quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A humilhação de Barack Obama



Robert Grenier

20/9/2011, Robert Grenier, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Robert Grenier, hoje aposentado, serviu por 27 anos como analista do Serviço Secreto da CIA. De 2004 a 2006, dirigiu, na Agência, o Centro de Contraterrorismo.




Mais cedo ou mais tarde, acontecerá. Talvez aconteça pouco antes do primeiro encontro de chefes de estado em New York. Talvez aconteça pouco antes do primeiro encontro de coxia com Binyamin Netanyahu. Ou, também, pode acontecer como reação cumulativa, depois de uma série de encontros embaraçosos com outros chefes de estado. Mas acontecerá. 

O Primeiro Ministro israelense Netanyahu (foto) rejeitou sem qualquer escrúpulo o discurso do Presidente Barack Obama

Em algum momento dessa semana, durante a visita à Assembleia Geral da ONU, para a abertura dos trabalhos, o presidente Obama há de sentir um impulso, um irresistível desejo. Vai decidir levantar-se, livrar-se das correias que o manipulam e da onipresente burocracia que tenta ditar-lhe cada movimento e submeter até sua dignidade pessoal e, então, ele dirá “Basta”. 

Em abril de 1995, o presidente Clinton recebeu a então primeira-ministra do Paquistão Benazir Bhutto. As relações EUA-Paquistão estavam em queda livre. Poucos anos antes, os EUA haviam começado a aplicar sanções autorizadas pela então chamada “Emenda Pressler”, segundo a qual o Paquistão teria de ser punido com suspensão total de qualquer ajuda e impedido de fazer negócios de compra e venda de equipamentos militares, se se constatasse que buscava construir capacidade nuclear. O primeiro presidente Bush descobrira a coisa, e, naquele momento, os laços entre os dois países estavam sendo progressivamente cortados.

No cerne do crescente mal-estar entre as duas nações estava o cancelamento da venda de 28 jatos F-16. Os paquistaneses sabiam, desde quando assinaram o compromisso de compra, que o negócio poderia ser cancelado, se se invocasse a Emenda Pressler. Então, havendo a lei, e o presidente Bush já tendo declarado a culpa dos Paquistaneses, já nem se cogitava de entregar os aviões. Mas havia outra dificuldade. 

Os paquistaneses já haviam pago enorme quantidade de dinheiro, com enorme sacrifício, a título de adiantamento, na compra dos jatos. E naquele momento, segundo os EUA, os paquistaneses não poderiam receber os aviões nem poderiam ser reembolsados do que já haviam pago. Claro. O problema é que já não havia dinheiro para devolver; a empresa que recebera, gastara. Os aviões estavam construídos. Não havia meio legal, na legislação norte-americana, para fazer surgir o dinheiro para reembolsar os paquistaneses. 

Talvez, sim, vender os F-16s a outro país e, com o dinheiro assim havido, reembolsava-se os paquistaneses, mas essa via também teria de ser aprovada nos EUA por um Congresso hostil, e dificilmente se viabilizaria. Em resumo, não havia o que fazer. E, como que acrescentando insulto à injúria, os paquistaneses também estavam sendo forçados a pagar uma pesada taxa anual pela armazenagem de cada avião – cada avião que não podiam receber.

Defender o indefensável 

Obama será forçado a humilhar-se na ONU, enquanto
 tenta explicar por que ele deve singularmente vetar 
a proposta para criação do Estado palestino
Quando todo o aparelho de segurança nacional e da política externa dos EUA se move numa mesma direção, é visão impressionante. Vasto aparato da burocracia movia-se para elaborar longos argumentos que levassem a concluir a favor de uma decisão já tomada. E aqueles argumentos eram hipnoticamente repetidos de dúzias de diferentes maneiras, para uso em diferentes fóruns. Virou caso clássico. 

Via-me do lado de dentro da burocracia do Departamento de Estado, onde estava trabalhando à época. Fabricavam-se justificativas para o patentemente injustificável, que chegavam aos paquistaneses em todos os níveis. Saiam pela boca dos porta-vozes do Departamento de Estado e da Casa Branca, eram repetidos em depoimentos ao Congresso, distribuídos para a imprensa em diferentes enquadramentos, elaborados em respostas escritas a serem repetidas por deputados e senadores, e ao público em geral, para nem falar dos comunicados internos que circulavam dentro do Executivo.

Todo aquele ímpeto burocrático alcançou o clímax quando o presidente Clinton estava prestes a ter de repetir a mesma mensagem, pessoalmente, à primeira-ministra Bhutto.

Os preparativos para esse tipo de encontro também são muito impressionantes. Preparam-se grossos volumes de briefings que exigem, cada um, centenas de homens/hora de trabalho. São contextualizações, enquadramentos históricos e prospectivos e elaboradíssimas justificativas políticas, apoiados todos em memorandos e pareceres de especialistas em leis, organizados em tabelas em ordem alfabética, acompanhados de esmiuçamento de cada mínimo detalhe, um conjunto de dados e pareceres e informes organizados para converter o presidente em virtual boneco de ventríloquo. E então a coisa toda passa pelo crivo do sistema e, liberado, chega, através do secretário de Estado e do Conselho de Segurança Nacional, ao presidente em pessoa.

Aconteceu também naquele caso. Mas naquele caso, no final, depois de ter cuidadosamente estudado todo aquele nonsense codificado, aquele monumento à inércia burocrática, e pouco antes de andar na direção da ministra Bhutto, quando o presidente teria de olhar olho no olho da ministra, e defender o que era patentemente indefensável, Clinton fez o que ninguém – ninguém – na burocracia jamais imaginou ou teria imaginado.

Com o senso comum, o inato senso de justiça com que Deus dotou quase todas as crianças de cinco anos de idade, Clinton disse, simplesmente: “Mas isso não é justo”. E então, maravilha das maravilhas, entrou na sala e repetiu exatamente as mesmas palavras à ministra Bhutto.

Eis as palavras de Clinton, gravadas poucos instantes depois, quando os dois líderes apareceram ante a imprensa: “Já lhe disse claramente, e creio que nenhum presidente dos EUA jamais disse isso antes: não está certo que os EUA fiquemos com o dinheiro e com o equipamento. Não está certo. E vou tentar encontrar um modo de resolver o problema.” 

Se você jamais trabalhou dentro da burocracia da política internacional dos EUA, se nunca viu aquilo por dentro, você não conseguirá imaginar o efeito dessas palavras – uma posição política completamente construída, ali, publicamente descartada pelo presidente, completa e inesperadamente descartada, no último instante, e em palanque planetário. Deve ter sido maravilhoso. Infelizmente, tendo assistido à toda a preparação, não assisti ao desfecho, porque, então, já trabalhava noutro emprego. Daria qualquer coisa para ter assistido ao vivo.

Pode acontecer outra vez?

Mas aquela questão era comparativamente muito menor, acompanhada só por uns poucos, e só nos círculos políticos do sul da Ásia. Imaginem então, se puderem, acontecer algo parecido, essa semana, na Assembleia Geral da ONU, quando o presidente Obama terá de explicar a atual política dos EUA sobre o pedido dos palestinos, que solicitam reconhecimento internacional para um novo estado. 

Todos sabemos o que os EUA andam dizendo: que o que o presidente Mahmoud Abbas (Abu Mazen) está fazendo é contraproducente, que implica repudiar os acordos de Oslo, que é tentativa de negar a necessidade de uma solução negociada com os israelenses. Vimos o aparato-monstro da política dos EUA em movimento, com os mesmos argumentos repetidos pelos enviados dos EUA aos palestinos e ao Quarteto, publicamente elaborados pela secretária de Estado e pelo porta-voz da Casa Branca, e repetidos em dúzias de outros fóruns, dos maiores, aos menores.
Abbas deve ter a impressão de que Obama é caso de múltiplas personalidades – professa apoio à solução dos dois estados e, ao mesmo tempo, veta a resolução que possibilitaria aquela solução 

Mas repetir sempre a mesma coisa, em tom alto e insistente, não converte nonsense em argumento consistente. O presidente Obama sabe muito bem disso. Ele compreende as idas e vindas da questão Israel-palestinos. Ele sabe que o processo de paz chegou a um beco sem saída.

No início do governo, o presidente tentou reviver as negociações, ordenando completo congelamento das construções na Cisjordânia. Só conseguiu que o primeiro-ministro de Israel Netanyahu, para grande embaraço de todos, o forçasse a desdizer-se. Quando, em maio passado, Obama cometeu a temeridade de dizer publicamente aos israelenses que a atual política de Israel para os palestinos é impossível e insustentável, e modestamente sugeriu que negociassem uma fórmula para sair do impasse, foi publicamente castigado por Netanyahu e teve de passar pela humilhação de ver líderes do Congresso dos EUA, de seu próprio partido, repudiarem o presidente e manifestarem-se a favor do primeiro-ministro israelense.

Em resposta, embora não possa admiti-lo, Obama lavou as mãos e afastou-se da questão palestina. Sabe que não pode fazer mais nada. Nem por isso o problema diminuiu ou moveu-se, um passo que fosse. 

Agora, outra vez, Obama está sendo obrigado a apoiar publicamente uma posição política israelense fundamentalmente oposta à sua posição pessoal. Obama sabe perfeitamente bem que Netanyahu não tem qualquer intenção de permitir que se forme um estado palestino viável, e que os palestinos têm pouca chance de sucesso, no caminho que escolheram seguir na ONU.

Também entende que o apoio solitário dos EUA a Israel e o inevitável veto ao pedido dos palestinos que requerem o reconhecimento como estado membro das Nações Unidas, minarão, talvez irremediavelmente, a posição dos EUA no Oriente Médio em democratização e exporão, como fraude, o apoio apenas nominal dos EUA aos direitos populares dos árabes.

A dimensão humana 

Tudo isso está bem entendido. Já se pode ver o que acontecerá. Mas sempre esquecemos a dimensão humana. 

Para o presidente de uma grande nação, em alguns momentos, o que é público se torna pessoal, como aconteceu com Bill Clinton naquele dia de abril de 1995. Não conheço pessoalmente o presidente Obama, mas tenho a impressão de que é homem orgulhoso, que não se vê como político ordinário, mas como líder que transforma. Obama tentou autocentradamente, esculpir um papel desse tipo para si mesmo, no contexto das relações dos EUA com o mundo muçulmano, mas foi repetidamente bloqueado, publicamente e muito feiamente.

Uma coisa é sacrificar princípios ante a realidade política. Todos os políticos são forçados a isso, em diferentes momentos. Mas outra coisa é fazê-lo oficial e publicamente, ver-se obrigado a dizer o que o mundo sabe que são mentiras, em encontro frente a frente, com outros líderes mundiais, que sabem o que ouvem e que, como resultado, verão, no presidente dos EUA, o personagem degradado. 

Eis o que está guardado para o presidente Obama, na ONU. E ele sabe disso.

É verdade que, por mais ocupado que seja o presidente dos EUA, há vias de escape, muitos meios para evitar o que desagrade. Mas, em algum momento, quando o presidente estiver sozinho com seu livro de informes em New York, acontecerá. Ele sentirá um calor, um aperto no peito, e será tomado pelo impulso de pegar o livro encadernado em plástico e jogá-lo na cabeça de alguém. Então, sairá e dirá o que realmente pensa.

Todos sabemos que o presidente não fará nada disso. Ele sufocará o impulso, porque não sufocá-lo seria suicídio político. Não. O presidente engolirá em seco e fará o que é obrigado a fazer. 

Mas, sim, bem valeria a pena dedicar alguma consideração à ideia de fugir do script, porque os EUA mais uma vez estão minando a própria segurança e a própria posição global, sem motivo algum, gratuitamente, para nada, em obediência cega e servil a um aliado mal-agradecido e autodestrutivo, e que, dessa vez, terá conseguido mais, algo mais pessoal: a mortificação pública de Barack Hussein Obama. 

Pepe Escobar: “Tempos do Grande Ceifador”



22/9/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da VilaVudu 

Ver também
New bases extend US's drone war”, Jim Lobe, Atol23/9/2011 
O Grande Ceifador (Reaper) não foi formalmente convidado para a Assembleia Geral anual da ONU emNew York. 

Antigamente, era chamado “o Ceifador Implacável”. “Implacável” o bicho dissimulado, o odiado das gentes, ainda é – sempre sob vários disfarces. Reinventou o conceito de morte que vem dos céus e bem merece o nome que tem “MQ-9, o Ceifador” [orig. MQ-9 Reaper], engalanado com mísseis “Fogo do Inferno” [orig. Hellfire]. 

EUA Africa Command / Major Eric Hilliard - Ilhas Seychelles é onde os EUA mantinham temporariamente estacionados os Reaper MQ-9’s, sob o Comando operacional do Africom. Agora abriga uma base, onde a pequena frota desses drones  - “caçadores assassinos” - retomou as operações neste mês.


Mas também aparece de terno e gravata e incorpora a persona do presidente dos EUA. 

Leve-me ao alvo, sem atraso 

Barack Obama, da tribuna da ONU, disse ao mundo “Que ninguém duvide: a maré de guerra está baixando.” Nem os mais consumados especialistas midiáticos neo-Orwellianos conseguiriam superá-lo nessa tirada. 

Sobre o bombardeamento da Líbia, com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) inventando na Líbia a primeira democracia montada a bombas, Obama explicou: “É assim que a comunidade internacional deve, mesmo, trabalhar.” 

Imediatamente depois, aquele “funcionário da OTAN” suspeito de sempre, vazou que a Aliança estendeu por mais 90 dias a missão de fazer da Líbia um amontoado de ruínas; o alvará vigente expirará na 3ª-feira próxima. Claro. Disse também que as bombas inteligentes da OTAN só reconhecem os bandidos e nunca causam danos colaterais. 

Quanto à “comunidade internacional” – que passou a ser constituída só de membros da OTAN e monarquias do Golfo Persa, excluídos todos os demais povos da Terra – “terá de responder ao clamor por mudança” no Oriente Médio, segundo Obama. Alvos já definidos, como todos sabem, são, nesse parágrafo, a Síria e o Irã. 

Outra vez, também imediatamente, os “funcionários do governo dos EUA” de sempre vazaram que o governo Obama está montando o que o Washington Postdescreveu como “uma constelação de bases secretas de aviões-robôs tripulados à distância [orig. drones] no Chifre da África e na Península Arábica” [1]. Alvos já definidos, nesse caso, são a Somália e o Iêmen. 

Quanto ao pretexto, sem novidades: a mesma al-Qaeda, velho bicho-papão de sempre. Outra vez, as “empresas fornecedoras da Defesa” já começaram a desarrolhar as Moët.

Arma alada matadora, de baixo custo

Como aquelas empresas fornecedoras bem sabem, Washington está agora envolvida em nada menos que seis guerras – ou “cinéticas-seja-lá-o-que-for”, como a Casa Branca as define – no Iraque, Líbia, Afeganistão, Paquistão, Iêmen e Somália. 

Para o nosso amigo Ceifador Implacável, o avião robô pilotado à distância, odrone, o MQ-9 Reaper, o céu é, literalmente, o limite. A trilha de destruição que deixa já vai do Af-Pak, por todo o Leste da África, até o Golfo de Aden. Passará a ter bases na Etiópia e nas Seychelles, aquele adorável arquipélago no Oceano Índico famoso pelas fabulosas praias e resorts dez estrelas. 

A frota “caçadora-matadora” de drones MQ-9 Reapers – com serventia, em pentagonês, para “vigilância” e “ataque” – estacionada num hangar próximo ao principal terminal de passageiros em Victoria, nas ilhas Seychelles, inaugurará conceito totalmente novo de linha aérea de baixo orçamento.

Por mais que estejam sendo exibidos como brinquedinhos inocentes que sobrevoam a Somália “para apoiar ações em curso de contraterrorismo”, já se podem apostar garrafas extras de Moët: mais dia menos dia, os sucessos dessa linha aérea matadora de baixo custo chegarão às manchetes. 

Naturalmente, os drones Ceifadores MQ-9 Reapers não bombardearão os (como se dizia antes) “rebeldes” líbios ligados à al-Qaeda que, hoje, têm completo controle militar em Trípoli. 

Só serão usados depois de os extremistas islamistas líbios linha duríssima iniciarem sua missão de talibanização – seja como parte ativa dentro do governo do Conselho Nacional de Transição, seja como força de guerrilha que combaterá contra a OTAN. O Pentágono sempre respeita a tradição que manda cuidar melhor dos futuros inimigos do que dos atuais amigos. 

Nesse universo afogado em novilíngua, conhecido como “círculos avançados de vigilância”, ninguém se preocupa com dano colateral. Até um think-tank doestablishment, como a Brookings Institution, já disse que, para cada “terrorista” morto, “morrem também dez civis ou mais”. Estimativas mais realistas falam de 15 civis mortos, por “terrorista” que morda a poeira. 

E, enquanto isso, essa guerra à moda EUA-Playstation promovida pelo Pentágono nunca cessa de ser ‘atualizada’: aviões-robôs ceifa-vidas, Reapers ou filhos de Reapers, logo estarão executando suas próprias tarefas, ativados por tecnologia de pontíssima, sem nenhuma intervenção humana.

O que nos traz de volta a Obama. 

Essa liberdade não é p’rô seu bico 

De sua tribuna na ONU, Obama insistiu: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Não se aplica aos palestinos – porque Obama acha que, se dissesse que se aplica, passaria à lista dos desempregados em novembro de 2012. 

Obama disse também que “os israelenses têm sido mortos por foguetes e suicidas-bomba”. Mas, no opus de 47 minutos à ONU, sequer sugeriu que algum dia venha a ser capaz de admitir algo como: “os palestinos têm sido mortos por ataques com jatos bombardeiros, bombas de fragmentação, bombas de perseguição, bombas de fósforo, tanques, atiradores clandestinos escondidos em prédios, punição coletiva e, claro, muitos ataques com aviões-robôs comandados à distância, drones, os Reapers, os ceifadores”. 

Obama sequer deu sinal de cogitar de mencionar, nem de longe, nem de passagem, as fronteiras pré-1967 para um futuro estado palestino – fronteiras que virtualmente são apoiadas por todo o planeta. Normal, se se considera que recentemente Obama não conseguiu, sequer, convencer o governo de Israel a parar de construir prédios para colonos israelenses, em terra roubada. 

No que tenha a ver com a posição de Washington ante a requisição dos palestinos para que a ONU reconheça o estado palestino, consumiram-se torrentes de bitespara explicar que os EUA são obrigados a obedecer ao que Israel ordene, ao mesmo tempo em que fingem que não são pau mandado de Israel. 

Na véspera da reunião do Conselho de Segurança da ONU, a Palestina já tinha a seu favor nove dos 15 votos necessários para ser reconhecida como estado – o que valerá aos palestinos retumbante vitória moral, mesmo que se considere o inevitável veto dos EUA. 

Muito significativamente, votam a favor do pedido as cinco potências emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), além de Bósnia, Gabão e Nigéria. Alemanha, Colômbia e os EUA declararam que votarão contra. Claro que, assim sendo, Washington desencadeou impressionante movimento de “pressão-baixaria” sobre a Bósnia (país de maioria muçulmana), o Gabão e a Nigéria (membro da Organização da Conferência Islâmica [ing. Organization of the Islamic Conference, OIC]. 

A ninguém preocupa ou interessa que a ideia de um estado palestino seja consensual na comunidade internacional – na verdadeira, de carne e osso; não o fantasma-esqueleto de que Washington tanto fala. 

Basta examinar um mapa e ver a erosão que Israel já promoveu em terras palestinas de 1946 a 2011, para entender que Israel já matou a Solução dos Dois Estados, independente do que aconteça na ONU. 

“Fatos em campo” que realmente contam: Israel é a dominatrix suprema de toda a política exterior dos EUA; o Congresso dos EUA é prostituta que Israel sustenta e espanca. “Fato em campo” é, também, Obama tentando engambelar os muçulmanos com floreios retóricos em Istanbul e no Cairo para, em seguida, quando a coisa endurece, encolher-se sob o chicote da dominatrix. 

E tudo isso enquanto, do norte da África ao Oriente Médio, multidões nas ruas lutam para ter a mesma “liberdade” da qual norte-americanos (e israelenses) aparentemente gozam, mas que são negadas para sempre aos palestinos. 

Aconteça o que acontecer na ONU, Israel fez o negócio do século. 

Sob a carapuça de um “processo de paz” morto-vivo, sucessivos governos de Israel nunca pararam de roubar terra e propriedades dos palestinos, de construir prédios ilegais em colônias ilegais e de adiar sempre qualquer solução. E só os EUA pagarão o pesado peso político. 

Washington paga pelas colônias ilegais. Washington guerreia contra virtualmente todos os inimigos de Israel. Washington antagoniza letalmente 1,3 bilhão de muçulmanos em todo o mundo. Washington consome trilhões de (seus) dólares... e entrou em bancarrota, para manter uma “guerra ao terror” – que é guerra de Israel. 

O que nos leva a mais uma das máscaras do Grande Ceifador, o drone, o odiado das gentes. 

Pode ser um avião-robô tripulado à distância, MQ-9, matador no Af-Pak ou na nova rota da morte Seychelles-Somália. Pode ser telecomandado pelo presidente dos EUA contra os palestinos. E também atende pelo nome de Bibi. Está cá, lá, acolá, está em todos os lugares. Tremei. Vem aí o Ceifador. Tremei. Se nããããão.... 



