segunda-feira, 14 de junho de 2010

Coluna do Hélio fernandes

segunda-feira, 14 de junho de 2010

10:04

Conversa com leitores: não fui “simpático” ao golpe de 1964 nem “apoiei” Lacerda. Desde sempre, fiquei contra a ditadura

Antonio Santos Aquino:




“Hélio, creio que todos são unânimes, em querer que escrevas tua saga nestes últimos 50 anos(de 1960 à 2010). Inclusive para que esclareças, a dúvida que todos temos sobre tua posição quando da “revolução de 1964″. Uns dizem que participaste. Outros dizem que eras apenas simpático ao movimento. Outros dizem que teu envolvimento foi em decorrêcia da amizade que te unia a Lacerda. Eu particularmente acho que o alijamento de Lacerda, líder civil da “revolução”, com a eleição do general Castelo Branco, te fez entrar na luta contra os militares. Seria bom teu esclarecimento, pois esta página da história ainda está nublada”.





Comentário de Helio Fernandes:

Acho que você pode colocar de 1950 a 2010, pois 1964 começa em 1945 e vai até 1984, com os mesmo personagens militares, se revezando na vitória e na derrota. Em 1945, os generais derrubaram a ditadura, mas não ficaram com o Poder, embora desejassem muito.



Uma ditadura de 15 anos, que terminou sem inelegibilidades, sem cassações, com todos os que usurparam o Poder, mantendo-o inacreditavelmente. Dutra, que garantiu os militares em todo o regime autoritário, sendo o “condestável” do Estado Novo, foi presidente. E todos os outros, deputados ou senadores.



Foi meu primeiro protesto veemente (que repetiria em 1964), defendendo a inelegibilidade geral dos que implantaram e dominaram o país através de uma ditadura feroz, selvagem e implacável. Em 1950 Vargas se elegeu, os generais que ganharam em 1945, quiseram impedir a posse dele. (Com apoio de Lacerda e Golbery, naquela época amicíssimos).



Vargas, sem saber o que fazer, emparedado e desarvorado, nomeou ministro da Guerra o general Estilac Leal, presidente do Clube Militar, (naquela época os presidentes do Clube histórico eram todos da ativa, hoje só podem ser da reserva) e tomou posse. Lacerda e Golbery, silenciados, mas continuou na mesma.



Com os militares comandando tudo, as datas golpistas iam se acumulando. Por que não se acumulariam, se 1889 foi o “Golpe da República”, com dois marechais ultrapassando uma das melhores gerações de civis, os Propagandistas da República e os Abolicionistas?



Depois da primeira eleição de Vargas, vieram 1954, 1955, 1961, 1963, 1964. Com os mesmos militares, uma ou outra exceção, mas Lacerda e Golbery em todas, até que romperam em 1961.



Nunca participei (no sentido que se dá a essa palavra) de movimentos, golpes e conspirações. Jornalista vigoroso e sem ficar jamais “em cima do muro”, construí de forma independente o que você chama de minha “saga de 50 anos”. Pode até ser, mas sem subordinação a ninguém. Tirando 1954, estive JORNALISTICAMENTE em todas as datas, por mim e não por ninguém, nem mesmo Lacerda.



Em 1955, como é público e notório, Juscelino me convidou para dirigir a comunicação da sua campanha, ressalvando logo: “Hélio, não há dinheiro nem para o café”. O que me fez aceitar mais rapidamente. Enquanto Lacerda dizia e escrevia, “Juscelino não será candidato, se for, não ganha, se ganhar, não toma posse, se tomar posse, não governa”, eu corria o Brasil todo (que maravilha viver) com Juscelino.



Logo depois de derrotado o golpe, Juscelino viajou como presidente eleito e não empossado, recebido por reis, rainhas, presidentes e primeiros-ministros. Ele e mais 4 pessoas. Entre essas 4, o repórter e o coronel Jose Alberto Bittencourth. JK governou o tempo inteiro, passou o cargo a Jânio Quadros, lançou a candidatura para o próximo mandato em 1965. Não chegaríamos lá. Por causa das forças que apoiavam Jânio. E o próprio presidente.



De 31 de janeiro de 1961 a 1º de abril de 1964, a conspiração foi diária e ininterrupta. Como jornalista, que de 1956 a 1961 (quando fui para a Tribuna da Imprensa) fazia coluna e artigo no Diário de Noticias, escrevia sobre tudo, o dono do jornal, João Dantas, me dizia: “Helio, só gosto de ler teu artigo e tua coluna no dia seguinte”. (Liberdade de imprensa era isso).



No 11 de novembro, enquanto Lacerda viajava no Tamandaré com vários ministros e militares de alta patente (foram pedir ao governador Jânio Quadros para fazer um governo separado), eu estava com JK, no seu apartamento da Sá Correa, esquina de Avenida Copacabana. Mantínhamos contato com as mais diversas pessoas, que estavam em reuniões nos variados lugares, inclusive no Copacabana Palace.



(Aproveitando para esclarecer: Juscelino tomou posse, não por causa de Lott ou Denys, como se falou, escreveu, repetiu e ameaça entrar para a História, e sim por causa de dois bravos coronéis gêmeos. Eram José Alberto e Alexinio Bittencourth, que fizeram tudo. Mas como o Exército é baseado na hierarquia, não receberam as glórias merecidas. Só quem estava presente, sabe e pode revelar o fato).



Os militares deram posse a Juscelino, não conseguiram garantir a VOLTA DE JANIO, foram derrotados, João Goulart tomou posse, o que eles não queriam. A partir daí, não houve mais tranquilidade, todos conspiravam. Os anos inteiros de 1962 e 1963, foram de conspiração e surpresa.



Impuseram o Parlamentarismo com Tancredo, mas Jango trabalhava intensamente pela volta do PRESIDENCIALISMO, que seria decidido em 6 de janeiro de 1963. Os maiores banqueiros e seguradoras financiaram a campanha, foi um derrame de dinheiro nunca visto. (Esses “empresários” exigiram de Jango que nomeasse Roberto Campos embaixador nos EUA. Jango nomeou, no mesmo dia em que foi derrubado, Roberto Campos voltou ao Brasil, assumiu quase tudo).



Retomando os poderes constitucionais, Jango começou a preparar a CONTINUAÇÃO, não fazia outra coisa. Só que ninguém se entendia. Fui o único cidadão preso em 24 de julho de 1963, incomunicável, pediram 15 anos de prisão para mim. Fui ao Supremo, no mais rumoroso julgamento daquela época, ficou empatado em 4 a 4 . O que dá a impressão de como eu era perigoso, com a única arma de que dispunha, a palavra escrita.



O presidente do Supremo, Ribeiro da Costa, desempatou a meu favor, fui libertado, continuei como sempre, contra tudo e contra todos. Mas as conspirações se acentuavam, o PODER ESTAVA SENDO DISPUTADISSIMO. E quem dominava (?) o Poder? João Goulart, que não queria sair. Quem tivesse dúvidas (ou ainda tiver) lembre dos comícios da Central e do Automóvel Clube. Esses discursos representavam o “empurrão” que faltava para o capítulo final.



***



PS – As coisas estava tão confusas, que as próprias forças golpistas se desentendiam. O general Mourão Filho saiu na frente (de Minas), com medo de ficar para trás.



PS2 – Carlos Lacerda (já brigado com Golbery), um dos artífices do golpe, por causa de suas ligações com militares. Foi ele que, no Palácio Guanabara, lançou a candidatura Castelo Branco, provocando a fúria de Costa e Silva, que se julgava o grande articulador de tudo.



PS3 – Não passei nem perto, jamais falei ou estive perto de Castelo, Costa e Silva, os dois Geisel, Médici, Silvio Frota. João Figueiredo. Então, como dizer ou supor que PARTICIPEI, que fui SIMPÁTICO ao golpe de 1964?



PS4 – O que você, Aquino, chama de “minha saga’, não se ajusta a apoiar um movimento militar. É bem verdade que estava tudo muito confuso, era quase impossível ver o sol. Mas ainda em abril, consegui abrir uma janela e contar as conversas vergonhosas de Castelo Branco com todo o PSD, na casa do deputado Joaquim Ramos (irmão de Nereu).



PS5 – Fui o único a revelar tudo, a bajulação de Castelo e o convite a José Maria Alckmin para vice, o compromisso voluntário com Juscelino: “Presidente, não posso assumir como chefe do Governo Provisório, não terei forças para manter a eleição de 1965, e o senhor é o candidato que será eleito”.



PS6 – Ainda em abril ou maio, DENUNCIEI as TORTURAS em Pernambuco, o “presidente” teve que mandar o seu chefe da Casa Militar, Ernesto Geisel, “ir verificar o que havia”. Geisel viu tudo, fez um relatório SIGILOSO e CONFIRMADOR, que está entre os documentos que não querem revelar.



PS7 – Aí fiquei cada vez mais violento, e tentei convencer Lacerda de que “não teria nenhuma chance” de ser presidenciável. No final de 1964, quando Golbery lançou a PRORROGAÇÃO DE CASTELO, alertei-o: “Isso é contra você”. Lacerda não entendeu assim, só mais tarde foi compreender.



PS8 – Acelerei a oposição. Quando Lacerda foi a Castelo se queixar da oposição que os jornais lhe faziam, o “presidente” abriu uma gaveta, mostrou uma porção de Tribunas, e disse: “E eu, governador? Tenho que aturar a oposição violenta do jornalista Helio Fernandes, só que ele nunca veio aqui se queixar”.



PS9 – Uma noite, vendo cinema no Guanabara, disse a Lacerda: “A votação da prorrogação está rigorosamente empatada, você derruba pelo telefone”. Finalmente concordou, falou: “Vamos almoçar amanhã, tomarei posição sobre isso, no meu estilo”.



PS10 – Cheguei ao meio-dia, encostei meu fusca no lugar de sempre. Lacerda mandou me avisar que estava acabando. Fiquei na janela para o belo parque, quando vi parar um carro e saltarem o doutor Julio Mesquita (do Estadão), Armando Falcão e Abreu Sodré, que depois seria “governador”.



PS11 – Sabia o que aconteceria, peguei meu carro, fui embora, da janela Lacerda me viu, pediu que me parassem. À noite me telefonou, revelou: “O doutor Mesquita me disse que, se a PRORROGAÇÃO for derrotada, haverá novo golpe”. Minha resposta imediata: “Carlos, não podemos viver intimidados ou assustados, se têm a força para mais golpes, que façam”. Tinham força.



PS12 – Poucos dias depois, a PRORROGAÇÃO foi aprovada por 1 voto, escrevi um artigo que gosto de relembrar. Não precisa ser lido, está todo no título: “1965: Carlos Lacerda, o candidato invencível de uma eleição que não vai haver”. Não houve, eu disse isso com mais de um ano de antecipação. (Está tudo na coleção da Tribuna e na Biblioteca Nacional).



PS13 – Só para terminar. Um dia, Lacerda me disse: “Estive com o presidente Castelo, que me convidou para embaixador na ONU”. E perguntou: “O que é que você acha?” E eu: “Não há o que achar, Carlos, eles querem mostrar consideração por você, mas de longe”. Não disse mais nada, ele entendeu, não aceitou.



PS14 – Se rompi com Lacerda para apoiar Juscelino, por que iria segui-lo quando eu já estava numa oposição franca e sem volta, como são e foram todas as minhas posições? E todas por convicções, nenhuma por compensação. Nunca existe um golpe só, são sempre dois ou até mais. Como está muito grande, deixo para depois, talvez ainda nesta semana, quem conspirava com quem (fora dos militares) em 1962 e 1963. Nomes, objetivos e destinos junto com o Poder.

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