quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Obama, o Rei da África



PRESIDENTE DOS EUA AGE COMO IMPERIALISTA CLÁSSICO AO ENVIAR 100 SOLDADOS PARA UGANDA

18 de Outubro de 2011 às 12:11

Pepe Escobar


O presidente dos EUA Barack Obama quisesse realmente livrar-se do novo bicho papão da hora, Joseph Kony, de Uganda – ex-coroinha, transformado em profeta/político cristão místico, com, conhecidas, 60 esposas – teria ordenado que o Procurador Geral dos EUA, Eric “Velozes e Furiosos” Holder, armasse um complô, subcontratando, como matador alugado, um iraniano doido ligado a um cartel mexicano.
O Plano B seria mandar a ONU dizer à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que impusesse uma zona aérea de exclusão sobre as cabeças dos “rebeldes” que seguem Kony do Exército da Resistência de Deus [ing. Lord's Resistance Army (Exército da Resistência de Deus)] e, depois, bastaria a OTAN bombardear quem se opusesse a Kony, até reduzir tudo e todos a ruínas.
O Plano C seria detonar o Exército da Resistência de Deus, com uma frota de MQ-9 Reapers, aviões-robôs comandados à distância (drones), embora a base de drones mais próxima esteja muito distante de Uganda (no Djibouti, no Chifre da África).
Mas não havia mexicanos disponíveis e, nesse caso, os “rebeldes” são “os bandidos”. Então, Obama preferiu a via imperialista clássica: deu uma de Af-Pak e ordenou, para o caso de Uganda, uma avançada (com coturnos em terra); enviou 100 soldados das Forças Especiais para socorrer um ditador corrupto – o presidente Yoweri Museveni, de Uganda – e ajudá-lo a esmagar lá mesmo um punhado de “rebeldes” (mas “bandidos”) locais.
Não erra quem veja a Uganda como uma Líbia de cabeça para baixo: é exatamente isso. O ditador de Uganda é “do bem” (um dos “nossos filhos da puta”). Portanto, ali, os “rebeldes” é que fizeram pacto com o diabo. Será só isso?
Sinto um ímpeto de avançar
A realidade em Uganda é confusão absoluta, mortal. Tanto quanto os “rebeldes” do Exército da Resistência de Deus, o governo de Museveni (ajudado por Washington) também perpetrou os mais horrendos massacres de civis. Kony talvez seja, mesmo, quase um aprendiz amador, comparado ao presidente Museveni.
Museveni é o ditador vitalício que supervisionou o deslocamento e assassinato em massa de, pelo menos, 20 mil ugandenses, como desejavam algumas grandes empresas inglesas. Além disso, Museveni fraudou as eleições em Uganda, no início do ano passado.
A “avançada” de Obama em Uganda tem de ser vista como crucial troca de favores com o ditador Museveni – que enviou milhares de soldados ugandenses para comporem a força da União Africana que combate, na Somália, os islamistas linha duríssima do grupo al-Shabaab. Assim, ao mesmo tempo em que Uganda faz guerra em que substitui os EUA na Somália, Washington ajuda o ditador a livrar-se dos “rebeldes” do Exército da Resistência de Deus. Não surpreende que o Pentágono mostre-se tão simpático com Uganda. Recentemente, Museveni recebeu 45 milhões de dólares em armas – incluídos quatro pequenos aviões-robôs comandados à distância, quatro drones-zinhos.
O Exército da Resistência de Deus – um bando de furiosos cristãos fundamentalistas linha duríssima – tem base no norte de Uganda, mas estão espalhados por quatro países, inclusive no Sudão do Sul e no Congo, na Ásia Central. Não têm armamento pesado. Portanto, não têm nenhuma chance de desestabilizar o governo de Uganda – e tampouco, muito menos, são ameaça à “segurança nacional” dos EUA. O bicho papão Kony está, provavelmente, escondido em algum ponto da imensa fronteira Sudão-Congo, com força que não ultrapassa 400 combatentes que lhe restaram.
A chave para entender toda a questão é que Uganda é vizinha próxima do novo país, recém criado, o Sudão do Sul. Até aqui, para o Sudão do Norte, o Exército da Resistência de Deus tem funcionado como útil barreira armada contra Museveni, fantoche do Ocidente. Mas, sobretudo, toda essa região é palco de disputa feroz entre a China e os EUA-Europa, centrada em petróleo e minérios – no coração da Guerra do Século 21 pelas Matérias Primas Africanas.
Pelo controle do reino mineral
