sábado, 27 de fevereiro de 2016

Sobre o irresponsável, autoritário e ameaçador Projeto de Lei de Terrorismo


  • Leonardo Isaac Yarochewsky
    Advogado Criminalista


A Câmara dos Deputados, após apelo do governo e de ameaças de organismos internacionais, aprovou na última quarta-feira (24/2) Projeto de Lei que tipifica o crime de terrorismo no Brasil com pena de 12 a 30 anos de prisão. Pelo texto aprovado, que vai para sanção da presidenta da República Dilma Rousseff, considera-se terrorismo a prática, por uma ou mais pessoas, de atos de sabotagem, de violência ou potencialmente violentos “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública” (artigo 2º do Projeto de Lei).

Segundo o Projeto aprovado, “o disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei” (artigo 2º, parágrafo 2º do Projeto de Lei).

Apesar de o referido dispositivo ter sido incluído por pressão dos partidos de esquerda, há uma geral insatisfação da própria esquerda – partidos políticos, movimentos sociais, sindicais etc. – em relação à aprovação do Projeto de Lei.

Como salienta Fábio da Silva Bozza, o fato do referido dispositivo afirmar que a criminalização do terrorismo não se estende aos movimentos sociais é mero engodo, posto que a introdução de elementos subjetivos do injusto presente no parágrafo 2º do art. 2º do Projeto, “apenas serve para remeter ao judiciário a definição de quem é terrorista ou não”. [1]

O referido Projeto tipifica outras condutas e, inclusive, violando frontalmente o princípio da lesividade ou da ofensividade, prevê absurda punição para os chamados “atos preparatórios”.
Art. 5º, in verbis: Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito: Pena – a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.
O Gafi (Grupo de Ação financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), organismo intergovernamental, foi e é um dos organismos que mais vem pressionando o Brasil para a aprovação da lei antiterrorismo.

Infelizmente, em nome da subserviência e de interesses ocultos, o Brasil vai cada vez mais se tornando no campo legislativo um Estado Penal.

No âmbito da Organização das Nações Unidas várias tentativas já foram feitas para definir o terrorismo. A quarta Convenção de Genebra de 12 de agosto de 1949, relativa à proteção de pessoas civis em tempos de guerra, embora “condenando” toda medida de terrorismo não definiu o que seja.[2] A Resolução 2.625, de 24 de outubro de 1970 das Nações Unidas, estabelece que todo Estado tem a obrigação de abster-se de organizar, instigar, auxiliar ou participar de atos terroristas em outro Estado ou permitir, em seu território, atividades organizadas com o intuito de promover o cometimento desses atos. Como se percebe, também, não definiu o que é terrorismo. De igual modo a Resolução 2.734, de 16 de dezembro de 1970.

Segundo informa Juarez Tavares, “quando da edição do Estatuto de Roma, em 1998, que deu corpo jurídico ao Tribunal Penal Internacional, os signatários, orientados por assessores jurídicos de alta qualificação, rejeitaram a proposta de criminalizar o terrorismo por não encontrarem elementos seguros que pudessem ser usados na sua definição”. Alertando, ainda, com a cultura e o conhecimento que lhe são peculiares, que até “em países que sofreram atos verdadeiros de terrorismo, como a Alemanha, sua definição sempre foi contestada pela doutrina e, hoje, se resume, praticamente, a uma especialização do crime de quadrilha. E, mesmo assim, são avassaladoras as críticas que se lhe fazem”. (in carta dirigida ao Senador Roberto Requião).

Por seu turno, Nilo Batista salienta que: “Tem sido esse dilema radical – se o terrorismo está na torrente revolta do rio ou nas barrancas que procuram contê-la e sepultá-la, com disse poeticamente BRECHT – a fonte das dificuldades pela construção do conceito jurídico-penal de terrorismo”. [3] Durante um simpósio realizado em Siracusa, em 1973, com a participação de quarenta renomados penalistas de diversos países concluiu-se que: “the international community has been unable to arrive at a universallu accepted definition of terrorism” .

A ausência de um conceito, resultante da própria dificuldade em estabelecer um consenso acerca do que é terrorismo que seja universalmente aceito no campo do direito internacional induz a que alguns Estados considerem determinadas condutas como atos de terrorismo, quando cometidos pelos inimigos. Mas, quando as mesmas condutas são perpetradas pelos que estão ao seu lado, estas são tidas como normais ou até mesmo necessárias. Não é despiciendo lembrar que o crime político é o crime dos derrotados.

