo o governador Alckmin agir. Sobre as ações estaduais, não estou preocupado se há esta ou aquela diferença em relação a eventuais decisões que eu tenha tomado no passado. Cada governante tem o seu jeito, seu "timing", sua visão, sua avaliação e as condições objetivas para trabalhar. Tenho plena confiança de que o governador Alckmin vai fazer uma gestão muito boa. Além da certeza, o governador Alckmin tem o meu apoio, a minha torcida, a minha solidariedade e a minha ajuda, se precisar.
Valor: O senhor tem conversado com o senador Aécio Neves? Acredita que ele poderá ser o grande líder da oposição no Congresso?
Serra : Se ele vai ser ou não um grande líder da oposição no Congresso, depende dele. Ele tem experiência pra isso.
Valor: O senhor disse que passaria a dar palestras, a partir deste ano como forma de obter recursos. O senhor já começou a dar palestras? Quais foram os convites que o senhor recebeu?
Serra : Vou trabalhar para viver, fazendo palestras, dando aulas e escrevendo. Também sei governar e legislar. Mas, no momento, estou sem mandato.

Os bastidores da Negociação do Banco Panamericano.



Do Estadão
''Silvio não queria olhar para trás''
Representante de Silvio Santos na venda do Panamericano para o BTG, advogado conta os bastidores da operação
07 de fevereiro de 2011 | 0h 00
Patrícia Cançado - O Estado de S.Paulo
Moacir Zilbovicius, Sócio do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados
Silvio Santos só ficou cara a cara com André Esteves, o novo controlador do Banco Panamericano, na hora de assinar o contrato de venda. Enquanto as negociações avançavam na sede do BTG Pactual, em São Paulo, o empresário permanecia fechado em casa, irredutível. Ele exigia duas coisas: que não houvesse garantias e muito menos due diligence, a análise dos dados financeiros da companhia, uma condição atípica em operações dessa envergadura. Quem levava o recado e tentava convencer Esteves e o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) eram os advogados Gilberto Lupo, diretor jurídico do Grupo Silvio Santos, e Moacir Zilbovicius, sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga.
Acostumado a fechar negócios de cifras bilionárias, como a venda da Suzano Petroquímica para a Petrobrás e a venda de parte da MMX para a Anglo American, Zilbovicius teve uma missão mais árdua na venda do Banco Panamericano para o BTG: fazer o comprador e o vendedor, com estilos completamente opostos, se entenderem. Mais do que cuidar dos contratos, Zilbovicius foi o interlocutor de Silvio na negociação. "Em um dado momento, eu ouvi: "Moacir, achamos que você não está conseguindo explicar ou está negociando além do que o Silvio te falou" - tal era a minha dificuldade de colocar os pontos em discussão. Eu sempre dizia: "O Silvio pensa de uma forma diferente, não tentem negociar no estilo tradicional que não vai dar certo"", conta o advogado.
No começo da tarde da segunda-feira passada, o que parecia impossível acabou acontecendo. As partes se acertaram e Silvio Santos vendeu o controle do banco para o BTG por R$ 450 milhões, numa operação em que o FGC absorveu a dívida do apresentador. O dono do SBT, que até então devia R$ 4 bilhões para o fundo, saiu com o patrimônio preservado. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado pelo negociador do Silvio. Qual foi a maior dificuldade nessa operação?
Silvio e Esteves são negociadores exímios, mas com linguagem e estilos distintos. Silvio fixou uma meta e não abriu nenhum espaço negocial, ficou em casa e só saiu para assinar os documentos. Do outro lado, Esteves e FGC procuravam convencê-lo de que a operação, mesmo com condições mínimas negociais, seria muito boa pra ele. Não fosse o uso da tecla SAP (tradução simultânea), talvez o negócio tivesse se perdido no meio do caminho. Além de fazer os contratos, tive, com a ajuda do Gilberto Lupo e do Guilherme Stoliar, de fazer o papel de interlocutor do Silvio.
O que o Silvio exigia?
Silvio não queria due diligence, de jeito algum. Numa transação como esta, seria razoável. Impossível convencer um lado que era razoável ter e o outro a não ter.
E o que mais foi complicado?
Foi impossível assinar um contrato de 50 páginas, americanizado, que se tornou prática no Brasil. Foi complicado convencer as partes a achar um meio termo. O Silvio queria ser bastante objetivo - assinava o contrato e não queria mais olhar para trás, não queria nenhum outro problema com o banco, no que estava certo.
Que adaptações foram feitas no contrato para ficar mais ao gosto do Silvio?
Foi simplificado totalmente, para ficar mais objetivo e direto, sujeito apenas à aprovação do Banco Central.
Mas é difícil mesmo entender a resistência à due diligence.
Aí é que está a marca Silvio Santos de negociar, pois o negócio já era bastante bom pra ele, e assim a minha situação ficou bem complicada para que os demais entendessem. Psicologicamente, o Silvio não queria mais nenhum vínculo com o banco, não queria rediscutir preço, nem qualquer outra garantia.
O que foi definitivo para fazer o André mudar de ideia?
Não sei, mas percebeu que o Silvio não iria mudar de ideia mesmo. Quando tudo estava resolvido e Silvio e Esteves sentaram lado a lado para conversar, houve uma sinergia e um encantamento recíproco.
Sobre o que o Silvio e o André conversaram?
Bateram papo sobre assuntos diversos, amenidades, viagens. Silvio se interessou pela histórico do BTG, queria saber por que André achava o Panamericano um bom negócio e quais seriam os planos futuros para o banco. Disse estar feliz por ter a convicção de que o banco seria vendido para pessoas competentes do mercado e que, assim, quem aplicou lá não perderia dinheiro. Enfim, foi um papo descontraído e tranquilo. Silvio perguntou também as razões pelas quais o André achava que o banco teria chegado ao estado em que chegou.
E o que o André disse quando Silvio fez esta pergunta?
Não posso dizer.
Desde quando o banco estava procurando comprador?
Ao que sei, não estava. Quem cuidava disso era o FGC, mas o Silvio não tinha qualquer interesse na venda.
Quando, de fato, o BTG procurou o banco?
Não sei, mas pelo que ouvi dizer, há menos de 15 dias.
A revelação de que o rombo era maior apressou o negócio?
Acredito que sim. Não fosse a descoberta do novo buraco, Silvio não teria interesse em vender, porque acreditava na recuperação do banco. O dia em que o Estadão revelou que o rombo era maior foi muito tenso. Por esta razão, o Silvio foi obrigado a voltar de Orlando para se reunir com o FGC.
Quantas reuniões foram feitas?
Entre o André e o Silvio, nenhuma. Apenas se encontraram na assinatura. Silvio fez uma reunião com FGC na quinta-feira.
O senhor chegou a calcular quantas horas gastou nisso?
Dormi duas horas no sábado, duas no domingo e passei o resto do tempo no telefone e em reuniões no BTG. Havia pelos menos umas 25 pessoas lá, muitos sócios do Esteves (os mais seniores).
QUEM É
Moacir Zilbovicius é co-coordenador da área de fusões e aquisições e direito societário do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, do qual é sócio desde 1997. Foi superintendente jurídico da CVM e associado estrangeiro do escritório americano Cleary Gotlieb Steen & Hamilton.

