quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Indignação no lugar errado


Por Carlos Bandeira



A rejeição ao pedido de cassação da deputada federal Jaqueline Roriz alimentou a indignação de parte da população, especialmente dos setores médios, cansados com os casos de corrupção. É revoltante o país ter uma deputada federal, que foi flagrada em um vídeo recebendo um maço de dinheiro com 50 mil reais.

No entanto, a maioria dos deputados votar contra a sua cassação não pode ser considerada uma surpresa para ninguém. Cada dia que passa fica mais claro que existe uma distância das ações dos parlamentares e partidos e os anseios da sociedade brasileira. Aconteceu a mesma coisa na votação pela flexibilização do Código Florestal. A maioria da população se manifestou em pesquisas de opinião contra mudanças na legislação ambiental, mas mesmo assim os deputados aprovaram o projeto que atende apenas o interesses do agronegócio.

O problema é que o sistema partidário brasileiro não tem correspondência com frações de classes sociais ou setores organizados da sociedade. Cada partido representa interesses bem específicos, que não tem conexão com a vontade política das grandes faixas da população. Claro que tem partidos com perfis políticos mais ou menos claros, mas isso não significa que exista uma relação mais orgânica.
Por isso, há uma geleia geral que pode confundir em alguns episódios DEM com PSOL ou PSB com PR. O que determina a ação desses partidos não é uma base social de interesses homogêneos, que deveria orientá-los, mas questões que estão fora da relação partido-sociedade, que passam pela pura e simples disputa por postos no Estado.

A absolvição de uma deputada comprovadamente corrupta é consequência da crise do sistema político, que enfrentamos desde a implementação do neoliberalismo no mundo e no Brasil. Os protestos que pipocam pelo mundo, como em Londres, na Grécia, na Espanha, no Chile, são fruto da falta de respostas da política institucional (os partidos, os parlamentos e os governos) aos problemas concretos que afetam a população mais pobre. Daí explodem protestos que os governos não sabem como responder (quando sabem, é com repressão).

O neoliberalismo teve duas consequências que desorganizaram a própria forma de fazer política nas democracias ocidentais: enfraqueceu os instrumentos de intervenção na economia dos Estados-nacionais e deu ao sistema financeiro internacional uma relativa autonomia política. Com isso, diminuiu a efetividade política das democracias e das disputas eleitorais.

Independente de quem ganha as eleições, quem determina a ação do Estado são os bancos, as bolsas e os diversos tipos de fundos de investimentos. Nessa quadro, não existe uma diferença de projetos políticos (embora haja diferenças de procedimentos e prioridades) das gestões do Estado dos partidos mais à esquerda e mais à direita. Há alguma diferença marcante dos governos do conservador David Cameron, na Inglaterra, e do socialista José Luiz Rodríguez Zapateiro, na Espanha?

No Brasil, enfrentamos o mesmo fenômeno, embora as consequências sejam diferentes. Por isso, a dificuldade geral de compreender a natureza dos governos de Lula e Dilma, os limites impostos para a ação do Estado, as alianças criadas para a sua sustentação e os interesses de classe representados. E quem tentar compreender esses governos a partir do quadro político formado no Congresso Nacional não terá êxito, justamente porque a atividade dos partidos não corresponde aos interesses das frações de classe.

No quadro de falta de efetividade da política institucional e autonomização do sistema financeiro, o espaço de realização dos interesses das classes é o Banco Central e o Ministério da Fazenda. Aí, sim, será possível observar quem está ganhando ou perdendo na disputa entre as frações de classe. E o resultado é desanimador, porque o sistema financeiro está ganhando de goleada.

O governo federal, Estados, municípios e estatais desviaram R$ 91,9 bilhões para o pagamento de juros da dívida, o chamado superávit primário, entre janeiro e julho. Para comparação, esse valor é maior do que o orçamento do Ministério da Saúde (em torno de R$ 60 bilhões) e mais do que o dobro do orçamento do Ministério da Educação. Só no mês de julho, o governo reservou para pagar os bancos, especuladores e fundos (estimados em 30 mil rentistas) que têm títulos da dívida pública R$ 13,8 bilhões.

A meta do superávit primário do ano era R$ 117,9 bilhões, mas o governo federal anunciou que vai ampliá-la em R$ 10 bilhões por causa da crise internacional do capitalismo, que afeta os Estados Unidos e a Europa. Dessa forma, o governo tenta construir um cenário favorável para que o todo poderoso Banco Central baixe a taxa de juros Selic, que incide justamente sobre os títulos da dívida pública.

Aí podemos observar os limites da política institucional e a autonomia do sistema financeiro, que se cristaliza na “independência” real do Banco Central. O governo federal se mostra sem poder para determinar a queda dos juros e aumenta o superávit primário para “influenciar” aqueles que, de fato, definem a política monetária…

Enquanto cresce a indignação de setores da sociedade com os casos de corrupção do Congresso Nacional e do governo federal, os setores rentistas continuam dirigindo a economia brasileira e a política institucional cada vez mais se distancia da sociedade brasileira… Ou seja, a indignação está no lugar errado.

O que teria resultados políticos efetivos é a conversão dessa indignação com a corrupção em um movimento político por mudanças na política econômica, que fortaleça o Estado diante do sistema financeiro, e por uma reforma política profunda, que reorganize a política institucional no país. Saídas que não toquem nessas questões serão como tratar uma pneumonia com tylenol: pode até melhor as dores, mas não vai resolver os problemas.
*Carlos Bandeira é jornalista

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