domingo, 3 de junho de 2012

Acusado descobre que inquérito da PF que o incriminava estava na Globo


O poderoso Rei Arthur, do Grupo Facility
O poderoso Rei Arthur, do Grupo Facility


Se o fato não tivesse sido me contado pessoalmente pelo denunciante seria difícil de acreditar embora algumas evidências, como vocês vão ver já sejam de conhecimento público.

O Brasil ficou chocado com uma reportagem apresentada no Fantástico e depois repercutida exaustivamente nos noticiários da TV Globo onde representantes de empresas prestadoras de serviço combinavam fraudes nas concorrências com um repórter da emissora que se passava por funcionário do setor de licitações do Hospital Infantil da UFRJ. Não há dúvida realmente é um escândalo, mas o que pouca gente sabe é o que vamos revelar agora.

Uma das empresas que teve o seu nome citado, mas não estava diretamente ligada à fraude constituiu advogado para obter cópia integral do processo já que o nome da empresa havia aparecido no Fantástico como dando cobertura a uma empresa que seria vencedora da licitação. Depois de tentar sem sucesso obter cópia na Polícia Federal por via administrativa, ingressou na Justiça para ter acesso ao processo. Aí vem a primeira surpresa.

Foi informado por um delegado da Polícia Federal depois de uma sessão de constrangimento, que não podia lhe entregar cópias do processo, pois o mesmo estava na TV Globo. A Justiça determinou então que o processo retornasse à Polícia Federal e fosse fornecida a cópia do processo. Vejam vocês, o processo estava na TV Globo.

Novamente a empresa solicitou desta vez à TV Globo as fitas brutas com as gravações completas, já que o material exibido tinha sido editado. Para surpresa do autor do requerimento e numa risível mentira porque todo mundo que trabalha em Comunicação informou saber que é impossível, a TV Globo que já havia apagado as fitas originais. Aliás, isso já foi divulgado amplamente pela mídia e foi motivo de chacota no meio jornalístico.


Reprodução do Radar online, da Veja
Reprodução do Radar online, da Veja


O que alguns envolvidos no escândalo têm certeza hoje, é que tudo foi montado entre as Organizações Globo e o grande amigo de Sérgio Cabral, o Rei Arthur, dono do Grupo Facility. A lógica é muito simples: foram afetados fornecedores de mão-de-obra, alimentação, lixo hospitalar, todos concorrentes do império de Artur Cesar Soares Filho, o Rei Arthur, que soma mais de R$ 1,5 bilhão em contratos com o governo Cabral.

Algumas perguntas precisam ser respondidas para não desmoralizar uma instituição séria como a Polícia Federal.

O que estava fazendo o inquérito da Polícia Federal na sede da TV Globo?

Por que a TV Globo se recusa a entregar a fita bruta com as gravações na íntegra onde aparece o nome de todos os envolvidos?

Por que a Polícia Federal direcionou as investigações somente para um grupo de empresas e não para todas?

A situação está deixando a sensação de uma de grande armação no ar.


A Locanty por exemplo, como vocês poderão ver abaixo, já trocou de razão social porque não tinha como resistir à avalanche de notícias negativas envolvendo seu nome. Agora chama-se Infornova Ambiental. Outras empresas deverão fazer o mesmo. O que não se pode aceitar é a associação do empresário mafioso Arthur César Soares Filho, o Rei Arthur com a TV Globo e com policiais federais, para atingir concorrentes mesmo que esses sejam igualmente mafiosos.


Tiririca no salão




O deputado mais votado do país chegou a Brasília como a maior piada da política brasileira. Uma vez lá, resolveu se levar a sério
por CLARA BECKER

Passava das nove da noite quando Tiririca saiu da sala da liderança do PR, na Câmara dos Deputados. Foi o primeiro a deixar a reunião do partido naquela terça-feira de março. Gravadores, câmeras e caderninhos de anotação amontoaram-se à sua volta. “Conta aí para a gente, deputado”, pediu uma jornalista, atrás de notícias. Tiririca contou: “
Um, dois, três, quatro...” “Estou falando sério, deputado”, retrucou a moça. Livrando-se do bolo de gente com passadas rápidas, Tiririca já estava sozinho no fim do corredor quando chegou no “dez”.
 
Do lado de dentro da sala, os deputados do Partido da República – 36 no total – estavam reunidos para decidir se iriam ou não seguir os senadores da legenda, que haviam rompido com o governo Dilma Rousseff para se alinhar à oposição, assunto daquela semana em Brasília. (Os deputados continuam na base do governo, para onde também voltaram os senadores.) A reunião, que começara às seis da tarde, já durava mais de três horas sem que se chegasse a uma definição. Antes de sair, Tiririca pediu a palavra: “A diferença é muito diferente da diferença que você diferenciou. Vocês confundiram as consequências e as emergências.” Isto é, “não falaram porra nenhuma”, como explicaria depois.
Em outra ocasião, como a reunião da bancada estava “chata demais”, Tiririca disse que precisava ir embora mais cedo. “Na saída, apaguei as luzes e deixei todos no escuro”, contou, sorrindo.
Tiririca costuma repetir que não é político, está político. “Não levo o menor jeito para a coisa. Já entendi como funciona, não sou bobo, mas não gosto desse jogo de interesses. Certos caras brigam na frente das câmeras e depois se abraçam. Eu não consigo ser falso assim. E aqui a sinceridade não é muito bem-vinda”, disse, como quem tenta se localizar no novo habitat.
Eram dez da noite quando Tiririca chegou em casa. “É difícil passar o dia inteiro trancado no Congresso, o pior é que tem dia que nem votar a gente consegue. Um partido não quer, a ordem do dia entra em obstrução e cai a porra toda. No início não entendia por que não podíamos sair votando tudo logo, se a gente votasse direito dava para fazer muita coisa”, disse. “Eu achava que ninguém fazia nada, mas que eu ia conseguir fazer muita coisa por causa da minha votação. Não tem como, o sistema é muito engessado. Eu te digo o que um deputado federal faz: trabalha muito e produz pouco”, completou, revelando intimidade com o jargão parlamentar.
Em Brasília, Tiririca mora num apartamento funcional de quatro quartos, na Asa Sul. Não mexeu na decoração de móveis padronizados em tons de bege fornecidos pela Câmara. A enorme televisão tela plana e um videogame foram suas únicas aquisições. Pequenos quadrinhos de flores nas paredes da sala, colocados por sua mulher, a atriz Nana Magalhães, dão um toque mais pessoal ao ambiente.
A primeira coisa que Tiririca fez ao chegar em casa foi se livrar do paletó de veludo cáqui, da camisa pólo roxa, da gravata verde, da calça jeans e dos sapatos de bico fino imitando couro de crocodilo, que usa sem meias. “Mas você vai sair de casa assim, pai?”, costumam perguntar seus filhos adolescentes. “Comprei uma porrada de ternos de 8 mil, 9 mil reais, só Armani e Hugo Boss. Mas não era o meu estilo. Não é porque virei deputado que tenho que mudar quem eu sou. Hoje me visto do meu jeito e as pessoas respeitam”, disse o deputado.
Antes de voltar a se vestir como gosta, Tiririca se informou sobre as regras da Casa. Apenas paletó e gravata são obrigatórios – peças que sempre usa. A camisa e a calça sociais foram substituídas por camisetasde manga curta, que coloca para fora da calça, e jeans, em geral bem justo.
Tiririca voltou para a sala vestindo camiseta, short e chinelos. Sentou-se no sofá e perguntou pela filha mais nova, Nanda Kauanny, seu xodó de 2 anos. A menina, serelepe, veio correndo para o colo do pai, que a beijou e abraçou, e depois a jogou para o alto, chamando-a de “minha pretinha”. Nana pedira pizza com guaraná para o jantar. Nessa noite assistiriam ao filme O Palhaço, dirigido e estrelado por Selton Mello. “Olha lá o palhaço, filhinha, que nem o papai”, disse Tiririca para Nanda, que girava ao redor da mesa.
Florentina Evellyn, de 15 anos, e Antonio Everardo, de 16, filhos do primeiro casamento, que optaram por morar com o pai, foram chamados para assistir ao filme. Ajudaram Tiririca a colocar o DVD, pediram a sua bênção e foram dormir. Tinham aula cedo no dia seguinte. Estão matriculados numa escola particular em Brasília e pretendem cursar uma faculdade.

iririca levou a mulher e os três filhos mais novos para ajudá-lo a “sobreviver em Brasília”, atitude pouco comum entre seus pares. Nana passa frequentemente no gabinete para visitá-lo. Não é raro vê-los trocando beijinhos apaixonados. Tiririca é pai de seis filhos, de quatro mães diferentes e apenas dois casamentos. Ele quer ter mais; Nana, não. Os três mais velhos já são casados e têm filhos. Aos 36 anos, ele foi avô. Hoje, aos 46, tem seis netos.
Além da mulher e dos três filhos menores, ainda moram no apartamento funcional a babá, a cozinheira com a filha de 5 anos e João Paiva, braço direito de Tiririca há dezesseis anos, hoje contratado pelo gabinete do deputado.
Apesar de estar há mais de um ano em Brasília, Tiririca não conhece quase nada da cidade. Raramente sai de casa, quando sai é para comer em churrascaria ou ir ao Country Club, do qual virou sócio, para fazer sauna: “Sou apaixonado por sauna, todas as minhas casas têm uma.”
Ele diz que vive hoje a infância que não teve. Gosta de comer Danoninho, de pôr três pirulitos na boca ao mesmo tempo e de promover campeonatos de videogame com os filhos, netos e amigos em casa. “Tem até troféu para o campeão.”
Desde a época em que era palhaço, quando se via obrigado a passar a noite acordado fazendo vigília no circo, Tiririca está habituado a dormir tarde. Não consegue se deitar antes das quatro da manhã e diz que dorme, em média, apenas três horas por noite. Não toma remédios e a insônia não o atormenta. Tem dias em que vira a madrugada jogando videogame com o motorista da família.
Casada com Tiririca há quinze dos seus 34 anos, Nana diz não saber ainda se o fato de levar tudo na brincadeira é uma virtude ou um defeito de Everardo, como chama o marido. “É difícil falar sério com ele. Até as crianças se aporrinham”, diz ela, uma mulher de jeito meigo, cabelos compridos e pele bronzeada.
Quando o filho Antonio Everardo fez 13 anos, pediu ao pai uma “conversa séria”. Disse que estava na hora de começar a receber mesada, como seus amigos. O pai respondeu: “Claro, filho, por que não falou comigo antes?” Em seguida, pegou uma mesa de plástico da área da piscina e deu com ela na cabeça do menino. “Essa coisa de levar tudo muito a sério adoece, não faz bem para ninguém”, diz Tiririca.
Na primeira cena d’O Palhaço, uma perua Veraneio carregando artistas circenses atravessa uma estrada deserta. “A gente tinha uma igualzinha”, ele comenta. O circochega a uma cidade e os artistas se apresentam na rua para chamar o público. “Mamãe fazia isso aí, ó – esse é o número da mulher-vulcão”, explica, diante da cena em que uma mulher cospe fogo. “Ela também tocava sanfona, dançava, cantava, fazia o número do cabelo de aço (no qual a mulher é pendurada pelos cabelos). Até mão ela lia para não deixar a gente morrer de fome”, completou.
No filme, Benjamim, o deprimido personagem de Selton Mello, passa por uma crise de identidade e abandona o circo para se redescobrir palhaço. Tiririca não se reconheceu na tela. Era triste demais: “Posso ser tímido pra caramba, mas não sou triste. O palhaço é a atração principal do circo, já tem que chegar trazendo alegria”, disse. Levantando-se, olhou para os lados em busca de algum objeto. Pegou a tampinha da garrafa de guaraná em cima da mesa de centro e fechou a mão. Quando abriu, a tampa tinha sumido. Fechou de novo, reabriu – e lá estava a tampa.

m agosto de 2009, quando foi convidado para entrar na política, Tiririca não imaginava que seria eleito. “Achei que as pessoas fossem levar a campanha na brincadeira, que eu ia conseguir uns 3 mil votos e rir pra caramba do fiasco.”
A proposta foi feita num almoço pelo deputado federal Valdemar Costa Neto, secretário-geral do PR, um dos réus no esquema do mensalão. Até então, Tiririca nunca tinha ouvido falar em Costa Neto ou no PR. Por mais que o humorista não acreditasse, o deputado tinha em mãos uma pesquisa mostrando que ele poderia ser eleito para a Câmara com até 1 milhão de votos. “O Valdemar disse que queria me levar há tempos para a política e teve que brigar dentro do PR pelo meu nome.” Tiririca entrava só com a cara – o partido se comprometia a arcar com os gastos da campanha.
O humorista saiu do almoço hesitante, tinha medo de prejudicar sua carreira. “Édado que político é ladrão, podia pegar mal”, disse a mim. Conversou com a mãe, dona Maria Alice, que o aconselhou a aceitar o convite. “A gente sempre ajudou as pessoas, desde a época do circo. Para ser sincero, também aceitei porque a campanha podia fazer um barulho”, admitiu.
O palhaço Tiririca foi a maior aposta eleitoral do PR. Ficou com o número mais fácil de memorizar – 2222 – e o maior tempo de exposição no horário eleitoral. Também se beneficiou da maior fatia de recursos do partido, que investiu oficialmente cerca de 500 mil reais em sua campanha.
A primeira versão da peça eleitoral que chegou ao candidato era sisuda, protocolar. “Era falso demais para mim, sou muito sincero, não queria fazer promessas”, disse Tiririca. Por indicação sua, os humoristas José Américo Niccolini e Ivan de Oliveira, com quem havia trabalhado n’A Praça é Nossa, assumiram a criação da campanha.
Hoje os humoristas são secretários parlamentares contratados pelo gabinete do deputado que elegeram. Com um salário de 4 mil reais mensais cada um, representam o chefe em eventos que ele não pode ou não quer ir. “A gente acha o maior barato trabalhar com ele”, disse José Américo.
Numa tarde de março, havíamos marcado um encontro para conversar sobre Tiririca. A dupla escolheu uma churrascaria de beira de estrada entre São Paulo, onde moram, e Mogi das Cruzes, onde gravam o programa de rádio Café com Bobagem. No horário combinado, ligaram para avisar que estavam presos no trânsito e se atrasariam pelo menos uma hora. Era uma pegadinha. Já haviam chegado.
“Quando o Tiririca nos convidou para trabalhar na campanha, topamos na hora. Nem sabíamos se íamos ganhar dinheiro ou não. Tenho até vergonha de dizer, mas recebemos 10 mil reais. Qual marqueteiro político cobra isso?”, perguntou Américo.
Em dois meses, gravaram mais de cinquenta peças publicitárias: “Vote em Tiririca, pior do que tá não fica”; “Cansado de trambica, vote em Tiririca”; “Eu quero ajudar os necessitados, inclusive a minha família” – vídeos como esses caíram no gosto popular e receberam milhões de acessos na internet. “As gravações eram gostosas. Eu virava e falava: ‘Tiririca, vamos fazer uma muito idiota?’ E ele respondia: ‘Vamos. Como é?’ Ele não podia dizer que ia construir hospital. Isso qualquer um fala. Tinha que chocar”, disse José Américo. Assim nasceu o mais polêmico bordão: “O que é que faz um deputado federal? Na realidade eu não sei. Vote em mim que eu te conto.”

té ser candidato, Tiririca nunca havia votado – costumava justificar a ausência. Em 2010, na sua primeira experiência eleitoral, como eleitor e candidato, teve a segunda maior votação da história do país. Ficou atrás apenas de Enéas Carneiro (1938–2007), que, em 2002, foi eleito deputado federal pelo antigo Prona, com 1,57 milhão de votos. Tiririca foi escolhido por 1,35 milhão de eleitores. Sua performance alçou ao Congresso outros três deputados da coligação do PR: Otoniel Lima, do PRB, Newton Lima Neto, do PT, e o delegado licenciado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, do PCdoB.
A votação acachapante de Tiririca aumentou em 2,7 milhões de reais por ano a fatia do pr no bolo do Fundo Partidário. Como a divisão do fundo depende da performance eleitoral de cada legenda, o deputado é um dos principais responsáveis por elevar a receita anual do partido de cerca de 8 para aproximadamente 14 milhões de reais.
“Deputados do PR de outros estados vieram me agradecer. Disseram que ganharam muitos votos porque as pessoas votavam no 22 pensando que estavam votando no Tiririca”, disse o campeão das urnas. Sua eleição ainda trouxe como bônus novas filiações ao partido.
Tiririca não se sente usado nem acredita que sua imagem foi manipulada em benefício da legenda. “Uma mão lava a outra, foi uma superdivulgação para mim”, disse, com realismo. “Minha campanha foi linda, organizada. Eu não fazia esse sucesso desde Florentina [sua composição de maior êxito]. Virei rei de novo. Trabalhei muito, não foi fácil conseguir essa votação.”

rancisco Everardo Oliveira Silva nasceu no dia 1º maio de 1965, no município cearense de Itapipoca, cidade hoje com pouco mais de 100 mil habitantes. O pai largou a mãe, dona Maria Alice, grávida. Tiririca ainda era menino quando ela, mãe solteira de dois filhos, casou-se com Fernando Oliveira Silva, locutor e palhaço de circo. Tiveram juntos outros seis filhos. A família vivia do circo mambembe, dormia em barracas e viajava fazendo apresentações pelo interior do Nordeste. Cada semana numa praça diferente, as crianças não frequentaram a escola. “A gente às vezes passava fome, fome de dar tontura”, diz Tiririca.
Certo dia, o palhaço titular sumiu perto da hora do espetáculo. Tiririca tinha 8 anos e o dono do circo perguntou se ele poderia decorar umas piadas para contar no palco. Ele topou. Subiu no picadeiro ao lado do filho do dono do circo. Arrancou mais risadas do que o colega. “Aí eu pensei: ‘Caraca, posso fazer as pessoas rirem. Isso é legal pra caramba!’”
Naquela noite nascia “Tiririca, filho do coronel Laxica, casca de pau e miolo de pi... colé”. Até hoje os irmãos, a mulher e os amigos o chamam de Everardo ou pelos apelidos Evé Vezinho. O nome do palhaço foi dado pela mãe porque o filho vivia “tiririca da vida”. “Meu padrasto batia muito em mim e na minha mãe. Ele tinha crises de ciúmes e espancava; eu ia defendê-la e apanhava mais ainda. Aquilo foi me deixando com muita raiva”, explicou.
Por muitos anos, Tiririca acreditou que o padrasto fosse seu pai. Não tinha memória anterior ao casamento da mãe. Nunca estranhou a diferença de tratamento dada a ele e aos irmãos. O padrasto era um homem loiro, o chamava de “nego”, “cabeçudo” ou “rasga mãe”. “Mas naquela época não existia esse bullying. Bule só de café mesmo”, brinca.
Numa das brigas entre a mãe e o padrasto, Tiririca ouviu os berros: “Tu és uma puta, já te peguei com esses dois vagabundos!” O padrasto se referia aos dois filhos que ela teve antes de conhecê-lo. Naquela noite, Tiririca descobriu que o padrasto não era o pai biológico. “Aquilo me doeu muito. Todo Dia dos Pais para mim era um sofrimento da porra. Minha mãe não me contava quem era meu pai.”

uando a família saiu em turnê pelo Maranhão e pelo Piauí, Tiririca ficou com a avó, na periferia de Fortaleza. Foi o único ano em que frequentou uma sala de aula. Sua vida seguiria ligada ao circo. Aos 15 anos, Tiririca já se sentia um artista completo – trapezista, malabarista e atirador de facas, fazia mágicas, andava em arame e dava saltos mortais. “Mas o palhaço veio muito mais forte”, disse.
Ele começava a fazer sucesso e a atrairpúblico. O dinheiro que ganhava não era muito, mas acreditava que poderia sustentar a mãe e pediu que ela largasse o padrasto. Por mais que ele fosse violento, ela disse: “Foi o homem que me tirou da desgraça.” “Ele pegou a minha mãe solteira com dois filhos e registrou os dois. Isso não existia naquela época no Nordeste. Eu entendi minha mãe”, disse Tiririca, num tom resignado.
Tiririca, contudo, deixou a família e passou a se apresentar na praça José de Alencar, em Fortaleza. Às segundas-feiras, ali funcionava uma espécie de leilão de artistas circenses. As pessoas se apresentavam e os donos de circo faziam propostas. Levava quem pagasse o melhor salário da semana.

os 16 anos, ele engravidou uma moça durante uma transa na barraca do circo. Aos 18, teve o segundo filho com uma namorada. Quando ela soube da primeira criança, terminou o namoro. Hoje, todos da família brincam que Ângelo, o mais tímido, é filho de Everardo; já Everson, desinibido, conhecido como Tirullipa e humorista como o pai, é filho de Tiririca.
Everardo conheceu sua primeira mulher, a acrobata Rogéria Márcia, em um circo vindo de Minas Gerais. Com ela teria mais três filhos. O pai de Márcia, dono do circo, não permitiu o namoro. O circo foi e ela ficou. Tiririca já tinha juntado dinheiro suficiente e o casal montou o próprio empreendimento. “Meu circo era organizado, limpinho. Todo dia eu varria tudo depois das apresentações. Até hoje eu lavo as minhas próprias cuecas no banho”, fez questão de ressaltar.
Nos anos 80, o Circo do Tiririca, composto por ele, a mulher e um mágico, rodou o interior de Ceará, Piauí e Maranhão. “Chegávamos na cidade e sempre nos perguntavam: ‘Cadê o resto dos artistas?’” Durante as apresentações, os três se desdobravam, acreditando passar a impressão de que eram vários. Do camarim, Tiririca fazia a voz de locutor anunciando a entrada do malabarista – ele mesmo. Voltava e anunciava a entrada da acrobata. Enquanto ela se apresentava, ele se transformava no palhaço. Em seguida, vinha o mágico, e mais uma vez Tiririca ganhava tempo para se trocar e voltar ao lado da mulher como atirador de facas. E assim se alternavam, até o grande final: “Não percam o homem que vira peixe.” Tiririca pegava um peixe morto, enfiava-lhe um espeto e girava para lá e para cá.
O dinheiro ganho foi suficiente para que comprasse o primeiro animal do circo – um macaco-prego. Estavam em Peritoró, no Maranhão, quando uma menina enfiou a mão na jaula e o bicho mordeu-lhe o dedo. “Era filha de um ‘coronel’, esses fazendeiros ricões que mandam na cidade, lá no interior tem muito disso ainda.” No dia seguinte, o homem ordenou que capangas botassem fogo no circo. “O fogo lambeu tudo, a gente não tinha mais nada.”
Conseguiram salvar Erilândia Márcia, a primeira filha do casal, terceira de Tiririca, então com 2 anos. Foram de carona do Maranhão ao Ceará. Da viagem, Tiririca recorda que a filha chorava de fome, embaixo do braço. “Não ter o que dar de comer para um filho é das piores sensações do mundo”, disse.

uma manhã recente de abril, antes de viajar para Jericoacoara, onde passaria a Páscoa com a família, Tiririca mostrou os pontos de Fortaleza onde se apresentou assim que chegou do Maranhão com Rogéria Márcia e a filha. Era início da década de 90 e os dois foram tentar a vida como humoristas. Márcia era a escada do marido – como Dedé para Didi.
“Aqui ficava o palco, aqui a gente se trocava e a plateia ficava para cá”, explicou Tiririca ao entrar na Shopping Pizza, uma pizzaria que funcionava como casa de humor, em frente ao Shopping Iguatemi, num bairro nobre de Fortaleza. Tiririca vestia uma calça jeans, blusa preta e óculos escuros. Por mais discreto que estivesse, era reconhecido por onde passava. É comum que as pessoas lhe peçam alguma piada.
Nos primeiros meses, porém, Tiririca não fez nenhum sucesso. “Eu era palhaço, não humorista, e as pessoas tinham preconceito.” Foi então aconselhado a se desfazer da fantasia – o nariz vermelho, a gota de lágrima preta embaixo dos olhos, o macacão de bolas coloridas e o sapato de Pateta. Manteve apenas a peruca loira e o bonezinho. “Eu achava que sem a minha roupa de palhaço não ia conseguir subir no palco”, disse.
Eriosvaldo Guimarães, um baixinho atarracado de sorriso simpático, então dono da pizzaria onde Tiririca deslanchou sua carreira, brinca que no Ceará há uma farmácia e um humorista a cada esquina. “Tem que ser muito bom para se destacar. Mas o Tiririca fugia do padrão. É muito inocente, um palhaço com uma ingenuidade chapliniana”, discursa Eriosvaldo.
Hoje dono de uma lanchonete, a Coyote Sucos e Sanduíches, ele também foi empresário de Tiririca. “O sucesso dele foi tamanho que eu cheguei a ter problemas com os covers. Os contratantes ligavam e me perguntavam como poderiam ter certeza de que era mesmo o Tiririca. Tinha cover com equipe maior do que a nossa. Ainda hoje tem muita gente que vive de cover do Tiririca”, disse.
Naquele tempo, era comum alguém ligar para dizer que o pai de Tiririca estaria na cidade onde ele se apresentaria. Eram trotes ou tentativas de golpe. Um dia, porém, a história se mostrou verdadeira. Tiririca tinha 30 anos quando finalmente conheceu o pai e mais dezoito irmãos, numa reunião de família, antes de um show em Assú, no Rio Grande do Norte. “Foi muito estranho, não senti nada. Não tinha carinho”, disse Tiririca.

música Florentina já estava saturada de tanto tocar nas rádios no Nordeste quando o empresário country Beto Carrero descobriu Tiririca na Shopping Pizza. Fez um vídeo e o apresentou a gravadoras do Sudeste. Em 1996, o produtor musical paulista Arnaldo Saccomani fechou contrato com a Sony Music e se tornou empresário do palhaço. Tiririca estourou no país. Mudou-se para São Paulo e levou junto a equipe cearense. Moravam dezenove pessoas numa casa de quinze cômodos na Granja Viana, condomínio de alto padrão próximo de São Paulo. “Eu já tinha casa, carro, dinheiro no banco, vivia muito bem em Fortaleza. Mas quando estourei nacionalmente foi uma loucura. Aí eu corri para o abraço”, disse.
Florentina foi a música mais tocada em todos os segmentos de rádio. O CD vendeu mais de 1,5 milhão de cópias. Tiririca chegou a se apresentar no mesmo domingo nos programas do Faustão, na Globo, e do Gugu, no SBT. A fama permitiu que realizasse alguns sonhos: participar do programa de entrevistas de Jô Soares, ter um telefone sem fio e conhecer pessoalmente dois dos seus três maiores ídolos: Roberto Carlos e Fábio Jr. O terceiro é Zico (ele é um flamenguista fanático).
O CD já tinha vendido em torno de 320 mil cópias quando a Justiça determinou seu recolhimento e proibiu a execução nas rádios. A música Veja os Cabelos Dela foi acusada de fazer apologia do racismo. A Sony lançou sua nova fornada sem a faixa censurada.
A letra dizia:

Veja, veja, veja, veja os cabelos dela
Parece bombril de arear panela
Eu já mandei ela se lavar
Mas ela teimou, não quis me escutar
Essa nega fede, fede de lascar
Bicha fedorenta, fede mais que gambá.

A censura causou reações de todo tipo. Houve quem se lembrasse de O Teu Cabelo Não Nega, de Lamartine Babo, e do samba Cordiais Saudações, em que Noel Rosa canta “a vida cá em casa está horrível/ando empenhado nas mãos de um judeu”. Tiririca foi absolvido em todos os estados onde houve ação: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Bahia. A Sony Music, contudo, não. Em dezembro do ano passado, depois de quinze anos, foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Rio, que determinou o pagamento de 1,2 milhão de reais por entender que havia racismo na música. A ação civil pública foi capitaneada por dez ONGs e a indenização irá para um fundo de direitos difusos do Ministério da Justiça. Deve ser usada em ações contra a desigualdade racial.
“Tinham que lascar a chibata em quem tinha destaque. É sempre assim. Mas não tive intenção de ofender ninguém, minha mãe é negra, tenho filhos negros, eu não sou branco. No Nordeste é muito comum chamar de negão, de nega, é uma forma de tratamento”, disse Tiririca.

m fevereiro de 1998, ele chegou de noite a um hotel de Contagem, cidade mineira perto de Belo Horizonte, onde havia se apresentado à tarde. Na entrada um carro da polícia o aguardava. Sua mulher havia prestado queixa por agressão. Tiririca foi levado para a delegacia local, que logo se transformou num ambiente festivo. Até presos pediram para Tiririca cantar. Satisfeitas algumas exigências protocolares e distribuídos autógrafos para os filhos do delegado, ele foi liberado. No dia seguinte, Rogéria Márcia retirou a queixa.
“Foi no dia do show, nós dois subimos no palco brigando feio. A plateia morria de rir achando que era tudo encenação. Ela teve uma crise de ciúmes e me bateu muito. Me deu um tapa na cara que cheguei a ver estrela. O meu cunhado foi testemunha, eu só me defendi”, disse Tiririca, negando insistentemente que havia batido na mulher, conforme ela havia acusado.
O casamento acabou ali. Tiririca diz que deixou Márcia com o dinheiro que tinha ganho comFlorentina porque ela ficaria com os três filhos do casal. Segundo o deputado, em pouco tempo a ex-mulher “torrou tudo” e devolveu as crianças para que ele cuidasse.
Depois de um ano difícil, em que rescindiu contrato com sua gravadora, Tiririca foi sondado por algumas emissoras. Foi parar na extinta TV Manchete, de Adolpho Bloch. “Lá eu seria bambambã, nas outras, coadjuvante.” Confessou que ficou com medo que a Globo o obrigasse a colocar dentadura, mudar o estilo das roupas e aprimorar o português.
“Cheguei até aqui sem mudar nada do que eu sou”, disse Tiririca. Hoje, porém, ele usa prótese dentária, não é mais o Tiririca do sorriso desdentado. “Sabe por que eu coloquei dente? Porque meus covers estavam arrancando os dentes para ficar mais parecidos comigo; porque as crianças não queriam mais escovar os dentes para ficar igual ao Tiririca. Eu não podia prejudicar as pessoas.”
Com a falência da Manchete, Tiririca foi para a Record, onde integrou o quadro de alunos daEscolinha do Barulho. De lá, pulou para o SBT, onde se sentou no banco d’A Praça é Nossa. Em 2004, voltou para a Record. “Já fiz o convite para ele vir de volta, mas não dá para tirá-lo da Record. O salário que ele ganha lá é maior do que a verba mensal do meu programa”, disse Carlos Alberto de Nóbrega, do SBT.
Até dezembro de 2011, quando Tom Cavalcante saiu da Record, Tiririca integrava quadros noShow do Tom. “Ele é o último dos românticos de uma geração que começou nos picadeiros e se lançou na tevê. Tivemos Arrelia, Carequinha e Tiririca. Ele fala a linguagem do povão”, diz Cavalcante. A emissora quis que ele voltasse para a Escolinha do Barulho, masTiririca não aceitou. Sua situação na Record permanece indefinida. Enquanto não decide o seu destino, a tevê o mantém na geladeira.

