domingo, 4 de setembro de 2011

Bandidagem sindical



Tiros, pancadarias e vandalismo. ISTOÉ revela a violência da disputa entre as centrais de trabalhadores e os bastidores da luta por recursos públicos e poder. É a nova face do sindicalismo

Pedro Marcondes de Moura e Cláudio Dantas Sequeira
Sequência de vídeos mostra a escalada de violência no sindicalismo paulista. Há cenas de pancadaria, derrubada de portões, correria, uso de fogos como arma e até disparo de revólver diante de sedes em São Paulo, Osasco e Jundiaí :
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CORONHADAS E DISPAROS
Presidente do Sindicato dos Marceneiros foi espancado por adversários (acima) e,
na sede do Sindicato dos Químicos, segurança encara invasores com pistola (abaixo)
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Três episódios recentes e emblemáticos ilustram estas páginas. No alto, à esquerda, está estampada a foto de Edson Matias, presidente do Sindicato dos Marceneiros de Taboão da Serra (SP). Dizer que sua imagem é um retrato da nova face do sindicalismo brasileiro poderia soar como um trocadilho de mau gosto. Infelizmente, trata-se da simples expressão de uma verdade. Na tarde da sexta-feira 26, Matias foi agredido com coronhadas por três adversários, contrários à criação de sua entidade. Levou 32 pontos no rosto. Na foto maior, à direita, um segurança do Sindicato dos Químicos de Jundiaí (SP), ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), aponta o revólver em direção a um grupo de militantes da Força Sindical que tentava, a coices, invadir a sede da entidade. Antes, ele já havia disparado para o alto, como mostra um vídeo obtido por ISTOÉ. Na sequência de fotos na parte inferior da página, é o outro lado que ostenta o poder de fogo: no sábado 13, homens da Força, escoltados por pelo menos três leões de chácara armados, quebraram as portas do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de São Paulo. Eles estavam ali para impedir uma assembleia de filiação à CUT. As cenas reveladas por ISTOÉ retratam vítimas ou algozes de um tipo de violência que já deixou dezenas de mortos nos últimos três anos: o banditismo sindical. Nelas não se consegue identificar trabalhadores que cumprem jornadas de mais de 44 horas semanais ou líderes devotados a suas categorias. Há, sim, jagunços bem remunerados para dar ou tirar o sangue de quem contrariar seu contratante.

Por trás dos confrontos não há sinais de oposições ideológicas expressivas ou concepções muito distintas sobre a maneira de representar determinada categoria. Isso é coisa do passado. Traços de um tempo em que o movimento sindical ajudava a fazer a história do País e se legitimava por princípios. Hoje, discursos inflamados não conseguem mais disfarçar o que move essas contendas: poder e dinheiro. Cada sindicato representa, além de força política para barganhar cargos com o governo, uma generosa fonte de renda para as federações, confederações e centrais. O dinheiro vem da contribuição sindical, criada na era Vargas, imposto que transfere um dia do salário suado de cada trabalhador para a entidade de classe que lhe representa e para as organizações da qual ela é associada. Somente em 2010 foi repassado R$ 1,2 bilhão. Perder ou ganhar o controle de um sindicato, portanto, significa ter acesso ou não a essa bolada. O dinheiro que vem da contribuição sindical se transforma, em muitos casos, em capital para cooptar entidades ou contratar capangas, quebra-paus e comprar armamento para intimidar adversários.
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DOIS LADOS
Vasconcelos (acima), presidente dos Gráficos, ameaçado de morte. Sindicato agora
fica com Paulo Rogério (abaixo), especialista em “situações adversas” da Força Sindical
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A situação do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de São Paulo, criado em 1919, ilustra bem esse cenário de guerra. Desde que Márcio Vasconcelos, presidente da entidade, resolveu abandonar o cargo de vice-presidente da Força Sindical e filiar sua entidade à CUT, no começo de agosto, ameaças de morte, quebra-quebras, bombas e agressões físicas se tornaram frequentes. O auge dos confontos foi o sábado 13, conforme mostram as imagens da câmera de circuito fechado da entidade, às quais ISTOÉ teve acesso. Além dos invasores armados, as cenas registram agressões entre militantes dos dois lados, uso de spray de pimenta e a depredação da porta de entrada. “Isso foi orquestrado pelo Paulinho da Força (o deputado federal Paulo Pereira da Silva, do PDT-SP, líder da central sindical)”, acusa Vasconcelos. “Ele veio aqui na véspera e disse que a assembleia não iria acontecer.” Alegando ter sido ameaçado de morte por Paulinho, Vasconcelos mudou de endereço e anda escoltado por seguranças. 

O deputado Paulinho da Força nega tudo. “É conversa fiada”, diz. Ele admite, porém, que participou do encontro citado por Vasconcelos. “A maioria da diretoria não queria sair da Força Sindical e eu fui lá pedir ao Márcio para suspender a assembleia, para não dar confusão. Ele não aceitou. Acabou em pancadaria como a gente previa.” O parlamentar alega que o grupo de “militantes” responsável pelo confronto no sindicato não foi orientado por ele e era formado apenas por associados dos gráficos. As imagens, no entanto, desmentem a sua versão. Dirigentes de outras categorias associadas à Força Sindical aparecem no vídeo durante o quebra-quebra. E a confusão não parou por ali. Nos dias seguintes, bombas foram lançadas contra a entidade e funcionários ameaçados. Na segunda-feira 29, o controle do Sindicato dos Gráficos mudou de mãos. De posse de um documento contestado na Justiça e com um time reforçado de quebra-paus, integrantes da oposição assumiram o controle da sede da entidade. Na manhã da quarta-feira 31, já respondia pelo sindicato um personagem famoso no meio: Paulo Rogério, o maior especialista em coordenar “situações adversas” da Força Sindical. 