"Não tenho participação nas decisões nem interesse no setor elétrico"


Durante o plenário, Sarney se defendeu das denúncias sobre os atos secretos do Senado
André Dusek/AE

Do Valor
"Não tenho não não tenho
Raquel Ulhôa e Raymundo Costa |De Brasília
07/02/2011
Em meio século de política, o senador José Sarney (PMDB-AP) já ocupou por cinco anos a principal cadeira do Palácio do Planalto, nomeou grande parcela dos juízes que ainda hoje integram os tribunais superiores, foi eleito na semana passada para seu quarto mandato na presidência do Senado e é apontado como uma espécie de "dono" do setor elétrico brasileiro, tendo nomeado desde o ministro Edison Lobão (Minas e Energia) ao novo presidente de Furnas, Flávio Decat. Sarney, no entanto, afirma que é tudo intriga da oposição. Ele diz que Lobão é ministro por seus próprios méritos, que não conhece Decat e que a presidente Dilma Rousseff é "muito ciosa das decisões e da autoridade da Presidência".

Por isso, nem ele nem o PMDB poderiam cultivar a veleidade de ter a presidente como "refém". Segundo Sarney, a presidente já conseguiu imprimir seu "estilo" e sua "personalidade" ao governo.
O ex-presidente, na realidade, participou diretamente das negociações entre governo e PMDB em busca de solução para a crise gerada por denúncias de corrupção contra a direção de Furnas, até então sob comando da bancada do PMDB do Rio de Janeiro. Dilma resolveu o assunto escolhendo Flávio Decat para presidir a estatal e tirou a empresa do controle do deputado Eduardo Cunha.

Neste que considera seu último mandato de senador, Sarney definiu como prioridade de sua gestão no comando do Senado a aprovação de uma reforma política. Em sua opinião, o país melhorou nas áreas econômica e social, mas regrediu na política. Ele quer o fim do voto proporcional e defende o "distritão", pelo qual seriam eleitos os deputados mais votados em cada Estado.

Trechos de sua entrevista ao Valor:
Valor: Como o senhor vê a relação da presidente Dilma Rousseff com o Legislativo? José Sarney: A Dilma já conseguiu imprimir o seu estilo, a sua personalidade. É um governo de continuidade sem ter continuísmo, mas já se viu que ela é muito ciosa das decisões e da autoridade da Presidência. Ela é uma grande gestora pública, evidentemente vai se aprofundar na melhoria da aplicação dos recursos, melhorando o gasto público para que eles sejam melhor utilizados. Essa característica ela tem imprimido nos primeiros 30 dias. Agora, não se pode em 30 dias definir o que vai ser o governo dela. Para mim, ela vai ser uma presidente de absoluta lealdade ao presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva], aos programas do presidente Lula, mas vai imprimir a sua personalidade e seu estilo.

Valor: PMDB, PSDB e PT já foram governo. Dilma é a primeira mulher a presidir o Brasil. Ela encerra ou inaugura um ciclo?
Sarney: No meu governo (1985-1990) nós criamos as condições para uma sociedade democrática que não existia no país: a cidadania apareceu, o povo começou a ser muito mais participativo, desdobrou-se na multiplicação de associações, sindicatos, ONGs, sociedade civil. Isso permitiu que nós chegássemos, ao fim dos cem anos da República, com um operário no poder. Então, ninguém pode reclamar no Brasil que não teve oportunidade de tomar parte nas decisões nacionais. Todas as classes já participaram. Até mesmo a última, que é um operário. E agora inauguramos uma etapa, que é uma mulher. É uma etapa de amadurecimento também. Não é só o fato de ser uma mulher. É uma etapa. Primeiro da grande ascensão das mulheres, da luta das mulheres. E, em segundo lugar, o país já ter condições de ter uma mulher como presidente.

Valor: Dizia-se que ela podia ficar refém do PMDB.
Sarney: Ela mostrou que não vai ser refém de ninguém, ela já imprimiu o seu estilo.

Valor: Nem do governo do presidente Lula?
Sarney: Ela vai ser de absoluta lealdade. Nem o Lula queria que tivesse um "laranja" dele no governo.

Valor: A que o senhor atribui a fama de controlar grande parte do governo e do Judiciário?
Sarney: Simplesmente à minha longeva participação na política.

Valor: O senhor não controla os cargos do setor elétrico?
Sarney: Eu não tenho nenhuma participação nas decisões do setor elétrico. Nem tenho nenhum interesse nessa área, que não faz parte das minhas preocupações parlamentares, nem nunca fez.

Valor: Não é o que se diz.
Sarney: Porque o ministro [Edison] Lobão [das Minas e Energia] é do meu Estado. Mas é ele mesmo. Foi governador, senador por quatro vezes, deputado federal, e é um homem que tem uma vida pública. Não é para ser preposto de ninguém.

Valor: Mas os cargos em Furnas mobilizam o PMDB, no momento.
Sarney: Mobilizam o PMDB, mas eu, pessoalmente, não. Hoje eu vi nos jornais a respeito do [Flávio] Decat [escolhido pela presidente Dilma Rousseff para presidir Furnas]. Eu não tenho nenhuma ligação com o senhor Decat. O que sei é que se trata de um excelente técnico e é uma escolha pessoal da presidente Dilma, que com ele trabalhou. Ela tem procurado marcar a sua presença nesse setor, que ela conhece e conhece as pessoas.

Valor: Mas o senhor mediou a disputa no PMDB pelo cargo.
Sarney: Não participei dessas reuniões, nenhuma delas. Soube pelos jornais e alguns relatos de colegas.

Valor: O PMDB não deveria dar liberdade para a presidente adotar soluções técnicas?
Sarney: A presidente da República tem absoluta liberdade. Não deve ter nenhuma interferência para escolher as pessoas que forem as melhores e tenham melhor desempenho. Isso ela tem seguido. Ela conhece bem o setor elétrico, ao qual pertence há muitos anos, desde que foi secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Trabalhou com quase todos esses técnicos, conhece os que são eficientes e os que são ineficientes. Fez todas as suas escolhas pessoais, naturalmente, combinando com o ministro.

Valor: O PMDB é visto como um partido fisiológico, que apoia o governo em troca de cargos. Como o senhor vê essa relação?
Sarney: Nossa relação com o governo federal é uma relação de coparticipação, uma vez que o vice-presidente da República [o deputado Michel Temer] é nosso, o que não ocorria nas outras oportunidades [em que o PMDB apoiava o governo sem participar dele desde o início]. O vice nos representa no governo. Ele está atento a esses problemas e tem interesse em que o governo seja mais exitoso possível e tem sua contribuição a dar.

Valor: Uma parte do PMDB reivindica abertamente cargos. O partido tem que mudar sua prática?
Sarney: Não só o partido. De uma maneira geral, a política brasileira tem que se ajustar mais a discutir as políticas públicas e menos esses problemas. Isso não ocorre só aqui, mas no mundo inteiro. 

Valor: Mas em geral não prevalecem os interesses pessoais?
Sarney: Dos problemas da Câmara eu não tenho participado. Aqui, dos problemas do Senado, sim. Como senador, no meio da bancada. Eu apoio o governo e não colocarei os problemas pessoais dessa natureza acima dos interesses do Senado e do país.

Valor: Por que as relações entre o PT e o PMDB são sempre difíceis?
Sarney: Os partidos não têm unidade nacional na sua orientação. Essa é outra consequência da falta de partidos políticos baseados em programas e participação em ações de governo. Isso nós só poderemos resolver com a reforma política. Sem partido político não há democracia. Ela não funciona, não se aprofunda.

Valor: Qual a principal mudança a ser feita?
Sarney: O fim do voto proporcional. No atual sistema, a fragilidade dos partidos é total, eles não têm unidade, os candidatos concorrem nas eleições uns contra os outros dentro do próprio partido e não contra os outros partidos. Não há discussão de programas, de ideias, e isso faz com que se torne uma luta pessoal e não programática.

Valor: A reforma política é realista?
Sarney: É necessária e imprescindível. E tem de ser feita já. Se não se fizer no primeiro ano, não se faz. Entram os grupos corporativistas. Por isso eu quero fazer logo, para que até a metade deste ano nós tenhamos um projeto concreto, em condições de iniciarmos a aprovação. Nós temos três setores no país: o econômico, o social e o político. No setor econômico, o país cresceu, modernizou-se, tornou-se competitivo e alcançou a oitava economia mundial. No setor social, fizemos uma verdadeira revolução, a melhoria da qualidade de vida do povo foi muito grande e houve uma grande distribuição de riqueza. Mas na parte política nós não avançamos, regredimos.

Valor: E o fim do voto proporcional?
Sarney: No dia em que nós acabarmos com o voto uninominal, proporcional, que só existe no Brasil, nós vamos abrir a grande porta para que se possa fazer uma reforma política moderna, atualizada. A constituição de partidos tem que ser feita ao longo do tempo, porque é formação de recursos humanos. Os partidos políticos do mundo inteiro são uma escola de formação de estadistas.

Valor: O senhor já começou a negociar?
Sarney: Tenho conversado, não só na parte política, como também conversei com o ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo], que se dispõe a colaborar totalmente. Vou montar uma comissão aqui no Senado para que consolide os projetos em tramitação. Vamos ver os projetos que dependem de lei e os que dependem de reforma constitucional. Enfim, vamos fazer um trabalho de profundidade.

Valor: O que o senhor acha da "janela" na fidelidade partidária, para que os congressistas tenham um tempo para mudar de partido?
Sarney: Se nós fizermos a reforma política, ninguém vai querer sair do seu próprio partido.

Valor: Pessoalmente, o senhor defende qual sistema?
Sarney: Há mais de 30 anos eu apresentei o projeto de voto distrital puro. Hoje eu vejo que é irrealista. Aqui nós teríamos que criar distritos artificiais. E tudo o que se cria artificialmente não é democrático e não funciona. Tenho muita simpatia pelo sistema alemão do voto misto. Mas nós teríamos o mesmo problema da formação dos distritos. A Argentina adotou uma fórmula diferente, a qual chamou de "distritão", considerou todo o país e partiu para o voto majoritário também nas eleições para a formação do Congresso.

Valor: Qual a vantagem?
Sarney: Os partidos vão se interessar em ser programáticos, o país vai então votar em ideias, em propostas concretas, em programas de partido. O voto proporcional nunca permitiu que isso fosse feito. Houve um amadurecimento tão grande da necessidade de se fazer isso, por causa do fracasso que significou esse sistema eleitoral brasileiro, de tal modo que hoje nós praticamente entregamos o processo político para ser conduzido pela Justiça. Não é bom nem para a Justiça nem para a política.

Valor: A oposição acusa o PT de intransigência, de não respeitar o espaço de quem se opõe ao governo.
Sarney: Não há esse espírito. Parlamentos unânimes são impossíveis. Há divergências entre os partidos, mas há um clima muito bom, a oposição está muito bem representada na Mesa. A Mesa é muito plural, e as comissões terão que obedecer a esse espírito. Eu vou fazer tudo para que jamais se possa pensar em esmagar a oposição. Em todo lugar tem que ir a voto no plenário. Na definição famosa dos franceses, a democracia é o regime da maioria com o espírito de minoria.