Nota dos tradutores

Afinal, o que quer a imprensa?



 

Publicado em 22/09/2011 por Mair Pena Neto

A maioria dos grandes meios de comunicação da América Latina está em conflito aberto com os presidentes eleitos de muitos países, trazendo à tona o debate sobre deveres, limites e responsabilidades da informação. Em nome de uma suposta liberdade de imprensa, os meios rejeitam qualquer tipo de regulamentação, sempre acusada de censura, e afirmam que já existem os canais de controle da sociedade sobre possíveis erros ou excessos cometidos pelos jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão.

Um destes caminhos seria a Justiça comum. Um cidadão, político, artista, jogador de futebol ou o que seja, teria a lei a seu lado para exigir reparações no caso de se sentir ofendido ou injustiçado. A situação não é tão simples assim, já que os danos que uma matéria mal apurada ou mal intencionada podem causar são, muitas vezes, irreparáveis. Ter o seu nome estampado nas páginas como ladrão, corrupto ou assassino é uma mancha difícil de apagar, mesmo que a Justiça venha a estabelecer alguma reparação, geralmente de caráter pecuniário. Os meios de comunicação não costumam se desculpar por seus erros e o que se resolve nos tribunais não merece grande espaço nos noticiários.

O recurso à Justiça foi a opção tomada pelo presidente do Equador, Rafael Correa, contra um artigo do jornalista Emilio Palacio, no jornal El Universo, no qual afirmava que o dirigente máximo do país teria ordenado “fogo à vontade contra um hospital cheio de civis e inocentes” durante a rebelião policial de setembro de 2010, quando o próprio Correa foi mantido por 12 horas como refém no mesmo hospital, cercado pelos revoltosos.

De vítima do que foi considerado tentativa de golpe de Estado e que valeu a Correa a solidariedade de vários presidentes latino-americanos e até de líderes conservadores mundiais, como o francês Nicolas Sarkozy, o presidente do Equador passou a “assassino de lesa humanidade” que, de acordo com o articulista do El Universo, poderia vir a ser processado por futuros presidentes.

Correa entrou com processo contra o jornal em março deste ano e, em julho, decisão de primeira instância condenou três diretores do jornal e o jornalista Emilio Palacio a três anos de prisão e multa de US$ 40 milhões por injúria. As duas partes recorreram. Os advogados de Correa consideraram a quantia insuficiente, pois o dano causado seria irreparável, já que o editorial ficaria nos anais da história, nas bibliotecas do país e do mundo e permanentemente na internet. Os advogados do jornal pediram nulidade do processo, considerando decisão incompleta por fixar multa, mas não a responsabilidade penal da empresa.

Decisão de segunda instância, nesta semana, confirmou a condenação e o caso vai agora à Corte Nacional de Justiça. “Tudo isso foi muito duro mas necessário”, afirmou Correa após a decisão. Seus advogados já tinham afirmado após a primeira decisão que pela primeira vez na história do país tinha sido eliminado o “direito ao insulto” e que qualquer cidadão seria capaz de exigir que sua honra fosse restaurada.

A história poderia ter sido diferente se o jornal tivesse provas de que Correa mandara abrir fogo contra o hospital, o que normalmente se exige do bom jornalismo. Depois, poderia ter sido mais responsável e evitado a publicação do texto diante da gravidade das acusações e da falta de sustentação do que era afirmado. Nada disso foi feito. Os gestores do jornal se eximiram da responsabilidade sobre o artigo e propuseram uma retificação escrita pelo próprio presidente, que a recusou, considerando a proposta um insulto à inteligência.

A decisão judicial pode levar ao fechamento do jornal, com muitos prejuízos envolvidos. Correa anunciou que não pretende ficar com um tostão do dinheiro a ser pago e cogita utilizá-lo para garantir o emprego dos jornalistas que lá trabalham. O radicalismo da situação reflete bem o que acontece em boa parte da América do Sul. A grande imprensa tem ou teve problemas com Correa, com Lula, com Evo e com Chávez, desde que se candidataram à presidência de seus respectivos países.

Os dirigentes da grande mídia costumam atribuir os conflitos a um caráter ditatorial dos presidentes legitimamente eleitos, mas parece muito mais que não aceitam a ascensão ao poder de líderes populares, que buscam acabar com privilégios e reduzir as desigualdades e a pobreza no continente.

Mair Pena Neto é jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.

Enviado por Direto da Redação