segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Aids: cura, controle ou prevenção?

Pesquisador americano teme que o alarde sobre o que seria o único caso de cura da Aids, de Timothy Ray Brown (foto), diminua investimentos na pesquisa pela vacina contra o HIV.

RAFAEL PEREIRA

Doutor em biologia molecular pela Universidade do Texas em Austin e pesquisador de vacinas contra o HIV do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, Jamie L. Vernon publicou um artigo no site da revista Scientific American demonstrando sua preocupação com o otimismo exacerbado a respeito da cura da Aids, o que poderia afastar os investimentos em vacinas contra o vírus. O motivo é o caso do americano Timothy Ray Brown, que conseguiu arrancar qualquer traço detectável de HIV em seu organismo. O tratamento, quase um golpe de sorte, foi a combinação de um transplante de medula para combater a leucemia e a escolha pensada de um doador especial, com uma mutação no gene CCR5 que impede o HIV de infectar células do sistema imunológico. Era o único doador com essa mutação em uma lista com mais de 13 milhões de pessoas.

Peter Rigaud
 
O VENCEDOR O americano Timothy Ray Brown, em Berlim, onde se tratou de leucemia e aids. Ele é o primeiro paciente da história a derrotar o HIV
O caso de Brown – talvez o primeiro doente de Aids curado em todo o mundo – foi amplamente divulgado pela imprensa mundial e foi destaque em uma reportagem de ÉPOCA, em dezembro do ano passado.

A preocupação do doutor Vernon com uma notícia claramente positiva é justificável. Vernon argumenta que o caso de Brown é tão raro que não justificaria o otimismo gerado para avanços em curto ou médio prazo. “A experiência com Brown não é a cura pela qual 30 milhões de pessoas estão esperando”, afirmou Vernon, referindo-se à totalidade de pessoas infectadas com o HIV no mundo.

Em seu artigo, o pesquisador elenca quatro motivos para provar seu ceticismo. (1) Brown teve sucesso em seu tratamento com antiretrovirais, o que não acontece com todos os pacientes. Quando deixou de tomar os antiretrovirais para tratar a leucemia com transplante de medula, o vírus HIV continuou indetectável, como durante o tratamento. Segundo Vernon, “ninguém jamais parou de tomar drogas anti-HIV sem experimentar um retorno do vírus”. (2) O risco de morte com transplante de medula vai de 10% a 40%, dependendo da gravidade da leucemia. (3) Testes no sangue de Brown revelaram que ele tinha variações do vírus HIV que não precisavam do CCR5 para infectar o sistema imunológico. (4) Brown teve graves efeitos colaterais ao tratamento com transplante de medula, que causaram cegueira temporária e problemas de memória e de fala.

“Para resumir, Timothy Ray Brown é o que alguns chamariam de milagre da medicina”, afirmou Jamie L. Vernon. “Outros diriam que ele é apenas um cara de sorte”.

Depois de demonstrar como a ciência pode evoluir no método que teria curado Brown para aplica-lo a mais pacientes – o que hoje seria impossível, tamanhos são os riscos e as especificidades do caso desse paciente – o doutor Vernon se ressente que a atenção dada ao caso tenha afastado os holofotes das conquistas promissoras na pesquisa por uma vacina contra o HIV. Ou seja, um caso excepcional e inédito de cura teria ofuscado avanços reais e palpáveis na prevenção da doença.

Entre os avanços recentes na busca pela vacina, Jamie L. Vernon cita o recente anúncio do National Institutes of Health, dos Estados Unidos, de expandir a pesquisa com uma vacina que demonstrou resultados acima dos esperados. O número de voluntários subirá de 1350 para 2200. “Ainda que a cura possa estar nos iludindo, as medidas preventivas tiveram avanços incríveis. Programas de prevenção baseados nesses avanços vão salvar vidas enquanto continuamos a aprender sobre como combater esse vírus esquivo”, afirma. E Vernon faz também um apelo, à população, aos parlamentares e aos pesquisadores: “Foram anos de compromisso de cientistas e legisladores para garantir o financiamento desses projetos. É importante que continuemos a dar esse apoio”, afirma.

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