o domingo da eleição, dia 3 de outubro de 2010, o telefone de Tiririca tocou quinze minutos depois de iniciada a apuração. Era um jornalista com a notícia de que ele já estava eleito com mais de 300 mil votos. Quando a contagem foi concluída, Tiririca estava no ar, viajando de São Paulo a Fortaleza. Ficou sabendo que era o campeão nacional de votos ao pousar em sua terra natal.
O cientista político Fernando Luiz Abrucio diz que a performance eleitoral de Tiririca se explica pela soma do voto de protesto e do voto de identificação. “Uma parte das pessoas votou contra o sistema. Outra, de pessoas mais pobres, se viu no Tiririca. Por que votar no diferente se tem um cara como eu concorrendo?” Coordenador da graduação em administração pública da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Abrucio lembrou que o estilista e apresentador Clodovil Hernandes (1937–2009), um fenômeno parecido, teve quase 500 mil votos em 2006. Para o professor, a exposição midiática e a comunicação da campanha de Tiririca também pesaram no êxito final.
O “abestado”, como ele se chamava no ar, ao pedir votos, não é apenas um novo Cacareco – nome do famoso rinoceronte do zoológico de São Paulo, que recebeu em 1959 a maior votação para vereador. “Cacareco não sabia que era candidato e não era candidato. Esse tipo de voto de protesto em Tiririca é pouco eficiente. Não podemos esquecer que o palhaço fortaleceu o bandido”, disse Abrucio, referindo-se ao partido do deputado Valdemar Costa Neto.
No dia seguinte à eleição, a Justiça Eleitoral de São Paulo aceitou uma denúncia contra Tiririca por suspeita de analfabetismo. Havia, segundo o Ministério Público, discrepância de grafias entre o texto que o candidato entregara à Justiça e sua assinatura. A lei brasileira proíbe que analfabetos concorram a cargos eletivos.
O caso havia surgido numa reportagem da revista Época – “Tiririca, o candidato que não lê” –, publicada no final de setembro. A publicação levantava uma série de indícios de que Tiririca seria analfabeto. Funcionários da TV Record diziam que ele não lia o roteiro do programa, que lhe era passado pela mulher no camarim; o humorista Ciro Botelho afirmava ter escrito sozinho o livro As Piadas Fantárdigas, assinado por Tiririca. Quando o repórter da revista pediu para que o humorista lesse uma pesquisa, seu filho imediatamente pegou o papel e leu para o pai. Em seguida, os assessores interromperam a leitura, alegando que estava na hora do almoço. Os pedidos para que Tiririca lesse um texto a fim de esclarecer a dúvida foram recusados.
Depois de muita polêmica e exposição pública, Tiririca foi submetido a um teste de leitura e ditado no dia 11 de novembro. O juiz Aloísio Sérgio Rezende Silveira, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, o absolveu. Alegou que o deputado eleito havia demonstrado “um mínimo de intelecção do conteúdo do texto, apesar da dificuldade na escrita”, e considerou “irrelevante” investigar quem havia escrito a declaração entregue à Justiça Eleitoral ou em que circunstâncias havia sido redigida. Afirmou, por fim, haver na Justiça Eleitoral o entendimento de que analfabetos funcionais (que conseguem escrever o próprio nome e pelo menos algumas poucas palavras) não devem ser considerados inelegíveis, veto que se aplicaria apenas aos analfabetos absolutos (que não escrevem nem o próprio nome).
Antes do teste, Tiririca havia admitido que sua mulher o ajudara a redigir o papel que entregou à Justiça. Na noite em que foi absolvido, assistiu ao Jornal Nacional. Queria ver William Bonner anunciar ao país que ele não era analfabeto. “Eu queria que ele desse a notícia, não servia ela, não”, disse, referindo-se a Fátima Bernardes.
O promotor Maurício Ribeiro Lopes, que fez a denúncia, ainda não se deu por vencido e entrou com recurso para reverter a decisão. Ele alega que Tiririca não entendeu o conteúdo do que leu. “Um analfabeto funcional não pode ser votado. Como ele vai representar o interesse de terceiros se não compreende o que lê?”, perguntou. Como os deputados têm direito a foro privilegiado, o processo agora tramita no Supremo Trbunal Federal e está nas mãos do relator, o ministro Gilmar Mendes.
Durante as quatro semanas em que o acompanhei, Tiririca leu algumas palavras soltas, como o nome de estabelecimentos e o seu próprio nome no painel do plenário. Quando chegaram seus novos óculos de leitura, um estiloso Calvin Klein, dobrável com hastes douradas, perguntou: “Qual analfabeto manda fazer óculos para ler?” Tiririca, no entanto, não recorre à leitura em situações cotidianas. Quando se senta num restaurante, por exemplo, não lê o cardápio e pergunta logo o que tem para comer.

rancisco Everardo Oliveira Silva tomou posse na Câmara dos Deputados em fevereiro de 2011. Os primeiros três meses na Casa foram sofridos. Ele andava arredio e cabisbaixo pelos corredores, pouco falava. “Achava que não ia aguentar até o fim do mandato. Pensava todos os dias em desistir. Cheguei muito perto de jogar a toalha”, confessou. Correram boatos de que o palhaço que virou deputado estaria deprimido. “Eu só pensava uma coisa: não preciso disso”, disse Tiririca.
O salário de 26 mil reais mensais que recebe pelo mandato representa um acréscimo marginal nos seus rendimentos. Tiririca não sobe ao palco por menos de 50 mil reais. Por causa da agenda parlamentar, que o obriga a estar em Brasília às terças, quartas e quintas, seus compromissos artísticos foram bastante reduzidos. Além de não faltar às sessões no Congresso, Tiririca tem medo de se atrasar. É dos poucos que chega a Brasília na segunda-feira à noite, o que lhe bloqueia mais um dia na agenda.
Quando perguntado sobre seu patrimônio, Tiririca pede para que não se toque no assunto e desconversa. Fez isso mais de uma vez. Diz que pode soar “arrogante”. Além do salário de deputado, ele tem um contrato com a Record e ganha uma quantia mensal do escritório que mantém em São Paulo, responsável por agenciar seus shows. Segundo seus cálculos, se parasse de trabalhar hoje, a mulher, os filhos, a mãe e os seis irmãos não passariam fome – todos vivem à sua custa. “As pessoas acham que eu ainda sou um nordestino pobre que não conhece nada. Vou jantar em casa de grã-fino e eles me mostram: ‘Olha, essa aqui é uma azeitona importada.’ Estou cansado de comer azeitonas importadas em casa”, disse.
Tiririca tem imóveis no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Fortaleza. “Se você visse a minha casa em Fortaleza, ia achar que eu sou doido, é muito simplesinha. Eu mesmo limpo a piscina, à tarde sento num banquinho e me sinto no interior. É assim que eu sou feliz”, disse. A casa foi comprada num impulso. Tiririca foi a um churrasco, gostou do lugar e fez uma proposta. Arrematou o imóvel ali na hora.
Ele também gosta de carros. “Não preciso dizer quantos tenho”, desconversou, mas em determinado momento mencionou que chegou a ter onze importados na garagem. Quando soube que os filhos estavam contando vantagem na escola por andar de “carrão e motorista”, Tiririca tratou de comprar um Fusca vermelho bem antigo. Instruiu o motorista que só levasse e buscasse os filhos de Fusca e que gritasse bem alto o nome completo dos três no portão da escola: “Erilândia Márcia, Antonio Everardo, Florentina Evellyn.”
Num universo de 513 deputados, Tiririca foi um dos treze que tiveram 100% de presença no plenário no primeiro ano do mandato. Na Comissão de Educação e Cultura, da qual é membro, esteve em 87% das reuniões. Até agora, relatou quatro projetos de lei e apresentou outros seis, entre eles um que prevê a reserva de vagas em escolas públicas para filhos de artistas circenses. É a primeira vez que os profissionais de circo têm um representante no Congresso.
“O Tiririca sofreu muito preconceito aqui dentro, a campanha dele banalizou o Congresso. Eu fiz bem em dar espaço para ele e não tenho do que me queixar”, disse a deputada Jandira Feghali, do PCdoB, presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura, da qual Tiririca presidiu uma audiência pública. Feghali faz um balanço positivo da atuação do colega: é um “deputado assíduo”, “montou uma audiência pública importante”,  “não é muito de se expressar porque está começando”.