Retrocesso em vias rápidas


Congestionamento em São Paulo atinge 150 Km
Evelson de Freitas/AE

 CartaCapital
Retrocesso em vias rápidas 
Rodrigo Martins 
7 de fevereiro de 2011 às 10:15h 
Alargamento de avenidas, criação de vias expressas, construção de anéis e eixos viários para diminuir o número de cruzamentos e semáforos na cidade. Essa é a estratégia da prefeitura paulistana para reduzir os congestionamentos e melhorar a qualidade do ar. Tão logo os jornais deram destaque ao projeto elaborado pela Companhia de Engenharia e Tráfego (CET), uma legião de urbanistas, engenheiros de transporte e ambientalistas veio a público para se posicionar contra o que chamam de retrocesso na política de mobilidade de São Paulo, a maior e mais populosa cidade da América do Sul, com uma assombrosa média de um carro para cada dois habitantes do município.

O plano, na prática, parece uma reedição do Plano de Vias Expressas, tocado pelo prefeito Figueiredo Ferraz nos anos 70. De acordo com a assessoria de imprensa da CET, o projeto está pronto desde 2005 e compreende uma série de obras viárias para destravar o trânsito, com prazos e custos- ainda não definidos em sua totalidade. A ideia é consolidar cinco grandes anéis viários. O Rodoanel, que já inaugurou os trechos oeste e sul, seria o maior deles. É considerado estratégico para desviar o trânsito causado pelas rodovias que cruzam a capital. Os demais, incluindo um que contorna o centro histórico da cidade, serão formados com a ampliação de vias existentes e a inauguração de avenidas já projetadas. Também estão previstos corredores paralelos à Marginal Tietê e outras obras para dar mais espaço aos carros.


divulgadas a conta-gotas, boa parte dessas propostas não gerou muita discussão, mas agora tem recebido críticas cada vez mais ferozes de especialistas, descontentes com a prioridade dada à circulação dos automóveis, em detrimento da ampliação e melhora da rede de transporte coletivo. "Enquanto as grandes cidades do mundo, mesmo nos EUA, que sempre cultuaram os carros, discutem soluções como corredores de ônibus de alto desempenho, trens de superfície e ampliação do metrô, causa estranheza que São Paulo volte a investir num modelo baseado no transporte individual", comenta o urbanista Nazareno Affonso, da Associação Nacional de Transportes- Públicos- (ANTP). "Ao dar mais espaço aos carros, a prefeitura estimula o seu uso. Com o crescimento da frota de veículos,- os benefícios gerados para o trânsito serão superados em pouco tempo. Essa é apenas uma via mais rápida para congestionar a cidade ainda mais. Estamos mexicanizando nosso trânsito. Em breve, a paralisia não ficará restrita às horas de pico. Haverá lentidão durante todo o dia, a qualquer hora, como acontece na Cidade do México."


O prognóstico é realista. Mais de 800 carros novos entram em circulação na capital diariamente. A frota de veículos é superior a 6,9 milhões de unidades. Em abril do ano passado, um mês após a inauguração da Nova Marginal (obra de ampliação da Marginal Tietê), a CET comemorou a redução dos pontos de lentidão em 44%. O mesmo estudo, no entanto, já indicava um aumento de 30 mil carros por dia na via. E, hoje, os usuários já voltam a se queixar dos congestionamentos, especialmente durante o período de chuvas. "Para melhorar a fluidez dos carros, o governo paulista aumentou o número de faixas. Mas, com mais carros circulando, em pouco tempo essa melhora na fluidez vai virar fumaça. Com um agravante: impermeabilizamos ainda mais as margens do rio, reduzindo a capacidade de drenagem das águas e favorecendo a ocorrência de enchentes na região", critica o urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Pólis. "O pior é que inauguraram as vias expressas sem reservar faixas exclusivas para ônibus. Isto é um convite para a população continuar andando de carro."

Para ilustrar o seu ponto de vista, Nakano cita o exemplo de Los Angeles, considerada "a Meca do automóvel". A cidade americana apostou todas as fichas no modelo rodoviarista e construiu gigantescas avenidas expressas, algumas com até oito faixas por sentido. Por mais que se ampliava, a malha viária não foi capaz de absorver a crescente frota de veículos. "Os congestionamentos continuaram piorando, mas os californianos ao menos aprenderam a lição. Passaram a investir maciçamente no transporte coletivo nos últimos anos", comenta o urbanista. Os efeitos da aposta errada não se resolvem, porém, num passe de mágica. Estima-se que ao menos 45% do território de Los Angeles esteja reservado para os carros, se somar a área ocupada pelo sistema viário e pelos estacionamentos. Nas capitais europeias, a proporção gira em torno de 20%. "Não há estatísticas precisas a respeito de São Paulo, mas seguramente já perdemos de 30% a 35% do território para os automóveis."

Ex-secretário de Planejamento Urbano da capital, durante a gestão de Marta Suplicy (PT), o urbanista Jorge Wilheim engrossa o coro dos descontentes. "De fato, há obras importantes previstas nesse plano, como o Rodoanel e os corredores paralelos à Marginal Tietê. Mas a aposta na ampliação da malha viária é equivocada. A cidade aprovou, em 2004, um plano de transportes consistente, com mais de 200 quilômetros de corredores de ônibus. Mas a maioria dos projetos foi interrompida e os poucos levados adiante caminham a passos de tartaruga", afirma. "Esse plano de vias expressas lembra os projetos megalomaníacos que se traçavam nos anos 60 e 70. Eu cheguei a trabalhar num deles, o da avenida Sumaré, desenhada para interligar as marginais Pinheiros e Tietê, com oito faixas em cada sentido. O projeto desrespeitava completamente o plano diretor aprovado por Faria Lima em 1968, mas vivíamos no auge da ditadura, -ninguém -contestou. No fim das contas, a avenida nem cumpriu a tarefa de conectar as marginais nem ficou tão larga como o previsto, acabou com quatro faixas mesmo. Era impossível desapropriar uma área tão grande e encarar os obstáculos do relevo."

Após receber duras críticas pelo recente aumento da tarifa de ônibus (que passou de 2,7 para 3 reais), o prefeito Gilberto Kassab (DEM) afirmou que retomará a construção de corredores de ônibus. O principal seria montado num trecho de 7,6 quilômetros da Radial Leste, mas as obras, segundo a prefeitura, só começariam em 2012. Há quatro anos, Kassab anunciou cinco pistas exclusivas para ônibus em grandes avenidas, como Sumaré (zona oeste), Brás Leme (zona norte) e Celso Garcia (zona leste). Nenhuma delas saiu do papel. Os projetos de readequação de corredores já existentes, alguns deles a serem convertidos em monotrilho, também patinam. A prefeitura prometeu ainda investir 1 bilhão de reais no metrô até 2012, mas apenas um quarto do valor foi efetivamente repassado nos últimos dois anos.

"São Paulo não apenas deixou de investir em faixas segregadas para ônibus, como também ainda não tirou do papel seu plano de sistema estrutural, com grandes corredores de circulação para transporte coletivo (ônibus, trens de superfície e metrô), alimentado por um sistema local de vans e ônibus de menor porte. Os ônibus bi ou triarticulados não foram desenvolvidos para percorrer bairros e, na prática, acabam fazendo isso. Só entram nos corredores durante uma parte do trajeto e têm de disputar espaço com ônibus comuns. Não há planejamento algum", afirma Affonso, da ANTP.
Além do estímulo a um modelo de mobilidade baseado no carro, especialistas alertam para os problemas urbanos causados por obras desse porte. "Muitas dessas avenidas expressas cortam bairros ao meio, dificultam a circulação das pessoas que vivem na região, degradam todo o entorno. O bairro da Penha está cortado ao meio pela Radial Leste. Na região da Bela Vista, temos talvez o exemplo mais notório da degradação causada por esse tipo de aposta, o Elevado Costa e Silva", comenta Nakano. Batizado com nome de ditador e apelidado de Minhocão, o elevado foi construído pelo então prefeito Paulo Maluf para desafogar o trânsito da Avenida General Olímpio da Silveira e da Rua Amaral Gurgel, que não poderiam ser alargadas por percorrer o centro. Considerada uma aberração arquitetônica por urbanistas, a obra é apontada como uma das responsáveis pela degradação da região central. Diante da poluição visual e do tráfego intenso de automóveis e caminhões, muitos habitantes abandonaram o local, que passou a ser ocupado por moradores de rua e usuários de droga.

Em maio de 2010, após muita pressão de entidades civis, Kassab anunciou a demolição do elevado, mas ressaltou que isso não deve ocorrer antes de 2025.
"A questão essencial a ser discutida é: por que gastar tanto dinheiro para ampliar a circulação de carros se podemos melhorar o trânsito dos ônibus ao segregar faixas exclusivas nas vias já existentes? Vai piorar o congestionamento dos carros? Provavelmente, mas, se ele tiver uma boa opção de transporte público, só vai ficar parado se quiser", pontua o urbanista Nabil Bonduki, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-vereador da capital. "Boa parte dessas intervenções que estão sendo apresentadas foi sugerida pelas empreiteiras aos candidatos a prefeito em 2008. É evidente que interessa às construtoras ter obras viárias vultosas para erguer.

Também ao setor imobiliário, que lucra com a valorização de seus empreendimentos nas proximidades de avenidas expressas. Mas, do ponto de vista da mobilidade, a aposta é desastrosa."
Na avaliação de Bonduki, também causa preocupação a falta de articulação entre a CET e as secretarias de Transportes e Obras. "A CET só pensa em como dar mais fluidez ao trânsito, essa é a sua tarefa. Mas as intervenções na cidade deveriam levar em conta não apenas a circulação dos carros, mas também, e prioritamente, os projetos de transporte público. Um ônibus ocupa o espaço de três carros, mas carrega mais de 60 pessoas. Ao passo que cada automóvel particular leva, em média, 1,3 passageiro."

Após a reação dos urbanistas contra o plano na imprensa, o diretor de Planejamento da CET, Irineu Gnecco Filho, afirmou à rádio CBN que o projeto visa eliminar gargalos no trânsito e pode interligar as diversas regiões da cidade por vias alternativas menos congestionadas. Ressaltou, ainda, que as ações também melhoram o transporte público, uma vez que os problemas de fluidez afetam não apenas os carros, mas também os ônibus. A reportagem de CartaCapital encaminhou um pedido de entrevista com Gnecco Filho à assessoria da empresa municipal, mas, após diversos contatos telefônicos, foi informada que o diretor não voltaria a se pronunciar sobre o assunto.

Democracia hostil ou autoritários amigos?

Por raq_uel
Do Envolverde
04/02/2011 - 10h02
Democracia hostil ou autoritários amigos?
Por Thalif Deen, da IPS

