segunda-feira, 13 de junho de 2011

Voto vencido do ministro Gilson Dipp pela continuação da sataiagraha.


HABEAS CORPUS Nº 149.250 - SP (2009/0192565-8) (f)


VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP:

O paciente foi denunciado perante a Justiça Federal pela atribuída prática do

crime de corrupção ativa, previsto no art. 333, caput, combinado com o art. 29, caput do

Código Penal. A ação penal que se instaurou terminou pela condenação do paciente, pendente

ainda o julgamento da apelação apresentada contra a mesma sentença.

Entrementes, com respeito aos procedimentos de investigação prévios à ação

penal, foi impetrado junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região pedido de habeascorpus

(HC 34.848/SP–TRF3ª) buscando livrar o paciente de alegada insanável nulidade da

sentença, haja vista a atuação da ABIN na investigação preparatória, de natureza policial

penal. Em face disso, alegaram mais: todas as provas colhidas ao longo da operação

correspondente deveriam ser consideradas ilícitas e portanto inadmissíveis e ineficazes, sendo

destituídas de valor jurídico.

A ordem contudo foi denegada pelo Regional ao fundamento de que o

magistrado apontado como coator e a autoridade policial negavam esse fato e porque não

havia nos autos documentos capazes de evidenciá-lo, resumindo-se a prova das supostas

arguições a recortes de jornal.

Disse o Tribunal que, mesmo quando tivesse havido a colaboração da Agência,

esta se deu de forma secundária sendo todas as medidas de apuração promovidas pela

autoridade policial e, conforme o caso, deferidas pela autoridade judicial.

Além disso, assentou a Corte local, o compartilhamento de informações é

medida rotineira entre diversas instituições e a Polícia Federal (v.g. IBAMA, INSS, BACEN,

CVM, Receita Federal, e outros estaduais ou municipais).

Em resumo, a 5ª Turma do TRF/3ª Região considerou a inexistência de

ilegalidade ou abuso de poder na sentença proferida pela autoridade tida por coatora, o Juiz

Federal da 6ª Vara Federal de São Paulo.

Eis a ementa do julgado, que foi confirmado por embargos declaratórios:

“HABEAS CORPUS” – PENAL E PROCESSO PENAL –

PARTICIPAÇÃO DE SERVIDORES DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE

INFORMAÇÃO (ABIN) EM INQUÉRITO CONDUZIDO PELA POLÍCIA

FEDERAL – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – LEI 9.883/99

QUE PERMITE COMPARTILHAMENTO DE DADOS ENTRE ÓRGÃOS

INTEGRANTES DO SISTEMA BRASILEIRO DE INTELIGÊNCIA –

NULIDADES VERIFICADAS NA FASE PRÉ-PROCESSUAL NÃO

CONTAMINAM FUTURA AÇÃO PENAL – ORDEMDENEGADA.

1. Os impetrantes não instruíram o “writ” com elementos de

prova suficientes para que esta Corte, neste passo, emita juízo de valor sobre a

participação, ou não, de servidores vinculados à Agência Brasileira de

Informação (ABIN) nos procedimentos investigatórios, relacionados com a

denominada “Operação Satiagraha”. E mesmo que, por hipótese, se

prestassem a permitir uma conclusão positiva, tais documentos não

esclarecem em que medida se deu essa participação, a ponto de autorizar, já

neste momento, um exame da sua legalidade.

2. A autoridade impetrada nega a participação de agentes da

ABIN na persecução penal nº 2008.61.81.008291-3, amparando-se, inclusive,

em declaração da própria autoridade policial que presidiu as investigações

que culminaram na denúncia formulada pelo Ministério Público Federal. À

míngua de quaisquer outros elementos de convicção, robustos o suficiente

para provar o contrário, é medida de rigor prestigiar as informações

apresentadas pela autoridade impetrada, pois é aquela que se encontra em

contato mais direto

com os fatos.

3. No que diz respeito aos demais procedimentos investigatórios

verifica-se que, em relação a eles, também não foram apresentados a esta

Corte, elementos de convicção suficientes o bastante para que seja avaliada a

participação e eventual ilegalidade dessa atividade, por parte dos agentes da

ABIN. A impetração não indica um único fato específico, concreto, no qual

houve a participação de agentes da ABIN. As informações prestadas pela

autoridade impetrada indicam que, se houve participação de agentes da ABIN

nos demais procedimentos investigatórios que integram a operação em

apreço, esta deu-se de forma secundária, incapaz de justificar qualquer

alegação de nulidade de prova, especialmente porque ausente demonstração

concreta de prejuízo, conforme se viu do trecho das informações já transcritas

nesta decisão. Há que se ter em mente que é premissa básica do processo

penal a regra segundo a qual não se declara nenhuma nulidade sem a

demonstração do prejuízo. O artigo 563 do Código de Processo Penal é firme

nesse sentido.

4. Não há prova acerca de um prejuízo concreto experimentado

pelo paciente, pelo fato de servidores da Agência Brasileira de Informação,

hipoteticamente, terem conhecido do conteúdo de conversas telefônicas

interceptadas. É certo que esse fato pode até vir a gerar a responsabilização

funcional daquela autoridade que eventualmente violou o seu dever de sigilo,

contudo, tal violação, não possui o condão de macular a prova como um todo.

5. A Lei 9.883/99 – que instituiu o Sistema Brasileiro de

Inteligência – indica a possibilidade de órgãos componentes do aludido

sistema, compartilharem informações e dados relativos a situações nas quais

haja interesse do estado brasileiro. Tanto a Polícia Federal

como a ABIN, integram o Sistema Brasileiro de Inteligência, como se infere

dos incisos III e IV do artigo 4º do Decreto nº 4.376/02, que regulamenta a Lei

9.883/99.

6. O compartilhamento de dados e informações sigilosos entre

os órgãos encarregados da persecução penal e outros órgãos integrantes do

Estado, não é novidade. Basta lembrar que, ordinariamente, IBAMA (Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Receita

Federal, INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), BACEN (Banco Central

do Brasil) e CVM (Comissão de Valores Mobiliários), os quais cita-se apenas

a título de exemplo, compartilham dados com a Polícia Federal e o Ministério

Público Federal, visando o aprofundamento das apurações criminais, e isso

nunca causou perplexidade ou surpresa.

7. Eventuais nulidades da fase pré-processual não possuem o

condão de contaminar a ação penal. O Código de Processo Penal consagra a

dispensabilidade do Inquérito Policial (artigo 39, § 5º), o que, também, robora

o raciocínio de que eventuais nulidades verificadas naquele âmbito não

contaminam a ação penal, que lhe é posterior e ontologicamente distinta.

8.Ordem denegada.”

A propósito, vale registrar que na discussão dos embargos declaratórios foi

suscitada questão relacionada com o oferecimento de provas pelos impetrantes na véspera do

julgamento do habeas-corpus, as quais, contidas em CD-ROM, cuja leitura teria sido então

inviável, deixaram de ser consideradas pelo Desembargador Relator.

Sustentou-se nos declaratórios essa omissão, mas o argumento não prosperou

pela razão antes indicada.

Contra esse acórdão em habeas-corpus, que não acolheu as arguições contra a

sentença condenatória, os impetrantes oferecem agora o presente habeas-corpus -- como se

fosse originário.

O acórdão local transitou em julgado em 28.08.2009, e esta impetração --

entrada no STJ em 30.09.2009 -- revela-se assim substitutiva de possível recurso ordinário

naqueloutro habeas-corpus, por sua vez concomitante com a apelação ainda pendente de

julgamento no TRF/3ª Região (Processo 0010136-40.2008.4.03.6181).

Buscam os impetrantes, aqui, especificamente seja declarado ilegal o ato de

julgamento do habeas-corpus anterior da 5ª Turma do TRF/3ª Região que deixou de

reconhecer a nulidade dos procedimentos 2007.61.81.010208-7 (monitoramento telefônico),

2007.61.81.011419-3 (monitoramento telemático), e 2008.61.81.008291-3 (ação controlada)

os quais teriam subsidiado a ação penal 2008.61.81010136-1 e o inquérito policial

2008.61.81.009002-8.

Para tanto, afirmam que as investigações da chamada “Operação

Satiagraha/Quero-Quero” promovida pela autoridade policial com a colaboração da Agência

Brasileira e Inteligência - ABIN teria incorrido em inúmeras ilegalidades adiante resumidas.

O inquérito policial respectivo, segundo afirmam, iniciou-se formalmente em

25.06.2008, mas as diligências ter-se-iam estendido clandestinamente desde fevereiro de 2007

a julho de 2008, dando origem aos procedimentos de monitoramento mencionados antes da

instauração do inquérito, e assim com desatenção à Lei nº 9.296/99.

Nesse trabalho, o Delegado de Policia Federal, Protógenes Queiróz, serviu-se

para as ações de monitoramento entre 75 e 100 servidores da ABIN sem o conhecimento do

Juiz e do Ministério Público consoante demonstrado extensamente no IPL

2008.61.81.011893-2 (que é base da ação penal contra o mesmo delegado e que resultou na

sua condenação por violação de sigilo funcional).

Argumentam ainda os impetrantes que a suposta atividade de colaboração da

ABIN, além de ofensiva a direitos e garantias individuais padece da falta de fundamento

jurídico, pois as prerrogativas da atividade policial (art. 144, § 1º, IV CF) não lhe são

extensivas, sendo exorbitante das tarefas institucionais próprias de subsidiar o Presidente da

República nos assuntos de interesse e segurança nacional consoante a Lei nº 9.883/99.

E mesmo, dizem, o eventual compartilhamento de informações colhidas só é

admitido entre a ABIN e o Departamento de Inteligência do DPF, e não a qualquer autoridade

policial.

Todas as atividades de natureza policial praticadas pela ABIN portanto

constituiriam usurpação ilegal de atribuições policiais, daí resultando nulidade e ilicitude da

prova.

Por essas razões, os impetrantes pediram a nulidade dos procedimentos acima

referidos (2007.61.81.010208-7 monitoramento telefônico, 2007.61.81.011419-3

monitoramento telemático, e 2008.61.81.008291-3 ação controlada), para que verbis

“ulteriormente se possa avaliar sobre a derivação da nulidade a investigações e/ou ações

penais decorrentes de tais procedimentos” inclusive a sentença editada na ação penal

(2008.61.81.010136-1).

Recusadas nas informações do impetrado todas as alegações da impetração, o

parecer do Ministério Público Federal, inobstante, manifestou-se pela concessão de ofício da

ordem para anular desde o início a ação penal, ou pela anulação do acórdão do Tribunal

impetrado para que seja proferido outro com a apreciação das provas não examinadas no

julgamento anterior constantes de um CD entregue pelos impetrantes no dia do julgamento e

que contém a íntegra da ação penal que culminou com a condenação do Delegado Protógenes.

O Ministro Relator concedeu a ordem para anular, “desde o início, a ação

penal na esteira do parecer do MPF”, forte em “que existe uma grande quantidade de provas

aptas a confirmar, cabalmente ... a participação indevida e flagrantemente ilegal da ABIN e

do investigador particular contratado pelo Delegado Protógenes Queiroz”.

Para tanto, considerou que a participação de agentes estranhos à autoridade

policial que tem a exclusividade da investigação constituiria violação do art. 144, § 1º, IV da

CF, da Lei nº 9.883/99 e do art. 4º do CPP e particularmente aos preceitos do estado

democrático de direito.

Assinalou também, como fato relevante, a edição de sentença condenatória do

policial referido por crime de violação de sigilo profissional e fraude processual (AP nº

2008.61.81.011893-2, 7ª Vara Federal SP, atualmente convertida na Ação Penal nº 563/SP,

Rel. Ministro Ayres Britto, junto ao STF).

A partir daí, reconhecendo a ilicitude das provas assim reunidas (art. 157, §§

CPP), concluiu o Ministro Relator pela nulidade do processo e da sentença, na linha da

jurisprudência.

Acompanhou o voto do Ministro Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia

Filho.

Pedi vista para melhor exame.

A primeira consideração que merece a atenção deste colegiado é a

circunstância de coexistirem perante o mesmo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sobre

o mesmo tema e de iniciativa do paciente, uma apelação ordinária contra a sentença que o

condenou por corrupção e um habeas-corpus com, pelo menos na parte aqui discutida, a

mesma alegação destinada a anular a sentença.

E, agora, esta outra impetração contra o insucesso do habeas-corpus perante o

Superior Tribunal de Justiça.

Por oportuno, relembro as observações que já fiz assinalar em julgamentos

semelhantes, pois estou certo de que esse expediente de medidas concomitantes e substitutivas

de recursos ordinários é logicamente incompatível com a ordem processual ao expor

diferentes órgãos judiciais que vão examinar o mesmo caso concreto a possível ambiguidade,

contradição ou equívoco.

A sobreposição deliberada de impetração, sobre apelação, a meu ver, revela

inescondível desprestígio das instâncias ordinárias e seus órgãos, a meu ver, com inevitável

violação da organização jurisdicional que também tem fundamento constitucional

Em outras palavras, aqui se pede ao STJ que julgue tema sujeito à competência

do TRF da 3ª Região antes da manifestação daquele colegiado regional e com risco de

invasão ou usurpação da competência jurisdicional local.

Aliás, levado ao extremo o uso do habeas-corpus substitutivo de recurso

ordinário implicaria inclusive na possível preclusão dos recursos ordinários, pois ao apreciar o

presente habeas-corpus, o STJ poderá vir a decidir de modo a acolher ou recusar o pedido

com reflexo nas pretensões da outra parte no recurso ordinário cujo interesse seria alcançado

sem a devida oportunidade de defesa e contraditório.

Feita essa ressalva, vale registrar que o pedido nesta impetração limita-se a

reclamar a manifestação do STJ exclusivamente com relação aos procedimentos

investigatórios de monitoramento, os quais teriam sido fundamento da convicção do Juiz e

que, tendo sido supostamente ilícitos, seriam nulos.

É que os impetrantes não pediram a nulidade da sentença (como o deferiu o

voto do Ministro Relator), mas apenas o reconhecimento da nulidade dos mencionados

procedimentos preparatórios para, só após, avaliar a eventual nulidade da sentença.

Quanto ao pedido, o fundamento da pretensão dos impetrantes é que as

investigações correspondentes a esse procedimentos foram realizadas por servidores não

integrantes da Polícia Federal, daí resultando violação formal da exclusividade constitucional

(art. 144, § 1º, IV CF), a dizer que a prova apurada via da atuação desses agentes não policiais

constituiria prova ilícita.

É fora de dúvida que a ABIN se rege por legislação especial e que sua vocação

institucional efetivamente orienta-se ao assessoramento e subsídio ao Presidente da República

em matéria de interesse ou segurança da sociedade e do Estado. Mas tal não afasta a possível

participação de seus agentes, nessa ou noutra atividade relacionada com seus propósitos

institucionais, a relacionar-se com outras instituições.

Por isso, toda a questão relacionada a essa suscitação, apesar das reconhecidas

limitações legais legitimamente alegadas pelos impetrantes, é bom que se registre desde logo,

diz respeito a matéria naturalmente sujeita à discussão mediante produção ou avaliação fática

da prova.

Com efeito, a extensão, intensidade, modo, grau de autonomia ou desenvoltura,

e, sobretudo, grau e intensidade do suposto desvio de suas finalidades institucionais, da

colaboração da ABIN com a Polícia Federal, por certo reclamam o esquadrinhamento e a

demonstração das ditas ações com ampla discussão dos personagens, objetivos e

principalmente dos resultados das atividades assim caracterizadas para neles verificar a

pretensa ilicitude.

Em outras palavras, para saber se, em face da exclusividade da atuação de

polícia judiciária pela Polícia Federal, a atividade da ABIN em colaboração excedeu os

limites constitucionais seria necessário avaliá-la e cotejá-la miudamente.

Assim, porque -- e os impetrantes admitem que a colaboração com a polícia

judiciária não é inédita por parte de outros organismos estatais -- a despeito da expressa

finalidade da ABIN não é impossível a cessão de seus servidores, técnicos, material ou

recursos tecnológicos e respectivos operadores para atuação conjunta com a polícia judiciária.

E nem seria compreensível uma vedação radical ao modo sustentado pelos

impetrantes, quando ambas as instituições orientam-se naturalmente pela preservação do

interesse e bem públicos.

O que as distingue institucionalmente, é bem de ver, é a racionalidade

funcional que responde à discricionariedade administrativa de cada qual, embora sempre

respeitada a responsabilidade da autoridade policial quando em estrita exclusividade como

polícia judiciária, para o que, parece intuitivo, será preciso examinar detidamente a prova

correspondente.

Até mesmo a contratação, designação ou credenciamento de terceiros, exfuncionários

ou não, da administração pública ou não, não constituem, em si, motivo de

violação das prerrogativas da polícia judiciária exclusiva da Polícia Federal enquanto

submetidos à orientação, controle ou direção do responsável pelo inquérito.

E para saber se nisso teria havido excesso e ou desvio ilegal seria, mais uma

vez, necessário sindicar o teor e importância da atuação e desempenho desses servidores ou

terceiros e, principalmente, se estavam ou não sendo orientados ou controlados pelo dirigente

do inquérito, pois apenas na falta provada dessa certeza caracterizar-se-ia situação de objetiva

ilicitude capaz de redundar em prova ilícita.

Daí, que a definição com a suficiente clareza que justificasse a repressão a essa

colaboração afrontosa da Constituição demandaria tanto um improvável esforço probatório no

habeas-corpus, quanto para tanto a largueza investigatória seria incompatível com a via

mandamental.

Mais, admitido por suposto o possível excedimento pelos agentes de

inteligência dos limites da colaboração sugerida ou mesmo a eventual invasão de atribuições

policiais por seus integrantes, isso só seria formalmente valorizado quando inequívoca e

objetivamente demonstrado, a ponto de não remanescer dúvidas.

Ao contrário, porém, o que existe nestes autos é uma grande quantidade de

cópias de documentos, referências, ilações, suscitações ou questionamentos apenas sugerindo

que agentes da ABIN teriam vulnerado os limites da atuação de polícia judiciária de modo

ilegal.

Conquanto de fato existam outras indicações, a maioria revelada por

depoimentos recolhidos nos autos de outro Inquérito Policial e subsequente outra ação penal,

esta movida contra o Delegado Protógenes (a quem se atribui os crimes de violação de sigilo

funcional e fraude processual quando no exercício da apuração dos fatos relacionados com o

caso ora em exame), e portanto como prova produzida em outra instrução penal, o suposto

prevalecimento dessa prova emprestada (como o admitiu o voto do Ministro Relator sem

reservas) pressupõe a discussão por ambas as partes do seu teor e credibilidade, o que não

ocorreu.

Aliás, o fundamento principal desta impetração está na alegada afirmação de

que a prova dos monitoramentos impugnados de ilícitos teria sido, na maior parte, produzida

por agentes de inteligência em usurpação de atividade exclusiva da Polícia Federal, mas essa

afirmação dos impetrantes se baseia fundamentalmente na prova mostrada no inquérito para

apuração dos delitos atribuídos ao delegado.

No entanto, se fosse considerável a alegação dos impetrantes de que naquela

ação penal contra o policial tal prova era irrefutável, a conclusão seria inversa, pois a

denúncia contra Protógenes resumiu-se à violação de sigilo profissional e fraude processual

em virtude do arquivamento dos demais supostos crimes atribuídos ao Delegado relacionados

com a suposta vulneração da exclusividade da polícia judiciária da Polícia Federal, aliás,

justamente o único fundamento desta impetração.

É que, apesar da discordância do Juiz Federal da 7ª Vara Federal Criminal de

São Paulo (juiz do caso contra o delegado), que fez submeter sua objeção de não ter o MPF

denunciado o delegado por esse crime à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério

Público Federal (art. 28, CPP c/c art. 62, IV, LC 75/93) a confirmação do arquivamento fez

produzir a certeza de que na colaboração entre as agências referidas não teria sido excedido o

limite da legalidade que caracterizasse a arguida violação da Constituição.

Em outras palavras, o MPF afirmou naquela investigação policial contra o

Delegado Protógenes que a atuação conjunta da Polícia Federal com a ABIN no caso ora em

apreciação, nos termos apreciados, não caracterizava violação da lei penal.

Por tais razões, os eventuais e até possíveis desvios ou excessos na colaboração

entre essas agências, particularmente diante da magnitude das ações de investigação policial –

e aqui pouco importa se tinha a Direção-Geral inteiro ou parcial conhecimento das

iniciativas ou desenvoltura das ações do delegado condutor, pois isso se circunscreve

naturalmente ao âmbito disciplinar interno da corporação – não levam induvidosamente à

conclusão acolhida pelo Ministro Relator sem detido, meticuloso e criterioso exame dos fatos

e logicamente para além da sua simples valorização jurídica.

A conclusão de que as investigações reunidas nos procedimentos indigitados

são fruto de condutas ilícitas, por essa razão, é incompatível com a via aqui adotada, pois seria

preciso analisar e avaliar o restante da prova para tanto.

Nessa linha, em princípio, as provas ali contidas não são necessariamente

ilícitas nem se poderia dizer em que porção ou importância produziriam a nulidade que se

quer afirmar.

Além do que, estando superada a fase de investigação, pois há denúncia

recebida, sentença de mérito editada pela condenação e apelação oferecida sobre todos os

temas referidos havidos antes da instauração da ação penal, tudo deveria ter sido discutido no

tempo próprio, ou na pior hipótese, no âmbito da apelação. Acaso as supostas nulidades ou

ilicitudes já não estivessem preclusas pela força do disposto na combinação dos arts. 564, III;

566; 571, II; e 573, e §§ do CPP.

De outra parte, nem mesmo há certeza de que as interceptações ou

monitoramentos tidos por ilícitos foram efetivamente realizados à margem de autorização

judicial (o Juiz afirma implicitamente, a validade deles no ato de recebimento da denúncia), e

no limite, insista-se, tendo havido denúncia e instrução penal resultante em condenação do ora

paciente, as possíveis nulidades, mesmo as mais graves, resolvem-se no julgamento da

apelação como preliminar e, sabem os impetrantes, toda a trama revelada pelas interceptações

foi judicialmente confirmada por depoimentos de testemunhas colhidos em contraditório e

respeitada a ampla defesa.

A tardia alegação de nulidade da prova préprocessual, depois majoritariamente

suplantada por depoimentos judiciais não impugnados, cede logicamente ante a produção do

veredicto da sentença que se fundou nas provas produzidas em audiência. Mas também, tal

como indicado na denúncia, em informações obtidas por interceptação telefônica e telemática

e ação controlada devidamente autorizadas pelo Juiz e em datas bem posteriores àquelas

insinuadas pelos impetrantes.

Ante o exposto, com a licença do Ministro Relator e fundado nas considerações

acima, tanto por inviável a discussão do tema nesta via como por inexistência de elementos de

certeza para a conclusão pretendida pelos impetrantes, denego a ordem.

É o voto.

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