Pioneiro no Brasil ao tratar do tema, Heleno Claudio Fragoso[4] em sua obra “Terrorismo e Criminalidade Política”, publicada pela editora Forense em 1981, quatro anos antes de sua morte prematura, logo no início reconhece a complexidade e inquietude do fenômeno. Lembrando, ainda, que a expressão terrorismo apresenta uma conotação pejorativa, frequentemente empregada “pelos que estão no poder contra grupos dissidentes, para suscitar temor e hostilidade”[5]. 

No que se refere a uma definição global do terrorismo, o historiador, judeu polonês, Walter Laqueur, em seu livro Terrorismo (Ed. Espasa-Calpe, Madri, 1980), afirmou que uma definição geral de terrorismo não existe e não será encontrada em um futuro próximo. Informando que no suplemento de 1789 do dicionário da Academia Francesa, definia-se o terrorismo como “regime de terror”. Muitos países, ainda segundo Laqueur, “conheceram suas Vésperas sicilianas e suas Noites de São Bartolomeu: os imperadores romanos, os sultões otomanos, os czares russos e muitos outros eliminaram seus inimigos, reais ou imaginários”.

Na perspectiva criminológica crítica Maurício Stegemann Dieter[6] articula a insuficiência e a precariedade de um conceito apenas jurídico penal de terrorismo que define o mesmo apenas como uma espécie de crime político. Como bem afirma o professor de criminologia “o terrorismo não é um problema de Direito Penal, mas político”. De acordo com Dieter, “além de insuficiente, reduzir um fenômeno complexo à dimensão jurídica pode ser perigoso, porque a estática definição legal não compreende a dinâmica de seus efeitos materiais, o que neste caso significa ignorar o uso político do termo terrorismo como mero pretexto para intervenções violentas e reiteradas violações aos direitos fundamentais em âmbito doméstico e mundial, o que coloca em risco a própria base do Estado Democrático de Direito”.

Como se vê, a definição do que é terrorismo, por si só, é complexa, intricada e de difícil compreensão. Por mais que se tentem e muitos tentaram, não se consegue com precisão chegar a um consenso sobre a definição de terrorismo.

Por fim, no momento em que o STF (Supremo Tribunal Federal) rasga a Constituição da República para relativizar o sagrado princípio da presunção de inocência; no momento em que existe um evidente movimento de criminalização da política e de políticos da esquerda; no momento em que a mídia dita a política criminal do Estado; no momento do processo penal do espetáculo no qual as garantias são enterradas; no momento em que o braço repressor do Estado - polícia e MP - é dotado de superpoderes; no momento em que juízes se transformam em verdugos e são elevados a categoria de super-heróis; definitivamente, não é o momento para aprovação de uma lei que reforçará, mesmo contra o que  se poderia pretender, políticas autoritárias, arbitrárias e repressoras  próprias de um Estado autoritário e fascista.

Assim sendo, espera-se que a presidenta da República Dilma Rousseff – Coração Valente – que já foi vítima do Estado ditatorial, presa e torturada por defender seus ideais – por muitos ainda tratada como “terrorista” por defender o Estado de direito e a democracia, vete o irresponsável, autoritário e ameaçador Projeto de Lei.

Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2016.

Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Professor de Direito Penal
Foto: Oswaldo Corneti/Fotos Públicas

[1] http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/a-funcao-do-direito-penal-no-combate-ao-terrorismo/
[2] BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional: a guerra preventiva e a desconstrução do direito internacional. Revista Brasileira de Estudos Políticos.
[3] BATISTA, Nilo. Reflexões sobre terrorismo. In Terrorismos. Org. Edson Passetti, Salete Oliveira. São Paulo: EDUC, 2006.
[4] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Terrorismo e criminalidade política. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
[5] FRAGOSO. Ob. cit. p. 2.
[6] DIETER, Maurício Stegemann. Terrorismo: reflexões a partir da criminologia crítica. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 75, p. 295-338. São Paulo: RT. (novembro-dezembro de 2008).
 
http://www.justificando.com/2016/02/26/sobre-o-irresponsavel-autoritario-e-ameacador-projeto-de-lei-de-terrorismo/

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