domingo, 17 de julho de 2011

A Primavera Árabe vista de Teerã (parte 2/2)



**Trita Parsi e *Reza Marashi, The Cairo Global Affairs, Univ. Americana do Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Veja também
**Trita Parsi e *Reza Marashi, The Cairo Global Affairs,
Universidade Americana do Cairo


Estudantes iranianos numa demonstração contra os EUA e o "imperialismo mundial," Teerã,
04 de novembro de 2010. Foto: Abedin Taherkenareh / EPA / Corbis

Crescimento da Turquia?

O principal desafio que o Irã vê à frente é a emergência na Região de um realinhamento das respectivas políticas exteriores, por estados que, tradicionalmente, seguiam a liderança dos EUA. O impacto da mudança da Turquia é evidente, aos olhos de Teerã: o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdoğan é dos poucos líderes em todo o Oriente Médio que ultrapassa, nas pesquisas de popularidade, o presidente Mahmoud Ahmadinejad do Irã. Apesar da crescente cooperação econômica e política, os estrategistas em Teerã sabem que a competição pela liderança regional pressionará as relações turco-iranianas, no longo prazo. Assim, como a situação na rua árabe permanece fluida, o Irã prepara-se para a possibilidade de que o equilíbrio de sua cooperação e competição vis-à-vis a Turquia venha a pender na direção dos turcos.

Ankara e Teerã, ambas, buscam tornar-se o árbitro proeminente na região, e os dois lados veem com clareza as diferenças de estilo que separam as respectivas estratégias de soft-power. Diferente da abordagem iraniana de explorar a frustração popular quanto às injustiças sociais na região e de engajar assemelhados no plano político, a Turquia usa o comércio, os investimentos e uma consistente ênfase na diplomacia e na integração regional. Privadamente, os estrategistas iranianos reconhecem que a estratégia desoft power de Ankara é mais atraente, no longo prazo: serve bem aos interesses nacionais da Turquia, ao criar novos mercados para a crescente economia turca, sem comprometer o sentimento islâmico da base popular do partido Justiça e Desenvolvimento que está no poder; e garante aos políticos e decisores turcos maior flexibilidade para usar diplomacia ou de bastidores ou de megafone, conforme as circunstâncias, para apoiar o impulso atual rumo a uma transição democrática pacífica.

O período pós-guerra contra o Iraque é claro exemplo da crescente competição entre o Irã e a Turquia por influência na Região. Políticos e a ‘mídia’ no Ocidente referem-se regularmente ao Irã como vencedor da guerra do Iraque. A derrubada de Saddam Hussein removeu uma barreira histórica às ambições regionais do Irã e pôs em Bagdá um governo xiita e amigo do Irã. Deu também a Teerã mão livre na Região e criou lucrativo mercado para produtos iranianos.

Menos noticiados são os quase idênticos benefícios geopolíticos que a Turquia obteve, depois da invasão norte-americana. Aumentou significativamente no Iraque a influência política, econômica e cultural turca, quando a Turquia reequilibrou sua abordagem estratégica e manobrou para preencher o vácuo de poder criado pelos EUA. Mas, diferente do Irã, a Turquia conseguiu aumentar sua influência no Iraque – e, por extensão, contra o status quo de EUA-Israel-sauditas –, sem ter de arcar com o peso de uma desconfiança histórica (a guerra Irã-Iraque), da hostilidade internacional (sanções, o impasse nuclear), ou de déficits de democracia (o modelo turco de democracia versus o modelo iraniano de teocracia militarista).

Como se poderia esperar, os políticos iranianos irritaram-se, de algum modo, com a habilidade com que Ankara ‘sequestrou’ a posição de mudança e de anti-status quo. Além da projeção mais equilibrada de soft power que a Turquia conseguiu, as críticas a Israel, que Erdoğan fez publicamente – e os esforços concretos dos turcos para empurrar Israel para a defensiva – conquistaram, para os turcos, a declarada admiração da rua árabe. Um observador em Teerã disse aos autores que o Irã fizera todo o trabalho braçal “na resistência contra Israel” e, no último minuto, “os turcos roubaram o show”. O amplo alcance do soft power turco na Região, além da afinidade cultural, dos laços econômicos e de uma abordagem realista em relação a Israel, permitem que se diga que a Turquia é o principal desafio que o Irã enfrentará em qualquer competição pela liderança regional no futuro próximo. Pelo que se tem até aqui, e dado que a nova e assertiva política exterior da Turquia continua a desafiar o vértice EUA-Israel-sauditas no longo prazo, pode-se dizer que o Irã sentirá ameaças cada vez mais claras à sua ambição de hegemonia às suas fontes de soft power.

Mesmo assim, apesar de o tipo de democracia islâmica da Turquia e de suas políticas regionais de ‘zero problemas’ serem modelo atraente para muitos árabes, Teerã não está plenamente convencida de que a estratégia de soft power de Ankara possa ser transferida do curto para o médio prazo. A Turquia talvez esteja limitada a soluções construídas no campo de suas próprias forças (na diplomacia, nos negócios), mas sem nada que a capacite a competir nas esferas dos rivais EUA, Israel, Arábia Saudita (superioridade militar, manutenção do status quo) ou Irã (aliados políticos na Região, discurso dirigido aos mais pobres). A Turquia também está exposta a acusações de hipocrisia. A Turquia foi dos primeiros países a exigir que Mubarak renunciasse, mas recomendou diálogo e contenção no caso do recalcitrante Muammar Gaddafi. Ainda não se pode avaliar como a rua árabe verá os duplos padrões dos turcos. Mas o Irã vê um rival turco que enfrentará a crescente dificuldade de equilibrar seus interesses e seus valores – desafio que não é muito diferente do paradigma no qual se deixou enredar o rival EUA-Israel-sauditas, da República Islâmica.

Egito: farol (e coringa) árabe

Com o Irã trabalhando em busca da liderança regional, o Egito será um novo campo de batalha geopolítica para a projeção do soft-power iraniano. Visto sempre como o farol do mundo árabe, o Egito é também o coringa que, potencialmente, fará pender a disputa a favor de qualquer dos três vértices que aspiram a liderar a região. O Egito já está sendo puxado, simultaneamente, para três diferentes direções. Os egípcios deram importante passo na direção da democracia ao derrubar Mubarak, mas restam desafios enormes à frente – um dos quais é o fato de que todos os membros do Conselho Supremo das Forças Armadas que hoje governa o Egito foram membros também do regime de Mubarak. Há promessa de transição democrática com eleições livres e justas, mas há preocupações quanto ao melhor momento para realizá-las e o comportamento visivelmente nada democrático do Conselho, em questões como a liberdade de imprensa e a liberdade de reunião e manifestação. Precisamente porque a revolução egípcia continua inacabada, e não há garantias de estabilidade interna no curto e no médio prazo, os estrategistas iranianos vêm ali uma oportunidade para ampliar sua influência regional, ao mesmo tempo em que capitalizam os ganhos do movimento egípcio.

Depois de derrubado Mubarak, o governo egípcio passou, de ‘baluarte do status quo regional’, para ‘política externa desconhecida’ praticamente do dia para a noite. Bastou isso para criar novas dificuldades para o vértice EUA-Israel-sauditas, que Teerã imediatamente anotou. O mais firme e confiável parceiro regional do trio, o Egito, está em transição, e de tal modo que a necessidade de focar as questões internas impede que o país dê atenção a todos os muitos problemas que enfrenta. E há sinais de que a trajetória da política externa egípcia pós-revolução não será exatamente a mesma de antes. Na tentativa de manter qualquer futuro governo egípcio como seu aliado próximo, os EUA prometeram ao Egito mais de 2 bilhões, em dívidas perdoadas e investimentos, além do gigantesco pacote anual de ajuda econômica de 1,5 bilhão de dólares. O governo da Arábia Saudita também garantia a Mubarak fluxo regular de dinheiro.

