quarta-feira, 20 de julho de 2011

Ministro Padilha, “filho feio” não tem pai!

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/ministro-padilha-filho-feio-nao-tem-pai.html

por Conceição Lemes

Em 5 de maio, o ministro Alexandre Padilha recebeu em audiência no seu gabinete, no Ministério da Saúde (MS), Marcelo Rabach, presidente da McDonald’s na América Latina.

Rabach entregou-lhe uma cópia da toalha de papel que cobriu as bandejas da rede nos meses de março e abril. Num dos lados da lâmina, há dicas sobre a prática de atividade física, ingestão de água, sono, proteção contra a exposição excessiva ao sol e alimentação saudável. Junto, o símbolo da McDonald’s, seu slogan amo muito tudo isso. E, nos cantos inferiores, o site e o Disque-Saúde do Ministério da Saúde e o aviso de que foi a fonte das mensagens.



No verso da toalha, estampado o cardápio da rede de fast food, com informações (em letras miúdas) sobre sua composição nutricional, sob o título Veja aqui os componentes nutricionais da sua refeição. Abaixo do cardápio, num quadro intitulado Veja algumas informações nutricionais interessantes, a composição do que para a McDonald’s, seriam ‘outros alimentos do seu dia a dia’, entre os quais, coxinha, empadinha, pastel, pizza e feijoada tradicional.

O encontro rendeu esta foto, postada na galeria de imagens do Ministério da Saúde no Flickr, com a legenda: Ministro Alexandre Padilha se reúne com Marcelo Rabach, Presidente da McDonald’s na América Latina, um dos parceiros da saúde.



Entidades, como a Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos, o Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (UNB), especialistas em saúde pública e nutrição se indignaram. Teve até abaixo-assinado, dirigido ao ministro, contra a rede McDonalds ser “Amiga da Saúde”.

Em carta aberta a Padilha, os professores Carlos Augusto Monteiro e César Gomes Victora, membros da Academia Brasileira de Ciências e Malaquias Batista Filho, membro do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), criticaram:

A campanha da rede McDonald’s, à semelhança de outras estratégias de marketing empregadas pela mesma empresa, é extremamente nociva, em particular para crianças e adolescentes, que são o público alvo daquela rede.

É ocioso notar que o objetivo dessa campanha da rede McDonald’s é associar o consumo dos produtos que ela comercializa a comportamentos saudáveis e a induzir o consumidor a pensar que esses produtos deveriam ou poderiam ser consumidos frequentemente (‘alimentos do dia a dia’) e a negar que eles pudessem ser menos saudáveis do que alimentos tradicionais da dieta brasileira.

Cobertos de razão. Hábitos saudáveis de vida não combinam com o consumo rotineiro, no dia a dia, de hambúrguer, batata frita, cachorro-quente, pastel, coxinha, empadinha. Tanto que as cantinas de algumas escolas não vendem mais este tipo de lanche.

A repercussão negativa foi tamanha que o ministro recuou. Embora na resposta aos professores Carlos Monteiro, César Victora e Malaquias Batista não assuma explicitamente que houve equívoco na estratégia , o tom foi considerado positivo.

“Não é uma vitória de três pessoas, mas uma conquista de várias pessoas e instituições que se posicionaram contra”, avalia o professor Malaquias Batista, em e-mail e conversa que tivemos. “E, sobretudo, uma vitória para a causa da alimentação saudável da população brasileira.”

MINISTÉRIO DA SAÚDE E MCDONALD’S EXPLICAM “A PARCERIA”

Na carta aos três professores, o ministro Padilha diz:



Em e-mail, um dos seus assessores de imprensa reforça:

Não há parceria com MC Donald’s. Muitas empresas e instituições contribuem com o papel de difusor de algumas campanhas do MS, com informações públicas retiradas do nosso site, o saude.gov.br, por exemplo. Por isso, não havia logo ou assinatura do MS na toalha de papel da rede.

Esta repórter questionou também a McDonald’s. Na resposta ao Viomundo, a sua assessoria de imprensa diz:

“É importante frisar que na referida lâmina, utilizada em março/abril nos restaurantes e já substituída, em nenhum momento há qualquer chancela do Ministério da Saúde e nem qualquer selo de “Parceiro da Saúde”. A empresa jamais recebeu qualquer autorização do Ministério para o uso de tal título ou selo e muito menos o usou em qualquer material informativo, promocional ou publicitário.

Não há fundamento na crítica ao Ministério da Saúde por suposto envolvimento em campanha publicitária da empresa, já que as lâminas de bandeja não têm qualquer referência promocional aos produtos da marca - e são distribuídas exclusivamente para quem já se encontra dentro dos restaurantes. Trata-se de um espaço de comunicação capaz de sensibilizar 1,5 milhão de clientes por dia, e que foi utilizado para transmitir hábitos de vida saudável definidos pelo Ministério da Saúde, sem qualquer interferência da rede”.

Em função dessas respostas e dos boatos de que o ministério não teria tido qualquer participação na história das toalhas e que a rede de lanchonetes teria, a seu bel-prazer, ido ao site do órgão, selecionado e copiado as dicas de saúde , insisti com a McDonald’s a respeito das “paternidades”.

“Quem selecionou as informações que seriam divulgadas sobre o tema ‘Saúde e Equilíbrio’, mostradas nas lâminas de bandeja, foi o próprio Ministério da Saúde”, respondeu-me a assessoria de imprensa. “E não foi a McDonald’s que divulgou o encontro e a foto dele.”

DE QUEM FOI A IDEIA “DE GÊNIO”? CADÊ O PAI DA CRIANÇA?

É assim mesmo. “Filho feio” não tem pai. O “rebento”, inicialmente apresentado com júbilo à sociedade por seus supostos “pais”, foi “rejeitado” assim que as críticas se intensificaram. Até a foto da “família feliz” estranhamente não achei mais no Flickr do Ministério da Saúde.

– Mas o ministro recuou — alguns leitores vão rebater –. Isso é o que importa!

Excelente que o ministro tenha voltado atrás. Melhor é que não tivesse acontecido. Por isso é fundamental uma reflexão preventiva para que outros “rebentos” indesejáveis não venham a “nascer”. Em se tratando de saúde, prevenção é FUNDAMENTAL. Tanto que a Organização Mundial de Saúde (OMS) escolheu como pauta principal da Assembleia Geral deste ano as doenças crônicas, que têm tudo a ver com hábitos saudáveis de vida, inclusive a alimentação.

– Mas ministério e McDonald’s disseram que a toalha com dicas de saúde não era campanha publicitária ou de promoção da rede nem parceria…

Parceria de papel passado, com publicação no Diário Oficial, não. Mas que havia “parceria”, havia. Do contrário, a assessoria de comunicação do ministério não teria legendado de maneira tão positiva a foto que agora não está mais lá. Vale a pena relembrar: Ministro Alexandre Padilha se reúne com Marcelo Rabach, Presidente da McDonald’s na América Latina, um dos parceiros da saúde.

Segundo a assessoria de imprensa do ministério, o título “parceiros da saúde” formalmente não existe. Porém, reconhece, é uma nomenclatura usada “internamente” para fazer referência às empresas que divulgam iniciativas sobre saúde. Ou seja, observação minha: oficialmente não está regulamentado, porém, na prática, existe.

– Ah , mas o ministério e a McDonald’s já tinham feito anteriormente “parcerias”, para divulgar informações sobre vacinação, dengue, gripe suína… Ninguém reclamou. Agora, no caso da alimentação, essa chiação…Não entendo por que tanta bronca com as toalhas dando dicas de saúde e qualidade de vida… – esse comentário andou circulando no próprio ministério.

Visão equivocada. Indício de que o pessoal incumbido da tal “parceria” não havia percebido a delicadeza do tema nutrição. Muito menos entendia o que é, de fato, promoção de saúde.

Uma coisa é a McDonald’s dar dicas sobre vacinação, dengue, gripe suína. Além de ela ficar bonita na foto – isso gera-lhe lucros por causa do marketing –, não tem conflito de interesse com o que a empresa vende.

Outra, muitíssimo diferente, é falar de hábitos saudáveis de vida, incluindo alimentação. Conflito total. O cardápio dos McDonald’s da vida não é exemplo de alimentação saudável. Longe disso, é um dos fatores responsáveis pela epidemia de obesidade que temos hoje no mundo, inclusive no Brasil.

– Ah, mas o ministro não avalizou o cardápio da McDonald’s… – tem leitor que ainda vai rebater.
Oficialmente, não chancelou. Só que a imagem dele , ajudando o presidente da McDonald’s a segurar a lâmina da bandeja emoldurada, é muito forte. Obliquamente, o sinal que enviou à sociedade é de aprovação à toalha e à iniciativa. Se o ministro desaprovava esse tipo de alimentação, por que se reuniu com Marcelo Rabach por causa da dita toalha e ainda posou todo pimpão para foto ?

Já pensou, ministro, se essa foto cai em mãos de uma criança que bate o pé todo dia para comer batata-frita e lanche da McDonald’s, e os pais não deixam, pois batalham para que ela tenha alimentação saudável? E se ela ainda usar como álibi: Pai/mãe, se não fosse saudável, o ministro Padilha diria e não tiraria foto junto, né?

A McDonald’s, ao contrário dos governos do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma, entende tudo de marketing e comunicação. Quando o Padilha foi com o boi, achando que estava marcando gol de placa, a McDonald’s já havia voltado com mil BigMacs prontos. O senhor, ministro, fez um gol contra e, ainda, foi o dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e picles no pão com gergelim da comemoração.

– Ah, mas… – alguns tentarão voltar à carga.

Primeiro, se os professores de nutrição não tivessem botado a boca no trombone, a “parceria” teria sido consumida. O fato é que o ministro não esperava tamanha reação contrária, por uma razão simples: não avaliou devidamente o conflito de interesses entre a saúde pública e os McDonald’s da vida. Se ele e seu staff tivessem levado em conta a lição de que quando a esmola é demais, o santo desconfia, teriam agido de forma diferente.

Segundo, se o ministro tivesse consultado antes os especialistas em nutrição, não teria pagado esse mico. Tenho certeza absoluta de que todos o ajudariam a evitar o transtorno.

Terceiro, quando se lida com informação que envolve saúde pública, precisamos –repórteres, assessores de imprensa, médicos, ministros – ter todo o cuidado do mundo com os sinais objetivos e subjetivos da nossa mensagem. Do contrário, mandamos recado trocado, que pode ter conseqüências negativas sobre a saúde da população.

– Ah, mas por que voltar a esse assunto agora, se o ministro já recuou? – um ou outro deve estar querendo saber.

Prevenção, prevenção, prevenção. Para que outros “rebentos” indesejáveis não venham a “nascer”. Do ponto de vista de saúde pública, não há parcerias possíveis com as McDonald’s , as indústrias do tabaco, álcool. São interesses irreconciliáveis.

Elas estão na contramão do plano de combate às doenças crônicas não transmissíveis que a presidenta Dilma apresentará, em setembro, na abertura da Assembleia Geral da ONU. O audacioso plano está sendo preparado pelo Ministério da Saúde

Por doenças crônicas não transmissíveis leia-se hipertensão arterial, diabetes, câncer, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC, ou derrame), enfisema, entre outras. Doenças que podem prevenidas com hábitos saudáveis, como atividade física regular, alimentação variada e equilibrada, combate ao sobrepeso e à obesidade, higiene bucal, não fumar, moderar no álcool.

Já pensaram, se não tivesse dado toda essa chiadeira, o “affair” com a MacDonalds passado despercebido e lá, em Nova York, alguém resolvesse colocar em xeque a coerência do plano da presidenta, exibindo para o mundo todo a “parceria” de bandeja?

Clique aqui para ler o puxão de orelha que os médicos e professores Maria Teresa Zanella, titular de Endocrinologia da Unifesp, e Arthur Kaufmann, da Faculdade de Medicina da USP, dão em pais e mães sobre junk food.

Meu twitter: conceicao_lemes, siga à vontade.

Nenhum comentário: