terça-feira, 24 de agosto de 2010

Ainda Sobre A Lei da Ficha Limpa.

Não sou afeito ao discurso da ética, porque quando se fala de ética fico me perguntando se é a minha ou à ética do meu interlocutor. Cada qual tem uma e sempre superior a dos outros. Já vi nos meus parcos anos de vida fortalezas morais ruirem e atingirem o ápice da degenerescência. Não importa o segmento social escolhido, há bons e maus indivíduos. Todos envoltos em circunstâncias que revelarão cedo ou tarde a essência de seu caráter. À guisa de exemplos, nos anos oitenta, um exímio pregador norte-americano, influênciou toda uma geração de televangelistas, arrebatando uma legião de admiradores, chegando a lotar inúmeros estádios, inclusive os maiores do Brasil, alcançando índices extraordinários de audiência. No auge de seu ministério, caiu em adultério por duas vezes vindo a perder espaço na mídia do mundo inteiro. Em oitenta e oito foi visto com prostitutas num motel do Texas. Mais um vítima do discurso moralista que defendia. Ao infringir à ética religiosa que abraçava, caiu no desprezo dos seus pares. Não deveria ter gerado expectativas inalcançáveis para e si e para os outros. Bastava tão somente perseguir à ética cristã como fim a ser alcançado e não impô-la, quando não a tinha. Tivemos um presidente que baseou toda campanha que disputou brandindo suas energias contra a corrupção e os chamados marajás do serviço público, contando com enorme apôio midiático. Saiu pelas portas dos fundos da história, cassado pelo congresso nacional justamente por não praticar o que tanto defendeu. São muitos os exemplos nessa linha. Os aqui colocados servem tão somente para demonstrar que o importante não é apenas a ética do indivíduo, mas das instituições que o fiscaliza, sobretudo se estiver investido de um mandato parlamentar. Qualquer um do povo, com a visão de ética que possui, diria ser contra a compra ou troca de votos por algum tipo de benesse. No entanto, a sutileza dessa mesma ética permitiria votar em alguém pelo simples fato de manter relação de amizade ou grau de parentesco com o candidato, abraçando uma forma de corrupção não menos execrável. Não raro, o comportamento humano é baseado nessa diretriz. Estamos propensos a ceder aos apêlos daqueles que estimamos. Um dos assuntos mais comentados nestas eleições, é a lei da ficha limpa. Nada mais do que um paliativo que combate os efeitos, mas não elimina as causas. Os políticos de agora que têm ficha suja, anteriormente tinha a ficha limpa. Alguns dos fichas limpas hoje, depois de exercerem o mandato, terão ficha suja. É o sistema que financia as campanhas que os tornarão assim. A trôco de que um candidato investe centenas de milhares de real, ou permite que terceiros invistam em suas candidaturas enormes quantias, se somando todo o salário a perceber no decurso do mandato, não será suficiente para cobrir os custos despreendidos na campanha? Altruísmo? Desapêgo? Gastam porque a atividade política é fonte de rendimentos que possibilitam recuperar o que foi investido. Se outros investiram, o parlamentar eleito em tal situação terá um mandato comprometido, refém do lobby de poderosos interesses, amiúde, em detrimento dos anseios da população. Claro que toda regra tem suas excessões. Raríssimas, mas as tem. Além da lei da ficha limpa, a sociedade deveria lutar pelo fim das famigeradas emendas parlamentares, fonte maior de corrupção e de difícil fiscalização por parte dos tribunais de contas. Se for uma emenda individual o parlamentar pode emplacar até dois milhões e quinhentos mil reais distribuidos por até vinte emendas-ano no orçamento geral da União. Se a emenda for coletiva, não há valor quantificado. Geralmente tais emendas são destinadas para inúmeras obras de pequeno porte espalhadas Brasil afora, em parceria com municípios, tornando a fiscalização praticamente inviável, dado o número de emendas parlamentares e de congressistas, quinhentos e trezes deputados e oitenta e um senadores! Deveria também, a sociedade, lutar para que tivéssemos um orçamento impositivo, com uma pequena margem de manobras, especificadas em lei, de modo a não engessar a administração pública federal, nos casos de emergências imprevistas, tais como calamidades e outras que permitiria o governo remanejar recursos de uma área para outra. Nos demais casos, não. O que for aprovado no orçamento para aquele ano específico, teria de ser cumprido, sob pena de crime de responsabilidade. Assim, nem o governo reteria recursos ao seu bel-prazer, deixando de utilizar o que foi empenhado no orçamento, nem os parlamentares usariam as emendas como moeda de troca para assegurar maioria nas votações de interesse do executivo, como fazem no atual sistema, só dando quórum depois do governo garantir a liberação de tais emendas. Outrossim, os sigilos fiscal e bancário de quem exerce cargos públicos deveriam está à disposição dos órgãos fiscalizadores, para eventual exame, sempre que julgar necessário, sem ter que recorrer a medidas judiciais protelatórias, preservando o sigilo da investigação, para evitar o sensacionalismo midiático, tão comum nos dias que correm. Um outro tipo de financiamento de campanha deveria também ser instituido, de preferência o financiamento público que eliminaria o caixa-dois, ( receitas provenientes de diversas fontes, a maioria das quais ilicitas que não podem ser contabilizadas por meios legais. Grupos criminosos nacionais e internacionais passaram a investir fortemente neste esquema. Até empresas regularmente legalizadas, como construtoras, transportadoras e outras passaram a participar desse esquema espúrio, uma vez que a contrapartida é infinitamente maior e vem em forma de contratos de licitações irregulares, obras superfaturadas e tolerância diante de práticas criminosas, com participação de deputados, senadores, governadores, ministros, secretários, vereadores, prefeitos, magistrados e servidores públicos, como atestam inúmeras operações da polícia federal ). O financiamento público reduziria os custos das campanhas milonárias e colocariam os candidatos em condições de igualdade na disputa eleitoral. Obviamente que não interessa a nossos parlamentares que tais medidas sejam implantadas. Seria como matar a galinha dos ovos de ouro. No dia que tivermos uma reforma política pra valer, aí sim pode ser que a lisura do pleito não venha a ser questionada nos tribunais. Enquanto não, a única mudança que a nossa classe política quer é aquela que deixe as coisas exatamente como estão. Então ao escolher o candidato, informe-se não só sobre a questão da ficha limpa dele, mas quem financia e como sua campanha.

Nenhum comentário: