quinta-feira, 1 de setembro de 2011

LETÍCIA E OS MACHISTAS RIDÍCULOS

 



 
Eu já estava saindo de casa pra dar aula quando fiquei sabendo de uma fraude que me deixou indignada. E minha revolta continua. Ontem a Rádio Globo — sabe, não uma estaçãozinha qualquer, mas uma que pertence ao maior grupo de mídia do país — entrevistou a Letícia Fernandes, autora do blog Cem Homens em um Ano. Até aí, zuzo bem. Afinal, Letícia, comprovando meus prognósticos (eu sabia que seu blog iria bombar), nos últimos dias conversou com vários grandes portais. Semana passada ela foi entrevistada pelo Globo, e seu blog teve 400 mil acessos num único dia. É algo que parece muito legal, mas não é. Depois eu falo nisso. Mas então. O problema é que a Letícia entrevistada pela Rádio Globo... não era a Letícia. Era uma moça não muito esperta se passando pela Letícia. Na realidade, o problema tampouco é esse. O problema é o machismo explícito do entrevistador. E não só dele. Tive o trabalho de fazer a transcrição da entrevista. É possível também escutá-la aqui, já que a verdadeira Letícia a salvou no seu tumblr.

Antonio Carlos: Vou conversar aqui com uma pessoa que anda causando uma polêmica muito grande. Ela é jornalista – baiana, né? Ela quer transar com cem homens em um ano! Que loucura, né? Bater recorde e se tornar a nova Bruna Surfistinha. É, tem maluco pra tudo, né? Bom, vou ler aqui a notícia pra vocês: a jornalista baiana que atende pelo nome de Letícia Fernandes quer bater um recorde, transar com cem homens em um ano. Segundo ela, que já está sendo chamada de nova Bruna Surfistinha, dois homens com os quais ela já transou brocharam. Mas será que isso é uma brincadeira ou é sério mesmo? Vamos conversar com ela pra saber qual é o objetivo da nossa Letícia Fernandes. Acorda Leticia Fernandes! (Narração: Show do Antonio Carlos! Vamos acordar!) Alô Letícia Fernandes, aqui é o Antonio Carlos da Rádio Globo, bom dia, como é que cê vai? Tudo bem?

Falsa Letícia: Bom dia, Antonio Carlos. Nossa, que coisa boa falar com você, viu?

AC: O prazer é meu. Mas vem cá, isso é verdade mesmo? Cê quer transar com cem homens em um ano?

Falsa Letícia: Pois é... Isso foi uma ideia que surgiu através do meu blog.

AC: Mas por que isso? É pra bater um recorde, entrar no livro dos recordes?

Falsa Letícia: Na realidade, eu assim, andava muito insatisfeita com minhas últimas, é, peripécias sexuais, e aí eu resolvi atingir essa meta. Na realidade eu coloquei numa lista de resolução para o ano de 2011 que eu daria muito.

AC: Ô Letícia, veja bem, a nossa querida Jussara, carioca Juju aqui, ela tá querendo um homem, não consegue um homem pra transar com ela, cê vai conseguir cem homens, cê acha que consegue com facilidade isso, minha amiga?

Falsa Letícia: Ó, olha só, deixa eu lhe falar. A meta é difícil atingir, mas eu já tô indo pruma boa percentagem, né? Já tô no 28.

AC: 28 homens, é? Ora...

Terceira voz (de mulher): Qual é a idade dela?

AC: Qual é a sua idade, Letícia?

Falsa Letícia: Eu tenho trinta.

AC: Trinta anos... Tá tudo no lugar?
 
Falsa Letícia: Tá tudo no lugar!

Terceira voz: E ela cobra?

AC: Que cobra? E o cara vai pagar pra transar?!

Terceira voz: Faturar um dinheiro.

AC: Não, não, é de graça.

Falsa Letícia: Não, não, não cobro não, isso é uma meta.

AC: E vc transa onde? Na sua casa mesmo?

Falsa Letícia: Olha, depende, né, de onde eu conheço o rapaz, né. Às vezes eu conheço na night, e da night a gente vai prum motel, né.

AC: Mas vem cá, vc chega e, vc que toma a iniciativa? Ô vem cá meu filho, eu queria transar com vc?

Falsa Letícia: Deixa eu te falar. Às vezes eu tenho que dar em cima. Mas eu confesso que na maioria das vezes os caras tão vindo em cima também.
Terceira voz: Mas ô Antônio Carlos, como é que ela vai provar que já deu pra cem?

AC: Tá fotografando, ô Letícia?

Falsa Letícia: Olha, isso eu não vou revelar a fonte não, viu. Mas quem quiser ler mais sobre as minhas transas, né, pode ir lá no meu blog: cem homens ponto com.

AC: Como é que é? Cem homens? (juntos) Cem homens ponto com.
 
Falsa Letícia: E ali tem tudo escrito. E mais alguma coisa.

AC: E tem o endereço, pra quem quiser transar com você, né, Letícia? A pessoa pode combinar com você pra transar com vc?
Falsa Letícia: Ah, entre no meu blog, e ali tem lá os comentários, pode também deixar o telefone, que eu também vou ligar de volta.

AC: Tá legal. Letícia, que quer transar com... Tem maluco pra tudo, hein? Que loucura! Juju, e vc nenhum, hein?

Falsa Letícia: Juju, vou te mandar uns então. (Risos)
 
Semana passada a chamada do portal Globo pra matéria referia-se a Letícia como “a nova Bruna Surfistinha”. E agora o apresentador da rádio reforça a ideia. Este é o primeiro ponto machista: Bruna Surfistinha foi (é?) uma garota de programa. Prostitutas fazem sexo em troca de dinheiro. Letícia Fernandes (que obviamente é um pseudônimo, e pra se jogar aos leões dessa forma, só mesmo com pseudônimo) não é prostituta.
 
Sei que é difícil acreditar, mas algumas mulheres gostam de sexo. Algumas até fazem sexo por prazer, sem esperar nenhum bem material em troca. Algumas são livres, não devem satisfação a ninguém, e preferem ter vários parceiros. E agora prepare-se, pois vou fazer uma grande revelação neste espaço: transar não gasta. A vagina é um órgão elástico. Lavou, tá nova. A gente tá no século 21 já? Porque eu consigo conceber esse tipo de mentalidade lá pelos idos de 1850, mas hoje... Seguinte: quando o sexo é consentido, homens têm direito de transar com quem quiserem, quantas vezes quiserem. E é uma grande celebração prum homem contar pros amigos que transou com um monte de mulheres. Quanto maior o número de parceiras, melhor.
 
Mais experiente ele estará (pra quê?), diz a nossa sociedade. Mais másculo. Mais viril. Mais garanhão. A gente quase se sente na obrigação de erguer um monumento pra ele, que ele merece. E ninguém nunca jamais vai perguntar pra ele “Ele cobra?”, ou compará-lo a um garoto de programa.

Aí uma mulher decide fazer algo parecido... e o mundo desaba. Porque mulher não pode, entende? Mulher é mulher, homem é homem, é assim que as coisas são. A gente não fala mais que mulher tem que casar virgem, mas a gente diz que ela tem que “se valorizar”, se “dar o respeito”. Porque entregar sexo assim de bandeja sem cobrar, opa, isso é se desvalorizar! (Se bem que a gente não acha que prostituta se valoriza, acha?). Existe algum termo na nossa língua que elogie uma mulher com vários parceiros sexuais? Não existe.
 
Porque não existe a menor intenção de elogiar uma mulher promíscua (e quantos parceiros são necessários pra ser promíscua?). Mas expressões pra condenar, insultar, apedrejar uma mulher promíscua existem aos montes: piranha, galinha, vagabunda, vadia, biscate, p*ta, prostituta... A lista dá algumas voltas no quarteirão. E volta sempre pro mesmo ponto: mulher, você não tem liberdade pra decidir com quem, quando, onde, com quantos você vai transar. Ou melhor, até tem, mas reserve uma enorme dose de paciência pras "verdades" que vai ouvir dos guardiões da moral e dos bons costumes (que, ironicamente, são os mesmos que mandam um rapaz pra zona se ele ainda for virgem aos 15 anos).

Eu tenho muito nojo desses moralistas de plantão. E desconfio que o apresentador do programa não se acha machista. Dizer “Que loucura! Tem louco pra tudo! Quer bater recorde? Tá tudo no lugar?” não é machismo não, imagina. É só impressão. O pessoal da mídia é tão liberal, né? O público é que é conservador. Aham.

Faz uns dez dias, os mascus abriram um novo perfil no orkut pra mim. Agora tem lá duas Lola Aronovich, ambas com as minhas fotos. Eles estão lá falando besteiras em meu nome. Claro que não gosto, mas haters gonna hate. Trolls são trolls. Mascus são covardes anônimos. Não é o caso de uma Rádio Globo, que ontem trollou a Letícia. Não precisava nem da Letícia Fake falando por ela pra ser ridículo. Bastava o que o apresentador disse da Letícia. Horas depois, a Rádio Globo tirou a entrevista do site e divulgou uma nota absurda, em que basicamente tira o corpo fora. Porque a gente sabe: a mídia não erra, a mídia é enganada. Ser mídia é nunca ter que dizer you're sorry. Eu, que sou uma só e tenho um mero blog, consigo falar com a Letícia hiper facilmente — mando um email, um tweet, uma DM, ou deixo um comentário no seu blog. Não dá pra acreditar que uma estação de rádio seja tão incompetente que não consiga fazer o mesmo.

Não sei se cabe um processo aí. Não sei como funciona. Letícia não é uma pessoa, é um pseudônimo. Pode processar a Globo, que a ridicularizou numa entrevista? Pra isso, ela teria que divulgar seu nome? Olha, ninguém merece. É terrível não ter mais o menor controle do que falam de você, ou por você. Meu bloguinho nunca teve nem terá 400 mil acessos num dia, mas já teve 83 mil (naquela ameaça de processo do Tas). E não é bonito. Você não faz mais nada na vida naquela semana. Você vive só praquilo. E, por mais que você receba muito apoio e carinho, você também ganha toneladas de ofensas. Não é brinquedo.

Apesar de eu divulgar e torcer pelo Cem Homens, não tenho certeza que o que Letícia faz é feminismo. Sei que, com o blog, ela tem descoberto muitas coisas, analisado seus preconceitos, empatizado mais com mulheres e homossexuais. Mas não sei se é feminismo. O que eu sei é que o que andam fazendo com ela é machismo. Eu posso discordar da Letícia em vários pontos. Mas sei disso: pra ser chamada de p*ta, não precisa nem transar. Basta ser mulher. Os machistinhas aí não estão sendo babacas apenas com a Letícia, mas com todas as mulheres que insistem em ter sua liberdade sexual respeitada. E se vocês não sabem, fiquem sabendo: mexeu com uma, mexeu com todas!
 
 

Eu sou mulher e gosto muito de sexo


quinta-feira, 1 de setembro de 2011
Vamos lá, machistas, misóginos e moralistas de plantão: INFARTEM com essa afirmação.

Eu sou mulher, gosto muito de sexo e faço muito sexo.

Não estão satisfeitos? A coisa pode piorar:

Eu sou mulher, gosto muito de sexo, faço muito sexo e lido bem demais com isso. Para completar, eu escrevo um blog a respeito.

Olhem só que merda, hein? Olhem só que coisa fora da curva, que coisa inesperada! Como assim mulher tem desejo sexual? Novidade grande pra você, que ontem fez um papai-mamãe ridículo na sua mulher, usando o corpo dela como um mero orifício: a gente gosta e muito dessa bagaça! O que talvez aconteça é que a gente não gosta de sexo com você, que usa a língua só para falar e ajudar a deglutir, e os dedos apenas para escrever críticas machistas e retrógradas.

Eu gosto de sexo e faço gostoso. Chupo, lambo, transo com dois homens ao mesmo tempo e ainda quero é mais. Falo com desenvoltura a respeito, sem ruborizar nem um segundo. Não tenho vergonha de falar que fui a um sex shop ou que pretendo ir a um show de sexo explícito. É sexo. É natural e é bom pra caralho.

E, ora vejam só: eu não sou prostituta!

As comparações com garotas de programa já cansaram. Eu juro que não me irrito mais com essa (é incrível: a cada porrada que eu tomo, a outra porrada fica pequenininha, pequenininha). Mas não consigo não pensar no caminho louco que a mente de alguém fez para chegar à conclusão de que eu sou prostituta, ou pelo menos deveria ser.

Eu não cobro porque não preciso. Eu não cobro porque faço por prazer. Eu não cobro porque tenho outra profissão. Agora, porquê "garota de programa" é xingamento? São mulheres e homens como nós; não são objetos. Objeto a gente compra no sex shop!

E aí hoje tem um babaca conhecido dos leitores dizendo o que eu deveria ou não fazer. Cobrar ao menos "cemzinho". Disse que o que eu faço é "prostituição gratuita". Não existe isso: eu transo de graça porque eu gosto. Triste é ver quantas pessoas aplaudem esse tipo de comentário, especialmente vindos de alguém que contou muitas de suas transas, tratando as mulheres apenas como um buraco.

Me deixo abater? Pra caralho! Eu sou humana e também tenho dias ruins. Quem reclama que eu reclamo devia vir aqui lavar minha louça. Quem de vocês, em uma semana, ficou na home do IG, depois entre as mais lidas da Globo.com e mais tarde INVENTARAM uma entrevista com você? Foi exatamente UMA SEMANA.

Por tudo isso, o que eu quero dizer pros machistas e falsos moralistas é que talvez eu pare esse blog, sim, porque não estou feliz com ele. Mas jamais pararei de ser uma mulher livre, que busca o prazer e que é feliz assim. Isso vocês jamais conseguirão mudar. E há muitas de nós por aí.

Leiam dois posts sobre a merda toda que está acontecendo:



UPDATE: Copio aqui um email que recebi há algumas semanas. Esse leitor tinha curiosidade de saber quem eu sou. Bom, ele já sabe (é o rapaz que me dá muito trabalho e me aturou na quinta-feira passada, quando aconteceu o lance todo da globo.com):

Procurando quem você é cheguei a conclusão de que Letícias são muitas.
A lista de possibilidades de quem é a verdadeira Letícia na verdade me provou que a Letícia não é você, lendo esse email e digitando atrás desse teclado.
Cada transa, cada dia, cada mulher tem o seu dia Letícia. Seja com o número 3, o número 15 ou os números esquecidos.
Seja com aquele namorado bacana ou aquele ex filho da puta.

Assim como um mistério de Lost, ou o mascarado por trás do V, acho que não estou preparado para descobrir quem você é.
Na verdade acho que não quero descobrir. Ainda não apareceu o décimo negrinho, ainda aguardo a morte desejando ver o seu corpo de intocável e nu, adormecido, como no romance de Gabriel Garcia Márquez.

