segunda-feira, 20 de junho de 2011

O reino saudita adverte que democracia deve ser pra todos.


EUA pró-Israel: favoritismo fracassado

Turki al-Faisal

10/6/2011, Turki al-Faisal, Washington Post, EUA
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

O príncipe Turki al-Faisal é diretor do Centro de Pesquisas e Estudos Islâmicos de Riad. Foi chefe da inteligência saudita de1977 a 2001 e embaixador nos EUA de 2004 a 2006.

O presidente Obama fez importante chamamento à ação no controverso discurso, mês passado, em que chamou a atenção de governos árabes para que abraçassem a democracia e garantissem a liberdade de suas respectivas populações. Nós, na Arábia Saudita, levamos a sério aquele chamamento. Mas observamos que o presidente, nada disse na direção de exigir os mesmos direitos de autodeterminação para os palestinos – apesar de o território palestino estar ocupado pela mais forte potência militar da região.

Pouco adiante, Obama outra vez pôs-se no papel de farol dos direitos humanos, quando permitiu que o primeiro-ministro de Israel definisse os termos da agenda do processo de paz entre Israel e os palestinos. E ainda mais deprimente que ver o Congresso dos EUA aplaudir a atitude de negar aos palestinos os direitos humanos mais básicos, foi ver os EUA darem as costas a todos os ideais e valores de que tanto falam.

Apesar das críticas de Israel à ideia do presidente Obama, de que se usem as fronteiras de 1967 como base para futuros acordos, a ideia nada trouxe de mudança substantiva na política dos EUA. A única meta que os EUA têm a propor ainda é a Solução de Dois Estados, na direção da qual os EUA decidiram que se façam as negociações, partindo da divisão do território entre Israel e os palestinos pelas fronteiras que havia antes da Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Obama tem razão no que disse, porque as linhas de 1967 são o único ponto de partida possível para quaisquer conversações e, portanto, para que se chegue a alguma paz. A ideia de que os palestinos aceitariam quaisquer outros termos para as negociações simplesmente não é realista. Apesar de Netanyahu ter rejeitado as sugestões (“Não podemos voltar àquelas fronteiras indefensáveis e teremos presença militares de longo prazo ao longo do [rio] Jordão”), os dois lados, há muito tempo, já aceitaram as fronteiras de 1967 como ponto de partida. 

Em 2008, Ehud Olmert, então primeiro-ministro, disse ao Parlamento israelense: “Temos de desistir dos bairros árabes em Jerusalém e voltar ao núcleo do território do Estado de Israel de antes de 1967, com pequenas trocas ditadas pela realidade criada desde então.”

Em novembro passado, a secretária de Estado Hillary Clinton e Netanyahu declararam, em documento que assinaram em conjunto, que “os EUA creem que mediante negociações de boa fé, as partes podem chegar a um acordo que ponha fim aos conflitos e reconcilie o objetivo dos palestinos, de terem estado independente e viável, baseado nas fronteiras de 1967, com trocas negociadas, e o objetivo de Israel, de ter um estado judeu com fronteiras seguras e reconhecidas que reflitam desenvolvimentos posteriores e satisfação as necessidades de segurança de Israel.”

Pode-se extrair uma conclusão dos eventos recentes: que os planos de paz inventados por EUA e Israel revelaram-se inviáveis e que o conflito Israel-Palestinos continua perfeitamente sem solução à vista, enquanto as políticas dos EUA continuarem a dar injustificável prioridade aos interesses de Israel. Mais do que pelas diferenças com Netanyahu, Obama está paralisado também por outras forças, na tentativa de desempenhar papel construtivo. 

Às vésperas de ano eleitoral, o governo Obama sem dúvida se curvará às pressões de interesses e de um Congresso dominado por Republicanos, e não insistirá em forçar Israel a aceitar os termos concretos que poderiam levar os palestinos à mesa de negociação.

Mas não se pode aceitar que a política doméstica dos EUA e a intransigência de Israel impeçam que os palestinos tenham direito a um futuro, com qualidade decente de vida e oportunidades semelhantes às de que gozam todos os que vivem em país livre de soldados estrangeiros de ocupação. Por isso, na falência de quaisquer negociações produtivas, é chegada a hora de os palestinos deixarem de lado EUA e Israel e buscarem reconhecimento internacional do estado palestino diretamente na ONU. 

A Arábia Saudita, outros países árabes e a vasta maioria da comunidade internacional – todos nós que desejamos solução equilibrada para a tragédia dos palestinos e um Oriente Médio estável – apoiaremos integralmente os palestinos nessa luta.

Obama criticou esse plano que, para ele, seriam “esforços para deslegitimar Israel”. E sugeriu que essas “ações simbólicas para isolar Israel” acabariam em fracasso. Mas por que os palestinos não fariam jus aos mesmos direitos que a mesma ONU assegurou ao estado de Israel ao criá-lo em 1947? 

O presidente Obama deve dar-se conta de que o mundo árabe não mais permitirá que os palestinos sejam deslegitimados por atos dos israelenses que os impedem de se movimentar; que estão destruindo a economia dos palestinos; e que já destruíram até casas dos palestinos.

A Arábia Saudita não se manterá calada e inativa enquanto Washington e Telavive nada fazem além de repetir intenções que não se realizam, nada fazem para por em execução seus muitos planos e então, à falta de planos propostos por eles próprios, trabalham para impedir que se construa e para minar o que já se construiu na direção de impor a legítima presença dos palestinos no cenário internacional.

Como principal apoiador político e financiador da luta dos palestinos em busca do direito de autodeterminação, a Arábia Saudita não abrirá mão da posição que tem, excepcionalmente forte. A riqueza do reino, o crescimento sustentado e a estabilidade da Arábia Saudita são fundamentais para todo o Oriente Médio. Berço do Islã, a Arábia Saudita saberá unir simbolicamente todos os muçulmanos do mundo. Em setembro, o reino mobilizará seu considerável poder diplomático para apoiar os palestinos na luta por reconhecimento internacional.

Os políticos norte-americanos não se cansam de repetir que Israel é seu “aliado indispensável”. Logo aprenderão que há outros atores na região – além da rua árabe – que podem ser aliados, se não muito mais, pelo menos igualmente “indispensáveis”. 

O jogo de sempre favorecer Israel ainda não trouxe qualquer vantagem aos EUA. Em breve se verá que foi movimento ainda mais insano do que parece.

Muitos comentaristas previram que a Arábia Saudita estaria deixando de ser a “usina” regional. Desapontaram-se amargamente. A história também mostrará o quanto se enganam todos os que crêem que o futuro da Palestina será decidido por EUA e Israel. 

Haverá consequências desastrosas para as relações EUA-sauditas, se os EUA vetarem na ONU o reconhecimento de um estado palestino. Teremos chegado ao ponto mais baixo de relações que existem há décadas; estará para sempre comprometido qualquer processo de paz entre Israel e palestinos; e a reputação dos EUA entre os países árabes será muito gravemente atingida. Aumentará a distância que separa o mundo muçulmano e o Ocidente em geral – e sumirão boas oportunidades de amizade, negócios e cooperação entre todos.

Nós árabes muitas vezes dissemos não à paz. E em 1967 pagamos o preço pelas muitas vezes que erramos. Em 2002, o rei Abdullah ofereceu o que viria a ser chamado de Iniciativa da Paz Árabe. Baseado na resolução n. 242 do Conselho de Segurança da ONU, a Iniciativa da Paz Árabe pede o fim dos conflitos das trocas de terra por paz: os israelenses retiram-se de todas as terras ilegalmente ocupadas, inclusive de Jerusalém Leste; encontram solução que todos aprovem para o problema dos refugiados palestinos; e reconhecem o estado palestino. Em troca, Israel será reconhecida por todo o mundo árabe e pelos estados muçulmanos; por-se-á fim às hostilidades; e se construirão relações normais com Israel. Mas, dessa vez, são os israelenses, que dizem não à paz. 

Espero não estar por perto, quando os israelenses tiverem de pagar o preço pelo erro que estão cometendo.

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