sábado, 24 de setembro de 2011

Infância assassinada

 

Um estudo exclusivo obtido por ISTOÉ mostra que, pela primeira vez na história, a faixa etária em que os homicídios mais cresceram no Brasil foi a dos 10 aos 14 anos

Michel Alecrim e Solange Azevedo

Aos 11 anos, Laiza Cruz foi levada de casa por um desconhecido. Ela vivia num cortiço no centro do Rio de Janeiro. Seu corpo foi encontrado dias depois, com sinais de violência sexual, na Baixada Fluminense. De acordo com um estudo feito pelos pesquisadores Marco Antônio Couto Marinho e Luciana Andrade, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e da rede Observatório das Metrópoles, Laiza estava na faixa etária em que os homicídios mais cresceram no Brasil. A taxa de assassinatos de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos saltou dramáticos 32% entre 1999 e 2009. E, pela primeira vez na história, avançou mais do que nas idades consideradas de maior vulnerabilidade – de 15 a 19 anos (cujo incremento foi de 18,5% no mesmo período) e de 20 a 24 anos (3,1%). “A violência faz mais vítimas entre os jovens há muito tempo”, afirma Couto Marinho. “Mas, nos últimos anos, essas mortes têm sido ainda mais precoces.”
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Não é só a ação de maníacos se­xuais que está por trás desses homicídios. Meninos e meninas também morrem em decorrência da violência policial e da ação de narcotraficantes. “Crianças e adolescentes são mais inexperientes, mais impulsivos e acabam se expondo mais quando se envolvem com traficantes”, afirma Rodrigo Medina, coordenador do Centro de Apoio à Infância e Adolescência do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro. No período estudado por Couto Marinho e Luciana, a taxa de assassinatos cresceu em 19 Estados brasileiros e no Distrito Federal. No Nordeste, a escalada foi mais acelerada do que no resto do País. A Bahia registrou o maior aumento de assassinatos na faixa de 10 a 14 anos: espantosos 1.043%. Waldemar Oliveira, coordenador do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) do Estado afirma que a chegada do crack, uma droga mais barata, tem empurrado cada vez mais crianças e adolescentes para a morte. “Em cinco anos, houve um aumento de 500% no envolvimento de crianças e adolescentes no consumo e de 900% na comercialização de drogas na Bahia”, relata Oliveira.
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O campeão brasileiro em assassinatos, no entanto, está no Sudeste. É o Espírito Santo. Em 2009, o Estado registrou 8,1 mortos para cada 100 mil habitantes na faixa de 10 a 14 anos e 121,5 dos 15 aos 19 anos. O padre Xavier Paolillo, coordenador da Pastoral do Menor capixaba, diz que essas crianças e adolescentes estão cada vez mais desprotegidos e não têm a completa noção do perigo que enfrentam ao se envolver com traficantes. O religioso lembra que, no passado, os criminosos tinham uma espécie de “código de ética” e não permitiam a aproximação de gente tão jovem – seja para comprar, vender ou consumir drogas. Eles não queriam aquela vida para os próprios filhos nem para os filhos dos outros. Hoje, não. Com a explosão do crack, um garoto que tem acesso a R$ 100 pode comprar uma pedra grande, reparti-la e se tornar um pequeno traficante.
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“A negligência é imensa por parte dos Estados e dos municípios”, relata o psicólogo social Eduardo de Carvalho Mota, presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente de Goiânia. “Boa parte dos 17 centros de referência e assistência social que existem na capital, que deveriam acolher crianças e adolescentes em risco, não estão funcionando porque está faltando até comida. No Conselho falta, inclusive, papel higiênico. E esse problema é recorrente em várias partes do País.” Goiás é o quarto colocado no ranking nacional de homicídios na faixa dos 10 aos 14 anos: seis mortes para cada 100 mil habitantes. “Esses conflitos são muito complexos e atribuir tudo à droga é um equívoco. Quando colocamos só nas costas do crack, isentamos os outros responsáveis. A sociedade brasileira está destruindo a infância e convive bem com isso”, acredita Renato Roseno, advogado e integrante da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente. “Não podemos falar em guerra porque, se fosse guerra, haveria um inimigo do outro lado. Isso é genocídio.”
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Colaborou Juliana Dal Piva

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