sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A grande batalha de lula



Dono de uma trajetória marcada pela superação, o ex-presidente trava agora a mais importante luta de sua vida na tentativa de curar um câncer na laringe

Sérgio Pardellas e Mônica Tarantino
Assista à entrevista com Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No primeiro bloco, ele conta como foi contratado e diz que, mesmo com câncer, Lula nunca deixa de sorrir :
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Neste bloco, o fotógrafo Ricardo Stuckert relembra os momentos mais emocionantes que passou ao lado do presidente :

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O DIAGNÓSTICO
Submetido a uma bateria de exames, Lula
recebeu a confirmação da doença no sábado 29
Na vida do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aquele não seria um sábado qualquer de tempo nublado em São Paulo. Despertado por um celular blackberry, acomodado numa das cabeceiras da cama de seu apartamento de São Bernardo do Campo (SP), Lula, sempre acompanhado por dona Marisa, começou a se preparar às oito horas da manhã do dia 29 de outubro para o início de uma das maiores, senão a mais difícil, batalhas de sua trajetória – uma existência indiscutivelmente marcada pela superação de adversidades. “Hoje será um dia daqueles, galega”, vaticinou o ex-presidente à mulher. “Mas vou tentar ser forte, como sempre”, completou. Lula sentiu medo e até hesitou em sair de casa para realizar o teste definitivo que comprovaria se um tumor, detectado em exames realizados na sexta-feira 28, era maligno ou não. Tumores são a sina da família de Lula. Levaram sua mãe, todos os tios maternos, um meio-irmão, o Lulinha, e a irmã Marinete. A doença também maltratou outros dois irmãos, Jaime e Maria, que conseguiram superá-la. Escaldados com esse dramático histórico familiar, no caminho até o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, Lula e Marisa ficaram o tempo inteiro de mãos dadas. Apreensivos, quase não se falavam. 

Depois da bateria de exames, o ex-presidente ouviu a confirmação do cardiologista Roberto Kalil Filho, amigo de longa data e médico particular da família há 20 anos. “Presidente, o senhor tem um câncer na laringe”, avisou Kalil, com seu estilo direto. Eram 11 horas da manhã. Ao receber o diagnóstico, o ex-presidente apertou mais forte a mão de Marisa e emudeceu por um instante, como se tomasse fôlego para enfrentar os próximos meses. Marisa, que tinha agendado um check-up no dia anterior para investigar uma dor de cabeça terrível parecida com uma sinusite, se desesperou. Desabou no choro, amparada por Lula. Começava ali a nova e árdua luta pessoal e familiar do ex-presidente.
Menos de uma semana havia se passado desde o momento em que o ex-presidente se queixara de dores fortes na garganta e notara uma rouquidão diferente e mais intensa. O primeiro alerta foi dado, ainda na segunda-feira 24, durante viagem a Manaus, pela presidente Dilma Rousseff. “O homem não está legal”, disse Dilma num telefonema a Kalil. O ex-presidente resistia em ir ao médico. “Você precisa caçar o homem”, insistiu Dilma com Kalil. Lula terminou aparecendo no Sírio para acompanhar Marisa. A esposa também estava achando estranha a rouquidão de Lula e insistiu para que ele fosse examinado. Quem primeiro observou o presidente foi o otorrinolaringologista Rubens Brito Neto, que constatou a existência de uma massa na garganta de Lula. Naquela mesma sexta-feira 28, foi iniciada a investigação médica para determinar o estadiamento e a localização do tumor. As imagens dos exames revelaram um câncer situado na epiglote, em uma região onde as cordas vocais se unem, medindo cerca de três centímetros. A primeira impressão dos médicos foi de que o tratamento poderia ser cirúrgico, algo que Lula aceitou imediatamente. Mas os resultados da biópsia, no sábado 29, e outros exames mudaram as perspectivas da equipe, que optou pela necessidade de sessões de quimioterapia e radioterapia. “Uma operação implicaria retirada de cordas vocais para garantir a margem de segurança necessária nesse tipo de procedimento”, ponderou o cirurgião Luiz Paulo Kowalski, chefe do setor de Cabeça e Pescoço do Hospital do Câncer A. C. Camargo, em São Paulo, instituição de referência no tratamento do câncer no Brasil. 

De imediato, Lula comunicou à equipe médica que não iria sonegar dos brasileiros nenhum detalhe do tratamento. Estava decidido a seguir o exemplo do ex-vice presidente José Alencar e pediu à assessoria do hospital para preparar um boletim informativo sobre a doença. Na tarde do sábado, já de aparente bom humor, a despeito de estar usando uma máscara de oxigênio, Lula recebeu a visita do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Enquanto o ministro ainda estava no quarto do hospital, a presidente Dilma ligou. Lula atendeu e brincou com o ministro: “Ih, Guido, é para você: bronca da presidente.” Dilma, claro, queria falar com o padrinho político e, emocionada, desejou-lhe “boa sorte”. Ainda ligaram para Lula no sábado chefes de Estado latinos, como o venezuelano Hugo Chávez e o paraguaio Fernando Lugo. Autorizado a ir para casa, Lula deixou o Sírio por volta das 20h20.
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NO HOSPITAL
Equipe médica, em conversa com Lula e dona
Marisa, mostra confiança na plena recuperação


Cansado física e psicologicamente da maratona dos dois dias anteriores, Lula recebeu em casa no domingo apenas os cinco filhos. Tomou sopa, comeu alimentos pastosos, não muito quentes, e devorou um sorvete. Durante o almoço, revelou aos parentes como será sua agenda daqui para a frente. As palestras e homenagens internacionais, às quais habituou-se tão logo deixou o poder, darão lugar às difíceis e dolorosas sessões de quimioterapia, que, segundo os médicos, deverão fazer com que ele perca o cabelo e a barba. De acordo com a equipe médica, Lula será submetido a três ciclos (cada um terá duração de cinco dias). Os quimioterápicos cisplatina e docetaxel, mais os medicamentos que protegerão seu organismo dos efeitos colaterais comuns a esse tipo de remédio (náusea, cansaço, sonolência), serão dados no hospital. O terceiro quimioterápico – o remédio 5-fluoruracil – será ministrado por mais 120 horas, em casa, por meio de uma bomba de infusão presa à sua cintura.
Na segunda-feira 31, mesmo durante a aplicação dos remédios no hospital, Lula conversava e agitava o ambiente declarando-se faminto e perguntando a que horas viria seu almoço. Pouco antes, recebeu a visita da presidente Dilma Rousseff e já começou a tratar com cuidado suas declarações, que passariam a tornar públicas. Ele está decidido a demonstrar que não duvida de sua cura e não desanimará frente às dificuldades. Para Dilma, manifestou o desejo de estar presente no desfile do Carnaval paulistano, em que será tema do enredo da escola de samba Gaviões da Fiel. Outra autoridade a aparecer no hospital, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, levou-lhe um terço benzido por um padre de Brasília. Dona Marisa, de chinelinho, circulava pelo corredor e conversava com outros pacientes, que mostravam a ela jornais com as reportagens sobre Lula. No fim do dia, veio a primeira boa notícia: os médicos afirmaram que ele não apresentou efeitos colaterais significativos nas primeiras horas. Todos, no hospital, se abraçaram, inclusive os membros da equipe médica. 

Integram o time escalado para cuidar de Lula, além de Kalil e do cirurgião Luiz Paulo, o coordenador do centro de Oncologia do Sírio, Artur Katz, e também o oncologista Paulo Hoff, chamado carinhosamente pelo ex-vice-presidente José Alencar de “meu médico principal” ao longo de seu tratamento contra o câncer. Hoff é diretor do Centro de Oncologia do Sírio e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). Foi essa equipe que explicou em minúcias ao ex-presidente como ele poderia ter manifestado a doença, um de seus primeiros questionamentos. Um dos fatores de risco do câncer de laringe é o fumo. Aos médicos, Lula afirmou que abandonou o hábito há dois anos. De toda forma, os riscos de um fumante ter um câncer de laringe só se iguala aos de um não fumante depois de 15 anos longe do cigarro. Outro fator de risco é a ingestão de bebidas alcoólicas. “O que faz mal não é o etanol, mas substâncias químicas tóxicas agregadas às bebidas durante o processo de produção”, explicou o médico Kowalski. Portanto, os dois hábitos – fumar e beber – se somaram a uma maior vulnerabilidade do ex-presidente a esse tipo específico de câncer. 

Apesar do otimismo geral, registrado ao longo da última semana, a situação do ex-presidente ainda exige muita cautela e não permite fazer grandes prognósticos. Afinal, a evolução do câncer depende da reação de cada organismo. A expectativa da equipe médica é de que a quimioterapia reduza o tumor em 50%, no mínimo. Mas isso será aferido após os dois primeiros ciclos, em cerca de 40 dias, quando o ex-presidente fará uma nova bateria de exames. Se o tumor do ex-presidente responder bem, pode ser que desapareça por completo quando a terapia for complementada com a radioterapia, prevista para janeiro. Porém, existe também a possibilidade de que Lula não reaja ao tratamento, o que ocorre em 20% dos casos. Se isso acontecer, os médicos podem reconsiderar a opção de uma operação, à qual dão o nome de cirurgia de resgate. A tolerância aos quimioterápicos ajuda bastante para que o tratamento produza os seus melhores resultados, daí as comemorações iniciais. De todo modo, na prática, o tratamento a que Lula está sendo submetido não restituirá por completo a saúde da laringe. Isso quer dizer que, no final da terapia, o ex-presidente poderá registrar alguma alteração na voz, ficando, por exemplo, mais rouco. “Mas estamos trabalhando para que esses efeitos sejam mínimos”, avisou o oncologista Hoff. Uma das providências da equipe foi colocar o paciente desde já aos cuidados de uma equipe de fonoaudiólogos. Por causa do uso excessivo do vozeirão, empregado sem tréguas desde o final da década de 70, quando era líder sindical, Lula desenvolveu uma espécie de inflamação crônica na região acima das cordas vocais. 

No que depender do ex-presidente, no entanto, ele soltará a voz antes do previsto. A ausência de efeitos colaterais às primeiras medicações animou Lula a produzir, na terça-feira 1o, um vídeo divulgado depois de receber alta para se tratar em casa. No vídeo, ele disse que iria “tirar de letra” a doença e, com a voz mais rouca que o normal, prometeu, em tom de brincadeira, estar presente num ato público quando melhorar. “Estou doido para falar uns ‘companheiros e companheiras’ mais fortes, mas não estou podendo.” Ao lado da mulher, Marisa, ele agradeceu a solidariedade das pessoas, disse que vencerá a “batalha” e bastará seguir as recomendações médicas. “Não existe espaço para o pessimismo. Se o dia não foi bom, a gente faz ele ficar melhor amanhã”, afirmou Lula.
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A exibição do pronunciamento e das imagens feitas por Lula e dona Marisa ampliou ainda mais as correntes de apoio iniciadas em todo o País. As manifestações de solidariedade acabaram abafando uma onda de piadas de mau gosto e ofensas que começaram a pipocar pelas redes sociais da internet tão logo foi anunciada a doença do ex-presidente. Lula vem recebendo milhares de demonstrações de carinho. Além de telefonemas, mais de 2.700 e-mails e cartas já foram enviados por populares ao Instituto Cidadania, entidade presidida por Lula, desejando melhoras ao petista. Uma das cartas que mais o emocionou foi a manuscrita pelo presidente cubano, Raúl Castro. “Neste momento que enfrenta com coragem sua enfermidade, desejo enviar para você um abraço solidário em nome do povo cubano, de Fidel e meu”, escreveu. 

A comoção pelo sofrimento de Lula e a consequente onda de apoio popular que ela provoca reforçam o mito do político que encerrou o governo como o mais aplaudido presidente da história do País. Esse é um subproduto natural, previsível e inevitável desse quadro de dificuldades pessoais e familiares enfrentadas por Lula. Pesquisas já mostravam que ele era visto no mesmo patamar das unanimidades nacionais, em companhia de ídolos populares da música e da tevê. “De imediato, vamos ter um aumento da popularidade do ex-presidente”, avalia o cientista político Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais. “A tendência é de que haja uma espécie de beatificação do Lula, que conta com grande popularidade”, acrescenta. O publicitário Antonio Lavareda faz coro: “A notícia gerou uma forte reação da população. Isso reforçou os vínculos emocionais do ex-presidente com a grande maioria da população.” Se o impacto em sua popularidade é incontestável, o reflexo político – mesmo involuntário – é ainda mais imediato. Afinal, quem irá ousar contrariar politicamente o ex-presidente Lula, neste momento, em meio ao seu sofrimento? 

As primeiras consequências dessa nova e avassaladora força de Lula já ficaram evidentes na sexta-feira 4 nas disputas internas que vinham inflamando o PT na escolha do candidato a prefeito de São Paulo. Até então renitente a aceitar a preferência de Lula pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, a senadora Marta Suplicy (PT-SP) capitulou. Ela anunciou que não é mais candidata (leia quadro acima). O efeito se estende a outras praças: o fato de Lula estar momentaneamente alijado das articulações políticas adia por pelo menos três meses as definições de palanques para as eleições municipais nas principais capitais brasileiras. Era Lula quem estava com a tarefa de fazer o meio-campo entre os partidos aliados e evitar o bate-cabeça. “É como se o Pelé estivesse jogando e se contundisse”, disse um dirigente petista. No governo Dilma, a relação com o PT também muda de mãos. Enquanto o presidente Lula estiver fora de combate, como dizem os petistas, será Gilberto Carvalho o responsável por cuidar especialmente da relação do partido com o governo. 

O ex-presidente mostrou, nos últimos dias, no entanto, que não sairá totalmente de cena. Mesmo com um catéter implantado no tórax, pelo qual recebe medicamentos injetados por uma bomba de infusão presa à cintura, Lula ligou na quinta-feira 3 para Carvalho, “irado” com a posição do Brasil no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, que leva em consideração indicadores de escolaridade, renda e expectativa de vida. “Ele nos ligou e disse que a gente tinha de que reagir”, afirmou o secretário-geral da Presidência. Como se vê, a doença ainda não abateu – e talvez não abaterá – o vigor político, a vontade de participar e a preocupação do líder petista com os rumos do Brasil.

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Com reportagem de Alan Rodrigues, Luiza Villamea e Pedro Marcondes de Moura

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