sábado, 14 de junho de 2014

Não é só no Brasil que as coisas às vezes não funcionam



Estava lendo aqui o livro "o homem que não queria ser papa" de Andreas Englisch, um vaticanista renomado, sobre a história do pontificado de Bento XVI quando me deparei com esse trecho, bastante revelador do momento atual que estamos vivendo, em relação a nossa capacidade como povo de realizarmos grandes feitos e organizarmos um evento da magnitude de uma Copa do Mundo, atacado por todos os lados por alguns de nossos compatriotas que nos enxergam com uma visão de suprema inferioridade perante outras nações do mundo. O episódio de que trata o autor é especialmente dramático porque a partir dali ficou evidente o prenúncio de todo o fracasso do pontificado de Bento de XVI:

A escolha da cidade-sede é por si só uma decisão importante para o sucesso ou fracasso da Jornada
Mundial da Juventude. A escolha da diocese de Colônia parecia garantir o sucesso, em um primeiro
momento. A cidade no centro da Europa era de fácil acesso para outros países católicos, como a Polônia,
a França ou a Espanha, inclusive com meios de transporte como trens ou ônibus. Na verdade, os
organizadores não precisavam fazer mais nada, além de garantir que no domingo, dia 21 de agosto de
2005, o máximo de jovens tivesse a intenção de ir a Marienfeld, até a colina artificial fora da cidade,
para participar da missa de encerramento com o papa. Havia apenas um cenário de horror que poderia
pôr em perigo a Jornada Mundial da Juventude, e foi exatamente isso que aconteceu em Colônia: os
jovens começaram a partir bem antes da missa de encerramento, decepcionados, com fome, amargurados
e perplexos com a falta de organização, especialmente na Alemanha, um dos países mais ricos do mundo
que se orgulha da sua capacidade de planejamento.

Tudo começou com a pretensão dos organizadores que queriam tudo de uma vez. A Jornada Mundial
da Juventude não podia ser acusada de produzir grandes quantidades de lixo plástico, porém os volumes
de comida dos visitantes tinham que ser embalados. Por esse motivo, eles decidiram que seriam
utilizadas embalagens ecologicamente corretas. Tudo teria dado certo, se a Jornada Mundial da
Juventude tivesse acontecido em dias ensolarados e quentes, como era esperado em agosto, auge do
verão na Europa. Mas a umidade destruiu as embalagens ecologicamente corretas da empresa de
alimentação. Como resultado, os jovens recebiam embalagens destruídas pela chuva e uma comida
estragada pela água. A decepção não teria sido tão grande, e os protestos não teriam se alastrado tão
rapidamente, se os jovens não tivessem pago caro pelos diversos pacotes de peregrinação. Eles haviam
pagado adiantado pela comida por uma quantidade determinada de dias, mas muitos não receberam
pratos que fossem efetivamente comestíveis ou receberam somente em uma parte da viagem.

Eu não penso que se possa culpar os organizadores da Jornada Mundial da Juventude por terem
escolhido uma embalagem ecologicamente correta, mas com certeza eles podem ser responsabilizados
por um segundo erro, esse sim fundamental: a ideia de fazer aos peregrinos um fornecimento
descentralizado. Qualquer pessoa que tenha visto um programa sobre a Jornada Mundial da Juventude
sabe que esse evento é um enorme desafio logístico: todos os dias, todos os participantes querem ficar
perto de um único homem, o sumo pontífice. Especialmente no dia da missa de encerramento. É
impossível querer descentralizar uma Jornada Mundial da Juventude. Os organizadores precisam
resolver apenas uma tarefa colossal: fornecer comida para centenas de milhares, senão milhões de jovens
nos dias que precedem a missa de encerramento e no dia da missa de encerramento, quando todos estão
juntos em um grande terreno. Contudo, os organizadores do evento em Colônia esperavam que muitos
fossem buscar os seus alimentos no subúrbio de Colônia, Düsseldorf ou Bonn. Por isso, em diversos
lugares havia panelas gigantes, da Jornada Mundial da Juventude, com um diâmetro de até um metro e
meio, nas quais eram cozidos vegetais e carnes em pratos razoavelmente bons. Centenas de voluntários
cuidavam das panelas enormes em diversos pontos de distribuição por toda a cidade de Colônia, para
entregar a comida. Mas os jovens peregrinos queriam uma única coisa: ficar o mais próximo possível do
papa, e por isso eles queriam ir para Colônia. Os centros de distribuição de comida em Colônia não
estavam preparados para tamanho movimento. O resultado foi caótico. Nas ruas de Colônia, padres e
bispos do mundo inteiro davam dinheiro para os jovens, para que eles pudessem comprar algo nas
barracas de batatas fritas, nos restaurantes de fast food ou nas barracas de Döner kebab. Porque apesar
de eles terem pagado antecipadamente por embalagens de comida, não estavam recebendo nada.

Além disso, havia o caos completo do trânsito. A estação central de Colônia estava sobrecarregada e
não conseguia lidar com a multidão de peregrinos que queriam viajar. Não era possível atender a todos.
Na multidão havia diversos casos de mal-estar súbito. Nove visitantes da Jornada Mundial da Juventude
desmaiaram e tiveram que ser resgatados no meio da multidão para serem levados para o hospital e
receber atendimento médico. O caos na estação de trem fez com que muitos jovens não conseguissem ir
até o seu quarteirão, e em Colônia os organizadores cometeram um erro difícil de entender.

Penso que não é preciso explicar que a Jornada Mundial da Juventude é um evento internacional e que
apenas uma minoria das pessoas no mundo fala alemão. Entretanto, na estação de Colônia os anúncios
das mudanças de plataformas e outras informações estavam sendo feitos apenas nesse idioma. Nem nas
Filipinas, um país de terceiro mundo, isso havia dado errado na Jornada Mundial da Juventude, quando
ela aconteceu em Manila. O caos na estação central fez que diversos peregrinos ficassem errando pela
cidade de Colônia sem encontrar o alojamento que estava reservado para eles. A fome e a aflição de não
saber onde passar a noite fizeram que as emissoras de televisão de diversos países fizessem reportagens
sobre os muitos jovens que deixavam Colônia a partir da sexta-feira, bem antes da missa de
encerramento. Isso porque os alemães não conseguiram fazer o que todos os organizadores antes deles
tinham conseguido: proporcionar uma organização que funcionasse razoavelmente bem. Com isso, os
responsáveis foram avisados de maneira bem trágica. Por causa do engarrafamento na distribuição de
comida, muitos peregrinos viajaram de volta para suas casas na sexta, após a chegada do papa.

Deveria ter ficado claro para todo mundo que algo aconteceu. Mas o verdadeiro desafio, que era
fornecer comida para 800 mil, e até para 1,3 milhão de pessoas, no sábado e no domingo, ainda estava
para acontecer. Mas aí não havia quase nada para minimizar ou evitar o desastre. E então o tempo ficou
muito ruim, com a queda brusca e brutal da temperatura. O verão quente de Colônia, que permitiria que
centenas de milhares acampassem ao ar livre em Marienfeld, na noite de vigília, esperando a chegada do
sumo pontífice no sábado, mais parecia uma geladeira." Páginas 83 e 84.

Imagine se algo semelhante acontecesse no Brasil. Seria o nosso fim enquanto nação.


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