segunda-feira, 16 de junho de 2014

Sobre o nosso viralatismo e sobre nos descobrirmos, de repente, ex-viralatas




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Perfeito dentro de campo

Franz Beckenbauer, maior ícone do futebol alemão, campeão do mundo como jogador e como treinador, foi suspenso por 90 dias pelo Comitê de Ética da FIFA por não cooperar com as investigações sobre a corrupção e de compra de votos no processo de licitação para os Mundiais de 2018, na Rússia, e de 2022, no Catar. Ele não pôde embarcar para o Brasil porque está proibido de assistir um jogo da FIFA pessoalmente por três meses. Se fosse com Pelé, e o brado em nossas redes sociais aqui no Brasil seria de imensa vergonha nacional e de intenso debate sobre a nossa integridade como nação. De novo, estaríamos nos estapeando digitalmente e reduzindo tudo a uma dualidade entre brancos/ricos/vilões, pobres/pardos/vítimas, governistas e oposicionistas, petistas e tucanos, coxinhas reaças e black blocs porra loucas. A gente não perde oportunidade de se atirar do precipício, em suicídio coletivo. Enfermidade que não acomete os alemães – felizmente para eles.

É claro que há muitas falhas. Já sabíamos. E essa boa matéria do The Telegraph mostra bem isso: “Dentro do campo, tudo está perfeito. Fora do campo, tudo poderia ser melhor”. Para eles, a atmosfera e o futebol ganham um “A”. Já os estádios e a infraestrutura merecem um “D”.

Recusar o viralatismo não significa negar as falhas, que são várias, nem de se acomodar diante delas só porque não somos os únicos a falhar. Mas achar que somos sempre a pior coisa que já surgiu sobre a Terra também não vai nos levar a lugar algum. Essa matéria nos ajuda a babar um pouco menos na gravata. E isso é bom – inclusive porque cravar sorvetes na testa não vai nos ajudar em nada.
O depoimento de um brasileiro que mora nos Estados Unidos e que está vendo tudo – a Copa e o Brasil – lá de fora joga um pouco de luz sobre essa discussão:

Fan Fest em Natal

Fan Fest em Natal

“Acho que o brasileiro em geral não entende a dimensão da exposição que o país já começa a receber no exterior. Acabo de assistir as primeiras duas horas de Copa na ESPN americana, ao vivo do Brasil. A ESPN americana mandou duas dezenas de jornalistas e personalidades. Eles tem um estúdio montado na praia de Copacabana e, além dos debates entre os comentaristas, tem mostrado dezenas de clipes sobre os mais variados assuntos brasileiros. Tudo filmado em lindas cores e imagens superproduzidas. O que os americanos estão mostrando é um espetáculo. Cada vez que volta de um intervalo eles mostram um desses pequenos filmes de alguns minutos mostrando algum aspecto do Brasil e do seu povo. Em um clipe mostraram um buteco no centro do Rio. Num outro filme, mostraram a história de como a famosa música Garota de Ipanema foi criada. Em outro clipe, enfocaram a famosa caipirinha. A ESPN contratou um artista de rua do Rio para todo dia pintar uma imagem significativa daquele dia num paredão enorme em Copacabana… E também contrataram um músico brasileiro para todo dia mostrar um pouco da música brasileira aos espectadores.

“Então não é só futebol. E olha que ainda tem 11 outras cidades pra eles mostrarem. Com certeza eles já devem ter feitos imagens de Porto Alegre, de Natal, de Cuiabá. A gente fica fazendo barulho sobre dinheiro gasto em estádio em vez de hospital ou escola e não está enxergando a outra parte da história. Em duas horas a ESPN já botou água na boca de milhares de turistas americanos que já estão se arrependendo de não terem ido ao Brasil para a Copa. Até eu já estou me arrependendo disso ao ver o Alexi Lalas e tantos outros curtindo o Rio. Agora imagina a ESPN, ou emissoras equivalentes em todos os países do mundo, fazendo isso todo dia por 31 dias! Quantas milhares de horas de TV não serão usadas para falar do Brasil e destacar suas belezas? Quanto custaria comprar essas milhares de horas de publicidade mundo afora? Isso sem falar em jornais, revistas e internet.

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Copacabana

“Essa é a hora, para o bem do país, não a joguem fora. Sinceramente acho que nós não estamos conseguindo pensar fora da caixa. Ficamos com esse chororô como se nossas carências fossem culpa da Copa! Aqui nos Estados Unidos, como em qualquer país, nunca tudo estará perfeito. Aqui também falta um monte de coisas. Um Brasil sem Copa não teria mudado absolutamente nada. A copa vai é AJUDAR. Pela primeira vez na história do Brasil o mundo inteiro estará olhando para o nosso país. E vendo imagens maravilhosas como essas que a ESPN está mostrando aqui nos Estados Unidos. O Brasil poderia e DEVERIA facilmente arrecadar todos o bilhões gastos na Copa, todo ano, em turismo. Mas para isso temos que parar de mostrar a roupa suja para os gringos e começar a mostrar o lado bom do Brasil, como fazem todos os outros países.”

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Eu tendo a concordar com esse jeito de ver as coisas e de reagir a elas.

A Vice, no entanto, apresenta o outro lado da moeda, o dos confrontos nas ruas do país da Copa: “Contra a Copa: The Other Side of Brazil’s World Cup”. Dizem os americanos: “Embora possa ter parecido uma boa ideia receber a Copa do Mundo 2014 da FIFA no Brasil – um dos países mais obcecados por futebol no mundo – protestos sociais tem varrido o país na sua preparação para o evento. O governo brasileiro está gastando um valor estimado em 14 bilhões de dólares no torneio, fazendo desta a Copa do Mundo mais cara da história. Isso tem ultrajado a muitos brasileiros que veem o governo como corrupto. Eles estão vendo grandes quantidades de dinheiro sendo gastas em estádios de futebol e em policiamento enquanto políticos ignoram os quadros endêmicos de pobreza e de demandas sociais que envolvem o país”.

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Ou seja: o mundo está vendo o futebol e a alegria e a festa e os gols. Mas também está acompanhando, na paralela, o que acontece fora do perímetro da FIFA. O Brasil acontece nesses duas realidades.

BENZEMA E A MARSELHESA

Benzema não veio ao Brasil a passeio. É um 9 ferino, preciso, grande finalizador. Não toca muito na bola, não faz firula. Dentro da área, é um minimalista, na escola de Romário. Só que com o dobro do tamanho. Recebe e arremata. Letal, já marcou dois na partida de estreia, e vai dar o que falar.
Com relação à não execução dos hinos nacionais da França e de Honduras, no Beira Rio, na primeira falha importante da Copa até aqui, o jornalista Celso Miranda escreve o seguinte: “não sei se foi um problema com o sistema de som, mas o Beira Rio não tocou os hinos e acabou poupando os franceses de uma das principais polêmicas que tem envolvido sua seleção nos últimos anos: alguns jogadores – o caso de Karim Benzema é só o mais famoso, já que Nasri não foi chamado e Ribéry foi cortado – não escondem que nunca irão cantá-lo por conta da letra. Argelinos (como Zidane e Benzema), marroquinos e descendentes de outros territórios africanos ocupados pelos franceses, principalmente os muçulmanos, que eram chamados sarracenos (os “impuros”), se recusam a cantar a Marselhesa por identificá-la como a música das tropas que perseguiam e matavam seus antepassados”.

Ainda não se sabe em detalhes o que determinou a pane no sistema de som do estádio, que havia sido testado horas antes e que apresentou problemas 8 minutos antes de as equipes entrarem em campo.

MESSI E O MARACANÃ
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Falcão, quando eu o entrevistei, no final de 2011, para a extinta revista Alfa, da Abril, me disse que nunca mais tinha jogado futebol depois que parou. Ele me disse que nunca se divertiu com o futebol, porque sempre jogava para ganhar. Detestava perder e o que importava era vencer. Disse, inclusive, que precisava sentir um pouco de raiva para jogar bem. Quem lembra do pique de Falcão depois do seu gol contra a Itália, na Copa de 82, ou depois do gol contra o Palmeiras, nas semifinais do Brasileirão de 79, ou contra o Vasco, na finalíssima desse mesmo campeonato, ou depois da tabelinha de cabeça com Escurinho, na semifinal do Brasileiro de 75, que resultou talvez no gol mais bonito da história do campeonato nacional, consegue imaginar o que ela estava sentindo e o que estava extravasando ali.

Zico era outro que crescia em momentos cruciais, movido por uma espécie de ira santa. Pense no gol nos últimos minutos da partida contra o Grêmio, na primeira final do Brasileiro de 82, que o Grêmio vencia por 1 a 0 em pleno Maracanã. Pense, no ano anterior, na partida contra o Cobreloa, pela Libertadores – quanto mais apanhava, mais Zico jogava. Ou na final do Interclubes, em Tóquio, alguns meses depois, quando alguns jogadores do Liverpool declararam nunca ter ouvido falar do Flamengo. Tomaram 3 a 0 sem ver a cor da bola, no que é considerado o melhor primeiro tempo de um time em todos os tempos. No comando daquele Flamengo mágico, um Zico mordido, com sangue nos olhos.

Ontem, quando o Maracanã ensaiava um vaia a Messi e à Argentina, pelo futebol chocho apresentado por La Selección contra a Bósnia, Messi, na tradição de Falcão e de Zico, pegou a bola, talvez um pouco irritado consigo mesmo e com seus companheiros, e com aquela situação em geral, que marcava sua estreia no templo maior do futebol, no coração mítico do futebol brasileiro, maior rival da Argentina no universo da bola, e entrou na diagonal, defesa adentro, deixando cinco para trás, e marcando o seu. Foi um lampejo de gênio num jogo que, de outro modo, passou longe do que se espera do futebol de Messi e da Argentina. Calou o Maraca. Trocou os muxoxos por aplausos – inclusive dos brasileiros presentes. Penso que o combustível para aquela arrancada de Messi foi sonoro, uma combustão interna gerada a partir do que chegava a ele das arquibancadas. Lembremos disso numa eventual final contra los hermanos – tratemos bem o Messi, para que ele não invente de nos tratar mal.
Adriano Silva
Sobre o Autor
O jornalista Adriano Silva é consultor digital, escritor e mantêm o blog Manual de Ingenuidades (www.manualdeingenuidades.com.br). Ele ocupou cargos como o de diretor de redação da revista Superinteressante e Redator Chefe do Fantástico,
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/sobre-o-nosso-viralatismo-e-sobre-nos-descobrirmos-de-repente-ex-viralatas/

Copa, oportunismo e Aécio Neves, por Aldo Fornazieri

A Copa do Mundo começou sem o apocalipse em estádios e aeroportos, anunciado por vastos setores da imprensa. Independentemente de quem for o campeão, a primeira rodada indica que o evento tende a se firmar como um sucesso mundial. As manifestações anticopa, direito democrático, ocorreram, mas sem a envergadura que se projetava. A política militar de São Paulo agiu de forma violenta, constatação feita pela imprensa internacional, pela Defensoria Pública e pela Anistia Internacional. A polêmica que ainda segue, e é salutar que siga, diz respeito aos gastos da Copa é às prioridades do país.

A outra polêmica instalada se refere aos xingamentos recebidos pela presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa. Antes de tudo, convém assinalar que vaiar e xingar os governantes e os políticos em geral é um direito vinculado à liberdade de expressão e, para o bem ou para o mal, constitui um elemento irredutível da democracia. Por serem servidores do povo, os governantes e os políticos devem estar sujeitos ao seu crivo, à sua crítica da opinião pública. Sem a garantia da liberdade de expressão a democracia não sobrevive. Hoje, esse direito, é protegido pelas cláusulas pétreas da Constituição. Mas o fato de as vaias e xingamentos dirigidos aos políticos serem direito irredutível, isto não implica que não possam ser atos criticados e contestados no debate público. Aliás, só o debate público, e não leis ou punições, pode dar conta desse problema que é inerente à natureza da democracia.

Ressalvado o direito à vaia e ao xingamento, o ato ocorrido na abertura da Copa deve ser submetido à crítica pública através do exame de seu conteúdo, da sua forma e da sua oportunidade. Partido da ala VIP do Estádio, o xingamento foi inconveniente e expressou, pelo seu conteúdo de baixo calão, uma manifestação clara de má educação e de falta de civilidade. Foi inconveniente porque maculou a imagem do Brasil perante o mundo num evento de natureza global. Neste sentido, os que proferiram os impropérios não foram tolerantes. Mesmo supondo que odeiem Dilma, a virtude da tolerância, que deve ser exercida nos momentos adequados, recomendava que naquele momento as hostilidades não fossem manifestas daquela forma por estar em jogo um bem maior, que é a imagem do Brasil perante o mundo.

O xingamento, por ter sido a expressão de uma grosseria, de uma má educação e de uma falta de civilidade, dirigido contra a chefe de Estado e contra uma mulher, revela a ausência da virtude do respeito. O respeito, segundo as melhores definições, se refere ao reconhecimento da dignidade própria e alheia e é a atitude que se inspira nesse reconhecimento. O filósofo antigo Demócrito proferiu uma formulação acerca do respeito da qual derivou a máxima “não faça aos outros o que não queres que façam a ti mesmo”. Para Platão, respeito e justiça eram componentes fundamentais à arte política, pois via neles princípios ordenadores das cidades (polis) e do convívio humano. Aristóteles e Kant identificaram o respeito como um sentimento moral referido sempre às pessoas. Em síntese, o respeito é o reconhecimento da dignidade das outras pessoas e de si mesmo que se tem o dever de salvaguardar. Foi essa ausência de reconhecimento da dignidade alheia que incorreram aqueles que xingaram a presidente Dilma.

O Duplo Oportunismo de Aécio Neves

Aécio Neves e Eduardo Campos procuraram, de imediato, tirar proveito político e eleitoral dos xingamentos proferidos contra Dilma. Imputaram a culpabilidade dos xingamentos à própria presidente, o que revela uma falta de ética. O homem público, principalmente alguém que alimenta a pretensão de ser presidente do Brasil, tem o dever político e moral de dar o bom exemplo. O bom exemplo dos governantes é fundamental para a constituição de uma adequada moralidade social. Tentar tirar proveito de atitudes desrespeitosas, antes de tudo, também revela uma falta de respeito. Percebendo que esta atitude poderia voltar-se contra ele mesmo, Aécio emitiu uma desaprovação envergonhada aos xingamentos na sua página no Facebook.

A conduta do candidato tucano revela um duplo oportunismo: nos dois casos, não foi ditada pelo dever moral, mas pela conveniência de extrair vantagem eleitoral de uma atitude, moral e politicamente condenável. O oportunismo político é avesso à moralidade política ou à chamada ética da responsabilidade de Weber. Ele desvincula a necessária adequação entre meios e fins para fazer pontificar a tese de que todos os meios são justificados pelo fim. O oposto do oportunismo pode ser definido como o dever moral da honestidade. Esta ensina que, mesmo na ação política, deve haver limites tantos nos meios, quanto nos fins. Somente assim se pode conciliar a ética das convicções com a ética da responsabilidade. Se não existissem limites morais na ação política não existiriam crimes políticos e nem mesmo crimes de guerra.

Ao conduzir-se dessa forma oportunista, Aécio Neves desmente na prática aquilo que vem prometendo em entrevistas: resgatar a dignidade da política, unir o Brasil e abandonar a política do ódio. Os xingamentos de baixo calão à Dilma são a pura expressão do ódio. Partindo de onde partiram, tudo indica que as suas motivações foram os méritos de Dilma e do PT e não as suas falhas, que são muitas e merecem ser debatidas e criticas. Sabe-se que a chamada “elite branca paulista”, no dizer de Cláudio Lembo, odeia o Bolsa Família, o Prouni, o salário mínimo e as demais políticas sociais que, de alguma forma ou de outra, contribuem para a redução da desigualdade no país.

Essa mesma “elite branca”, que condena a corrupção, mas a atribui apenas ao PT e se recusa em ver a corrupção do PSDB e de outros partidos, é bastante dada à prática da sonegação fiscal. Corrupção e sonegação se equivalem e provocam danos irreparáveis ao bem público e à moralidade social. Mas os danos causados pela sonegação são muito mais graves: estimativas indicam que a corrupção promove o desvio de R$ 85 bilhões anuais dos cofres públicos. Nos primeiros cinco meses de 2014, a sonegação já atingiu os R$ 200 bilhões. Dessa forma, espera-se que todos os candidatos se pronunciam também sobre a sonegação durante a campanha eleitoral.

Se os candidatos não tiverem a coragem de conduzir política e moralmente seus adeptos nenhuma dignidade da política será resgatada e a campanha corre o risco de descambar para o superficialismo e para a vulgaridade. O fato é que existe uma crise de representação e uma deslegitimação dos políticos. Os índices de rejeição de Aécio e de Eduardo Campos não são tão diferentes dos de Dilma. A dignidade da política será minimamente resgatada se tanto os candidatos quanto os eleitores se esforçarem no sentido de promover um debate qualificado e respeitoso acerca dos problemas, dos desafios e do futuro do Brasil.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.

http://jornalggn.com.br/noticia/copa-oportunismo-e-aecio-neves-por-aldo-fornazieri