Nova York, Estados Unidos, 4/2/2011 – A distinção entre regimes “autoritários” e “amigos” de direita e as ditaduras “totalitárias” e “hostis” de esquerda, que no passado fez Jeanne Kirkpatrick, ex-representante dos Estados Unidos junto à Organização das Nações Unidas (ONU), parece que continua vigente neste país quando se trata de propagar a democracia. Washington critica governantes que, a seu ver, encabeçam regimes autoritários com Robert Mugabe, do Zimbábue; general Than Shwe, da Birmânia; Saddam Hussein, do Iraque; Fidel Castro, de Cuba e, nos últimos tempos, o presidente da Bielorússia, Aleksandr Lukashenko.
No entanto, apoia vários outros governos autoritários, a maioria do Oriente Médio, acusados de manter leis de emergência, deter dissidentes, reprimir a imprensa, torturar presos políticos e fraudar eleições. Os Estados Unidos não têm escrúpulos em apoiar países que são claramente monarquias fortes e regimes autoritários, como Arábia Saudita, Egito, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Tunísia e Iêmen, por razões políticas, econômicas ou estratégicas. O vinculo entre Washington e alguns governos do Oriente Médio parece ser principalmente militar.
“Os Estados Unidos estão prontos para pregar a democracia no mundo”, disse um diplomata asiático. “Contudo, quando há protestos pacíficos pedindo democracia, como os do Egito, o gás lacrimogêneo e os caminhões lança-água utilizados contra os manifestantes, invariavelmente, foram fabricados neste país ou em outro do Ocidente”, acrescentou. Há mais de três décadas, Egito e Israel assinaram, em setembro de 1978, o acordo de paz de Camp David. “Infelizmente, um dos preços a pagar pelo tratado é um acordo pelo qual Washington se compromete a fornecer assistência militar aos dois países”, disse Natalie J. Goldring, do Centro de Estudos para a Segurança e a Paz, da Faculdade de Serviço Estrangeiro Edmund A. Walsh, na Universidade de Georgetown. A instabilidade social e política no Egito destaca a importância de se pensar nas consequências de longo prazo da venda de armas, acrescentou.
“Muitas vezes, os destinatários das armas norte-americanas são regimes autocráticos que não são dignos do compromisso” que elas exigem, disse Natalie à IPS.  É desconcertante saber que gases lacrimogêneo norte-americanos são utilizados contra os manifestantes. “Mas, não surpreende”, afirmou.
O governo do Egito deve manter a lei e a ordem e proteger a vida, a liberdade e a segurança da população, disse Navi Pillay, alta comissária dos Direitos Humanos da ONU, ao criticar a repressão às manifestações. “Fui informada desde o início dos protestos de rua que a polícia reprimiu os manifestantes com balas de borracha, gás lacrimogêneo, caminhão lança-água e cassetetes, e que deteve mais de mil pessoas, incluindo integrantes da oposição”, lamentou.
Desde os acordos de Camp David, o Egito recebeu mais de US$ 35 bilhões em assistência dos Estados Unidos, a maior parte em fundos militares, sem obrigação de devolução. Washington comprometeu US$ 1,3 bilhão de fundos militares ao estrangeiro para este ano, US$ 250 mil em apoio econômico e US$ 1,4 milhão para capacitação e educação militar internacional.
Na Justificativa do Orçamento para o Congresso deste ano, o Departamento de Estado disse que “os Estados Unidos se beneficiam prática e politicamente de sua relação estratégica com o Egito e do vasto apoio que lhe proporciona para dissuadir e contrapor-se às ameaças à segurança”. Esse valor inclui o fornecimento de apoio logístico às tarefas militares dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque. Ironicamente, Washington também se comprometeu a manter os programas de capacitação policial para promover os direitos humanos e as práticas comunitárias como formas de transformar a maneira de exercer a autoridade.
No dia 1º, Navi lamentou o grande número de vítimas no Egito e disse que há denúncias não confirmadas de que cerca de 300 pessoas morreram, mais de três mil ficaram feridas e centenas foram detidas. Também cobrou das autoridades egípcias que assegurem que a polícia e outras forças de segurança não façam uso excessivo da força, e, ainda, que sejam evitadas as detenções arbitrárias de pessoas por expressarem suas opiniões políticas. “O fato de o governo egípcio manter a lei de emergência por 30 anos é um sinal de seu desprezo pelos direitos humanos”, acrescentou Navi, que também criticou a retirada da polícia das ruas no final de semana, o que pode ter favorecido o saque generalizado.
Os protestos populares ocorridos na Tunísia em janeiro se propagaram não apenas para o Egito, mas também para o Iêmen e a Jordânia, disse Goldring à IPS. É muito cedo para dizer que se trata de uma transformação regional, mas, sem dúvida, no Oriente Médio há mais espaço para governos democráticos, ressaltou.
O acordo que os Estados Unidos assinaram há pouco tempo com a Arábia Saudita para vender-lhe US$ 60 bilhões em armas e serviços é apenas o último de uma série de transferências similares a regimes autoritários do Oriente Médio, destacou Natalie. “Se os governos caírem, o controle sobre os arsenais militares provavelmente também desparecerá, com o risco de armas norte-americanas de última geração caírem em mãos de organizações hostis a Washington”, alertou. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=86417&edt=1

Reportagem do programa sessenta minutos da CBS sobre o Brasil.


O vídeo deste post é uma página vergonhosa de nossa história que remonta o tempo em que um ex-presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, poliglota e incenssado pelo PIG, vergonhosamente leva um pito de Bil Clinton durante evento com chefes de estados das principais potências mundiais. Deleite-se com o complexo de vira latas do boquirrôto FHC.

O ocaso de um político arrogante e medíocre.


Enquanto mineiro se fortalece, paulista perde espaço  (Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Enquanto mineiro se fortalece, paulista perde espaço


Do blog do onipresente.

O início da nova legislatura e as negociações para a definição dos líderes de partidos no Congresso Nacional evidenciam a ascensão do senador Aécio Neves (PSDB) como uma alternativa da oposição e a derrocada do ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB). Apesar do tempo que ainda falta para a disputa presidencial de 2014, Aécio já é apontado como virtual candidato ao Palácio do Planalto. Do outro lado, Serra, derrotado duas vezes na corrida pela Presidência da República, perde cada vez mais espaço dentro do próprio ninho tucano. O cenário ficou evidente no início dos trabalhos do Congresso e envolveu não só o PSDB, mas também o DEM, os dois maiores partidos da oposição.

Com um discurso claro de provável candidato e disposto a liderar a oposição, Aécio e seus apoiadores impuseram duas derrotas à turma serrista. Uma já foi selada: a eleição do deputado federal ACM Neto (BA) para a liderança do DEM na Câmara dos Deputados. A outra ainda não se concretizou, mas parece estar a caminho com a assinatura quase que por unanimidade da bancada do PSDB na Câmara de uma moção de apoio à recondução do ex-senador e agora deputado federal Sérgio Guerra (PSDB-CE) ao comando do partido. Nos bastidores, o nome de Serra, agora sem mandato, era um dos cotados para a presidência nacional do PSDB.

ACM Neto foi eleito com vantagem para a liderança da bancada democrata na Câmara dos Deputados. Por trás da vitória apareceu o ex-governador mineiro, que, além de virar votos a favor do baiano, articulou que o deputado federal Marcos Montes (DEM), seu ex-secretário de estado, desistisse da disputa em favor de ACM. A candidatura do deputado baiano à liderança teve o aval do presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), que nunca escondeu sua preferência por Aécio Neves, desde as longas idas e vindas que culminaram com a indicação de Serra como candidato à Presidência. ACM Neto derrotou por 27 a 16 o deputado Eduardo Sciarra (PR), candidato ligado ao demo-serrista Paulo Bornhausen (SC). Essa vitória abre caminho para a eleição em março do senador José Agripino (RN) – também ligado à cúpula aecista dos Democratas – para comandar o DEM.

Marcos Montes nega que haja interferência de Aécio Neves nas discussões internas do DEM. Segundo ele, a sua desistência da disputa e a escolha de ACM Neto com 11 votos de vantagem nada mais é do que um posicionamento claro do partido em torno de um projeto nacional. “Serra é uma página virada para o projeto do Democratas”, afirma. Para ele, é natural que a movimentação de Aécio Neves “cause ciúmes” em figuras ligadas ao ex-governador José Serra. “Terminamos a legislatura passada com uma oposição sem rumo, esfacelada e temos agora a expectativa de um trabalho mais articulado, tendo o senador Aécio Neves como liderança.”

‘Moção espontânea’

Também causou desgaste entre os serristas e aecistas o imbróglio em torno da possível recondução de Sérgio Guerra ao comando do PSDB. A turma ligada ao ex-governador mineiro alega que a moção pró-reeleição de Guerra foi espontânea, tanto que contou com o apoio de quase toda a bancada paulista, e que nada tem a ver com um eventual embate entre Aécio e Serra. Nega ainda que a escolha de Duarte Nogueira (SP) para a liderança do PSDB na Câmara e do mineiro Paulo Abi-Ackel para o cargo de líder da minoria na Câmara faça parte de uma estratégia para isolar Serra e fechar as portas do comando nacional da legenda para o grupo ligado a ele. Nogueira é aliado de primeira linha do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), enquanto Abi-Ackel é ligado ao ex-governador de Minas Gerais.

Também aliado de Aécio, o ex-senador Tasso Jereissati (CE), que não conseguiu se reeleger, é dado como certo na presidência do Instituto Teotônio Vilela (ITV), outro cargo no comando nacional do PSDB que também poderia ser assumido por Serra. Se não houver nenhuma reviravolta, outro aecista de primeira linha, o deputado federal Rodrigo de Castro, deve continuar ocupando um dos postos-chave do comando tucano: a Secretaria-Geral do partido.

Com um discurso bem mineiro e fora de tom, o confuso Rodrigo de Castro nega que haja qualquer estratégia para neutralizar a influência de Serra dentro do comando da legenda. Para ele, todas essas decisões recentes foram tomadas com o apoio dos parlamentares e governadores da legenda e “representam nada mais que a consolidação de um grande momento de renovação do partido”. “Não tanto pelos seus quadros, mas pela maneira de agir e pensar o papel da oposição.”

Castro afirma que a aprovação da recondução de Guerra, segundo ele, “completamente alinhado ao senador Aécio Neves”, e a indicação de Jereissati, também simpatizante do ex-governador mineiro, para o ITV, foram feitas de maneira democrática e com a participação de toda a bancada. Castro corre o risco de não permanecer no cargo. Sobre a possibilidade de permanecer no cargo de secretário-geral, o deputado desconversou. “Não é o momento para essa discussão.”

André Esteves morre de rir dos empresários de São Paulo


Primeiro mandato do presidente Nunca Dantes.

Uma platéia de empresários paulistas.

Jornalistas de Economia – que, como diz o Delfim, não são jornalistas nem entendem de Economia – do PiG (*).

Sobe ao pódio o executivo André Esteves que tinha vendido o banco  Pactual ao UBS suíço por US$ 3 bilhões.

E, por contrato, tinha que trabalhar por um tempo no UBS.

(Esteves, matemático, casado com uma matemática, entrou no Pactual como operador da mesa.)

A platéia exalava Hermès e Geraldo Alckmin.

Começa o Esteves.

O Brasil vive o melhor momento da sua História.

Silêncio profundo.

A platéia se entreolha e não pisca.

Os jornalistas de Economia olham para o chão.

O anfitrião pigarreia e arruma a gravata (Hermès).

Esteves continua.

O sistema financeiro brasileiro é sofisticado como qualquer sistema do financeiro do mundo.

A Bolsa de Valores do Brasil é do Primeiro Mundo.

O silêncio começa a dar medo.

A platéia não respira.

Os jornalistas de Economia respiram demais, ofegantes.

Esteves continua, como se dissesse que dois e dois são quatro.

Como qualquer economia capitalista em expansão, a próxima etapa da capitalização das empresas brasileiras se dará, em boa parte, no mercado de capitais.

Já, já começa uma fase de associações e aquisições de empresas, como forma de as empresas brasileiras subirem um degrau para atingir musculatura internacional.

Esse ciclo se processará na Bolsa.

Os empresários voltam a respirar, pausadamente, como se estivessem num balão de oxigênio.

Os jornalistas de Economia é que, agora, param de respirar.

Os bancos vão ter que se adaptar a esse processo.

E jogar o jogo da Bolsa, ao mesmo tempo em que investem no varejo para aproveitar o aumento da renda da população.

Aumento da renda da população !

Aí, foi demais.

Na platéia de empresários, alguns quebravam os copos para cortar os pulsos com os cacos.

Jornalistas de Economia corriam para o banheiro (sabe-se lá para que).

Como se percebe por fotografia, o Esteves de bobo só tem a cara.

E passou a falar mal da Carga Tributária !

Chega de Imposto !

Ninguém aguenta mais !

Aí, foi um delírio !

Aplaudido de pé.

Os jornalistas de Economia voltaram depressa, a arrumar as calças.

Aplausos frenéticos.

O anfitrião desabotoou a gravata (Hermès)  para aplaudir de pé, com mais veemência.

E esse ansioso blogueiro foi embora, morrendo de rir.

