quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O assessor de comunicação que virou agendador de entrevista



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Ontem conversei longamente com um jornalista experiente em comunicação pública.
Contava ele que, no governo Clinton, coube a Hillary Clinton conduzir o mais ambicioso programa de governo, as mudanças no Medicare, o plano de saúde público.
Para se defender de vazamentos e boicotes, Hillary enfeixou todas as informações em suas mãos, não deixou vazar nada, não montou uma estratégia sequer de comunicação.
Quando o plano foi anunciado, a oposição republicana destruiu-o em dois tempos com interpretações falsas, mas que pegaram – como, por exemplo, a de que todos os ricos teriam que se tratar no Medicare. O governo Clinton perdeu a batalha de um projeto fundamental no campo exclusivo das informações.
São algumas das lições dos erros cometidos quando governos fecham informações.
Especialmente no caso brasileiro, não se pode ter a ingenuidade de tratar as informações – antes do processo decisório – como um livro aberto. A velha mídia já se definiu como partido político, perdeu o pudor e a cautela. 
Esse é um dado da realidade, a ser trabalhado por um plano de comunicação. E não-comunicação positivamente não é estratégia de comunicação.
No caótico governo Itamar, o Ministro da Fazenda Paulo Haddad era vítima de tiros diários de próprios membros do governo comandados pelo Ministro da Justiça Maurício Correa. Conseguiu se segurar – até perder a paciência – graças ao trabalho exemplar e proativo de Rubens Pontes, seu assessor de comunicação. Com canais azeitados com alguns poucos jornalistas, Rubinho se incumbia diariamente de esvaziar balões e desligar bombas relógios. Não havia estratégias, políticas de comunicação nem nada, mas um assessor proativo e antenado com a luta diária das notícias.
Mesmo em 2008, antes que a política anticíclica de Mantega desse certo, houve um trabalho espontâneo de assessores econômicos desbastando a lógica das medidas, trazendo os argumentos internos para fortalecer a luta no campo da opinião pública.
Hoje em dia todos esses canais estão intimidados, os assessores de imprensa do governo Dilma reduzidos à condição de marcadores de agenda, de algodão entre cristais. Não por culpa deles, mas pelo viés anti-notícia da própria presidente.

Comunicação como parte do planejamento

Comunicação pública é algo tão fundamental na ação de governo que deveria fazer parte do planejamento de cada programa complexo. Desde o início, se mapeariam os pontos mais polêmicos, os temas técnicos que poderiam dar margem a mal-entendidos, os pontos legitimadores do projeto, os dados que permitam compreender os objetivos traçados.
Depois, a estratégia de divulgação gradativa dos dados e a identificação dos jornalistas tecnicamente aptos a entender a matéria e disseminar os conceitos – e não se está falando de jornalistas menos críticos, mas de jornalismo técnico capaz de transmitir com objetividade os fatos e formular as críticas pertinentes.
Nos últimos anos, a politização da velha mídia tornou irrespirável o ambiente interno das grandes redações. Grandes jornalistas foram obrigados a jogar na retranca, para preservar a dignidade; abriu-se espaço para privilegiar os ambiciosos, dispostos a qualquer jogada. Abriu-se espaço para o jornalismo colón (de intestino).
Agora, esse clima desanuviou, ainda que minimamente. Percebem-se respiros de jornalismo. Por isso mesmo, não se deve tratar a velha mídia como um todo homogêneo.
Há ilhas de jornalismo remanescentes, jornalistas capazes de entender temas complexos e reportá-los com honestidade crítica. No futuro, os jornalistas que ficarão serão esses,  capazes de um pacto sério com a notícia e com as fontes. É com eles que devem ser recompostos os laços da comunicação pública.

Governo desarmado

Internamente, tem-se um governo desarmado, inclusive para se contrapor às interpretações mais primárias de dados públicos.
Os exemplos de manipulação são variados, reiterados, e não há uma estratégia interna para rebatê-los.
Exemplos:
  1. Um programa contem várias rubricas orçamentárias. O jornal analisa uma rubrica específica e apresenta como se fosse o todo, para poder informar que a execução do programa foi mínimo. Uma questão técnica facílima de ser rebatida, mas que se eterniza por falta de uma política de comunicação.
  2. No caso PAC, cansei de ver manipulação de sites – repercutidos pela mídia – utilizando a liberação orçamentária como indicador do andamento do projeto. Ora, sabe-se que o pagamento ocorre depois de entregue o serviço. Portanto, o indicador adequado é o acompanhamento físico. No entanto, essa jogada se repetiu durante todo o PAC, “pegou” sem que houvesse uma ação de comunicação (simples) para anular essa bobagem.
Hoje em dia, a questão da comunicação é fundamental inclusive na gestão privada. E a função do homem de comunicação não é o de agendar entrevistas. É aquele que tem visão sistêmica da empresa, conhecimento amplo da notícia e da mídia, capacidade de fazer o meio campo entre fontes confiáveis e jornalistas confiáveis.
Os Ministérios dispõem de pessoal com essa capacidade. Mas reduzidos, por imposição de governo, a meros agendadores de entrevista.

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