segunda-feira, 27 de junho de 2011

Europa sem rumo, "redux"

Europa sem rumo, “redux”



25/6/2011, Chan Akya, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Há apenas três anos, logo depois de a Rússia invadir a Geórgia e da resposta frouxa que recebeu da União Europeia, escrevi artigo intitulado “Utterly pointless Europe” (Asia Times Online, 16/8/2008, em inglês), em que discuti a falta de espaço estratégico para a União Europeia manobrar, e terminei o artigo sugerindo que os governos europeus talvez se salvassem da extinção estratégica se se pudessem sob o jugo dos russos e deixassem que o Kremlin pensasse e decidisse por eles.

O que escrevi então parece hoje tímido, comparado ao que realmente aconteceu e foi feito. As questões econômicas que me levaram a escrever outros artigos, de "Euro-trash" - Asia Times Online, 11/3/ 2008 a “Strauss-Kahn, the IMF and Europe's decline" - Asia Times Online, 17/5/2011, todos em inglês, só fizeram confirmar a ideia de que a Europa opera movida por emoções, não por princípios econômicos, a ponto de, hoje, já nem conseguir operar e ter-se tornado completamente disfuncional.

Se eu tivesse um átomo dos talentos artísticos de Salvador Dali, pintaria as instituições europeias em estado de liquefação, como os relógios de Dali nessa obra-prima inteligentemente intitulada “A Persistência da Memória”, de 1931 como se vê abaixo.


De diferente, que eu pintaria ao fundo um cemitério, não esses penhascos românticos distantes. A Acrópole, a Torre Eiffel, a Capela Sistina, o Big Bem, todos se liquefazendo em incoerências pode parecer fruto de alguma mente doente, pervertida (ou surrealista), mas é a mais abjeta realidade da Europa hoje.

O recurso a imagens surreais não é efeito, só, do tédio que aprendi de muitas viagens, mas coisa mais mundana, a saber, um mecanismo de defesa que ajuda a navegar pelos jornais e mídia em geral, e pelo que dizem sobre eventos europeus.

Consideremos, por exemplo, a Alemanha. O governo alemão, no início de junho, segundo os jornais, teria consultado um dos maiores bancos do mundo, para saber, na opinião daquele banco, o que os mercados esperavam. Claro que o banco em questão produziu um relatório “de pesquisa” que reproduziu o que a linha oficial queria ouvir, ou seja, que os mercados, em uníssono, esperavam que a Grécia fosse resgatada. Em outras palavras, nada de calote, porque assustaria os mercados.

Contra essa dita “visão dos mercados” o que há é a abjeta realidade do custo do seguro da dívida soberana grega (seguro feito por credit default swaps, CDS) que estava literalmente explodindo, como se vê no gráfico abaixo, da rede Bloomberg. Ora essa! Mas que mercados, diabos, estariam “esperando” que a Grécia fosse resgatada, se todos os agentes dos tais “mercados” estavam tão desesperadamente aflitos, que estavam comprando proteção a qualquer preço, por estratosférico que fosse, e onde encontrassem?!


É possível que o banco consultado se referisse não aos voláteis mercados dos derivativos CDS, mas ao aparentemente mais bem comportado mercados das dívidas soberanas (isso é, dos títulos verdadeiros, nas dos contratos derivativos que podem ser negociados separadamente)? Nesse caso, porque não se dá uma olhada no comportamento dos papéis do sempre louvado “resgate” da Grécia, lançados em janeiro de 2011? É o que se vê no gráfico abaixo:


É piada, não é, Dr. Feynman? Temos aí papeis que, no dia em que são lançados, perdem logo dois terços do valor inicial e que, dali em diante, só foram comprados ao preço ridículo de 50% do valor inicial – o que implica que, em cinco anos, quem compre esses papéis terá perdido metade do que investiu.

Mas, esperem aí... Se os papéis saíram-se tão mal, quem, precisamente, comprou ao par, quer dizer, por 100% do valor de face no dia do lançamento? Ora! O Banco Central Europeu, esse repositório de bom senso e sabedoria fiscal e que tem um portfólio-prodígio, só de papéis pré-fixados (Ver “Bank folks can't count”, Asia Times Online, 14/6/2011, em inglês).

Sabemos hoje que a Alemanha capitulou completamente à proposta dos franceses de resgatar a Grécia, depois de insistir por muito tempo movida pela ‘opção’ entre ou austeridade verificável ou de total calote, inspirada em parte pela “pesquisa dos mercados” feita pelo grande banco.

O caso é que os fatos que os gráficos acima mostram seriam óbvios até para o mais simplório dos homens (o que a maioria dos políticos alemães não são, em minha opinião), bastando, para descobri-los, pesquisar pelo Google.

Ainda mais misterioso: por que a opinião errônea de um banco conseguiu neutralizar a sempre firme e objetiva lógica teutônica que é orgulho e estereótipo dos alemães (com justiça, em minha opinião – e digo-o como avaliação positiva)? Aí está mistério que só é mistério até que se entenda que nunca se tratou, de fato, de resgatar a Grécia. Sempre se tratou de resgatar os bancos.

Considere-se a vulnerabilidade dos bancos (exceto o Banco Central Europeu, o qual, como já mostrei no artigo acima mencionado, já está falido), e logo se vê que os bancos mais massivamente vulneráveis são os franceses, não os alemães. Só um banco francês tem 42,7 bilhões de dólares em papéis da Grécia.

Não surpreende que os franceses não tenham qualquer interesse em assumir riscos pelo resgate da Grécia. E conseguiram cooptar os alemães, com a ideia de que os bancos alemães estariam cheios de títulos de bancos franceses e, portanto, seriam sugados em qualquer sumidouro que surgisse se a Grécia quebrasse.

O pior é que muita gente já sabe disso. Portanto, ainda que a Grécia seja resgatada agora, o círculo só fará crescer e capturará Portugal e outros, mais depressa do que a União Europeia pisca. Um constructo (melhor dizendo: um destructo) inevitável, que só faz aumentar a cada nova configuração.

À parte a questão da Grécia, o resgate e as questões bancárias, as coisas tampouco vão bem para a Europa no front geoestratégico. Há o problema básico da Líbia, onde o ataque pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) já custou mais de um bilhão de dólares, com só uns poucos escalpos de civis líbios a exibir como serviço feito. Depois que os EUA afastaram-se da Líbia e deixaram a coisa entregue aos aliados europeus, parece que a falta de coordenação e o “stress da missão” estabeleceram-se (em partes praticamente iguais). Já há até soldados da OTAN em terra, embora todos os ataques continuem a ser aéreos.

Vê-se aqui o caso proverbial do homem que foge do urso e diz para o colega, os dois correndo: “Não tenho que correr mais depressa que o urso. Só tenho que correr mais depressa que você”. 100 dias depois de iniciados os ataques contra seu país, Muammar Gaddafi e suas forças só têm de se poupar, enquanto os países da OTAN, um depois do outro, estouram seus respectivos orçamentos – o que, dadas as dificuldades financeiras dos respectivos estados, significa que outros ditadores, de Bashar al-Assad da Síria, a Robert Mugabe do Zimbabwe, podem dormir sossegados, porque a Europa não tem meios para aumentar o “engajamento”. E devem-se esperar mais mortes e mais repressão, enquanto definha o coração da Europa.

E é nesse senil e depauperado “Velho Mundo” que o primeiro-ministro da China Wen Jiabao desembarca essa semana. Promessas são muitas – fontes do mercado divulgam amplamente (e talvez loucamente) que Wen anunciará que a China negociará a compra de mais papéis, de olho nas dívidas soberanas dos europeus mais fracos; que manifestará confiança nas ações contra a Líbia... No frigir dos ovos, a China aconselhará a União Europeia a tornar-se instrumento da política externa da China.

O artista Ai Weiwei foi libertado sob fiança, mas o advogado de direitos humanos Xu Zhiyong foi preso ontem. No passado, os chineses usariam a libertação de Ai Weiwei para facilitar o caminho de líder chinês que andasse por terras bárbaras ocidentais. Hoje, soltam um e prendem outro. É sinal de que estão mais confiantes: hoje a China faz o que entenda que tenha de fazer, mesmo durante viagem do primeiro-ministro ao ocidente. A nova mensagem é tão clara quanto pouco sutil: a China já se vê como mais importante que a Europa.

Não preciso listar outros aspectos do declínio da Europa – sejam os escândalos que envolvem políticos pela região, o crescimento dos sindicatos e das greves por todo o continente, de Londres a Atenas, e os sinais de encolhimento que se identificam em todos os aspectos da vida dos europeus. Não tardará e se completará a transição: de grandes economias, para destinos turísticos decadentes.

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