Depois da queda de Mubarak, a Casa de Saud anunciou pacote de ajuda extra ao Egito no valor de 4 bilhões de dólares – espécie de lembrete nada sutil aos homens de Mubarak ainda no poder de que podem facilmente encontrar ajuda e apoio, que ali estarão, ao alcance da mão, desde que as futuras políticas egípcias não se afastem muito do status quo. Por sua vez, o Conselho Supremo prometeu honrar todos os compromissos e tratados regionais e internacionais (leia-se: o tratado de paz entre Egito e Israel). O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu festejou a decisão do Conselho Supremo – o que parece sugerir que o Egito trocou os nomes, mas não trocou as políticas.

Ainda assim, o Irã considera algumas decisões do governo pós-Mubarak como mais favoráveis ao Irã que quaisquer outras decisões dos egípcios, antes. Abrir a passagem de Rafah para a Faixa de Gaza; permitir o trânsito de navios de guerra iranianos pelo Canal de Suez; e progresso gradual na direção de aprofundar relações entre Irã e Egito no plano diplomático são três mudanças notáveis, em menos de um ano; parecem sugerir, pelo menos, algum fortalecimento na posição iraniana. A República Islâmica beneficia-se de qualquer grau de independência que haja na política exterior dos egípcios: depois de três décadas de atritos, as relações entre Irã e Egito só podem melhorar, e importa menos o quanto melhorem imediatamente; além disso, apesar de o Egito ser o “farol do mundo árabe”, a atual instabilidade impede os egípcios de exercer plenamente sua capacidade para influir na região. Enquanto o Egito reequilibra-se, o Irã já encontra o que festejar na possibilidade de que mais um país da Região possa vir a rejeitar os esforços de EUA-Israel-sauditas para “conter” o Irã.

Recolhendo lição da cartilha dos rivais, a Turquia está tentando manter clara a diferença entre apoio monetário e político ao Egito pós-Mubarak. O Irã entende que os estrategistas turcos estão, por um lado, preocupados com as repercussões econômicas que os levantes venham a ter na Região; e, por outro, entusiasmados e confiantes de que conseguirão ampliar sua influência regional. Teerã entende que é genuína a abordagem turca de pacificação, tanto quanto é política e economicamente pragmática.

Para que a Turquia consiga manter seu impressionante crescimento econômico – e para que o Partido Justiça e Desenvolvimento, de Erdoğan, mantenha sua base interna de apoio eleitoral – é importante que a agitação e os conflitos regionais acalmem-se e gerem ambiente de baixos riscos políticos e econômicos. Se a instabilidade aumentar e o preço do petróleo ultrapassar os $100/barril, a economia turca pode ver os investidores internos e estrangeiros fugirem de lá, em busca de mercados mais calmos.

Por tudo isso, os estrategistas iranianos entendem que os turcos tentam equilibrar interesses e valores, como parte de estratégia de longo prazo. De fato, porque a abordagem iraniana é cautelosa e reativa, e o Irã depende das limitações dos demais, os iranianos não estão extraordinariamente preocupados, no curto prazo, com os esforços de Ankara.

Síria: o diabo nosso velho conhecido

É na Síria que a estratégia de soft-power do Irã encontra as principais dificuldades – onde protestos de massa abalam a estabilidade do mais próximo aliado regional dos iranianos. A República teocrática Islâmica do Irã mantém há décadas uma forte aliança com a Síria secular, socialista e baathista. Talvez não haja melhor demonstração de que os iranianos estão prontos a sacrificar a ideologia, a favor de interesses estratégicos mais materiais.

O Irã vê suas relações com a Síria como casamento de conveniência com outro país autoritário, disposto também a pagar os custos políticos e econômicos para preservar a estabilidade interna e manter-se independente de forças estrangeiras. Assim, quando enfrenta levante sem precedentes, o governo sírio recorre à força, tentando intimidar os manifestantes e forçá-los à submissão; nada muito diferente do que fez o governo do Irã, ao reprimir protestos depois da eleição presidencial de 2009. No contexto da rivalidade geopolítica, a atitude do Irã em relação à Síria é também carregada de hipocrisia – e de realpolitik.

Antes da Primavera Árabe, Teerã viu o vértice EUA-Israel-sauditas forjar paz ‘fria’ com Damasco ao longo de cinco anos, depois que a Síria retirou-se do Líbano em 2005. Houve mudanças significativas depois da posse de Barack Obama: os EUA lentamente engajaram o governo sírio e reinstalaram seu embaixador em Damasco; Israel participou de conversações de paz mediadas pelos turcos com a Síria (das quais a Síria logo se retirou, em protesto contra o ataque de Israel contra Gaza em 2008-2009); e a Arábia Saudita também reparou suas muito desgastadas relações com a Síria, num esforço para conseguir que diferenças relacionadas a Irã e Líbano não impedissem a cooperação no Iraque, Iêmen e em outros pontos da região.

Mas, depois dos levantes populares árabes, Teerã observa mudanças importantes nas respectivas estratégias de cada um desses atores. Washington não abandonou seus esforços para engajar a Síria (Obama disse em termos bem claros que “o presidente [Bashar] Assad pode escolher: pode liderar a transição [para a democracia], ou sair do caminho”). Ouviram-se acusações de hipocrisia em casa e no exterior, sobre o silêncio relativo dos EUA na repressão pelos sauditas no Bahrain –, e Teerã foi a primeira a manifestar-se. Mas o Irã entende que Israel e Arábia Sauditas trabalham contra qualquer transição democrática na Síria. Os dois estados preferem, por diferentes motivos de realpolitik, que Al-Assad permaneça onde está; e trabalharam nos bastidores para evitar qualquer intervenção mais clara dos EUA.

Para a República Islâmica, Israel e a Arábia Saudita preferem o diabo que conhecem e podem controlar: um governo sírio que entende as regras israelenses no que tenham a ver com as Colinas de Golan e paz fria; e as regras sauditas no que tenham a ver com os interesses do reino no Líbano, Iêmen e Iraque. Para os iranianos, Israel e Arábia Saudita preferem manter a atual ordem regional, porque qualquer mudança de regime na Síria seria arriscada demais e faria crescer a pressão para que os EUA interviessem em outros pontos do mundo árabe. Os dois países deixaram bem claro que se opõem à Primavera Árabe e preferem reprimi-la e empurrar os EUA para uma política que os EUA procuram evitar desde o início.

A hipocrisia do Irã, no caso da Síria, tornou difícil para a República Islâmica capitalizar seus ganhos sobre as políticas de EUA-Israel-sauditas, no que tenham a ver com a Primavera Árabe. Os EUA ganharam a dianteira e chegaram a acusar o Irã de ter auxiliado a repressão na Síria. Nesse ponto, Obama não economizou palavras: “Isso diz muito sobre a hipocrisia do regime iraniano, que diz que defende os manifestantes populares árabes, mas reprime seu próprio povo. Não esqueçamos que as primeiras manifestações aconteceram nas ruas de Teerã.” Os protestos pós-eleições no Irã puderam ser usados como inesperados precursores da Primavera Árabe, porque chamaram a atenção para a indiferença dos governos da Região, a aspirações populares já existentes, e antigas, no plano político e social.

Assim como a realpolitik determina a resposta iraniana de apoio aos levantes populares, o realismo político limita a capacidade do Irã para conquistar corações e mentes numa rua árabe que quer o fim dos regimes autoritários ao qual o próprio regime iraniano assemelha-se em vários aspectos.

No melhor dos casos, o Irã vê uma oportunidade para manter alguma semelhança de status quo em sua aliança com a Síria: unidos, os dois países têm melhor chance de sobreviver e alcançar seus objetivos de longo prazo. A Síria quer obter, de Israel, a desocupação das Colinas de Golan e manter sua influência na política libanesa, dois objetivos que são facilitados pelo apoio que o Irã dá ao Hamás e ao Hezbollah, os quais mantêm instáveis os flancos israelenses e aumentam os custos da ocupação israelense. Em troca, a Síria ajuda a República Islâmica, que trabalha para ganhar destaque no Golfo Persa, ajudando a neutralizar as capacidades de Israel e os avanços norte-americanos.

Qualquer mudança no governo da Síria aumenta a probabilidade de Damasco adotar políticas regionais mais próximas de seus irmãos árabes – como apoiar as forças políticas sunitas no Iraque. Também poderia levar a Síria a tornar-se completamente cliente dos sauditas. Com isso, o Irã perderia o seu mais forte aliado árabe e uma importante ascendência que ainda tem sobre os adversários regionais. A República Islâmica preferirá sempre que um Al-Assad enfraquecido permaneça no poder; esse cenário dificulta qualquer movimento de Damasco a favor dos EUA e torna a Síria mais dependente do apoio iraniano.

Para os estrategistas em Teerã, não há maior ameaça possível à estabilidade de sua aliança com a Síria, que a Turquia.

Se o vértice EUA-Israel-sauditas tem capacidade limitada para influenciar os eventos em campo na Síria, o Irã vê na vizinha Turquia a única força capaz de alavancar o cálculo estratégico do regime de Al-Assad – e cada dia mais desejosa de fazê-lo. Antes da Primavera Árabe, a Síria criticava a política externa turca, de “zero problemas” na Região. A cooperação política entre os dois países vizinhos facilitava substancialmente as relações comerciais, inclusive a construção de infraestrutura para cimentar a conectividade de longo prazo. Mas, passados meses de diplomacia de bastidores, os esforços de Ancara para usar seu soft power na Síria (e na Líbia) ainda não conseguiram construir uma solução de compromisso, não violenta.

Agora, Teerã assiste ao peso de um alto consumo de capital político – e acusações inevitáveis de hipocrisia – que cai sobre os políticos e estrategistas turcos, e que os força a mudar, de estratégias de poder soft, para estratégias de poder mais hard.

Quando a Turquia passou a apoiar a intervenção da OTAN na Líbia, o governo Erdoğan recalibrou seus interesses e valores, numa mudança que o afastou do governo de Al-Assad. Para fazer isso, Ankara anunciou publicamente sua disposição de acolher opositores do regime sírio, de entregar ajuda humanitária aos manifestantes dentro da Síria, e de considerar a implantação de uma área militar de suporte humanitário no lado sírio da fronteira.

Aí se veem as limitações da estratégia de Teerã: enquanto a Turquia prepara-se para implantar as medidas acima, para fazer pender a seu favor o equilíbrio de poder na Região, a abordagem cautelosa e reativa do Irã e a sua dependência econômica cada vez maior de Ankara impedem o Irã de tomar qualquer tipo de contramedidas.

Olhar adiante

Apesar de o Irã ter, por muito tempo, ansiado pelo início de uma era pós-EUA no Oriente Médio, esse momento, quando se apresentou, impôs, paradoxalmente, desafio muito maior do que Teerã previra. Por mais que, no passado, o Irã tenha demonstrado capacidade para ajustar-se a novas realidades, o Irã sabe que, no longo prazo, essa sua capacidade é limitada. Um Oriente Médio mais democrático acabará por expor as próprias carências políticas, econômicas e sociais do Irã; e um Oriente Médio mais autocrático continuará a usar o Irã xiita como pretexto para atos internos de repressão às populações.

Mas, sim, no curto e no médio prazo, a agitação social na Região empurra para a defensiva os adversários do Irã e joga a favor de uma das comprovadas capacidades do Irã: a capacidade de explorar a instabilidade e as divisões. Depois da revolução, de oito anos de guerra contra o Iraque e do isolamento internacional, o governo iraniano tem uma inclinação para gerir a desordem, que quase sempre tende a dificultar os movimentos dos seus rivais. Apesar das complicações que enfrenta com a Síria, o Irã está buscando alavancar novas relações de trabalho com a rua árabe, que capitalizam tanto o declínio do status quo EUA-Israel-sauditas, como o autorreequilibramento que a Turquia acaba de operar.