a sala da liderança do PR, o deputado Lincoln Portela lembrou-se de quando nomeou Tiririca para integrar a Comissão de Educação e Cultura. “O Brasil inteiro me atacou. Meu Twitter foi bombardeado, mas tive paciência para responder a um por um explicando qual o motivo dessa opção.” A explicação, porém, vem em forma de pergunta: “Para qual comissão nomeá-lo senão a de Cultura?” Lamentavelmente, prossegue o líder do PR, “essa é uma sociedade preconceituosa, que se diz esclarecida, mas não tem o esclarecimento para entender como funciona uma Comissão de Educação e Cultura, que abarca a questão das artes. Ele está fazendo um trabalho incrível em defesa dos artistas circenses”, diz o líder do PR.
Portela prossegue na defesa do colega humorista: “Os votos do Tiririca elegeram dois deputados do PT [na verdade, um do PT e outro do PRB] e um do PCdoB, e não do PR. Os nossos deputados de São Paulo teriam sido eleitos sem o Tiririca. O Protógenes, por exemplo, está fazendo um excelente mandato, então a contribuição do Tiririca foi maior do que se pensa.”
Em tom paternal, Portela conclui: “Tiririca participou de todas as reuniõesque o partido convocou. No início, procurou aprender, não pecou por precipitação, não se atreveu a entrar em assuntos de que não tinha conhecimento e prática. Foi muito prudente, ficou na dele. Vota as matérias com o partido – e com sua própria consciência, é claro. É uma pessoa interessada e comprometida. São os melhores termos para caracterizá-lo.” “Ele só não discursou no plenário ainda”, ressalvou.
Tiririca diz não ter vontade de ocupar a tribuna da Câmara. “Aquilo lá é uma fábrica de loucos, ninguém presta atenção. Enquanto um deputado está discursando, tem um comendo, outro dormindo, um terceiro que pede a palavra para reclamar que as tomadas não estão funcionando. Aí o próximo a falar faz o mesmo discurso que o colega acabou de fazer e nem percebe. Para eles é legal porque eles querem aparecer. Eu não preciso disso”, disse o humorista.
No Congresso, Tiririca está bem assessorado. Nunca anda só. Edit Pinto da Silva, sua assessora de imprensa, uma paranaense com vasta experiência no jornalismo político da capital, está sempre ao seu lado. Tudo o que é solicitado a Tiririca passa pelo crivo dela. Cabe a Edit a tarefa de recusar a imensa maioria das entrevistas diárias solicitadas ao deputado. Tiririca também usa a assessora como escada para suas piadas. É comum vê-los abraçados pelos corredores enquanto ele diz a todos que ela é sua amante. Em outros momentos, a graça é tratá-la no porrete. Ele dá revistadas na cabeça de Edit, a chama de “nojenta”, “fedorenta”, “feia” e passa o dia a repetir uma frase, cada vez com uma entonação diferente: “Edit, minha vida sem você seria tão, tão, mas tão, melhor.”
A assessora aceita as palhaçadas e os modos do chefe, de quem já se considera amiga: “Ele é um artista, a gente tem que entender e respeitar isso.”
Às vezes, ela explica, “as pessoas acham que ele está triste, mas ele fica com a cabeça baixa porque está concentrado, compondo”. Tiririca acaba de concluir um novo CD, em parte fruto de suas criações no Congresso. Deve iniciar em breve uma turnê para divulgá-lo.

nildo Antonio Totta Cardozo é um homem paciente e de feição séria. Chefe de gabinete de Tiririca, trabalha há 25 anos nessa função, sempre para deputados paulistas. Conhece muito bem o regimento e os macetes da Casa. Num primeiro momento, resistiu quando recebeu o convite do PR para assessorar o humorista. Temia o desgaste ao lado de uma celebridade tão controversa.
Com outros deputados, Totta costumava receber em torno de dez visitas por semana no gabinete. Agora, precisa organizar a pequena multidão que se amontoa diariamente na porta de Tiririca. São, em média, 200 pessoas por semana. Gente que vai pedir dinheiro, mostrar um CD, fazer oração, levar bolo de rolo, cocada e outros quitutes, em parte responsáveis pelos 20 quilos que Tiririca engordou desde que entrou na política. A maioria, porém, quer apenas conhecer o deputado e tirar fotos a seu lado. Há também inúmeros pedidos de apoio político vindos de vereadores e candidatos a prefeito de pequenas cidades do país. Totta anota o nome e a cidade de cada um que quer permissão para entrar na sala do deputado. Fica sempre em pé ao lado de Tiririca e responde pelo chefe se a demanda em questão poderá ou não ser atendida. De quebra, ainda bate as fotos dos fãs com Tiririca. Incansável, o deputado está sempre pronto para mais uma imagem. “Vamos lá? Digam fezes!” “No dia que isso acabar, estou lascado”, disse, referindo-se ao assédio constante.

ecentemente, três senhorinhas foram até o gabinete de Tiririca. Uma delas disse que precisava falar a sós com o deputado. “Eles estão me perseguindo”, falou baixinho no ouvido dele, sem dar mais explicações. Tiririca não pensou duas vezes. Chamou um ajudante para segurar a cabeça da senhora e começou a gritar: “Sai!, sai!”, enquanto estalava os dedos. Quem ouvia a gritaria do lado de fora não entendia nada. Não satisfeito, ele pegou o pote de balas de banana sobre a mesa e despejou sobre a cabeça da mulher. “Ela saiu de lá limpinha”, diz Tiririca, gargalhando de si mesmo.
É no seu gabinete, no 6º andar do anexo IV do Congresso, porta 637, que o deputado se sente mais à vontade. Nana, sua mulher, mandou pintar a parede da sala de azul e pendurou quadros com fotos de personagens de Tiririca de cima a baixo. Um chapéu de cangaceiro, um quadro de um jegue com um senhor, que Tiririca diz ser seu avô, um sino de cabrita e um baleiro recheado completam a decoração.
Por volta das 17 horas, o deputado costuma deixar o gabinete rumo ao plenário, onde fica até acabar a votação. Numa tarde, encontrou Romário no elevador privativo dos parlamentares. “Quer uma rapidinha em pé?”, perguntou Tiririca. Romário sorriu e acenou com a cabeça. “A babá tentava colocar o menino para dormir. Ele disse que só dormiria se ela deixasse ele colocar o dedo dele no umbigo dela. Depois de muito tempo e nada de o menino dormir, a babá cedeu. ‘Mas isso não é o meu umbigo’, disse a babá. ‘Nem isso é meu dedo’, retrucou o menino.’”
Romário caiu na gargalhada. Tiririca emendou outra. “Minha mãe só usa vestido sem calcinha, minha mãe. No velório do meu padrasto, ela chorava muito e levantou a barra do vestido para assoar o nariz. Ela me perguntou: ‘Meu filho, você já viu desgraça maior do que essa?’ E eu respondi: ‘Vi não, mamãe, só numa jumenta.’” Romário se contorcia apoiando asmãos nas paredes do elevador de tanto rir.
Tiririca entrou no plenário e marcou a presença. “Olha lá meu nome, embaixo de Mato Grosso”, disse, lendo o painel luminoso. Conduzindo o deputado pelo cotovelo, Edit guiou-o até o cafezinho, atrás do plenário. “Senta ali”, disse a Tiririca, apontando uma mesa vazia. Os dois pediram uma salada de frutas. Os deputados vinham, sentavam-se,o convidavam para participar de eventos variados e iam embora. Em ano eleitoral, quase todos querem tirar proveito da popularidade do colega. Tiririca sempre responde com um “vamos ver”, sem conseguir disfarçar a falta de jeito.
Com os poucos deputados que tem mais intimidade, no entanto, ele faz baderna: troca os pratos de comida, cutuca um lado do ombro e aparece no outro, bagunça o ambiente como pode. Chiquinho Escórcio, do PMDB do Maranhão, estava louco para repercutir com Tiririca o escândalo que envolve, entre tantos outros, o senador Demóstenes Torres e o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Escórcio falava sobre a CPI, eventuais cassações e rabos presos. Tiririca o interrompeu de repente: “Tu respira bem? Esse furinho do seu nariz é muito pequeno.” Quando viu o boxeador Acelino Popó, perguntou: “Você sabe quem virou veado?” Popó não sabia. Tiririca chegou bem perto dele e disse: “Me dá um beijo que eu te conto.”

