terça-feira, 14 de outubro de 2014

O Alto Tietê chega ao volume morto, e o Cantareira, ao fio da navalha


Crise hídrica: O Alto Tietê chega ao volume morto, e o Cantareira, ao fio da navalha
De crítica, a situação dos principais mananciais que abastecem a região metropolitana de São Paulo está se tornando desesperadora. No Cantareira, terminou a captação do volume morto da represa Atibainha. Resta, agora, apenas o final das represas Jaguari-Jacareí. Há, apenas, cerca de 25 bilhões de litros restantes da primeira cota, além dos 106 bilhões supostamente disponíveis da segunda cota.
Conforme já havíamos comentado em algumas ocasiões, conforme a crise avança, mais difíceis se tornam as condições operacionais para que a água seja continuamente extraída, já que os níveis dos reservatórios atingem patamares cada vez mais profundos, e por vezes a topografia acidentada leva à necessidade de realização de mais e mais improvisos, em geral imprevistos no plano inicial. No caso do Cantareira, a análise dos dados das saídas dos reservatórios nos mostra que, de fato, a SABESP não está conseguindo retirar toda a quantidade de água que precisaria do Jaguari-Jacareí. Dos cerca de 19 m³/s necessários, estão sugando entre 14 e 16 m³/s. E qual a consequência disso? O Atibainha, que já atingiu o limite mínimo autorizado, agora se torna ainda mais esvaziado.
Na autorização para a extração da primeira cota do volume morto, ficou determinado que, no máximo, a SABESP poderia descer até o nível 777 m. Como a extração do Jaguari-Jacareí é ineficiente, neste momento a cota da represa está em 776,95 m – i.e., 700 milhões de litros foram retirados de forma irregular dessa represa. A Justiça, inclusive, já havia determinado, na liminar deferida na semana passada, a proibição da sucção, pelo Governo de São Paulo, da água situada abaixo da cota 815 do Jaguari-Jacareí e da cota 777 do Atibainha, sob pena de responsabilização pelos crimes de desobediência e prevaricação (http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-10/justica-determina-que-ana-e-daee-revejam-retiradas-de-agua-do-cantareira).
E por que essa proibição, no caso do Atibainha? O que acontece é que logo abaixo da cota 777 – mais precisamente entre as cotas 775,37 e 774,27 – está localizada a comporta responsável por enviar as descargas de água para o PCJ (compromisso-parte da outorga, necessário para garantir vazões mínimas para os rios). Ou seja, se a água descer para um nível abaixo disso, o PCJ corre o risco de ficar desabastecido, a não ser – em tese – que bombas sejam instaladas para, artificialmente, enviar a água situada abaixo dali para a comporta. Essa é uma das razões que levaram o Ministério Público a entrar em ação.
A SABESP, para evitar a punição, pediu autorização para que, “temporariamente”, venha a extrair o líquido situado abaixo da cota 777, prometendo encher novamente a represa até essa cota até que, nas palavras da própria empresa, “se tenham todas as condições para eventual retirada da 2ª parcela da Reserva Técnica, já solicitada e em análise” (vejam esta notícia: http://noticias.r7.com/sao-paulo/apesar-de-restricao-da-justica-sabesp-pede-autorizacao-para-usar-segunda-cota-do-volume-morto-13102014). E o que isso significa? Simples: ao contrário do propalado tantas vezes pelo governo, as obras para a extração da segunda cota do volume morto ainda não estão prontas. E, caso não chova bastante, temos algo como 13 dias até que a primeira cota acabe.
Notamos, então, o quão desesperadora é a situação gerencial, na medida em que a SABESP chega a propor a retirada de água situada abaixo da cota mínima prevista na primeira parcela do volume morto para que seja possível continuar abastecendo os cidadãos. Vale lembrar, mais uma vez, que na segunda cota, a princípio, as extrações de volume morto se concentram na sucção das poças que restam do Jaguari-Jacareí, e não do Atibainha (exatamente para evitar aquilo que mencionava, a retirada de água do PCJ). Não há nada sob controle, e a tendência é a de que a corda-bamba em cima da qual se equilibra a gestão hídrica sob Alckmin venha a se tornar cada vez mais fina. A pergunta não é mais se a água irá acabar, mas quando isso ocorrerá.
Alto Tietê chega ao volume morto
Enquanto boa parte da imprensa dedica o pouco de cobertura que realiza para tratar do Sistema Cantareira, o Alto Tietê, que atende a quase 5 milhões de pessoas (sendo o segundo sistema produtor mais importante da região metropolitana, inclusive em termos de produção de água), atinge, igualmente, uma situação desesperadora.
Diferentemente do mencionado por Alckmin e pela SABESP no final da campanha eleitoral (vejam, por exemplo, esta notícia: http://www.moginews.com.br/materia/178709/alckmin-descarta-seca-no-alto-tiete.aspx), não só há um enorme risco de desabastecimento do sistema como, na prática, já começou a extração do volume morto da represa de Biritiba-Mirim. Vale lembrar que, em Julho, o Governo havia mencionado planos para a retirada de 10 bilhões de litros dessa represa e de outros 15 bilhões da represa Jundiaí, “somente se fosse necessário”. Os dados do sistema SAISP, do DAEE, mostram que, no momento, o reservatório de Biritiba está na cota 752,42. De acordo com o Plano da Bacia do Alto Tietê (http://www.fabhat.org.br/site/images/docs/volume_4_pat_dez09.pdf, p. 11), o zero operacional dessa represa está na cota 752,5 m.
Como se não bastasse isso, vale apresentar, abaixo, uma fotografia feita pela equipe do Instituto Socioambiental (http://aguasp.tumblr.com/)  ainda na semana passada, na qual é possível ver que as bombas já estão instaladas e já começaram, de fato, a captar a água do reservatório – possivelmente, naquele momento, em uma cota acima do zero. Isso já se faria necessário porque, ao funcionar apenas por gravidade, a transmissão de água de uma represa para a outra perde eficiência quando os níveis de água se encontram em patamares muito baixos.
Fotos: Biritiba (02 de Outubro)
Em Julho, a SABESP dizia que, eventualmente, o volume morto da represa Jundiaí poderia ser captado a partir de Novembro. Hoje, no entanto, esse reservatório está com, apenas, 5 centímetros de água, ou 450 milhões de litros. Não sabemos, neste momento, se as obras estão prontas e se, caso as bombas já estejam instaladas, se está sendo possível extrair água. Se a empresa tiver mantido o seu planejamento inicial, não há dúvidas de que os atendidos pelo sistema estarão, muito em breve, em apuros.
As fotos abaixo dão uma dimensão do tamanho da crise no Alto Tietê. Elas são de autoria de Danilo Sanz, do Jornal “O Diário de Mogi” (http://www.odiariodemogi.com.br/cidades/cidades/25750-estado-descarta-uso-de-reserva.html). O trabalho do fotógrafo é fantástico, e merece ser apreciado na página do próprio jornal. Aqui, selecionei apenas algumas amostras (Ponte Nova, Jundiaí e Taiaçupeba):
Ponte Nova (28 de Setembro)
Jundiaí (28 de Setembro)
Taiaçupeba (28 de Setembro)
É absolutamente impressionante que a imprensa não dê atenção ao Alto Tietê. Talvez, uma explicação esteja no fato de que, diferentemente do Cantareira – que envolve uma outorga federal –, esse sistema não conta com nenhum envolvimento da ANA, a agência reguladora da União. Também não temos conhecimento de manifestações do Ministério Público, como tem ocorrido no caso do outro sistema. A situação do Alto Tietê, conforme já tratei em outras ocasiões, é a comprovação inapelável da precariedade da gestão da SABESP e do governo do Estado, na medida em que, diferentemente do Cantareira, a região onde se localiza sofreu com uma estiagem muito menos severa do que a observada na fronteira entre São Paulo e Minas Gerais, e ainda assim os reservatórios se encontram em vias de esgotamento. Aqui, não há como culpar São Pedro.
Também é espantoso que os principais jornais de São Paulo não noticiem a chegada do Alto Tietê aos 10%, nem o início da extração do volume morto de Biritiba, nem a situação da represa de Jundiaí. Há de se comentar que os jornais regionais da Globo (e o G1) trataram, ainda que com certa timidez, dessas questões (inclusive a partir de contribuições de internautas). As reportagens estão nesse (http://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/vc-no-g1-tvdiario/noticia/2014/10/internauta-faz-imagens-aereas-de-seca-na-represa-de-taiacupeba.html)  e nesse (http://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2014/10/represas-do-alto-tiete-entrarao-em-10-da-capacidade-diz-daee.html)  link. Claro que, para a SABESP, o sistema “opera dentro da normalidade”, e as chuvas de Outubro “recuperarão os níveis dos reservatórios”. Declarações as quais, após tantos e tantos desmentidos, dispensam comentários pormenorizados.
Fica, ainda, a curiosidade de se a SABESP fará mudanças a respeito do cálculo a respeito da capacidade do Alto Tietê a partir da inclusão do volume morto projetado - tal qual fez, sob fortes críticas, com o Cantareira. Como se sabe, a transparência sobre esse sistema é muito mais precária do que a observada para o outro conjunto de represas. Dou, abaixo, minha contribuição nesse sentido, primeiro apresentando as capacidades reais existentes hoje em cada reservatório:
A seguir, o total existente nos reservatórios, em bilhões de litros:
Finalmente, os níveis percentuais do volume morto consumido (Biritiba) e do Sistema Alto Tietê (sem e com a adição dos 10 bilhões de litros do volume morto - aqui adotei a mesma metodologia da SABESP, apenas para que percebam que o incremento do volume total a partir da reserva técnica é bastante irrisório):
Como vemos, a situação do Alto Tietê se encontra em um nível absolutamente adverso. E os próximos capítulos da crise tendem a ser similares aos já vivenciados no Cantareira, talvez com dramaticidade ainda maior. Lamentavelmente, a SABESP, pelo menos publicamente, não apresentou nenhuma mudança na forma com que o sistema tem sido conduzido: sem pressões da ANA, continuou a permitir vazões de saída elevadíssimas, sem restrições, uma prática similar à empreendida no Cantareira no final de 2013. Na medida em que aquele continua a ajudar este, vimos até mesmo o aumento dos padrões de decréscimo dos reservatórios ao longo dos últimos meses.
O ponto é que o plano “A” da SABESP, seja para o Cantareira, seja para o Alto Tietê, seja para os demais reservatórios – que começam, também, a atingir níveis cada vez mais preocupantes – é confiar em São Pedro, o mesmo que “nos abandonou” ao longo dos últimos anos. E, mais grave, a empresa e o governo não dispõem de outras saídas. Ainda que seja possível extrair todos os 25 bilhões de litros dos volumes mortos de Biritiba-Mirim e Jundiaí, todo esse adicional sequer garante mais um mês de sobrevivência para o Alto Tietê, e os estudos iniciais não apontaram para a possibilidade de sucção de mais volume morto do Sistema. Vale dizer que as três represas que ainda não secaram (Paraitinga, Ponte Nova e Taiaçupeba) possuem juntas cerca de 51 bilhões de litros (dois meses de consumo, nos padrões atuais).
O problema, já ressaltado em outras oportunidades, é que o transporte de água de Ponte Nova para Biritiba possui um limite operacional de 9 m³/s – ali a água não transita por gravidade. Mesmo que as bombas para retirar o volume morto de Jundiaí estejam prontas, teríamos um beco sem saída: as duas primeiras represas esgotariam em 82 dias (02 de Janeiro de 2015), e as três outras, mesmo com os volumes mortos inteiramente considerados, durariam 13 dias além disso (15 de Janeiro de 2014). Por certo, teremos algumas precipitações, até lá, que poderão vir a segurar a queda. Não será fácil manter o abastecimento até lá.
O que provavelmente ocorrerá, de agora em diante, é que as crises de desabastecimento passarão a ocorrer mais frequentemente e de forma mais disseminada. É difícil imaginar que um dia, subitamente, a água deixará de chegar até as casas das pessoas, mas é possível que os períodos sem água tendam a se tornar cada vez mais longos e menos intermitentes, até o colapso final – a ocorrer em algum momento de 2015 (ainda cerca de um ano antes da conclusão da primeira grande obra capaz de contornar, momentaneamente, o macroproblema), a não ser que tenhamos as maiores precipitações de todos os tempos. Também se intensificarão as disputas entre o próprio Governo de São Paulo e dezenas de municípios que conformam o Comitê PCJ, consoante avançarão as extrações dos volumes mortos do Cantareira e, assim, aumentarão os riscos de que diminuam as vazões a jusante para os rios que abastecem a região, formada por mais de 3 milhões de habitantes.
De uma forma que seria absolutamente inexplicável, não fosse o cenário eleitoral que perdura, a SABESP continua a gerir a crise sem tomar conhecimento algum a respeito de sua gravidade: seus porta-vozes dão declarações absolutamente desconectadas do cenário vigente, seus planos de contingência fazem previsões totalmente distantes daquilo que vem ocorrendo já há alguns anos, suas obras suplementares atrasam ainda mais do que antes. Nessa lógica, longe de afastar um pouquinho mais a inevitável falência de dois dos seis grandes sistemas de abastecimento de São Paulo, o Governo Alckmin, mediante a grave politização (no sentido negativo, antirrepublicano) da questão, acaba por contribuir para o agravamento da crise, se é que isso é possível. É incrível, simplesmente incrível, como não houve uma sinalização dessa gestão, até hoje, no sentido de reconhecer a profundidade inenarrável do óbice em questão – seria uma declaração mínima de humildade capaz de trazer a população para perto, uma admissão de que as medidas são ineficazes e que é preciso rever a estratégia. Mas o conceito de cidadania do governo é pobre demais para tanto: quem sabe, ficaremos sabendo de algo por meio dos relatórios a serem enviados aos investidores da Bolsa de Valores.
Ps: Para os interessados, a petição inicial do Ministério Público pode ser acessada por meio deste link: http://pt.slideshare.net/renatocesarpereira/acp-volume-morto-petio-inicial-com-bookmarks
http://jornalggn.com.br/blog/sergiorgreis/o-alto-tiete-chega-ao-volume-morto-e-o-cantareira-ao-fio-da-navalha

Nenhum comentário: