terça-feira, 6 de setembro de 2011

CNJ- um conselho que incomoda muita gente



Maria Tereza Sadek

Folha de S. Paulo
, 28.8.2011

O Conselho Nacional de Justiça

incomoda e precisa de nossa

proteção para que não seja

transformado em mais um órgão

burocrático e ineficiente

Após um longo debate e uma série de propostas, a reforma do Poder Judiciário

aprovada em 2004 foi uma resposta à crise da Justiça. O remédio encontrado

para afastar os tumores sem matar o corpo foi a criação de um sistema nacional

de controle, denominado Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Essa solução está hoje ameaçada por propostas que pretendem acabar com o

papel de fiscalização e investigação exercido pelo CNJ. Há quem pretenda

subverter, por meio de um exercício interpretativo no mínimo controverso,

uma das principais reformas aprovadas em nossa Constituição.

Órgão ainda jovem, a partir de 2008, por iniciativa do então ministro

corregedor-geral Gilson Dipp, o conselho começou a realizar inspeções e

audiências públicas em diversas unidades do Judiciário, tornando transparente

aos olhos da opinião pública o que gerava odor podre em um corpo que

necessita ser saudável tanto para a consolidação do regime democrático como

para o fortalecimento dos direitos individuais e coletivos.

Ao assumir a Corregedoria Nacional de Justiça em setembro de 2010, em

postura pouco comum aos nossos administradores, a ministra Eliana Calmon

não só manteve a política de transparência de seu antecessor como ainda

procurou aprimorá-la por meio de parcerias com Receita Federal,

Controladoria-Geral da União, Coaf (Conselho de Controle de Atividades

Financeiras), tribunais de contas e outros órgãos de controle.

A fiscalização, assim, foi se mostrando cada vez mais eficiente e, por isso

mesmo, mais incômoda.

Um conselho assim incomoda e muito, sobretudo os interesses corporativos,

que, relembremos, não convenceram o Supremo Tribunal Federal no

julgamento da ADI nº 3.367-1, que afirmou a constitucionalidade do CNJ,

registrando, inclusive, no voto condutor, a inoperância de muitas das

corregedorias locais, o que todos já sabíamos.

Perplexos com a faxina levada a efeito pela Corregedoria Nacional de Justiça,

os interesses contrariados reabrem a discussão do tema, tentando a todo custo

fazer prevalecer o entendimento de que o CNJ só pode punir juiz corrupto após

o julgamento do tribunal local.

Era assim no passado, e o Poder Judiciário foi exposto a uma investigação no

Parlamento exatamente porque não fez esse dever de casa, e nada nos garante

que o fará sem a atuação firme e autônoma do CNJ.

Nesse momento, a vigilância é mais do que sinal de prudência. É imperiosa e

sobressai como dever de todos os que aceitam o desafio de aprimorar a Justiça.

Políticas voltadas ao combate à impunidade se deparam com resistências.

Não por acaso são criados fatos e elaboradas teses capazes de ludibriar os

inocentes e provocar retrocessos que causarão prejuízos irreparáveis ao Brasil.

Um conselho criado justamente porque os meios de controle existentes até a

década passada eram ineficazes e parciais não pode ter a sua atuação

condicionada ao prévio esgotamento dos meios de que os tribunais há muito

tempo dispõem e que, na prática, pouco ou nunca utilizaram para corrigir os

desvios de seus integrantes.

A tese de que a competência do CNJ é subsidiária, e, assim, somente pode ser

exercida após a constatação de que os tribunais de origem foram inertes ou

parciais, interessa tão somente àqueles que depositam suas fichas no jogo do

tempo, da prescrição e do esquecimento.

O CNJ incomoda e precisa de nossa proteção para não ser transformado em

mais um órgão burocrático e ineficiente.

MARIA TEREZA SADEK
doutora em ciência política, é professora do Departamento de

Ciência Política da USP e diretora de pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas

Judiciais.

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