Vou carregar a Letícia junto comigo, em cada menina que aparece na minha vida.
Seja como amiga, como ficante, sexo casual ou namorada.
Como você mesma diz, você não é "nada demais", você não é "diferente".
Você é apenas uma mulher, que tem coragem de fazer o que quer, com a força para admitir e contar.
Existe um pouco de Letícia em cada um desses perfis que encontrei.

Se não existe, deveria.

Um grande beijo.

De um fã, um admirador e alguém que vai ficar com vontade de tomar uma cerveja com você por muito tempo
.
E você? Também é Letícia?
 

Globo promove falsa entrevista para atingir uma livre mulher, Letícia Fernandez



"A cultura popular é permeada com idéias que a variedade erótica é perigosa, doentia, depravada, e uma ameaça a tudo desde pequenas crianças até segurança nacional. A ideologia sexual popular é uma sopa nociva de idéias de pecado sexual, conceitos de inferioridade psicológica, anti-comunismo, histeria de massa, acusação de bruxaria, e xenofobia. A grande mídia sustenta essas atitudes com implacável propaganda". (RUBIN, Gayle. Pensando o Sexo: Notas para uma Teoria Radical das Políticas da Sexualidade, p.15 [PDF])
No último mês, depois de acompanhar o blog “Cem homens“, escrito pela Letícia Fernandez, pude comprovar tudo isso aí que a Gayle Rubin está descrevendo. Letícia fala de sexualidade com leveza, sem preconceitos. Porém, dizer que faz sexo casual e que gostaria de fazer sexo com cem homens em um ano gerou diversas ondas de reações e comentários extremamente grosseiros e sem noção.
Nos comentários que Letícia divulga no Tumblr ou no twitter fica nítida uma mentalidade tacanha, machista, que acha que sexo casual é perigoso (associado a doenças), e que exercer a sexualidade por meio de sexo casual (e não dentro de um casamento heterossexual e monogâmico) é doença, depravação, fim dos tempos. Ao mesmo tempo, os homens a assediam grosseiramente, como se ela não tivesse vontade própria e só existisse para atender às fantasias deles.
E agora, temos a mídia se interessando pelo blog. Alguns pela curiosidade. Outros, como a Globo, atuando para criticar a vida sexual de Letícia (e a minha e a sua também).
O moralismo da Globo
Na semana passada a Globo colocou uma chamada no site G1 comparando Leticia com a Bruna Surfistinha (pra quem não se lembra, uma ex-prostituta). Em comum, elas têm blog e falam sobre sexo. Porém, os leitores entenderam que Letícia seria uma prostituta, e lotaram blog e caixa de e-mail com uma nova enxurrada de comentários grosseiros.
Porém, o horror maior aconteceu hoje. A rádio Globo transmitiu uma entrevista com uma mulher que se passou por Letícia. Como se não bastasse a mentira, os entrevistadores foram extremamente grosseiros. O áudio da entrevista já foi tirado do ar, mas pode ser ouvido aqui.
A entrevista em si é péssima, feita para zombar da entrevistada. Leticia é apresentada como uma jornalista baiana que quer se tornar a nova Bruna Surfistinha. Ele pergunta não só a idade dela, mas se “está tudo no lugar” [afinal, mulher só faz sexo se for bonita; e ainda tem aquele mito de que muito sexo faz o corpo da mulher desabar]. A co-apresentadora pergunta se Letícia cobra pra transar [mulher fazendo sexo casual ainda é visto como vadiagem, prostituição!], e como que ela irá provar que “deu pra cem” [como se Letícia tivesse de prestar contas pra alguém]. O apresentador pergunta se no blog tem o endereço pra quem quiser transar com ela entrar em contato [como se ela fosse uma boneca inflável à disposição dos caras, sem escolha alguma]. E finaliza dizendo “tem maluco pra tudo” [pra quê educação e neutralidade jornalística, né?]
O esclarecimento da rádio Globo, por sua vez, não esclareceu nada. Pior, demonstrou completa falta de noção de geografia e preconceito contra nordestinos. Afinal, ouviram dizer (sabe-se lá onde) que Letícia seria nordestina e, por isso, entraram em contato com uma rádio nordestina (Nordeste é uma cidade ou uma região? Quantas rádios existem no Nordeste???) que apresentou uma suposta assessora de imprensa de Letícia. Mandar e-mail para o endereço que está no blog, pelo visto, é mais difícil do que entrar em contato com uma das várias rádios do Nordeste.
Isso obviamente não é jornalismo. É moralismo do pior tipo. Com o defeito de atingir milhões de pessoas, propagando mais preconceito. A Globo teve duas oportunidades de falar sobre o blog de Letícia; nas duas vezes, foi preconceituosa. A Globo agora resolveu mudar uma abertura de novela antiga porque ela não é compatível com os padrões morais atuais do país. No entanto, a Globo tem poder suficiente para ditar novos padrões morais, menos conservadores. Nem parece que é a emissora que criou Malu Mulher, Quem Ama não Mata, TV Mulher.
Pra saber mais sobre a Letícia, é melhor ler a entrevista feita pela Verônica Mambrini. Fica bem claro que tem uma mulher de verdade, inteligente e com ideias interessantes escrevendo o blog. Ela não é reduzida a uma vagina querendo cumprir meta, como a falsa entrevista do Globo faz parecer.
Marcha das Vadias
Não é à toa que a Marcha das Vadias tem ocorrido em diversos lugares. As mulheres estão dizendo o tempo todo “parem de querer ditar como eu devo agir em relação à minha sexualidade“. Em resposta, a mídia diz – e incentiva – exatamente o contrário: “se você quer definir o que vai fazer com sua sexualidade, eu vou te desmoralizar até você se adequar ao meu padrão de castidade“.
E aí eu volto ao início do post: como vamos mudar essa cultura machista que destrói a sexualidade das mulheres? Como parar com o tanto de comentários e agressões gratuitas infernizando a vida de uma mulher só porque ela quer fazer sexo casual e exercer sua sexualidade livremente?
Letícia não é só um pseudônimo no blog. Ela é cada uma de nós: uma mulher que todo dia luta pra exercer sua sexualidade da forma que desejar sem ser xingada ou punida por isso.
Publicado no blog de Cynthia Semíramis

"Reporcagem" de Veja acende perigosa luz amarela no campo da comunicação

Ética e credibilidade de uma profissão


Apenas algumas semanas depois do escândalo provocado pelas revelações de ações criminosas do tablóide “News of the World” na Inglaterra, o tipo de jornalismo reiteradamente praticado pela revista Veja acende uma perigosa luz amarela no campo da comunicação.


Venício Lima


Desde o dia 7 de julho pp. a Comissão de Ética (CE) do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) tem em suas mãos um pedido de abertura de processo por violação do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros contra o jornalista Gustavo Ribeiro da sucursal de Brasília da revista Veja. O pedido foi protocolado por um dos membros da comissão que redigiu o novo Código de Ética em vigor desde 2007 (disponível em http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf) e também um dos fundadores do Movimento Pró-Conselho de Comunicação Social no Distrito Federal (MPC), o jornalista Antonio Carlos Queiroz.


O pedido original tinha por base a matéria intitulada “Madraçal no Planalto” sobre a Universidade de Brasília e seu reitor, publicada na Veja com data de capa de 6 de julho.


Tanto do ponto de vista técnico como ético, a referida matéria é um exemplo acabado de mau jornalismo. Editorializada e adjetivada, a matéria não cumpre as regras elementares básicas do jornalismo e foi desmentida por “fontes” cujos nomes nela aparecem, além de ter recebido repúdio quase unânime da própria comunidade acadêmica da UnB (cf. http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=5317). Mais ainda. Uma das “fontes” e articulador da matéria de Veja, conhecido adversário político do atual reitor, publicou em seu blog o seguinte post:


“Parabéns à revista VEJA por este inestimável serviço ao Brasil, mostrando o que faz o reitor Zé do MST (ligado ao PT) com a educação superior no país. Está agora na hora da oposição (DEM, PSDB e PPS) colocar a boca no trombone! — PS: Ajudei a VEJA com essa reportagem (tem uma declaração minha na 4. página), eu e mais de 20 professores, lógico que apenas alguns apareceram” [cf. cienciabrasil.blogspot.com post de 3 de julho).


Jornalista não sindicalizado

No dia 9 de agosto pp. a CE respondeu ao jornalista Antonio Carlos Queiroz informado haver decidido pela não abertura do processo tendo em vista que Gustavo Ribeiro “não é filiado ao SJPDF”.


Trata-se de um equívoco da CE de vez que a filiação aos sindicatos da categoria não é requisito para o exercício profissional e o Código de Ética, por óbvio, se aplica a toda a categoria, não somente aos jornalistas sindicalizados. Aliás, está escrito no próprio CE:


Art. 17. Os jornalistas que descumprirem o presente Código de Ética estão sujeitos às penalidades de observação, advertência, suspensão e exclusão do quadro social do sindicato e à publicação da decisão da comissão de ética em veículo de ampla circulação.


Parágrafo único – Os não-filiados aos sindicatos de jornalistas estão sujeitos às penalidades de observação, advertência, impedimento temporário e impedimento definitivo de ingresso no quadro social do sindicato e à publicação da decisão da comissão de ética em veículo de ampla circulação.


O equívoco da CE motivou um recurso impetrado pelo jornalista Antonio Carlos Queiroz no SJPDF solicitando a reconsideração da decisão.


Reincidência

Enquanto se aguardava uma resposta da CE ao recurso, o mesmo jornalista Gustavo Ribeiro, aparece novamente como um dos responsáveis por matéria aparentemente envolvendo práticas ilícitas, publicada na mesma revista Veja com data de 31 de agosto pp. Trata-se, como se sabe, de matéria de capa sob o título “O Poderoso Chefão” sobre o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que padece dos mesmos vícios da matéria anterior sobre a UnB. O jornalista está agora sendo formalmente acusado de tentativa de invasão de domicílio e falsidade ideológica pelo Hotel Naoum de Brasília, onde escritório de advocacia associado ao ex-ministro José Dirceu mantém um apartamento alugado.


Naturalmente o novo episódio envolvendo o jornalista Gustavo Ribeiro provocou o encaminhamento de um “agravo” à CE do SJPDF.


O que está em jogo?

Apenas algumas semanas depois do escândalo provocado pelas revelações de ações criminosas do tablóide “News of the World” na Inglaterra, o tipo de jornalismo reiteradamente praticado pela revista Veja acende uma perigosa luz amarela no campo da comunicação.


O Grupo Abril, ao qual pertence a revista Veja, criou recentemente o IAEJ – Instituto de Altos Estudos em Jornalismo que, em parceria com a ESPM, oferece o Curso de Pós-Graduação com Ênfase em Direção Editorial “um programa sem precedentes no Brasil, (que) tem a ambição de contribuir para a melhoria da imprensa no país” (cf. http://www.espm.br/Candidato/Cursos/SP/Pages/jornalismodirecaoeditorial.aspx ).


Por óbvio, matérias como as referidas acima não são publicadas sem o conhecimento da direção da revista e, portanto, não são de responsabilidade apenas dos jornalistas envolvidos. Trata-se de uma determinada visão de jornalismo e de seu papel que confrontam toda a retórica liberal sobre a liberdade de imprensa na democracia.


Está na hora das organizações sindicais darem o primeiro passo e aplicarem exemplarmente o Código de Ética da profissão se pretendem zelar pela dignidade profissional mínima que sustente a credibilidade dos jornalistas.


E está mais do que na hora dos próprios empresários de mídia e do Estado brasileiro dialogar sobre a inadiável necessidade de uma ampla e democrática regulação do setor. Não dá mais para “fazer de conta” que no Brasil é diferente do resto do mundo e que aqui a mídia será sempre um poder acima de todos os outros.


A ver.


Venício A. de Lima é professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

Congresso convoca Otavinho, da Folha



 

Do blog Desculpe a Nossa Falha:


Foi aprovado por unanimidade na Comissão de Legislação Participativa a realização de Audiência Pública na Câmara dos Deputados sobre a censura da Folha contra o blog Falha de S.Paulo. Nenhum deputado federal se manifestou contra a iniciativa. O requerimento do deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) prevê convites para representantes da Falha e da Folha falarem.


Da Falha, Pimenta vai convidar os irmãos-criadores do blog (Mário e Lino Ito Bocchini) e, da parte do jornal serão chamados para explicar publicamente no Congresso Nacional a censura Otavio Frias Filho (vulgo Otavinho, dono do jornal), Sérgio Dávila (editor-executivo), Taís Gasparian (advogada-censora da Folha) e Vinícius Mota (secretário de Redação).


“Vamos também convidar a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) e outras entidades para participarem dessa audiência”, discursou Pimenta agora há pouco. “É grave, além da censura o jornal pede dinheiro aos irmãos”, completou.


O deputado Edivaldo Holanda Jr. (PTC-MA), que presidia a sessão, parabenizou o deputado pela iniciativa, e sugeriu: “Vamos convocar a CNJ [Conselho Nacional de Justiça] para participar também, já que esse é um assunto que está nos tribunais”.


O deputado federal Fernando Ferro (PT-PE) também discursou na aprovação. “Esse processo de censura revela a intolerância da Folha e como eles dizem defender a liberdade de expressão mas, quando chega na hora deles, não resistem ao desejo de censurar. E olha que o humor, a paródia, até tornam a política até mais suportável”.


Nos próximos dias será marcada a data da audiência, que vai acontecer no Congresso Nacional. E, claro, fica a dúvida: quase um ano após cometer um ato inédito de censura no Brasil – que pode abrir uma jurisprudência terrível para toda a internet brasileira –, será que a Folha pela primeira vez terá coragem de colocar uma pessoa para defender sua posição abertamente?


De nossa parte estaremos lá, como sempre mostrando a cara, defendendo a mesma posição que defendemos desde o primeiro dia, e prontos pra debater seja com dono do jornal ou com quem for.

Aqui jaz uma revista

 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

 



Publicado em 31/08/2011 por Mair Pena Neto

Veja colocou a pá de cal em sua decadente trajetória com a matéria publicada na última edição, na qual se valeu de todos os métodos, inclusive criminosos, para corroborar uma de suas teses, desta vez a de que o ex-ministro José Dirceu conspira contra o governo de Dilma Rousseff.

A matéria não se sustenta jornalisticamente, com uma série de ilações e conclusões frágeis, porém o mais grave foi o seu método de apuração, com recurso à espionagem, invasão de privacidade e outros delitos, o que levou seu repórter a ser denunciado pelo hotel em que José Dirceu estava hospedado por tentativa de violação de domicílio. Para quem não leu a matéria ou o que já foi escrito sobre ela, o repórter da Veja hospedou-se no mesmo hotel de Dirceu, em Brasília, e tentou por duas vezes entrar no quarto do ex-ministro, primeiro passando-se por hóspede do apartamento que tinha esquecido as chaves, e, depois, por assessor da prefeitura de Varginha que fazia questão de deixar no quarto "documentos relevantes".

O que pretendia o repórter caso fosse bem sucedido em sua empreitada? Fuçar papéis e documentos do investigado? Roubá-los caso encontrasse algo que fosse ao encontro da tese da reportagem? Quem o orientou a agir dessa maneira? Seu chefe imediato, os editores da revista, o dono da editora que a publica? As perguntas são muitas e todas complicam ainda mais a situação de Veja e sua forma de fazer jornalismo.

A revista foi além e publicou imagens gravadas no corredor do andar do hotel em que Dirceu se encontrava, que mostram o ex-ministro com outras figuras da política brasileira. Veja não esclarece como obteve as imagens, mas parece pouco provável que as tenha conseguido com o próprio hotel, o que reforça as suspeitas de que tenha instalado algum equipamento por conta própria, o que aumenta a gravidade do delito. Trata-se, primeiro, de um caso de polícia. Depois, de grave atentado à ética jornalística.

A desfaçatez de Veja impressiona ainda mais, pois ocorre pouco após o escândalo do comportamento criminoso e, consequentemente, desprovido de ética do tablóide News of the World, do império midiático de Rupert Murdoch, que espionava personagens da vida pública inglesa como procedimento editorial assumido. O caso do jornal londrino não só está fresco em nossa memória, como ainda ocupa os tribunais ingleses, com jornalistas presos e respondendo a processos.

Há um bom tempo, Veja perdeu credibilidade perante boa parte dos leitores com capacidade crítica e de observadores do comportamento midiático. A recente reportagem pode ter sido o passo final para sua sentença de morte. A revista semanal não deve ser extinta, como o News of the World, mas tende a se tornar cada vez mais leitura ligeira de sala de espera de consultórios médicos, sem o prestígio outrora desfrutado.

A matéria de Veja colocou jornalistas e toda a imprensa perante a necessidade de responder à sociedade sobre que tipo de ofício praticamos. Somos todos imprensa marrom? Não temos limites nas nossas apurações? Vale tudo na busca de uma informação? Compactuamos com este tipo de jornalismo? Creio que jornalistas, empresas jornalísticas, sindicatos e associações precisam se manifestar claramente, repudiando o procedimento da revista. Do contrário, nos locupletamos.

Walter Pinheiro: “O que Veja fez não é jornalismo sério, é bandalheira”

por Conceição Lemes

A “denúncia” da Veja desse final de semana continua dando o que falar.

Entre os vários personagens citados estão Walter Pinheiro, Delcídio Amaral e Lindbergh Farias, senadores do PT, respectivamente, por Bahia, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro.

Os três tiveram “direito” a uma das fotos tiradas de algum ponto próximo ao apartamento em que o ex-ministro José Dirceu se hospeda no Hotel Naoum, em Brasília.



Em relação aos três senadores, Veja diz ainda:



Eu conversei com Walter Pinheiro sobre as sacações e acusações que lhe foram feitas por Veja.

Viomundo – Senador, o senhor se submete a ordens de José Dirceu?

Walter Pinheiro – (risos) Sinceramente, recebi essa matéria com uma dose de humor.
Viomundo – Por quê?

Walter Pinheiro — Primeiro, porque é hilária. Historicamente dentro do PT eu e Zé Dirceu sempre estivemos em campos opostos. Ele é do chamado Campo Majoritário, eu sou da tendência Democracia Socialista.

Converso com o Zé Dirceu como um companheiro de partido. Eu o respeito, ele me respeita. Quando ele estava no governo, eu tinha uma ótima relação com ele, uma relação em campo oposto inclusive. Minha vida inteira foi disputando no partido contra Zé Dirceu.

Segundo, Veja diz que logo após o encontro com Dirceu, nós teríamos nos recusado a assinar uma nota em defesa de Palocci. Eu não fui nem ao almoço com o Lula onde se discutiu a situação do Palocci. A denúncia contra ele foi publicada no domingo, na segunda-feira, eu explicitei a minha posição. Pedi explicações a ele. Então, não tem essa conversa mole de assinar ou não a favor de Palocci. Diferentemente de muitos covardes que estavam falando mal de Palocci em off, eu estava falando em on. Eu falo em on, não falo em off, eu pedi explicações em on.

Terceiro, a Veja diz que depois que conversamos com o Zé Dirceu, em seguida, naquele mesmo dia se não me engano, o Palocci caiu. Do jeito que a Veja coloca me faz lembrar o The Flash (risos). Parece que só faltava a nossa conversa para o Zé Dirceu bater o martelo e o Palocci ser demitido. É piada, gozação.

Viomundo – O que o levou a esse encontro com José Dirceu?

Walter Pinheiro — Quem me convidou foi o Lindbergh [Farias]. O Zé Dirceu já tinha me pedido material sobre o audiovisual brasileiro, pois fui relator dessa matéria no Senado. Ele queria escrever alguma coisa, se eu não me engano, no blog dele sobre o assunto. Aí, aproveitei o convite do Lindbergh, para levar para Zé Dirceu a transparência que tinha feito sobre a questão do audiovisual no Brasil.

Viomundo – A Veja diz que o senhor estava insatisfeito com Palocci porque um petista havia sido demitido da Polícia Rodoviária Federal na Bahia. É verdade?


Walter Pinheiro – Muito esquisito isso. Só me leva a crer que alguém ligado a Palocci deve ter passado para a Veja que as pessoas foram conversar com Zé Dirceu, porque tinham interesses contrariados.

Eu nem sabia que era Palocci que tocava as indicações para a Polícia Rodoviária Federal da Bahia. Pensei que fosse o ministro da Justiça. Aliás, se eu tivesse que reclamar algo em relação à Polícia Rodoviária Federal não seria com Palocci, seria com o José Eduardo Cardoso [ministro da Justiça] que, por sinal, é da mesma tendência que eu dentro do PT.

Mas eu não procurei nem um nem outro. Até porque não estava na ordem do dia a discussão de nenhum cargo lá. Eu poderia brigar por outra coisa, mas por cargo eu não brigo, muito menos por um cargo, com todo o respeito, na Polícia Rodoviária Federal da Bahia. Por isso eu estou levando na mais alta gozação essa matéria.

Ah, tem mais outra coisa. Nessa altura do campeonato, tentar estabelecer que Zé Dirceu tem uma rede, que de fora pilota, comanda, é um negócio completamente absurdo.

É natural que o Zé Dirceu queira conversar. Zé Dirceu tem buscado conversar até para se sintonizar mais, para saber das coisas do que para mandar, influenciar. Eles estão dando até mais poder do que Zé Dirceu tem realmente hoje. Estão tentando transformar Zé Dirceu em algo que ele não é. Dando a Zé Dirceu uma força que ele não tem mais.

Essa reportagem tenta criar algo como existe uma figura rondando Brasília que vai tramar contra a República. É uma viagem que não tem mais tamanho.

Viomundo – O que tem por trás dessa matéria?

Walter Pinheiro – É óbvio que tem uma coisa por trás. É alguém tentando usar isso para promover uma rede de intrigas. Essa talvez seja a intenção central dessa matéria. Dizer que tem gente no PT conspirando. Como não acharam absolutamente nada mais contundente, decidiram: vamos disseminar a rede de intrigas. Algo como: três senadores do PT foram conversar com Zé Dirceu para criar a República a partir do Senado (risos). Pelo amor de Deus, é muita imaginação para meu gosto.
Enfim, uma viagem, para a qual utilizaram instrumentos completamente absurdos, a começar pelas fotos. Como as conseguiram?

Eu sou um árduo defensor da liberdade de imprensa. Sou relator de matérias na área, inclusive do projeto de lei de acesso à informação. Defendo plenamente a liberdade de imprensa. Acho que a imprensa investigativa contribui decisivamente para a consolidação da nossa democracia, para a defesa dos interesses da sociedade. Mas a espionagem e a malandragem, não!

Viomundo – O senhor tocou num ponto crucial. Estamos observando no Brasil um jornalismo cada vez mais vil, porco, descompromissado com a verdade factual, abundante em informações mentirosas, deturpadas, distorcidas. Ao mesmo tempo, noto vários parlamentares, inclusive progressistas, ficarem na encolha, com medo de perder seus espaçozinhos na mídia corporativa…

Walter Pinheiro – Não tem encolha!

Viomundo – Discordo, senador. O senhor pode não agir assim, mas tem colegas seus que são vítimas do mau jornalismo e não tecem qualquer crítica aos grandes veículos da mídia brasileira para não se incompatibilizar…
Walter Pinheiro – Uma coisa é defender o papel da liberdade da imprensa. Outra coisa é a bandalheira. O que a Veja fez, por exemplo, para obter as imagens da matéria da Veja não é jornalismo sério, é bandalheira. Mentir, sacar coisas contra outros, fazer ilações, também não é jornalismo sério.

Agora, não é uma coisa solta. É uma tentativa de, através da informação distorcida, tentar estabelecer intrigas, determinados níveis de fissura na estrutura de governo.

Esses veículos da grande imprensa passaram a vida inteira no comando do país, deitaram e rolaram, fizeram a ordem do dia, pautaram a agenda. E agora eles perderam a agenda do dia. Então, eles tentam fazer, através inclusive da deformação da informação, a desqualificação de atores, para ver se retomam o poder que tinham, se voltam ao comando.

Viomundo — Senador, não está na hora de o Congresso fazer uma discussão séria, para valer, sobre o papel da mídia no Brasil?

Walter Pinheiro — A discussão que tem de ser travada não é, como alguns pensam, de punir o jornalista, porque no final o veículo vai abandonar o jornalista à própria sorte, vai jogá-lo na boca das feras.

Na verdade, o que temos de discutir é como exercer no Brasil a plenitude da liberdade de imprensa mas também com responsabilização. Esse é debate que nós temos de travar no Senado e na Câmara. Eu quero a liberdade total de imprensa, mas também com responsabilização.
PS do Viomundo: The Flash é uma série de televisão baseada no personagem dos quadrinhos Flash. Barry Allen, funcionário da polícia científica, sofre um acidente químico, sendo banhado por produtos químicos após seu laboratório ser atingido por um raio. Esse acidente fez com que ele desenvolvesse poderes de super velocidade.

Preconceito contra gordas agora é crime




Bom seria se, seguindo o exemplo vindo do Reino Unido, o país aproveitasse para reexaminar o papel e regulamentação da mídia, visando fortalecer nossa democracia

Editorial do Brasil de Fato

Há poucos meses ficou provado que o tabloide News of the World, de propriedade do australiano Rupert Murdoch, um magnata das comunicações, há anos promovia escutas telefônicas ilegais de pessoas influentes na política britânica. Por causa da prática criminosa o seu proprietário teve que fechar o tabloide, prestar esclarecimentos no parlamento e viu alguns diretores e jornalistas da empresa serem presos. O pedido de desculpas do magnata e todo seu poderio econômico e político foram insuficientes para evitar sua condenação na opinião pública. O escândalo, com repercussão mundial, fez com que a população continuasse exigindo a punição dos responsáveis pelo crime e que o país promova um reexame amplo do papel e da regulamentação da mídia no Reino Unido.

Nessa semana, aqui no Brasil, a revista Veja, da Editora Abril, está nas bancas com uma matéria de capa acusando o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, como sendo o poderoso chefão, dentro do PT e que conspira no governo Dilma. O conteúdo da reportagem não vai além do estilo panfletário e completamente dissociado da verdade, como costumeiramente a Veja trata todas as organizações que divergem da concepção político-ideológico da família Civita, proprietária da revista. A reportagem não tem um fiapo de informação, é só opinião, como afirma o jornalista Paulo Henrique Amorim. Não merece credibilidade uma vez que, como é sabido, a Veja mente.

Mas a forma como a reportagem foi construída merece sim a atenção da opinião pública brasileira. Como está registrado em Boletim de Ocorrência (BO) numa delegacia de polícia da Capital Federal, o repórter da revista tentou invadir o quarto do hotel onde Dirceu se hospeda.

Talvez agora a Veja saiba a diferença entre as ações de invadir e de ocupar. Tudo indica, ainda em investigações preliminares, que para ilustrar o que chama de reportagem, o jornalista instalou ilegalmente uma câmera para obter imagens dos hospedes e freqüentadores do hotel. Não há limites ao escárnio com que a semanal dos Civita trata o Estado de Direito. O sentimento de completa impunidade lhe permite praticar um jornalismo que confabula com a ilegalidade.

A mídia em geral, em colusão com a prática criminosa da revista, não dedicou uma linha para informar a opinião pública do fato ocorrido. Uma abismal diferença de quando houve a quebra do sigilo da declaração de imposto de renda de um político tucano. Essa é a liberdade de imprensa defendida pelos proprietários dos meios de comunicação. Liberdade para filtrar os acontecimentos, amplificando ou escondendo os fatos, de acordo com seus interesses próprios.

A ficha corrida da Veja é tão extensa quanto de longa data. Um grupo empresarial que cresceu sob a sombra protetora da ditadura militar, tanto aqui quanto na Argentina. Que não hesita em atacar a honra das pessoas, da forma mais vil, para atingir seus objetivos, como fez com o delegado da Policia Federal Paulo Lacerda, responsabilizado, nas páginas da revista, por ter grampeado os celulares do então presidente do STF Gilmar Mendes, e alguns parlamentares. Em momento algum apareceu o áudio dessa gravação ou qualquer outra prova de que havia ocorrido o grampo. Lacerda perdeu seu cargo na Policia Federal, a revista e seus capangas– usando palavras de um inflamado discurso do Ministro do STF Barbosa – da mentira montada permanecem completamente impunes.

O próprio presidente Lula foi vítima do exercício da mentira nas páginas da publicação do Grupo Abril. Hora o acusaram de ter vínculos econômicos com as Farcs, grupo revolucionário da Colômbia, hora de ter contas secretas em paraísos fiscais. Novamente, nada foi provado e repetiu-se a impunidade.

Até quando a população brasileira vai ser desrespeitada por essa forma de fazer jornalismo da família Civita? Quantas vezes ainda veremos essa revista abrir sua caixa de maldades, durante um processo eleitoral, às sextas-feiras, para abastecer o Jornal Nacional da Rede Globo e tentar influir determinantemente no resultado eleitoral, sem que as autoridades tomem quaisquer providências? A palavra está com quem tem o dever de apurar e, se comprovado, punir as práticas criminosas, inclusive as da mídia.

Bom seria se, seguindo o exemplo vindo do Reino Unido, o país aproveitasse para reexaminar o papel e regulamentação da mídia, visando fortalecer nossa democracia. Daquele país, em artigo de Martin Wolf publicado no Financial Times, vêm indicativos da necessidade de rever as leis de privacidade e difamação; regulamentação da imprensa; concentração da propriedade por veículos e sobre diferentes mídias; papel da mídia pública; financiamento público da mídia em geral e da produção de notícias em particular. Já seria um começo a ser seguido pelo nosso país. Se a distância ou a língua britânica servem de empecilho junto às autoridades, por que não seguir o exemplo da vizinha Argentina com sua Ley de Medios? Com a palavra o Ministro das Comunicações. Mas antes, com palavra o Ministro da Justiça, no caso da tentativa de invasão de um quarto de hotel na Capital Federal.

Preconceito contra gordas agora é crime


Preconceito contra gordas agora é crime
 
Foto: Divulgação

 

Criadores do "rodeio das gordas" se comprometem a pagar 20 salários mínimos para escapar de processo judicial


01 de Setembro de 2011 às 17:17
Fernando Porfírio_247 - Dois rapazes responsáveis pela criação, no ano passado, numa rede relacionamento, da página “Rodeio das Gordas”, assinaram acordo com o Ministério Público de São Paulo para não terem que responder ação na Justiça. Eles foram acusados de intolerância de gênero.
Os rapazes se comprometeram a doar 20 salários mínimos cada um a três instituições que se dedicam à prevenção e ao combate da dependência química e ao combate de violência de gênero. Os pagamentos serão efetuados a partir deste mês.

Roberto Paulo de Freitas Negrini, que era estudante da Unesp, e Raphael Dib Tebechrami assinaram o acordo e também se comprometeram a não incentivar quaisquer práticas discriminatórias, preconceituosas ou de violência. O descumprimento do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) acarretará multa de R$ 30 mil.

Uma terceira pessoa identificada com os atos de discriminação e intolerância se negou a assinar o acordo. O Ministério Público informou nesta quinta-feira (1) que vai ingressar com ação civil pública por danos morais contra Daniel Prado de Souza, que não assinou o TAC.

No ano passado, um grupo de alunos da Unesp (niversidade Estadual Paulista), uma das mais importantes do país, organizou uma "competição", batizada de "Rodeio das Gordas". A brincadeira tinha como objetivo agarrar as colegas, de preferências as obesas, e tentar simular um rodeio --ficando o maior tempo possível sobre a presa.

A agressão ocorreu no InterUnesp 2010, jogos universitários realizados em Araraquara, entre 9 e 12 de outubro. Anunciado como o maior do país, o evento esportivo e cultural, que reuniu 15 mil universitários de 23 campi da Unesp, virou palco de agressão para alunas obesas.

Roberto Negrini, estudante do campus de Assis, um dos organizadores do "rodeio das gordas" e criador da comunidade do Orkut sobre o tema, disse na época que a prática era "só uma brincadeira".
Segundo ele, mais de 50 rapazes de diversos campi participavam. Contou que, primeiro, o jovem se aproximava da menina, jogando conversa fora --"onde você estuda?", entre outras perguntas típicas de paquera. Em seguida, começava a agressão.

“O rodeio consistia em pegar as garotas mais gordas que circulavam nas festas e agarrá-las como fazem os peões nas arenas", relatou uma aluna do curso de psicologia.

O caso passou a ser investigado pelo Ministério Público de Araraquara e Assis. Em outubro de 2010, a promotora de Justiça Noemi Corrêa instaurou inquérito civil para apurar a brincadeira de mau gosto.
De acordo com a promotora, a conduta dos participantes e realizadores do evento expôs à situação humilhante e vexatória alunas participantes do encontro, exclusivamente porque não correspondiam aos padrões de peso considerados ideais.

Após o encerramento do evento, foi criada em Assis uma página no Orkut, intitulada “Rodeio das Gordas”, na qual eram estabelecidas regras para o “torneio”, bem como premiação para o que fosse considerado o melhor “montador de gordas”.

As investigações da Promotoria identificaram que o responsável pela criação da página na rede social foi Roberto Paulo de Freitas Negrini, então estudante da universidade. Daniel Prado de Souza e Raphael Dib Tebechrami foram apontados como estimuladores e incentivadores da prática, por meio de comentários publicados na página.

O MP considerou que eles praticaram violência contra a mulher, infringindo os conceitos e preceitos da Lei Maria da Penha.

Agora, é a vez da Síria

 



30/8/2011, M. K. Bhadrakumar, Voltaire.net
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu


Se a semelhança entre os cenários da devastadora mudança de regime no Iraque e na Líbia significa alguma coisa, o futuro da soberania de Bashar al-Assad na Síria pode estar por um fio. O xis da questão – lembro eu – é que mudar o regime na Síria é providência absolutamente central para todos os objetivos dos EUA no Oriente Médio. As coisas estão de tal modo interligadas, que vários objetivos estratégicos podem ser obtidos numa só cajadada, dentre os quais, e importante, diminuir muito a influência de Rússia e China na região. Não é oportunidade que Washington deixe passar.

As imagens que chegavam de Trípoli ontem eram fantasmas estranhamente semelhantes a outros, já vistos. Buzinas soando, Kalashnikovs disparadas para o ar, jovens e crianças andando sem rumo pelas ruas de casas e prédios em ruínas, fotógrafos e cinegrafistas ocidentais vorazmente recolhendo fragmentos de frases em inglês de pé quebrado, da boca de qualquer personagem local disposto a divulgar os imorredouros ideais da Revolução Francesa de 1789 e da Magna Carta. Outro espaço, outro tempo, as imagens eram as mesmas, mas não se consegue localizá-las exatamente. Poderiam ser fiapo de lembrança, que se esgueira dos porões da mente, ou esquecido ou expulso da consciência? Agora, dia seguinte, já não há dúvida: os canais de televisão reprisaram cenas de Bagdá em 2003.

A narrativa que chegava de Trípoli é extraordinariamente semelhante a que recebemos de Bagdá: um ditador brutal e megalômano, que parecia onipotente, é derrubado pelo povo, e uma onda de euforia varre uma terra exaurida. Com as celebrações, o benefactor-cum-liberator ocidental avança para o centro do palco, assumindo seu posto no “lado certo da história”. No século 19, teria dito – no Quênia ou na Índia – que carregava sobre os ombros “a carga que cabe ao homem branco”. Hoje, diz que traz avanços ocidentais a quem clama por eles.

Mas é só questão de tempo, antes que a narrativa esvaia-se, e realidades aterrorizantes se imponham. No Iraque, vimos como uma nação que há apenas 20 anos começava a avançar rumo a padrões de desenvolvimento da OECD foi empurrada de volta à miséria e à anarquia.

Golpe de estado

A oposição democrática líbia é mito fabricado pelos países ocidentais e por governos árabes “pró-Ocidente”. Há fissuras profundas dentro da oposição líbia, e facções de todos os tipos, de liberais genuínos a islamistas e ao mais claro lumpenproletariat. E há as divisões entre tribos. As disputas internas entre as várias facções parecem receita para outra rodada de guerra civil, enquanto facções que não têm nem legitimidade nem autoridade disputam o poder.

A dimensão dessas fissuras apareceu muito clara, mês passado, quando o comandante-em-chefe Abdul Fattah Younes foi arrancado do front sob falso pretexto, afastado de seus guarda-costas e brutalmente torturado e morto pelos “rebeldes” militantes de uma facção islamista.

A imprensa ocidental começou a discutir abertamente o papel da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que arquitetou a intervenção e novamente interveio para desequilibrar o poder bélico contra Muammar Gaddafi. A “revolução” mais parece golpe de estado instigado por Grã-Bretanha e França. Mesmo assim, a aliança ocidental precisou de terríveis longos seis meses para levar seus ‘rapazes’ até Trípoli. Gaddafi ainda os mantém ocupados, depois de sua saída em grande estilo. A espantosa verdade é que cabe a Gaddafi decidir quanto parar de lutar, apesar de ter homens e equipamento para prolongar por bom tempo o atual desafio.

O que Gaddafi decida fazer nas próximas horas terá grande influência sobre o acontecerá depois. Se haverá pesado derramamento de sangue, provavelmente haverá vingança dos vitoriosos sobre os vencidos.

Em termos políticos, a queda iminente de Gaddafi não implica vitória da oposição. Sem o apoio tático da OTAN, a oposição teria sido derrotada. A grande questão, portanto, é que papel terá a OTAN, na Líbia, no futuro. E há também a questão de se, agora, a OTAN dirigirá suas atenções à Síria.

A OTAN cerca (e ocupa) o mundo árabe

Cumprida com sucesso a missão de derrubar o governo Gaddafi na Líbia, seria de esperar que OTAN deixasse o teatro líbio. A Resolução n. 1.973 da ONU foi violentada. Mas que ninguém espere a retirada da OTAN. O leitmotif da intervenção ocidental na Líbia foi o petróleo líbio.

Movimento recente de Gaddafi, de aproximar-se dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) e trazê-los para o setor líbio de petróleo, obviamente ameaçou os interesses ocidentais.

A retórica pró-democracia que emana de Londres e Paris sempre soou como toada oca. A intervenção da OTAN na Líbia extrapolou os limites da legislação internacional e da Carta das Nações Unidas. A OTAN está hoje na ridícula posição de ter de extrair a legitimidade necessária para permanecer na Líbia, dos mesmos sinistros elementos que subiram ao palco como forças “democráticas”, mas não têm apoio popular – sob o pretexto de que ainda há trabalho a fazer.

Há, sim, ainda, trabalho a fazer. Pode ser, outra vez, do começo ao fim, o Iraque e o Afeganistão. Mais cedo do que se supõe, aparecerá resistência contra a ocupação estrangeira. As tribos líbias têm fama na história e no folclore da resistência. Por outro lado, um grande paradoxo da geopolítica é que quanto mais se aprofunde a anarquia, mas a ocupação encontra pretexto ideal. A história da Líbia não será diferente da de Iraque e Afeganistão.

A intervenção ocidental na Líbia introduz novos padrões na geopolítica do Oriente Médio e África. Levou a OTAN até o leste do Mediterrâneo e para dentro da África. É parte essencial da estratégia dos EUA pós-Guerra Fria, para converter a aliança transatlântica em organização global com capacidade para atuar nos “pontos quentes” globais, com ou sem autorização da ONU. Não há dúvida alguma de que, no ‘novo Oriente Médio’, a OTAN terá papel de pivô.

É o que já se ouve, com ecos de horripilar, na fala do vice-primeiro ministro britânico Nick Clegg, à primeira vista, sobre a Líbia: “Quero deixar bem claro que a Grã-Bretanha não dará as costas aos milhões de cidadãos dos estados árabes que tentam abrir suas sociedades em busca de vida melhor.” Mas... e se estivesse falando da Síria? Com certeza absoluta, Clegg não estava oferecendo serviços de “abertura” aos cidadãos árabes das sociedades de Arábia Saudita, Bahrain ou Iêmen, para dar às tribos que lá vivem condições de vida europeia moderna.

Com a operação líbia aproximando-se do término, todos os olhos voltam-se para a Síria. O Wall Street Journal especula: “O sucesso dos líbios afeta a rebelião potencialmente mais importante na Síria (...) Já há sinais de que a Líbia inspira os rebeldes que tentam depor [Bashar al] Assad.”[1] Mas acrescenta o detalhe, sem o qual a ideia propagandística não estaria devidamente proposta: “Há diferenças cruciais entre Líbia e Síria, e será difícil replicar em Damasco o modelo da revolução líbia.”

Apostas altas na Síria

Sim, mas a mente ocidental é famosa pela capacidade de inovação. Não há dúvidas de que a Síria está no coração do Oriente Médio e conflitos que irrompam ali quase com certeza engolfarão toda a região – inclusive Israel e, possivelmente, também o Irã e a Turquia.

Por outro lado, os movimentos coordenados do ocidente nas últimas semanas ampliando sanções contra a Síria, são muito semelhantes ao que se viram no prelúdio da intervenção na Líbia. Estão em andamento esforços sustentados para criar uma oposição síria unificada. Semana passada, encontro na Turquia – o terceiro em sequência – finalmente elegeu um “conselho” que ostensivamente representaria a voz do povo sírio. Evidentemente, está em construção, cuidadosamente, um ponto focal, que, em momento conveniente, poderá ser cooptado como do interventor ocidental democrático que representaria a Síria. O apoio da Liga Árabe, para funções de folha de parreira, também está disponível. Os regimes árabes “pró-ocidente” – autocracias – reapareceram à frente da campanha ocidental, como portadores do estandarte da representatividade na Síria.

Pode-se argumentar que a parte mais difícil seria obter mandado da ONU para intervenção ocidental na Síria. Mas a experiência líbia mostra que sempre é possível conseguir um álibi. Para isso, pode-se confiar na Turquia: quando há envolvimento da Turquia, é possível invocar o Estatuto 5 da OTAN.

O xis da questão é que é imperativo derrubar o governo da Síria, para que a estratégia dos EUA no Oriente Médio possa avançar, e Washington não aceitará obstáculos que algum dos BRICS crie, porque o que está em jogo é importante demais. Estão em jogo a expulsão, de Damasco, da liderança do Hamás; o rompimento do eixo sírios-iranianos; o isolamento do Irã, com o correspondente estímulo para derrubar o governo iraniano; enfraquecer e degradar o Hezbollah no Líbano; e reconquistar a dominação estratégica de Israel sobre todo o mundo árabe.

Claro que, na raiz disso tudo, está o controle sobre o petróleo, o qual, como disse George Kennan há 60 anos “é recurso nosso, não deles [dos árabes]”, considerado crucial para manter qualquer esperança de prosperidade sustentada do mundo ocidental. E ria de quem disser que governos ocidentais e seus cidadãos empobrecidos já não teriam apetite para guerras.

Finalmente, tudo isso implica, em termos geopolíticos, a reversão de qualquer influência que russos e chineses tenham obtido no Oriente Médio.

Já está em operação uma sutil propaganda ocidental que pinta Rússia e China como obstáculos à derrubada de governos na região –, porque estariam “do lado errado da história”. É esperta virada ideológica na muito bem-sucedida jogada-padrão da Guerra Fria, que jogou o comunismo contra o Islã.

A linguagem corporal nas capitais ocidentais não deixa dúvidas: de modo algum os EUA deixarão escapar a oportunidade que veem hoje, para eles, na Síria.



Nota dos tradutores
[1] 23/8/2011, Wall Street Journal, “Lybia and the Arab Spring