A estratégia geopolítica do Irã – consolidar a República Islâmica como poder regional contra as objeções ocidentais – ganhou bom impulso, se se consideram os desafios que seus rivais enfrentam. O Irã tem hoje novos laços com o Egito e conseguiu construir relações de trabalho com muitos outros países no mundo muçulmano, apesar de a Arábia Saudita e o Bahrain ainda temerem o poder xiita. O programa nuclear iraniano prossegue, com progressos lentos, mas regulares; e o recente lançamento de um satélite comprova que tem capacidade técnica para construir e operar mísseis. O Irã ainda não mostra qualquer sinal de rendição à abordagem ocidental por pressão. Nada parece tender a forçar o Irã a render-se. Em vez disso, os estrategistas em Teerã estão alavancando a Primavera Árabe, pra reduzir as pressões.

Por exemplo, ao introduzir duas pré-condições para iniciar conversações nucleares com o Ocidente – levantamento das sanções e reconhecimento do direito de o Irã enriquecer urânio –, o Irã subiu a aposta.

O Ocidente enfrenta agora uma confrontação em nível mais complexo, confrontação que o Ocidente não tem a habilidade necessária para superar facilmente, sobretudo em tempos de extensiva agitação popular em toda a Região. Esse era o objetivo da República Islâmica a qual, exatamente para esse fim, cuidou de aumentar a própria flexibilidade, sempre em busca de ganhar influência regional.

Para que o Irã conquiste a rua árabe – e, por extensão, a hegemonia regional –, será necessária uma projeção de soft power que favoreça as aspirações populares de mais amplas liberdades políticas, econômicas e sociais. Desenvolvimentos em tempo real, ‘no calor da hora’, no Egito e na Síria, são ricos em oportunidades que o Irã fará o possível para colher. Os estrategistas em Teerã entendem que o vértice EUA-Israel-sauditas não tem habilidade para adaptar-se a nenhuma transição rápida, mas ainda detém poder militar e econômico suficiente para desacelerar mudanças que muitos, apesar disso, consideram inadiáveis.

O Irã reconhece que a Turquia tem modelo político e econômico mais atraente aos olhos da rua árabe, mas aposta (precariamente) em que o status de Ancara, como potência ainda emergente, a forçará a preservar o equilíbrio – e em cenários que serão sempre mais complexos, a forçará a escolher – entre interesses e valores. A estratégia da República Islâmica é reativa, na natureza, e carregada de paciência, em larga medida porque a habilidade do Irã para agir proativamente é limitada.

Dado que a principal preocupação dos estrategistas em Teerã é a sobrevivência do regime, eles temem as consequências imprevisíveis de uma tomada proativa de decisões, em casa e no exterior. Os problemas internos do Irã, além da paralisia das elites políticas domésticas, reforçarão a postura reativa – que mostra menos visão de futuro que clara compreensão do presente. Mesmo assim, o Irã sabe que o sucesso de sua estratégia regional não exige o mesmo nível de certeza ou de estabilidade, que a estratégia de seus rivais; portanto, o Irã espera beneficiar-se mais de uma persistente agitação popular. E pode-se aceitar que, sim, esse é o cenário mais altamente provável para o futuro próximo.

*Reza Marashi é Diretor do Conselho Nacional Iraniano-Americano. Anteriormente atuou no Depto. de Estado dos EUA no escritório de Assuntos Iranianos. Foi também Analista do Instituto Nacional de Estudos Estratégicos.

**Trita Parsi é fundador e Presidente do Conselho Nacional Iraniano-Americano. Autor deTreacherous Alliance: The Secret Dealings of Iran, Israel and the United States” agraciado em 2008 com o Arthur Ross Book Award do Conselho de Relações Exteriores. Em 2010 recebeu o Grawemeyer Award por “Ideas Improving World Order”.
 

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