segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Supremo jogou fora dois direitos fundamentais


Do Justiça em Foco


por Pedro Ivo Gomes da Silva Mafra

Acho que talvez esteja mais para a ressaca do carnaval, todavia ainda toca "o samba do crioulo doido", o "cabaré de cego" e outras marchinhas não tão bonitas. Esta foi literalmente a semana do "ativismo judicial", das acrobacias argumentativas, que hão de constar nos livros e a serem citadas como "o caso dos irmãos Naves" ou o "o caso dos exploradores de cavernas", como exemplos. Semana da vergonha alheia. Dois direitos fundamentais foram jogados aos porcos, para não dizer o mesmo da maioria dos membros do STF. Se já tive algum respeito por aquele Tribunal, foi-se. É a ditadura do Judiciário, que é a pior entre todas, porque contra ela não há a quem recorrer, como salientou Rui Barbosa.
 
Os professores de IED terão que ensinar "comon law" daqui em diante, porque relativizada a Constituição da República da vergonha. E a massa dos ordenadores do direito, no país que mais os têm no mundo, ainda que em quantidade, não em qualidade, porque se do contrário fosse haveria um levante. Tal massa de bacharéis queda-se silente, acomodada, como quase sempre. São motivos para uma investida pública. É bonitinho citar Sobral Pinto dizendo que a "advocacia não é profissão para covardes", mas e aí, na hora do vamos ver? Será que não chegou o momento de subir o tom e mostrar a que veio OAB? De deixar de lado a politicalha, a etiqueta? Que está faltando hombridade neste país acho que ninguém discorda, mas hodiernamente não há falta, simplesmente não há seu resquício. E isso não se dá só no Poder Judiciário, mas sim nos demais Poderes da República das bananas ou dos bananas, no momento estou em dúvida.
 
Não raro tenho que ler "República e Constituição" de Geraldo Ataliba, as obras de Celso Antônio Bandeira de Mello, e outros clássicos, para não perder totalmente as esperanças. Por que hoje pouco se ensina "direito", raciocínio lógico jurídico, o moribundo compromisso ético com a profissão..., mas sim macetes para se passar em concursos, técnicas de memorização... Veja-se os livros jurídicos mais vendidos, praticamente todos para concursos, a despeito da boa doutrina. Mas jamais aqueles se sobressaem em importância a esses. Essa decisão deve ter custado caro, é o escancarar da vida fiscal e bancária do cidadão, cujas informações podem e serão usadas casuisticamente, garanto-lhes. Porém mais caro ainda é ver direitos e garantias fundamentais conquistadas a preço de sangue durante a história da humanidade se esvaírem pela mão de um Tribunal composto por onze ministros (sim, com "m" minúsculo). Vossa Excelência é pronome de tratamento para quem dele faz jus, não pela toga, sequer pelo cargo. Indivíduos que deixam a Constituição da República, que nos custou tão cara, à custa de milhares de vidas, do sobressair a uma ditadura sangrenta, da união de eminentes juristas que participaram de sua elaboração, ser deixada à mercê do acaso e do "interesse" de alguns. Vendida a preço de banana.
 
Hoje vilipendiam o direito ao sigilo fiscal e ao bancário, tal como ontem o fizeram com o direito fundamental à presunção de inocência. E amanhã, o que será? Como disse Celso de Mello, decano do STF, o único que particularmente tem minha admiração, retrocedemos secularmente. Pensem nisso!                                           
 
Pedro Ivo Gomes da Silva Mafra - advogado, especialista em direito constitucional, tributário e administrativo.
 
http://www.jornalggn.com.br/noticia/supremo-jogou-fora-dois-direitos-fundamentais-por-pedro-ivo-gomes

Processos envolvendo tucanos não avançam na Justiça


Jornal GGN - Reportagem da edição brasileira do El País analsa dois escândalos ocorridos em gestões do PSDB, mostrando que eles não avançam no mesmo ritmo dos processo contra o PT e outros partidos da base aliada do governo federal. 