Pode-se assim ver Uganda como uma nova terra de oportunidades. Ah! E são imensíssimas as possibilidades da guerra humanitária! Para ter alguma aparência de sucesso, os primeiros passos da ‘avançada’ africana de Obama terão de incluir uma base militar com grande pista de pouso e uma mini-Guantanamo para prender os “terroristas”. Se parecer bom demais para ser verdade, é porque é verdade: comecem a considerar a possibilidade de o quartel-general do Africom (Comando Africano) do Pentágono meter-se num túnel do tempo e mudar-se, de Stuttgart, Alemanha, diretamente para algum ponto do território de Uganda.
Qualquer aluno de primeiro grau de realpolitik sabe que os EUA não se metem em “intervenções humanitárias” por humanitarismo. O verdadeiro nome do jogo parece ser, mesmo, a primeira “avançada” no Africon à caça de minerais preciosos: extração e mineração. Em Uganda – e ali perto, no leste do Congo – há quantidades fabulosas de, dentre outras riquezas, diamantes, ouro, platina, cobre, cobalto, estanho, fosfatos, magnetita, urânio, ferro, gipsita, berilo, bismuto, cobre, lítio, nióbio e níquel. Vários desses são ultrapreciosas terras raras – das quais a China tem hoje o monopólio virtual.
A corrida pelos minérios africanos já é uma das grandes guerras por matérias primas do século 21. A China está à frente, seguidas de empresas indianas, australianas, sul-africanas e russas (a Rússia, por exemplo, já instalou uma fundição de ouro em Kampala). O ocidente está léguas atrás. O nome do jogo, para EUA e europeus, é não economizar golpes para minar as miríades de negócios comerciais que a China já construiu por toda a África.
E, como sempre, há também o inescapável ângulo do Oleodutostão. Pode haver em Uganda “vários bilhões de barris de petróleo”, segundo Paul Atherton, da Heritage Oil, parte de uma jazida recém descoberta na África subsaariana, a maior jamais encontrada em terra. Implica que é preciso construir um oleoduto de 1.200 km e 1,5 bilhão de dólares até Kampala e a costa do Quênia. E há também outro oleoduto, que parte do Sudão do Sul recém “libertado”. Washington quer garantir que só os EUA e a Europa tenham acesso a todo esse petróleo.
Obama, rei da África
O governo Obama insiste que os 100 soldados das Forças Especiais são “conselheiros” – não soldados de combate. Lembrem o Vietnã, no início dos anos 1960s; também começou com “conselheiros” – e o resto é história. Agora, os “conselheiros” devem espalhar-se de Uganda para o Sudão do Sul, a República Centro-Africana e a República Democrática do Congo.
Não é, sequer, a primeira vez que acontece. George W Bush tentou fazer a mesma coisa em 2008. Acabou em lastimável e completo desastre por causa – e o que mais seria? – da corrupção dentro do exército de Uganda. Kony foi avisado e escapou antes de o seu acampamento ser atacado.
Assim sendo, temos, na superfície, uma elevada narrativa do primeiro presidente negro dos EUA profundamente perturbado pela “crise humanitária” em mais um país africano, Uganda. É cobertura perfeita, matéria de capa, para Uganda, satrapia britânica, ser convertida em base avançada para que Washington se aproxime e crave a faca no coração da África islâmica.
A imprensa oficial em Washington só faz repetir que o Exército da Resistência de Deus “assassinou, estuprou e sequestrou dezenas de milhares de homens mulheres e crianças” [1]. Compare-se com a devastação perpetrada por Washington, em duas décadas, no Iraque: pelo menos 1,4 milhões de mortos, diretos e indiretos, milhões de refugiados, uma guerra civil entre sunitas e xiitas ainda em andamento e o flanco ocidental da nação árabe virtualmente destruído.
E compare-se também com o tonitruante silêncio da Casa Branca de Obama, enquanto os “rebeldes” racistas do leste da Líbia fazem o diabo, perseguem, torturam e assassinam africanos subsaarianos.
A África combate contra, desde sempre, várias modalidades do grande senhor branco genocida sempre ajudado por várias modalidades de ditadores/cleptocratas negros. E agora, no início do século 21, aparece-lhe pela frente um presidente dos EUA, descendente direto de africanos, que nada tem de melhor, a oferecer, que soldados das Forças Especiais, drones, uma “avançada” militarizada armada até os dentes e intervenção “humanitária” embalada em pura mentira e hipocrisia “midiáticas”.
Nota dos tradutores
[1] New York Times, 14/10/2011, em: Armed U.S. Advisers to Help Fight African Renegade Group
Pepe Escobar é jornalista e correspondente do Asia Times Online

Nenhum comentário: