terça-feira, 6 de março de 2012

Magistrado gaúcho aponta morosidade do STF e benevolência com autoridades



Sob o título “A Justiça de primeiro grau funciona sim, Ministro Gilmar Mendes”, o artigo a seguir é de autoria de Pedro Luiz Pozza, juiz de direito no Estado do Rio Grande do Sul (*). O texto, publicado originalmente no blog do magistrado (**), é reproduzido com sua autorização.

As palavras do Ministro Gilmar Mendes, do STF, durante manifestação acerca do foro privilegiado para autoridades, no sentido de que a justiça de primeira instância não funciona, devem ser repudiadas de forma veemente.

Infelizmente, tem sido comum que altas autoridades do Poder Judiciário critiquem os juízes de primeiro e segundo grau, sendo essa, aliás, uma das maiores justificativas pelos quais defendem uma atuação ampla do Conselho Nacional de Justiça.

Os próprios juízes brasileiros reconhecem que a justiça não funciona como deveria. Isso, entretanto, não é culpa dos magistrados, salvo exceções, não sendo esses vagabundos, como sustenta sem dar os nomes, a ministra Eliana Calmon, Corregedora do CNJ. Ao contrário, a maioria trabalha, e muito.

Ademais, não tem o STF moral para criticar a justiça de primeiro grau, quando são aos milhares os processos que tramitam na mais alta Corte brasileira que duram vinte, trinta, quarenta anos, e alguns até mais.

Basta ver as pautas divulgadas pelo STF para suas sessões plenárias. Na sessão de 01 de março, por exemplo, um dos processos pautados (Ação Cível Originária nº 79) tem mais de 50 anos de tramitação (foi ajuizada em 17.06.1959), e ainda assim não foi julgado.

Outro processo – ADI 807, da relatoria do Ministro Dias Toffoli, foi ajuizado em 24.11.1992. E ainda assim o julgamento não foi concluído, pois a Ministra Rosa Weber pediu vista.
O próprio Ministro Gilmar Mendes é relator de uma ADI (nº 803) que foi ajuizada em 26.11.1992, e até hoje não foi colocada em pauta.

Além disso, o STF é extremamente benevolente com as autoridades que têm foro privilegiado, pois até hoje poucos foram os parlamentares condenados por crimes cometidos. E quando há condenação, no mais das vezes as penas estão fulminadas pela prescrição.

Bastaria que o STF fosse mais rigoroso com os detentores de foro privilegiado, condenando rapidamente aqueles que realmente devem ser punidos, que os próprios parlamentares mudariam a Constituição para extinguir essa excrecência jurídica, pois ao menos teriam mais chances se processados pela justiça de primeiro grau, que como disse o Ministro Gilmar, não funciona.

Lógico, o STF, quando quer, é extremamente rápido, especialmente quando seus julgamentos são de interesse da opinião pública, e dão audiência na TV Justiça, como  ocorreu com a decisão sobre as uniões homoafetivas, Lei da Ficha Limpa, etc.

Também foi extremamente rápido o STF para julgar (e arquivar, obviamente), as ações de improbidade em que era réu o próprio Ministro Gilmar Mendes, por ocasião de sua ascensão à Presidência da Corte, e que diziam respeito a atos praticados por ele quando à testa da Advocacia-Geral da União.

Dessas ações, aliás, nem registro há no site do STF, devendo estar ao abrigo do segredo de justiça.
Infelizmente, basta assistir a uma sessão do plenário do STF para verificar que ali o que mais impera, é a vaidade, salvo honrosas exceções, pois a despeito de os Ministros estarem de acordo com o voto do Relator, concluindo de imediato o julgamento, ficam a tecer longas considerações sobre seus posicionamentos, com isso desperdiçando um tempo precioso que poderia ser dedicado ao julgamento dos milhares de outros processos que esperam por decisão nos escaninhos de seus gabinetes.

Triste que essas críticas generalizadas ao Poder Judiciário vêm de que não tem experiência para fazê-las.

Lamentavelmente, a maioria dos que chegam à mais alta Corte de Justiça do país não são juízes de carreira, e que nunca tiveram de trabalhar sem qualquer estrutura, sem assessoria, sem computadores, etc., como faz a grande maioria dos juízes brasileiros no primeiro grau, cuja estrutura, salvo exceções, ainda é a do século XIX (nem ao menos chegamos ao século XX em alguns rincões deste país).

É muito fácil a quem nunca foi juiz de carreira, que nunca enfrentou as grandes dificuldades que enfrentam os verdadeiros heróis do Poder Judiciário, falar mal do desempenho da justiça de primeiro grau.

Portanto, Senhor Ministro Gilmar Mendes, respeite os juízes brasileiros.
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(*) Juiz de direito no Estado do Rio Grande do Sul, professor da Escola Superior de Magistratura da AJURIS (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul) e com Doutorado em Processo Civil pela UFRGS. É autor de diversas obras e artigos relacionados à área jurídica.
 
(**) http://pedropozza.wordpress.com/

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