No caso da lista de Furnas, um documento com os nomes de políticos que teriam ganho contribuições de campanhas, vindas de um esquema de caixa dois envolvendo a Furnas Centrais Elétrica. Ao todo, 156 políticos teriam recebido R$ 40 milhões de reais na campanha de 2002, incluindo nomes como Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra. A autenticidade do documento sempre foi q0uestionada, apesar de laudos da Polícia Federal apontarem para sua legitimidade. O caso da lista reapereceu após depoimento de Alberto Yousseff na Operação Lava Jato, que disse que ouviu do ex-deputado José Janene que parte das propinas iria para o senador Aécio Neves. Na matéria, também são citados o caso do cartel dos trens e do mensalão tucano. Leia mais abaixo:

Do El País


Processos envolvendo tucanos ou ocorridos durante gestões do PSDB não avançam
 
Nos últimos anos, em um processo que começou com o mensalão e avança agora com a operação Lava Jato, o brasileiro se acostumou com algo até então considerado improvável: ver políticos no banco dos réus. Ex-ministros,senadorestesoureiros e líderes partidários foram condenados a penas de prisão em regime fechado. A lei parecia finalmente se voltar para os crimes de colarinho branco cometidos por aqueles que integram o establishment político. Se por um lado processos contra o PT e partidos de sua base aliada avançam em ritmo acelerado, o mesmo não se pode dizer dos dois grandes escândalos de gestões do PSDB. Inquéritos estacionados há anos, juízes arquivando denúncias e penas prescrevendo: esta é a história da lista de Furnas, do trensalão e do mensalão tucano.
 
O primeiro caso citado trata-se de um documento de cinco páginas divulgado pela revista Carta Capital em 2006 que trazia os nomes de políticos supostamente agraciados com contribuições de campanha frutos de um esquema de caixa dois envolvendo a Furnas Centrais Elétricas, empresa de capital misto do setor elétrico, subsidiária da Eletrobras. No total, 156 políticos teriam recebido 40 milhões de reais no pleito de 2002 – 5,5 milhões teriam irrigado a campanha de Aécio NevesGeraldo Alckmin e José Serra também apareciam na planilha. Os tucanos sempre questionaram a autenticidade do documento: “É uma das mais conhecidas fraudes políticas do País (...) uma tentativa de dividir atenção da opinião pública”, afirmou Aécio em meio ao escândalo do mensalão. Por outro lado, laudos da Polícia Federal apontaram para a legitimidade da lista.

A lista voltou à tona graças a depoimentos de delatores da Lava Jato. O doleiro e delator da operação da PF Alberto Youssef afirmou, em 2015, ter ouvido do ex-deputado José Janene (PP) —morto em 2010— que parte da propina arrecadada em contratos de uma diretoria da Furnas seria dividida com Aécio. Após analisar o conteúdo do depoimento do delator, a Procuradoria-Geral da República optou por não incluir o senador entre os investigados por considerar que faltavam evidências contra ele. Posteriormente o lobista Fernando Moura, amigo do ex-ministro José Dirceu e ligado ao PT, disse perante o juiz federalSérgio Moro que Furnas era controlada pelo tucano e operava com um esquema de propinas semelhante ao da Petrobras. "É um terço São Paulo, um terço nacional e um terço Aécio", disse Moura. Instado a explicar a afirmação, o lobista disse que o núcleo de São Paulo seria o PT estadual e o grupo político de Dirceu, enquanto que o núcleo nacional seria o diretório nacional da legenda. Ainda segundo o delator, a indicação de Dimas Toledo para direção da estatal do setor elétrico teria sido feita pelo senador tucano, pouco depois da eleição de Lula em 2002.

"O Dimas na oportunidade me colocou que, da mesma forma que eu coloquei o caso da Petrobras, em Furnas era igual. Ele falou: ‘Vocês não precisam nem aparecer aqui, vocês vão ficar um terço São Paulo, um terço nacional e um terço Aécio”, relatou o lobista ao magistrado. O delator chegou a ser ameaçado com a perda dos benefícios de seu acordo com a Justiça, uma vez que mudou um de seus depoimentos envolvendo Dirceu –o que o fez voltar atrás e incriminar novamente o ex-ministro de Lula de ter lhe recomendado que deixasse o país na época das denúncias do mensalão. Aécio negou qualquer envolvimento no caso, e disse que é uma tentativa do Governo de colocar no colo da oposição um escândalo que é "do PT".

