terça-feira, 9 de agosto de 2011

Golpe nigeriano

 

Empresários e funcionários graduados de multinacionais são alvo de bandidos sofisticados, que falsificam documentos, criam sites e empresas e atraem suas vítimas por e-mail

Flávio Costa

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"Os papéis pareciam em ordem. Não era uma negociação diferente de
tantas outras que fiz em mais de 20 anos de trabalho com exportação"

Osmar Pereira, brasileiro sequestrado e torturado em Johannesburgo
Os alvos são quase sempre médios exportadores em busca de negócios vultosos em terras desconhecidas. Ou incautos seduzidos pela primeira proposta tentadora que surge na tela do e-mail. Os bandidos falsificam documentos bancários e diplomáticos, criam sites de empresas inexistentes e inventam ofertas para atrair a cobiça das vítimas, cujos contatos obtêm facilmente na internet. Se você checar sua caixa de mensagens nesta semana, é enorme a probabilidade de encontrar uma proposta com teor semelhante. O nível de sofisticação é variável, mas o chamado golpe nigeriano costuma fazer vítimas de nacionalidades diversas e causar dores de cabeça em autoridades de vários países.

Um caso clássico aconteceu há pouco mais de um mês, na cidade de São Paulo. Policiais prenderam em um hotel na área nobre da capital paulista um nigeriano de 36 anos que tentou extorquir um empresário de Uruguaiana (RS). Durante quatro meses, em seguidas conversas por e-mail, o estelionatário tentou convencer o brasileiro a lhe entregar R$ 14 mil. O dinheiro seria usado para transferir para o Brasil US$ 16,4 milhões retidos em uma fictícia conta bancária de um “amigo falecido” na Nigéria. “O acusado dizia que, assim que o valor fosse transferido para uma conta no Brasil, ele daria 40% ao brasileiro”, disse o delegado Marco Aurélio Batista, que prendeu o nigeriano após ser informado do caso pelo empresário.

País com alto índice de corrupção, a Nigéria carrega a sina de ser associada a esse tipo de fraude, também conhecida como 419 Scam – número do artigo referente ao estelionato no Código Penal do país, equivalente ao 171 brasileiro. Não são apenas os nigerianos que praticam o golpe, criado por volta dos anos 80, mas eles se tornaram experts no assunto. E, nos últimos anos, ele passou a ter um caráter mais violento. Uma das últimas vítimas foi o executivo holandês Edo de Ronde, sequestrado há três semanas em Johannesburgo, na África do Sul, onde desembarcou atraído pela perspectiva de fechar um acordo milionário no setor de reciclagem. Durante dois dias ele ficou à mercê dos criminosos, mesmo sua empresa tendo pago US$ 15 mil dólares pelo resgate. Uma mensagem de texto enviada pelo celular permitiu à polícia sul-africana localizar o cativeiro e libertá-lo.

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PERIGO


O executivo holandês Edo de Ronde, sequestrado na África do Sul:
ele foi atraído por um acordo milionário no setor de reciclagem

História parecida, e ainda mais violenta, viveu o exportador paraense Osmar Pereira, sequestrado na mesma cidade dias antes do início da Copa do Mundo de 2010. Ao procurar interessados em importar portas de mogno para o Iraque, ele encontrou, por meio da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, um grupo supostamente baseado em Dubai, nos Emirados Árabes. A venda girava em torno de US$ 4 milhões e as tratativas seguiam em um ritmo normal. Foram pelo menos três meses de trocas de e-mails e telefonemas. “Os papéis pareciam em ordem e eu era sempre atendido quando ligava para o telefone deles, não parecia uma negociação diferente de tantas outras que eu fiz em mais de 20 anos de trabalho com exportação”, afirma Pereira.

O sequestro foi anunciado assim que o exportador chegou ao aeroporto sul-africano. Ele foi levado a uma casa na periferia de Johannesburgo, onde também se encontrava cativo um executivo sul-coreano. Após sofrer três dias de tortura – foi amarrado e teve peito e barriga queimados por um ferro –, o brasileiro foi resgatado pela polícia. Os seis sequestradores, todos nigerianos, já foram julgados e condenados a 25 anos de prisão. Mas a quadrilha era comandada por um russo ainda foragido, o que revela o caráter transnacional dessas organizações. Pereira deve voltar ao país em setembro para um novo julgamento dos acusados. “Mas apenas se a Polícia Federal brasileira me oferecer segurança”, acrescenta.

Depois deste caso, outros três empresários brasileiros, da área de mineração, foram seqüestrados na África do Sul. O que levou a embaixada brasileira no país a criar uma página na internet para orientar quem quer fazer negócios no Exterior de maneira segura. “Conseguimos frustrar várias tentativas de golpe contra brasileiros. Numa delas, além de comprovar que a empresa não existia, obtivemos da polícia a informação de que o suposto empresário possuía vários antecedentes criminais por estelionato na Cidade do Cabo”, informa o adido da Polícia Federal em Pretória, Luiz Dórea. “É preciso checar diariamente o nível de segurança virtual, pois dados confidenciais podem estar vulneráveis para a ação de golpistas”, explica Rennan Fortes, diretor do site Blindado, especializado em segurança virtual. “Instalar sistemas de filtragem de e-mails é uma das alternativas para evitar receber mensagens de procedência duvidosa”, acrescenta André Carrareto, executivo da Symantec, que atua na mesma área.

O FBI criou uma unidade especial para investigar esse tipo de crime nos Estados Unidos, onde o nigeriano Okpako Diamreyan, disfarçado de príncipe, convenceu pessoas a doarem US$ 1,3 milhão. Ao explicar o que leva pessoas instruídas a cair nesse tipo de golpe, policiais apontam a cobiça pelo dinheiro fácil como fator preponderante. Mas ela sozinha não explica tudo. “Esses golpistas têm um enorme talento para criar uma trama verossímil que consiga ludibriar as vítimas. Qualquer um pode cair num golpe como esse”, comenta o historiador José Augusto Dias Júnior, autor do livro “Os Contos e o Vigário”, uma trajetória de golpes aplicados no País desde o século XIX. É quando a ocasião encontra a vítima e o ladrão.
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