segunda-feira, 5 de março de 2012

Infância vencida pelo crack



É na infância que o uso do crack mostra um dos seus lados mais cruéis. No primeiro dia da série, O POVO conta a história de um menino que teve a vida consumida pela droga
Sábado, 5 de março de 2011. Uma criança de 11 anos é executada com cinco tiros na calçada de um mercadinho no bairro Tancredo Neves, em Fortaleza. A Perícia encontra pedras de crack no bolso da calça da vítima. Um dos acusados do crime é preso e confessa que matou o garoto por “dívida de drogas”.

Sexta-feira, 9 de março de 2007. Mãe leva o filho de sete anos para o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) infantil do bairro Vila União. Ela pede ajuda. Relata que o menino tem comportamento agressivo e está ingerindo bebida alcoólica. Há suspeita de que também esteja usando outras drogas.

A história de Pedro (nome fictício) é triste, mas precisa ser contada. Porque algo tem de ser feito. O poder público, a família, a escola e a própria sociedade ainda não sabem lidar com um problema que continua invisível aos olhos de muitos: o envolvimento de crianças com o crack (e outras drogas).

O POVO conversou com a família de Pedro, foi até a escola onde ele estudava e folheou relatórios feitos por educadores sociais que acompanharam o caso. O menino foi atendido pelo Caps e passou por pelo menos dois abrigos. Os pais nunca desistiram do garoto.

Pedro era o caçula de 11 filhos. “Desde criancinha, ele sempre foi muito danado, inquieto”, conta uma das irmãs. A família tinha dificuldade em lidar com o menino, diagnosticado com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Era difícil mantê-lo em casa. “Ele sempre dava um jeito de ir pra rua”, lembra.

Com sete anos, ia “pastorar carros” na Praia da Sabiaguaba (a família mora no bairro de mesmo nome). “Foi lá que começaram a dar bebida pra ele”, diz a irmã. Ao saber da situação, a mãe procurou o Caps infantil. A equipe do Centro de Atenção Psicossocial acompanhou o caso até março de 2009. Foram mais de 30 atendimentos.

Os relatórios do Caps mostram como o problema foi se agravando com o passar do tempo. Aos 8 anos, Pedro já usava drogas mais potentes, como o crack. A família perdeu o controle sobre o menino, que passava semanas fora de casa. Para sustentar o vício, passou a realizar assaltos.

Em um dos atendimentos, a mãe confessou que chegou a trancar o garoto no quarto e a amarrá-lo e acorrentá-lo para evitar que fugisse. Em um momento de desespero, também pensou em matar o filho e suicidar-se. Rezou e pediu a Deus para afastar os pensamentos negativos. “A mãe vem sofrendo de depressão, sentindo-se incapaz de conter o filho”, informa um dos relatórios.
 
Abrigos

Só o tratamento no Caps não adiantava mais. O menino tinha abandonado a escola no início de 2009 e havia o risco de perder o vínculo com a família. Os pais queriam que ele fosse internado. Pediram apoio a um programa de TV, acionaram o Conselho Tutelar. Mas foi com a ajuda de um “conhecido” no Governo que o pai conseguiu uma vaga no abrigo Santa Gianna.

O local acolhe crianças com direitos ameaçados ou violados. Pedro não se adaptou e foi feito pedido de transferência para outro abrigo. O menino foi levado para a ONG Pequeno Nazareno, onde ficou durante quatro meses. Os pais iam sempre visitá-lo. “Ele era um menino muito cativante e inteligente”, comenta Antônio Carlos, um dos educadores sociais da ONG, que trabalha com moradores de rua.

O menino passou quatro vezes pelo abrigo. Ele costumava fugir e, depois, voltava, levado pelos pais. A última vez que saiu de lá foi em dezembro de 2010. O educador social ainda o viu uma vez, perambulando pela rua próximo ao Shopping Via Sul. “Estava bem raquítico”, lembra. Poucos meses depois, Antônio Carlos viu pela TV que Pedro havia sido assassinado no Tancredo Neves, onde trabalhava como “aviãozinho”, levando drogas para os consumidores. Mais uma criança que o Estado perdeu para o tráfico de drogas.
 
Por quê

ENTENDA A NOTÍCIA

O menino tinha sonhos e o amor dos pais. Frequentou escola, recebeu ajuda e, mesmo assim, teve a infância destruída pelo crack. A história de Pedro mostra que ainda estamos despreparados para lidar com o problema.
 
Era uma vez um menino

Novembro de 1999
Pedro nasce e é adotado pelos pais, um casal de senhores que já tinha outros dez filhos. Segundo a família adotiva, a mãe biológica era usuária de drogas. 

Início de 2004
Família se muda para a Sabiaguaba e matricula Pedro na escola pública do bairro. O aluno é descrito pelos professores como um menino inquieto - foi suspenso várias vezes - e inteligente. 

9 de março de 2007
Família leva Pedro para o Caps infantil. Mãe relata que a criança (na época, com sete anos) ingeria bebida alcoólica e tinha comportamento agressivo. 

Fevereiro de 2009
Pedro abandona o colégio onde estudava. Ia cursar o terceiro ano do Ensino Fundamental. 

2 de março de 2009
O menino é levado para o abrigo Santa Gianna, no Bairro de Fátima. Não se adapta ao local e assistentes sociais pedem transferência para outra unidade.
  
14 de maio de 2009
O garoto é transferido para o abrigo da ONG Pequeno Nazareno, em um sítio na Região Metropolitana de Fortaleza. Fica quatro meses no local e, depois, volta para a rua. Ele retorna ao local outras vezes, mas sempre consegue fugir.
  
Dezembro de 2010
Pedro foge, pela última vez, da ONG Pequeno Nazareno. Passa a morar nas ruas do Tancredo Neves, trabalhando como “aviãozinho” para os traficantes.
  
5 de março de 2011
O menino de 11 anos é executado com cinco tiros, no bairro Tancredo Neves. Dois homens são presos acusados do crime. A mãe de Pedro, que sofria de um câncer, morre um mês após receber a notícia de que o filho havia sido assassinado. 

Frases

"A MINHA MÃE É UMA SENHORA. ELA É LEGAL, É ENGRAÇADA. ELA CUIDA DA CASA. O MEU PAI É APOSENTADO, ELE SOFREU UM ACIDENTE DE TRABALHO E CUIDA DOS GADOS DELE"

"TEM UM IRMÃO MEU QUE USA DROGA. ELE DORME FORA DE CASA. ELE É GRANDE, JÁ É “DE MAIOR”

"JÁ USEI MACONHA, PEDRA, PÓ, OS AMIGOS ME DAVAM. EU TAMBÉM VENDIA DROGA. NÃO TINHA MEDO DE NADA NA RUA, NEM DA POLÍCIA. O RONDA ME PEGOU UMA “RUMA” DE VEZ. NÃO PODEM ME PRENDER PORQUE SOU MENOR."

"ESSES DIAS QUE EU TAVA NA RUA NÃO SENTIA FALTA DA MINHA MÃE, NÃO. ESTOU SENTINDO AGORA. QUERO IR EMBORA. QUERO IR PRA CASA, PRA VOLTAR PRA RUA. EU NÃO SINTO SAUDADE DE CASA. SINTO SAUDADE É DA RUA, DAS DROGAS."

"EU VIM PRO PEQUENO NAZARENO PORQUE EU USAVA DROGA E FICAVA FAZENDO COISA ERRADA NA RUA. TENHO QUE MELHORAR. O MEU SONHO ERA SER UM JOGADOR DE FUTEBOL, NO FORTALEZA. EU QUERIA SER ATACANTE"

Trechos de uma das conversas que Pedro teve com uma assistente social, quando estava no abrigo da ONG Pequeno Nazareno. Na época, ele tinha 9 anos. A entrevista foi anexada à ficha de atendimento dele.

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