Outros casos envolvendo a central sindical liderada pelo deputado Paulinho chamam a atenção da Justiça. Em Jundiaí, no interior paulista, o Ministério Público Federal investiga o presidente do Sindicato dos Plásticos da cidade, João Henrique dos Santos, por formação de quadrilha e fraude sindical, entre outros crimes. Seus métodos violentos, típicos do novo banditismo sindical, lhe renderam o apelido de “Lampião Paulista”. Em setembro de 2009, Santos, esta reencarnação de Virgulino, enviou um grupo de 80 homens, inclusive ex-policiais militares, para a porta do Sindicato dos Químicos. A ordem era invadir o local e retirar de lá à força o presidente da entidade, Aparecido Nunes do Nascimento. “Eles conseguiram derrubar o portão, mas um amigo policial estava lá e evitou o pior”, relata Nunes. O “amigo policial” é o homem que atira para o alto e depois mira os invasores no vídeo obtido por ISTOÉ.
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COMPANHEIROS
Paulinho da Força e Lampião Paulista, relações apenas institucionais
O bando de Lampião Paulista trazia na linha de frente Isaul Marcos Soares, tricampeão mundial de kickboxing. Torrão, como o lutador é conhecido, revelou à ISTOÉ os bastidores da ação. Segundo ele, Lampião, presidente do Sindicato dos Plásticos e adversário de Nunes, do Sindicato dos Químicos, prometeu pagamentos diferentes conforme o nível de violência empregado. “Eram R$ 100 para cada homem cercar o local, R$ 200 se invadisse e R$ 300 para retirar o Nunes à força, no braço.” A prática truculenta foi a mesma empregada em outras cidades do Estado, como Caieiras e Vinhedo. Trata-se de um estilo, conforme Torrão comprovou nos quatro anos em que trabalhou como segurança de Lampião e em duas campanhas eleitorais do deputado Paulinho da Força das quais participou como correligionário contratado. “Paulinho e João Henrique são parceiros e com eles é na base da porrada. É uma guerra!” Paulinho diz ter uma relação “meramente institucional” com Lampião Paulista. “Sou contrário ao uso da força”, afirma. “Não é pelo caminho da violência que se conquistam as coisas.”

A guerra entre sindicatos não é monopólio da Força Sindical. Também há relatos de violências e fraudes praticadas pela Central Única dos Trabalhadores. De acordo com o presidente do Sindicato de Trabalhadores do Setor de Hospedagem e Gastronomia, Francisco Calasans Lacerda, a CUT, a maior das centrais brasileiras, criou quatro sindicatos clones na base territorial da entidade, nas cidades de Guarulhos, Mogi das Cruzes, Osasco e Atibaia. A implantação dessas entidades teria sido garantida por uma mistura de ajuda política e força bruta. Em 31 de julho de 2009, foram publicados simultaneamente quatro editais de convocação de assembleias para discutir o tema. Naquele dia, porém, não foi permitido o acesso de funcionários da categoria. “Eles encheram o local com gente deles e não deixaram ninguém entrar. Quando começou a pressão para abrir os portões, lançaram coquetéis molotov”, conta Calasans Lacerda. Mesmo com a violência, o processo de legalização dos sindicatos clones prosseguiu, e as assembleias, com apenas 12 pessoas, acabaram validadas por uma canetada do Ministério do Trabalho. A pedido do sindicato original, entretanto, os registros das entidades clones encontram-se impugnados pelo Judiciário, à espera de uma decisão definitiva.
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DOIS MOMENTOS
A baderna em Jirau (acima) e o enterro do líder dos motoristas
em São Paulo: disputa por mais imposto sindical e assassinato
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Os rastros da batalha feroz entre as centrais sindicais se espalham por todo o País e já produziram grandes desastres. Talvez o mais famoso deles tenha ocorrido em Porto Velho, Rondônia, onde sindicalistas ligados à Força Sindical, à CUT e independentes vivem em um permanente clima de hostilidade pelo controle da representação dos aproximadamente 30 mil trabalhadores responsáveis pelas obras de construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. Autoridades locais dizem que esta disputa esteve por trás da onda de revoltas nos canteiros das obras à beira do rio Madeira em março deste ano. Durante os protestos, ônibus e alojamentos foram queimados e outras instalações danificadas. Logo depois do incidente, diversos interessados em representar os trabalhadores, vindos para a cidade junto com os projetos de infraestrutura, trocaram acusações. Em São Paulo, disputas desse nível levaram ao assassinato de Sérgio Augusto Ramos, que havia denunciado esquema de corrupção no Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus.

O professor da Unicamp Ricardo Antunes, autor de diversas pesquisas sobre o sindicalismo brasileiro, relembra o importante papel institucional dessas entidades. “Os sindicatos foram decisivos na resistência e na luta pelos direitos do trabalhador.” O estudioso, no entanto, acredita que atualmente uma grande parcela daquela saga se desvirtuou. “Lamentavelmente, muitas entidades tornaram-se verdadeiras máquinas burocratizadas que recebem dinheiro do Estado, por meio do imposto sindical ou pelo Fundo de Amparo, e se distanciam cada vez mais de suas bases.” Se o dinheiro público continuar a financiar sindicatos do crime, as representações dos trabalhadores, que chegaram a levar um metalúrgico à Presidência do Brasil, correm o risco de ver suas histórias enterradas num roteiro de ganguisterismo.
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