quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

TV de Verdade.

Por Marco Aurélio Melo
maureliomello.blogspot.com

Eu era o editor para Brasília do Jornal da Globo, com Ana Paula Padrão, quando os Estados Unidos invadiram o Iraque, em 2003. Acompanhava o notíciário internacional apenas como curioso. Claro que, quando a cobertura apertava, às vezes era chamado a ajudar. Portanto, vi direitinho como a turma do Bush amordaçou a imprensa, depois dos atentados às Torres Gêmeas, em 2001.

Por dependermos de agências internacionais para nos abastecer, estavamos certos de que teríamos uma cobertura seletiva e parcial. Mas tínhamos um trunfo: Beatriz Alessi. A experiente editora de inter, com passagens pela Band e BBC de Londres haveria de encontrar uma maneira de obter informações um pouco mais confiáveis do front.  Como nesta época o guardião da Doutrina da Fé ainda engatinhava no controle dos meios de produção de TV aproveitamos a brecha.

A contagem de corpos vinha pela internet, a partir de um projeto independente de coleta de dados de violência contra civis: Iraqbodycount (eles afirmam que mais de cem mil civis foram mortos de lá para cá). E as informações em primeiríssima mão vinham pela (pasmem) TV Al Jazeera. Sim, a Globo recebia Al Jazeera naquela época. Bea fez contato com um dos editores, ex-BBC, no Qatar. Ele estava disposto a nos ajudar.

Ofereceu de graça os parâmetros do satélite para que canalizássemos o sinal na emissora. E assim foi. Enquanto o Jornal Nacional fazia uma cobertura careta, fria e parcial da Guerra, tínhamos textos mais precisos e imagens mais vibrantes. Em várias ocasiões o parâmetro permitiu que recebessemos imagens limpas dos pronunciamentos de Osama Bin Laden, entre outras pérolas.

E conseguimos, assim, fugir do tom ufanista da cobertura a partir das TVs americanas. Não demorou muito para Bush proibir seus homens de falarem à emissora, por não gostar de ver imagens de seus soldados capturados, mortos ou feridos em combate. E não tardou para a TV Globo calar os rebeldes. Hoje, a Al Jazeera não atrai apenas o ódio do Ocidente.

A ditadura Saudita, por exemplo, só a aceita, porque sabe que não tem outro jeito. Alías, como temos presenciado no Oriente Médio, a cobertura do canal Árabe não tem pra ninguém. A propósito, quase toda aquela velha equipe do Jornal da Globo já está fora da emissora. E faz tempo!

Confusão no futebol.

O Clube dos Treze, o “moleque” espertalhão e o exemplo argentino









por Rodrigo Vianna



Acabo de voltar da Argentina. Passei dias agradáveis em Buenos Aires. Sábado, fim da tarde. Depois de uma longa jornada de caminhadas por Palermo e Barrio Norte, parei com minha mulher num café. Na tela: Newell´s x Lanús. Só o garçon e eu parecíamos interessados na partida. O time de Rosário faturou, com um gol no finzinho: 2 a 1.



Cheguei ao hotel às 10 da noite, e liguei a TV. Já havia outro jogo, ao vivo, na tela: Racing versus Boca. Jogaço. O Racing (time pelo qual tenho simpatia, sabe-se lá porque – era o time do coração de Kirchner, e ele morreu do coração…) jogava melhor. Mas o Boca fez um a zero no contra-ataque, e segurou o resultado.



Acompanhei só o primeiro tempo (até porque me esperava um belo bife de chorizo com purê de papas). No intervalo, entrou propaganda institucional do governo argentino: “obras na província de Chubut”. Anúncio curto. Fiquei esperando a propaganda privada. E nada. O sinal voltou ao estádio para os comentários e melhores momentos (os locutores argentinos são impagáveis, com aqueles ternos anos 70, com um lencinho pendurado do bolso). Novo intervalo: de novo, anúncio institucional do governo… E só então lembrei: na Argentina, os direitos de transmissão do futebol foram comprados pela TV pública!!! Mais um capítulo da briga entre Cristina Kirchner e as TVs privadas.



Nesse caso, parece que o público saiu em vantagem. Há jogos em horários variados: sábado à tarde, à noite. Domingo à tarde e à noite. Tudo pela TV aberta. Dizem-me que, antes do Estado entrar na parada, os jogos passavam só pela TV a cabo (agradeço se alguém trouxer informações mais detalhadas sobre isso…) Não sei se os horários já eram assim quando a transmissão estava nas mãos das TVs particulares. Não vou mais longe nos comentários, porque não conheço os detalhes das negociações na Argentina.



Mas claro que lembrei disso tudo quando voltei a São Paulo e dei de cara com essa barafunda no Clube dos 13.



O Corinthians, meu time do coração, acaba de se desfiliar do Clube dos 13. Andres Sanchez, com aquela cara de espertalhão mexicano de filme “B”, foi chamado de “moleque” e “advogado da Globo” pela direção do Clube dos 13.



Pra quem não acompanha a confusão: pela primeira vez, a Globo corria o risco de perder a transmissão do futebol. É que, até hoje, a Globo sempre teve direito de “cobrir” a proposta apresentada por qualquer concorrente. Dessa vez, seria diferente: envelopes fechados seriam apresentados com as propostas. Para transmitir jogos na TV aberta, o lance mínimo seria 500 milhões de reais. Direitos da TV fechada, internet e pay-per-view (quando o telespectador paga pra ter direito a transmissão de jogos específicos): tudo isso seria negociado à parte.



A Globo corria risco sério. Alguns clubes alegavam que, mesmo com valor um pouco menor, valeria a pena aceitar a proposta da Globo, por causa do “tradição” da emissora, da “capilaridade da rede” (a Globo, de fato, tem uma rede bem montada e estruturada em todo o país). O Clube dos Treze, então, estabeleceu uma cláusula razoável: para vencer a Globo, os concorrentes teriam que oferecer ao menos 10% mais do que a emissora da família Marinho. Mas as ofertas seriam feitas no escuro, sem privilégios.



Se a Record oferecesse 650 milhões de reais e a Globo 600 milhões, a transmissão ficaria com a Globo. Mas se a Record oferecesse 800 milhões e a Globo 600 milhões de reais, aí a emissora de Edir Macedo ganharia a disputa.



A situação não era confortável para a TV Globo. Teria que jogar, e tentar ganhar “na bola”. Sem ajuda do juiz. O que fez o Andrez Sanches? Tirou o time de campo. Agiu sozinho? Não. Com ele estariam saindo do Clube dos 13 Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Grêmio também poderia seguir esse caminho.



Ou seja: o Clube dos 13 (que, apesar do nome, representa duas dezenas de clubes) está em decomposição. E ele é que tem o direito de negociar as transmissões em nome dos clubes.



A barafunda está criada! Os cinco ou seis dissidentes vão negociar à parte com a Globo? E se os outros fecharem com a Record?



Como disse um jornalista amigo meu: aos 44 do segundo tempo, o jogo estava zero a zero. Pênalti pra Record. Aí alguém apaga a luz do estádio. “Alguém”! Quem seria? Andres apagou a luz sozinho?



Os espertalhões mexicanos normalmente atuam em parceria com um sócio rico do outro lado da fronteira.



Andres conseguiu (será?) o estádio para o Corinthians. A CBF (que é parceira da Globo, e não se dá tão bem com a atual dioreção don Clube dos 13) tirou o Morumbi da Copa. Retaliação contra o São Paulo F. C. O time do Morumbi não aceita cartas marcadas na negociação. Queria entregar os direitos a quem pagasse mais. Seria a decisão “capitalista”.



Mas o Brasil é terra de “capitalistas de araque”. Capitalismo sem concorrência.



A Globo perdeu o direito às Olimpíadas porque lá vale o óbvio: quem paga mais leva. No futebol brasileiro, valem os arranjos dos poderosos de outros tempos com os espertalhões fajutos.



O futebol é algo tão sério para o brasileiro que o governo federal deveria intervir nessa história. Intervir, não: “arbitrar”. Já que a concorrência não vale, deixemos o Estado cuidar disso.



Não digo que precisemos imitar a Argentina, com jogos transmitidos pela TV pública. Mas que tal a TV pública brasileira entrar na disputa, montar um pacote razoável de horários, e depois vender cada horário para uma emissora privada?



Seria o fim do monopólio. E o fim dos espertalhões.



Mas quem acredita nisso…



O mais provável é que se estabeleça a confusão. Isso a 3 anos da Copa.



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P.S.:



- aqui um link com mais informações sobre o esquema de transmissão na Argentina.



-e aqui um trecho esclarecedor do mesmo text, publicado no site “Futebol Portenho”



Até meados de 2009 o grupo Clarín, em parceria com a TyC Sports detinham o monopólio do campeonato nacional. O canal TSC possuía exclusividade, obrigando os hinchas a pagarem duplamente para ver futebol nacional (pelo pacote de TV a cabo, e pelo canal). Mesmo assim não havia garantia de ver o jogo do seu time, já que nem todos os jogos eram transmitidos.



E havia mais. Além das partidas, ver os gols também não era tarefa simples. Os detentores dos direitos só liberavam os veículos para mostrarem qualquer imagem das partidas após a exibição do programa “Futbol de Primera”, no canal 13 (do grupo Clarín). Como o programa só passava nas noites de domingo, era só aí que os gols eram vistos pelos que não pagavam duplamente (eram apenas 800 mil assinantes, em um país de 40 milhões de habitantes).





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