pastor Paulo Freire, deputado pelo PR de Campinas, é o melhor amigo de Tiririca na Casa. Conheceram-se em um evento do partido em São Paulo, antes da posse em Brasília. “Como pode, né? Um pastor e um humorista?”, perguntou Freire numa tarde no Congresso. “Eu não teria estrutura para seguir em frente ouvindo tudo o que ele ouviu. Aqueles que criticavam Tiririca caíram do cavalo”, disse.
Segundo Freire, Tiririca conquistou respeito, é ouvido pelos colegas de bancada. “Eu só não dou o púlpito da minha igreja para ele falar”, brincou. Os dois discutem as votações e a orientação do partido. “Eu sou pastor evangélico e voto de acordo com a minha religião. O Tiririca tem opinião própria, é muito mais independente do que pensam.” Ele se lembrou da votação do aumento do salário mínimo. O partido orientou para que se votasse contra. Tiririca votou a favor. Todos pensaram que ele havia se equivocado. Vieram lhe explicar que poderia corrigir o voto. Tiririca manteve sua posição.
Nas últimas semanas, ele vinha sendo chamado de “meu prefeito” por vários colegas. “Já tenho seu slogan: ‘Governar São Paulo é uma brincadeira’”, disse um deles. O PR havia ameaçado, de fato, lançar sua estrela à disputa municipal paulistana. Novamente as articulações passavam pelas mãos de Valdemar Costa Neto, figura esquiva, que evita jornalistas e se nega a conceder entrevistas. Tiririca estava no cafezinho da Câmara quando Costa Neto apareceu por lá. Não se aproximou do humorista. À distância, abrindo e fechando a boca de forma articulada, sem emitir sons, disse a Tiririca que havia encomendado uma pesquisa para medir a receptividade à sua candidatura. Na prática, pretendia mais uma vez usar a popularidade de Tiririca como forma de barganhar em melhores condições cargos e espaços de poder no governo petista. A sondagem, no entanto, frustrou as expectativas. Tiririca não chega a atingir 5% das intenções de voto. Costa Neto, desde então, não voltou a procurá-lo.
Tratado como celebridade por uma massa de curiosos; procurado pela população mais pobre para atender a demandas variadas, concretas ou simbólicas; bajulado e ao mesmo tempo menosprezado por seus pares, que podem depender do seu prestígio, mas o veem como um político café com leite; figura visada e periférica do Congresso, Tiririca aprendeu a sobreviver num ambiente em que ainda é – e talvez sempre seja – um peixe fora d’água, mas do qual sabe tirar proveito.
“Eu sei, tem gente que não aceita que um palhaço de circo seja o deputado mais votado do país. Mas eles têm que me engolir. Eu entrei para a história da política. Sempre vão se lembrar do palhaço que teve aquela votação”, diz Tiririca. Olhando ao redor, não é fácil sustentar que ele seja a maior piada da política brasileira.

Os novos japoneses da Fórmula 1



Com performances medíocres, pilotos brasileiros roubam do 

Japão o posto de barbeiros do automobilismo - e fazem o País 

esquecer os tempos de glória

Amauri Segalla
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NA RABEIRA
Massa (à esq.) e Senna: ilustres representantes da “japonização” do automobilismo brasileiro
Os japoneses colecionaram tantos fracassos no automobilismo que, pelo menos no Brasil, ganharam fama de barbeiros. Nos anos 80, Satoru Nakajima ficou conhecido pelas manobras que tiravam os adversários da pista – em uma delas, acabou com as chances de vitória de Ayrton Senna em Interlagos – e, na década de 90, os erros grosseiros de Ukyo Katayama lhe valeram o apelido de “Katagrama”. A julgar pelos resultados recentes, a reputação negativa mudou de lado. Terceira nação com mais títulos e presença certa em todas as listas de recordes da categoria, o Brasil vê seus pilotos passar por um desenfreado processo de “japonização”. Felipe Massa, da Ferrari, sequer vê a sombra de seu companheiro de equipe Felipe Alonso, que lidera o campeonato enquanto o brasileiro ocupa uma melancólica 14ª posição. Bruno Senna, da Williams, tem metade dos pontos do venezuelano Pastor Maldonado, que pilota um carro praticamente idêntico ao seu. Suprema ironia: na classificação do campeonato, ambos brasileiros estão atrás de Kamui Kobayashi, esse, sim, um japonês genuíno. Por mais que Galvão Bueno tente inflar o ânimo dos torcedores, o Brasil é hoje o Japão da Fórmula 1 – fenômeno, aliás, que se repete na Fórmula Indy e onde mais houver corrida de carros mundo afora.

Nos últimos anos, toda e qualquer esperança de vitória (Ricardo Zonta, Antonio Pizzonia e Tarso Marques, para citar alguns exemplos de fiascos) naufragou uma após a outra. O que teria levado um país que detém oito títulos mundiais da Fórmula 1 a andar na rabeira do automobilismo mundial? Para o jornalista Flávio Gomes, apresentador da ESPN e dono do site Grande Prêmio, a ausência de conquistas é reflexo principalmente do desaparecimento das categorias formadoras, que funcionavam como aprendizado para jovens pilotos. “O automobilismo de base não existe mais no Brasil”, diz Gomes. Segundo o especialista, a última categoria acabou em 2006 e isso explica os maus resultados da nova geração. Para fazer carreira, os novos pilotos pulam a etapa de preparação no País. Mais grave: só consegue ir para o Exterior quem tem dinheiro e não necessariamente talento. Gomes faz um prognóstico preocupante: “O Brasil não vai ter piloto de ponta nos próximos dez anos.” Seremos, portanto, japoneses por um longo tempo na Fórmula 1. Sayonara, títulos.
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Sobe pressão para impedir Gilmar no mensalão


Sobe pressão para impedir Gilmar no mensalão

Foto: Edição/247

COM SUAS ATITUDES, ELE TERIA ANTECIPADO O VOTO, AO INVERTER A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DEMONSTRAR PREJULGAMENTO EM RELAÇÃO AOS RÉU DO PROCESSO; NESTE DOMINGO, VÁRIOS ARTIGOS LEVANTARAM A HIPÓTESE DE QUE ELE NÃO TERIA A NECESSÁRIA ISENÇÃO PARA PARTICIPAR DO JULGAMENTO

03 de Junho de 2012 às 19:25
247 - Gilmar Mendes é, sem sombra de dúvida, o mais polêmico integrante do Supremo Tribunal Federal. Fala excessivamente, assume um papel político e, não raro, identifica-se com a instituição da qual faz parte. Na última polêmica, que o Brasil inteiro acompanhou, comprou uma briga direta com o ex-presidente Lula, a quem acusou de tentar chantageá-lo, com uma blindagem na CPI do Cachoeira, para “melar o mensalão”.
O saldo final da polêmica, no entanto, não foi totalmente positivo para Gilmar. Na realidade, foi até negativo para sua imagem. E, aos poucos, diversos artigos começaram a questionar se ele não deveria se declarar impedido de julgar o processo do mensalão. Maria Cristina Fernandes, editora de Política do jornal Valor Econômico, defendeu essa tese explicitamente. No 247, Hélio Doyle apontou o paradoxo do ministro político que terá que proferir um voto jurídico (leia mais aqui).
Neste domingo, dois novos artigos questionaram a isenção de Gilmar Mendes. O cientista político Renato Lessa fez a provocação direta no título do seu artigo “A despresunção de inocência”, publicado no Estado de S. Paulo, apontando que, ao contrário do que reza a Constituição, o ministro estaria presumindo a culpa dos réus. “Se Lula quis melar o mensalão, valeria então supor que Gilmar quis melar a defesa”, escreveu Lessa (leia maisaqui).
Outro artigo, do também cientista político Marcos Coimbra, bate na mesma tecla. “A pergunta é outra: Gilmar Mendes tem, hoje, essa condição? Conseguirá por de lado a mágoa que revelou em seus pronunciamentos e julgar com isenção?”, indaga Coimbra. “Em situações análogas, alguns de seus antecessores mais ilustres reconheceram que deviam declarar-se impedidos”, conclui.
Conhecendo Gilmar, a chance de que isso ocorra, no entanto, é zero.

Em editorial, Folha expõe encruzilhada da mídia



Em editorial, Folha expõe encruzilhada da mídiaFoto: Edição/247

GRUPO DE COMUNICAÇÃO BRASILEIRO COM MAIOR PRESENÇA NA WEB, A FOLHA, DIRIGIDA POR OTÁVIO FRIAS FILHO, DEFENDE NOVAS REGRAS NA REDE PARA PROTEGER SEU CONTEÚDO; A SAÍDA JURÍDICA, NO ENTANTO, NÃO É TRIVIAL, UMA VEZ QUE A INTERNET CELEBRA A LIBERDADE

03 de Junho de 2012 às 19:25
247 – De todos os conglomerados de comunicação do País, o grupo Folha, dirigido por Otávio Frias Filho, é o que ostenta a melhor posição na internet. Controla o maior portal de notícias, o Uol, e tem o jornal, a Folha de S. Paulo, com maior número de seguidores no Twitter e de amigos no Facebook.
A internet, no entanto, é uma oportunidade ou uma ameaça para a Folha?  A julgar pelo editorial publicado neste domingo, o grupo Folha se sente ameaçado. No texto “Regras na rede”, o jornal defende mecanismos de proteção do direito autoral e cita que, nos Estados Unidos, cada reportagem de jornais impressos é reproduzida, em média, 4,4 vezes na rede.
Isso se deve ao fato de que a internet reduz a zero o custo de reprodução, enquanto persiste o custo pela produção de conteúdo. Essa é, de fato, a grande encruzilhada da mídia. Como atribuir valor a algo que, instantes depois, pode estar sendo reproduzido em outros portais ou sites?
O modelo defendido pela Folha é o do chamado paywall – o muro de proteção, que permite ao leitor online acessar apenas parte do conteúdo, como faz, por exemplo, o The New York Times. Caso seja assinante, o leitor tem acesso ao conteúdo na íntegra.
Ocorre que a Folha não tem o menor controle sobre seus assinantes (e sobre os amigos de seus assinantes) e não pode impedi-los de reproduzir notícias interessantes nas redes sociais ou mesmo nos seus blogs pessoais. É por isso que todos esses muros são tão permeáveis.
No mundo ideal dos grandes grupos de comunicação, o Congresso sancionaria uma lei impedindo qualquer tipo de reprodução de conteúdo. E, assim, Folha, Globo, Estadão e demais organizações de mídia iriam administrando, de forma organizada, a morte inevitável do papel.
No entanto, restringir a reprodução de qualquer conteúdo seria também uma forma de censura. Uma coerção à livre circulação da informação. E note-se que os próprios jornais reproduzem, com frequência, conteúdo de terceiros. Se uma revista semanal publicar um furo de reportagem num sábado, no domingo esta mesma reportagem terá sido reproduzida nos jornais. A internet apenas acelera o processo. O furo das 12h pode ser reproduzido às 12h01.
No mundo de hoje, com a efervescência da blogosfera e o desenvolvimento das redes sociais, dificilmente será possível criar uma lei que atenda aos interesses apenas das famílias que controlam os meios de comunicação tradicionais. Especialmente porque a notícia publicada deixa de ser uma propriedade de quem a publicou para se transformar também num fato.
E os fatos devem ser cobertos, analisados e interpretados por outros veículos de comunicação, com total liberdade e sem nenhum tipo de restrição ou censura.
Como é o caso do editorial da Folha, que reproduzimos abaixo:
Regras na rede
É preciso criar normas que protejam os produtores de conteúdo num mundo em que os avanços tecnológicos criam situações inéditas
Na opinião do ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, que defende o endurecimento de penas para violações ao direito autoral, as fraudes propiciadas pelas novas tecnologias se traduzem no Brasil em acintoso desprezo pelo trabalho intelectual.
Dipp, que preside a comissão de especialistas criada pelo Senado para elaborar um anteprojeto
de novo Código Penal, tocou no aspecto central: os avanços tecnológicos criaram situações que não são contempladas pela atual legislação. Com isso, ficam desprotegidos os responsáveis pela criação de conteúdos.
De fato, nem o Código Penal nem a Lei de Direitos Autorais (LDA) dispõem sobre a internet -pelo simples fato de que suas normas datam de 1940 e 1998, respectivamente. É preciso, portanto, que esse vazio seja preenchido de maneira eficaz e criteriosa, sem condescendência, mas também sem os exageros e sobreposições típicos da febre legislativa brasileira.
Após ampla consulta pública realizada em 2010, a proposta de reforma da LDA transitou entre o Ministério da Cultura e a Casa
Civil. Lá permanece até hoje.
São muitos os desafios a serem enfrentados pela nova legislação.
No que tange ao uso de conteúdos sem autorização, por exemplo, a internet criou um problema nada trivial. Pesquisa realizada nos Estados Unidos há três anos mostrou que cada reportagem de jornal norte-americano era total ou parcialmente reproduzida em sites -sem autorização- 4,4 vezes, em média. No caso de conteúdo produzido pelos principais diários, a repetição chegava a 15 cópias.
No mercado de livros, há casos semelhantes. Estudo da empresa antipirataria Attributor mostrou que cerca de 3 milhões de pessoas buscam na internet, diariamente, versões gratuitas não autorizadas dos 90 livros mais vendidos pelo portal Amazon, levando a um prejuízo potencial de US$ 3 bilhões.
No campo das indústrias fonográfica e audiovisual, a pirataria ou o compartilhamento de conteúdos tornaram-se corriqueiros.
Regular esse ambiente não é tarefa fácil, mas a dificuldade não a faz menos necessária. É preciso estabelecer limites e criar normas que protejam o investimento em conteúdo e os direitos autorais na rede mundial de computadores.
Sob o pretexto enganoso de que a internet deveria ser território "livre", esbulha-se o trabalho alheio e se desestimula toda forma de atividade intelectual realizada segundo padrões profissionais.
A criação de produtos intelectuais, de informação e de entretenimento, seja no mundo físico, seja no digital, demanda custos e esforço. Assegurar os dividendos não é um ato opressor. Ao contrário, é o mecanismo elementar que garante a geração de conteúdos de qualidade.