Como se sabe, Esteves voltou para o Brasil.

Fez o que disse que ia fazer.

Abriu um banco e foi quem mais se aproveitou do boom da Bolsa com IPOs.

E agora foi para o varejo, ao comprar o PanAmericano.

Aqueles empresários da platéia estão até hoje a pedir redução de impostos.

Os jornalistas de Economia, aparentemente, naufragaram no banheiro.

E o Esteves deve morrer de rir.

Especialmente do Silvio Santos.

Ele é muito engraçado !


Paulo Henrique Amorim

Propriedade cruzada: interesses explicitados




Extraído do Observatório da Imprensa:

DEBATE ABERTO

Propriedade cruzada: interesses explicitados


O editorial “Mudança de Rumo”, do grupo RBS, poderia ser considerado cômico se não se tratasse de uma questão fundamental para as liberdades democráticas. E mais: se a RBS não controlasse praticamente todas as formas de comunicação de massa no RS e em SC, constituindo um exemplo emblemático dos malefícios da propriedade cruzada.


Venício Lima


Comentando manchete de primeira página e matéria sob o título “Convergência de mídias leva governo a desistir de veto à propriedade cruzada” no Estadão de 27 de janeiro pp., levantei recentemente duas questões: (1) quem estaria interessado em confundir “convergência de mídias” com propriedade cruzada? e (2) quem estaria interessado em colocar na agenda pública a precária hipótese aventada por um conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações, como se aquela opinião pudesse constituir uma decisão de governo em matéria que, de fato, é constitucional? [cf. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=627IPB001].


As respostas às questões começam a aparecer publicamente, mais rápido do que o esperado.


O Grupo RBS

Em editorial – “Mudança de rumo” – publicado no dia 31 de janeiro nos seus oito jornais, comentado em suas 24 emissoras de rádio AM e FM e nos seus 18 canais de TV aberta espalhados pelo Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o Grupo RBS – afiliado das Organizações Globo – afirma sem meias palavras:

“Felizmente, o governo Dilma começa a emitir sinais de que está mudando o rumo do debate sobre o novo marco regulatório do setor de comunicações. Ao que tudo indica, sairão de cena velhos ranços ideológicos, entre os quais a campanha pelo veto à propriedade cruzada de veículos de informação e a obsessão pelo controle social da mídia, e entrarão em discussão temas objetivos como a própria liberdade de imprensa, a qualidade dos conteúdos e o cumprimento rigoroso dos preceitos constitucionais. (…) É bom que assim seja, até mesmo para que o país não perca tempo e energia com impasses ultrapassados, como o do veto à propriedade cruzada. A própria tecnologia se encarregou de derrubar este conceito, pois a convergência das mídias fez com que informações, dados e imagens passassem a trafegar simultaneamente em todas as plataformas” [cf. http://www.clicrbs.com.br/dsm/rs/impressa/4,41,3192512,16399 ].


Para o Grupo RBS, a “convergência das mídias” encarregou-se de derrubar o conceito de propriedade cruzada que, aliás, é “ranço ideológico”, “perda de tempo e energia” e “impasse ultrapassado”.


O editorial “Mudança de Rumo” poderia ser considerado cômico se não se tratasse de uma questão fundamental para as liberdades democráticas. E mais: se o Grupo RBS não controlasse praticamente todas as formas de comunicação de massa no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, constituindo um exemplo emblemático dos malefícios que a propriedade cruzada provoca para a pluralidade e a diversidade que deveriam circular no “mercado livre de idéias”.


E sabe quem pensa assim? O Ministério Público Federal (MPF) de Santa Catarina.


Ação Civil Pública

Em janeiro de 2009, uma ação civil pública foi proposta pelo MPF SC com o objetivo de anular a aquisição do jornal A Notícia, de Joinville e reduzir o número de emissoras de televisão do Grupo RBS aos limites permitidos pelo decreto-lei 236 de 1967 (cf. Ação nº. 2008.72.00.014043-5 disponível em http://www.direitoacomunicacao.org.br/index2.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=429&Itemid=99999999 ).


À época, um dos procuradores que elaborou a medida judicial, Celso Três, concedeu entrevista na qual afirmava que “a RBS governa o estado (de Santa Catarina)”.


Além disso, nota do MPF sobre a Ação afirmava:


“… o grupo (RBS) detém no estado o controle de seis emissoras de televisão; os jornais Diário Catarinense, Hora de Santa Catarina, Jornal de Santa Catarina e, recentemente, o jornal A Notícia; além de três emissoras de rádio. O pool de emissoras e jornais utiliza o nome fantasia Grupo RBS. Com o conhecimento expresso do Ministério das Comunicações, as empresas são registradas em nome de diferentes pessoas da mesma família com o objetivo de não ultrapassar o limite estabelecido em lei. Para o MPF, a situação de oligopólio é clara, em que um único grupo econômico possui quase a total hegemonia das comunicações no estado. Por isso, a ação discute questões como a necessidade de pluralidade dos meios de comunicação social para garantir o direito de informação e expressão; e a manutenção da livre concorrência e da liberdade econômica, ameaçadas por práticas oligopolistas” (ver aqui)


O processo da ação civil pública nº. 2008.72.00.014043-5 encontra-se concluso desde outubro de 2010 e aguarda a sentença a ser proferida pelo Juiz Diógenes Marcelino Teixeira da Terceira Vara Federal de Florianópolis.


Interesses explicitados

Enquanto a Justiça não se pronuncia, o Grupo RBS declara publicamente seus interesses como se fossem coincidentes com “os interesses do público e do país”. Ignora o § 5º do artigo 220 da Constituição e, mesmo assim, recomenda “o cumprimento rigoroso dos preceitos constitucionais”.


Defende e pratica a propriedade cruzada – que, na verdade, constitui uma forma disfarçada de censura – e tem a coragem de afirmar, em editorial, que “a liberdade de expressão não é uma prerrogativa dos meios e dos profissionais de comunicação – é um direito sagrado e constitucional dos cidadãos brasileiros”.


Pelo menos, a cidadania fica sabendo, diretamente, de quem e quais os interesses que de fato estão em jogo quando se defende a propriedade cruzada.


Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.