quarta-feira, 21 de março de 2012

Wanderson, Thor e Eike – o atropelamento e os estratagemas midiáticos



20MAR
Wanderson Pereira da Silva
O atropelamento que, no último sábado (17/03), causou a morte do ajudante de caminhões Wanderson Pereira da Silva, no Rio de Janeiro, não foi um acidente. Ainda que o motorista Thor Batista estivesse trafegando em baixa velocidade e com prudência – o que, como disse o advogado de Wanderson, não parece ter ocorrido, considerando-se o estado em que ficaram o corpo do atropelado e o carro do atropelador – acidentes são situações que não poderiam ser evitados em condições normais.
A morte de Wanderson, que trafegava de bicicleta, poderia ter sido evitado caso o Estado do Rio de Janeiro cumprisse uma de suas funções mais básicas e mais simples. Thor, filho de Eike Batista, o homem mais rico do Brasil, não deveria portar uma carteira de motorista. Mas o Estado deixou que, mesmo sem condições práticas para portá-la, assim o fizesse. Como o Jornal Nacional bem mostrou na última segunda-feira, o motorista cometera cinco infrações por excesso de velocidade entre 2009 e 2010, quando sua carteira ainda era provisória – nesse caso, apenas uma infração já é suficiente para que o motorista não receba sua autorização definitiva para dirigir.
A mídia dominante, sempre aliada dos poderosos, tem feito, desde sábado, uma defesa quase aberta do filhinho de Eike Batista. A família de Wanderson pouco ou nada aparece nas matérias, enquanto Eike já ganhou até entrevista exclusiva na Folha de S. Paulo. O advogado da família do ciclista, Cléber Carvalho, é quem ganha algum espaço, mas sempre para responder questões mais práticas, sem o caráter emocional que envolve, obviamente, o pai do atropelador, ou envolveria os familiares do atropelado. O leitor não ganha intimidade com a vítima, ao mesmo tempo em que é aproximado de Thor Batista a partir do testemunho de um pai que defende o filho. A foto que mais circula não é a da vítima ou de Thor, mas do carro. É a “coisificação” subjetiva da responsabilidade. O site da Folha, aliás, é o único que, entre os portais dos três maiores jornais do país, mantém o caso na capa. A chamada é “Imprudência de ciclista poderia ter matado meu filho, afirma Eike”. Na tarde desta terça-feira, Estadão e O Globo ignoravam sumariamente, em seus sites, novas notícias sobre o assunto.
Enquanto isso, repercutindo matéria veiculada no Jornal Nacional de segunda-feira, o G1 noticia, enfim, a obviedade que grita: a possibilidade, levantada pelo advogado da família de Wanderson, de processo contra o Estado. Esses setores da mídia se encontram, então, em uma linha de fogo: quem responsabilizar? O Estado do Rio de Janeiro, de seu aliado Sérgio Cabral, ou o filho de um dos homens mais poderosos do país?
Pulam de um para o outro, e esvaziam as discussões de fundo – a terra de ninguém que se tornou o trânsito brasileiro, o fetiche em torno dos automóveis e da velocidade, o absoluto desrespeito aos ciclistas –, acabando por proteger ambos e tornar este mais um caso que só interessa enquanto objeto de showrnalismo.

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