Em março de 2012 o juiz federal Roberto Dantes de Paula remeteu o processo para a Justiça Estadual do Rio de Janeiro, onde ele voltou à etapa de inquérito –investigação preliminar. À época a procuradoria da República já havia denunciado 11 pessoas por envolvimento no esquema, entre elas o ex-diretor da empresa Dimas Toledo. Até o momento, quase quatro anos após a mudança de foro do processo, a Polícia não apresentou suas conclusões sobre o caso para que o Ministério Público possa oferecer nova denúncia. A reportagem não conseguiu falar com a delegada Renata Araújo dos Santos, da Delegacia Fazendária do Rio, responsável pela investigação.

Cartel de trens e metrô

O outro escândalo tucano é ainda mais antigo que a lista de Furnas. Batizado detrensalão, trata-se de um esquema de pagamentos de propina e formação de cartel para disputar licitações do Metrô e da CPTM no Estado de São Paulo. Os primeiros indícios de corrupção do caso surgiram em 1997, durante o Governo do tucano Mário Covas, morto em 2001. À época a Polícia Federal indiciou 10 pessoas ligadas à gestão do governador. Dez anos depois, supostas propinas pagas pela empresa Alstom começam a ser investigadas em vários países, e em 2008 um funcionário da Siemens detalha o esquema de propinas em projetos do Metrô e da CPTM de São Paulo e do Metrô do Distrito Federal. Posteriormente, a Siemens decidiu procurar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica para delatar a existência do cartel. Mais de uma dezena de processos do caso tramitam na Justiça, a maioria deles relacionados a contratos superfaturados para reforma e manutenção de trens. O período no qual o cartel agia abrange os Governos dos tucanos Mário Covas, Geraldo Alckmin, e José Serra, além de Claudio Lembo, que à época era do PFL (atual DEM). Nas estimativas do MP, o esquema pode ter dado prejuízos de mais de 800 milhões de reais aos cofres públicos.
 
Até o momento, apenas executivos das empresas envolvidas foram denunciados, nenhum político com foro privilegiado responde na Justiça pelo caso. Alckmin afirma que o Estado foi a grande vítima do caso: “O Governo do Estado entrou com uma ação contra todas as empresas, inclusive exigindo indenização do erário público”. Já Serra garante que durante sua gestão o preço dos serviços contratados baixou: “Nós fizemos uma luta anticartel, para pagar 200 milhões de reais a menos”.
A tramitação dos processos, no entanto, não ocorre sem entreveros. Uma das denúncias do MP contra o ex-executivo da Siemens Marco Missawa foi arquivada pelo juiz Rodolfo Pellizari. Especialistas consultados pelo EL PAÍS afirmam que é bastante raro que o juiz peça o arquivamento de uma denúncia robusta do Ministério Público. No final de 2015 o Ministério Público recorreu da decisão, e o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou em dezembro passado que o magistrado aceite a denúncia: "Da mesma forma como não se aceita condenação precipitada, desrespeitando-se os princípios do contraditório e da ampla defesa, também não se aceita decisão prematura", disseram os juízes.
O promotor Marcelo Mendroni, responsável pelo processo, questiona a isenção deste juiz para julgar um caso que ele já mandou arquivar. “Fica difícil não dizer que haverá uma certa suspeição, uma vez que o juiz achava que a evidência não era suficiente nem para aceitar a denúncia, dificilmente vai achar suficiente para condenar”, afirma. “Mas não há o que fazer”. Mendroni diz também que não é possível comparar as investigações do cartel de trens em São Paulo com a Lava Jato, uma vez que as operação que apura corrupção na Petrobras conta com uma força-tarefa com vários promotores: "Aqui nós vamos nos desdobrando". O promotor acredita que ainda neste semestre terá início o julgamento.
Em fevereiro de 2015 o Supremo Tribunal Federal arquivou um pedido para investigar o deputado federal Rodrigo Garcia (DEM-SP) e o ex-deputado federal José Aníbal (PSDB-SP), que haviam sido citados por um executivo da Siemens como beneficiários de propinas no esquema de fraudes do trensalão. Até o momento ninguém foi condenado no caso.

Mensalão tucano

A figura mais emblemática da suposta impunidade tucana é o ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB). Ele foi condenado em dezembro de 2015 a 20 anos e dez meses de prisão em regime fechado por peculato e lavagem de dinheiro no caso conhecido como mensalão tucano, ocorrido há 17 anos. Os crimes, supostamente ocorridos em 1998, foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República apenas em 2007. No ano passado, após a PGR pedir pena de 22 anos para o então deputado federal, ele renunciou ao mandato. Com isso, ele perdeu o foro privilegiado mas ganhou tempo, pois o julgamento do seu caso voltou para a Justiça comum, em primeira instância. Entre o Supremo Tribunal Federal –que o julgaria se mantivesse o foro– enviar o processo de volta à Vara correspondente e a juíza Melissa Pinheiro Costa Lage emitir sua decisão nesta quarta, se passaram 21 meses. Como a decisão foi de primeira instância, ele poderá aguardar a tramitação de seus recursos em liberdade, e existe a expectativa de que os crimes atribuídos a ele tenham prescrito antes de acabarem os recursos. Neste caso, Azeredo não chegará a cumprir pena alguma.

À época da remessa dos autos do STF para a Justiça comum, o então presidente da Corte, Joaquim Barbosa, criticou a manobra do tucano: "O processo tramita aqui há nove anos [...]. Só de abertura da ação penal vamos para mais de quatro anos. Não parece bom para o tribunal permitir essa valsa processual, esse vai e volta”. A demora da Justiça em condenar os responsáveis pelo mensalão tucano não passou despercebida pela juíza. "Triste se pensar que, talvez toda essa situação, bem como todos os crimes de peculato, corrupção e lavagem de dinheiro, tanto do presente feito, quanto do mensalão do PT, pudessem ter sido evitados se os fatos aqui tratados tivessem sido a fundo investigados quando da denúncia formalizada pela coligação adversária perante a Justiça Eleitoral".

http://www.jornalggn.com.br/noticia/processos-envolvendo-tucanos-nao-avancam-na-justica

O Supremo e a noite escura do Brasil, por Márcio Sotello


Do Justificando


Marcio Sotelo Felippe

Quando Chico Buarque de Holanda não conseguia passar pela censura da ditadura militar qualquer música que assinasse, inventou um personagem. Deu-lhe o nome de Julinho da Adelaide, que “compôs” o samba Chama o ladrão. Aprovada pela censura, obteve grande sucesso. “Julinho da Adelaide” deu até entrevista para Mario Prata contando a história de sua vida e de sua mãe Adelaide... [i]

A letra era uma denúncia satírica da delinquência repressiva da ditadura militar. Assinada por Chico, evidente a natureza política. Mas por alguém com o nome de sambista do morro terá sido talvez entendida como a história de um malandro fugindo da polícia. Dizia “acorda amor/eu tive um pesadelo agora/sonhei que tinha gente lá fora/batendo no portão, que aflição/era a dura, numa muito escura viatura/minha nossa santa criatura/chame, chame, chame o ladrão/chame, chame o ladrão, chame o ladrão”. No final, o eu lírico de Julinho da Adelaide percebe que não era pesadelo coisa nenhuma. Era a dura mesmo. Ou a ditadura.
 
Escrevo na manhã de quinta, 18 de fevereiro e ao acordar, naquela perturbada zona limítrofe entre sono e vigília, pensei ter tido pesadelo, como na letra de Julinho da Adelaide. Pensei ter sonhado que no dia anterior o STF havia decidido que onde estava escrito na Constituição Federal “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” devia-se ler “ninguém será considerado inocente até o trânsito em julgado da sentença penal absolutória”. Era um pesadelo: o STF voltava aos tempos pré-iluministas, aos tempos do Santo Ofício, em que a acusação era suficiente para que alguém fosse presumido culpado e que Deus providenciasse uma prova da inocência por uma ordália.
 
Pensei ter sonhado que o celebrado constitucionalista Barroso, ora ministro do STF, que tanto escreveu sobre como princípios deveriam moldar o ordenamento, havia dito que era preciso reestabelecer o “prestígio e a autoridade das instâncias ordinárias” e que em certos casos até após apenas a decisão condenatória em primeira instância a prisão poderia caber, e deu como exemplo o júri.
 
Porque, afinal de contas, somente em pesadelo um ministro do STF tido como moderno poderia dizer tal coisa em um país em que a população carcerária cresce em proporções geométricas, submetida a condições absolutamente degradantes, sub-humanas e em que, como Celso de Mello lembrou na mesma sessão, 25% das condenações são revertidas no STF.
 
Mas não era pesadelo.
 
Corri para o computador para verificar o acórdão do STF no HC 84.078, que fez valer a presunção constitucional de inocência em 2009.  Porque poderia se dar que eu tivesse sonhado a sua existência. Mas não. Também era real. E nele, exatamente nele, no acórdão que sete ministros do STF pisotearam no dia 17 de fevereiro, cita-se uma frase do maior dos advogados brasileiros, também um dia ministro do STF, Evandro Lins e Silva: “na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente”.
 
Chama o ladrão?
 
Nada disso era sonho, mas também não amanheceu. Há algum tempo que são 3 horas da madrugada no Brasil, a hora mais trevosa da noite, a hora que secular tradição diz ser a hora do demônio.
 
Na noite escura do Brasil, sob uma Constituição democrática na qual o princípio da dignidade humana é basilar, cresce a repressão do Estado, hipertrofia-se o Direito Penal, mais e mais gente abarrota cadeias em nome da “ordem” e há uma criminosa omissão de parte da sociedade e de autoridades diante dos homicídios cometidos pelas Polícias Militares. São jovens, negros e pobres das periferias que morrem nessa hora mais escura e jamais verão os raios da aurora. E diante de seus cadáveres há omissão ou às vezes festejos.     
 
Na noite escura do Brasil torturadores confessos dos tempos da ditadura zombam de nós, impunes e sob o beneplácito do Estado. São enterrados com honras militares A impunidade dos perpetradores dos crimes de lesa humanidade ecoa hoje nos porões das delegacias.
 
Na noite escura do Brasil juízes se veem como agentes da segurança pública e fiscais de (seletiva) moralidade pública, pequenos torquemadas, e não como garantidores de direitos. Prendem para obter confissões e são festejados como heróis.
 
Na noite escura do Brasil magistrado que cumprir a Constituição e libertar pessoas presas além do tempo da pena pode ser punido pelos seus pares.
 
Na noite escura do Brasil zumbis vestidos de amarelo pedem a volta da ditadura e sorriem felizes em fotos com soldados armados.
 
Na noite escura do Brasil dizem que tudo isto está muito bem porque é preciso manter a ordem, prender corruptos e “higienizar” a sociedade, seja matando, seja amontoado pessoas como ratos em presídios imundos, seja pisoteando garantias fundamentais.
 
Na noite escura do Brasil é desordem defender direitos, é desordem dar eficácia aos preceitos democráticos da Constituição, é desordem garantir a dignidade humana. É desordem até mesmo libertar presos que já cumpriram pena.
 
Mas esta “ordem” é, como dizia com a contundência e a coragem dos grandes advogados Evandro Lins e Silva, a vontade do mal. Como se defender se o mal veste majestosas togas cheias de pompa e circunstância e é proferido por pessoas que ali estão, supostamente, para guardar a Constituição? Chama o ladrão?
 
O velho e sábio mestre da Filosofia do Direito Goffredo da Silva Telles fulminava a ideia de “ordem” dizendo que tudo pode ser ordem ou desordem. Usamos essas palavras quando a disposição das coisas nos convém. E elas podem nos convir como seres éticos ou convir para aqueles que, no fundo, “equiparam-se um pouco” a quem delinque e podem fazê-lo, insciente ou não do mal, em nome do Estado. E isto não sou eu que digo. Foi um ex-ministro do STF, citado pelo próprio STF, que disse.
 
As palavras “norma”, “interpretação da norma” “decisão judicial”, “poder”, “autoridade” e outras tantas tem a capacidade de suspender juízos lógicos e morais. Elas proporcionam um salto para o pensamento mágico. Basta a palavra para que se perca o sentido de mal e bem.
 
Na noite escura do Brasil pune-se.
 
Marcio Sotelo Felippe é pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de 1995 a 2000. Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.
 
http://www.jornalggn.com.br/noticia/o-supremo-e-a-noite-escura-do-brasil-por-marcio-sotello