terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Alckmin acredita no poder curador do porrete


O desembargador Antonio Carlos Malheiros, responsável pela área de Infância e Juventude do TJ-SP, desenvolvia um trabalho com crianças e jovens na Cracolândia, acompanhado de representantes do Ministério Público e da Corregedoria de Justiça.

A finalidade era re-integrá-los à família, oferecer uma oportunidade de tratamento, regularizar seus documentos.

Malheiros conta que uma das situações mais chocantes que viveu foi quando perguntou ao Edson, um corretor de seguros, viciado, se tinha documentos.

Edson respondeu:

Documento eu tenho. O que não tenho é identidade.

O trabalho de Malheiros foi atropelado pelos porretes da Polícia Militar.

(Por que “Militar” e, não, Polícia Civil, ele se pergunta ?)

Atropelado, provisoriamente, ele diz, porque pretende voltar ao trabalho, agora, não nas ruas, mas nos hospitais.

No programa Entrevista Record desta segunda feira – clique aqui para ler “Crack – Maria do Rosário quer fazer parceira com o Governo de São Paulo” – Malheiros deu um depoimento igualmente assustador: ele acredita que os moradores de São Paulo estão pouco “se lixando” para os viciados.

Desde que as ruas fiquem “limpas”, não interessa saber o que foi feito deles.

“Eu pago os meus impostos, …”

Se eles serão sanitariamente expulsos da rua, onde construirei meus apartamentos com piscina e home theater, “lixem-se”…

Deve ser por isso, amigo navegante, que os candidatos tucanos a prefeito, segundo a Folha (*), na pág. A8, resolveram subir na garupa da cracolândia e acusar o PT de criar o problema.

(Como diz o Mino Carta, a elite de São Paulo é a mais atrasada do país.)

A Folha, na primeira página, também dá notícia de um primeiro indício de confronto entre policiais e viciados.

Será uma contribuição de São Paulo à história da Saúde Pública do Mundo Ocidental: “Grupo reage a abordagem e ataca policiais na cracolândia”.

A Organização Mundial de Saúde deve vir, rápido, a São Paulo, aprender como se combate uma crise de Saúde Pública a partir do consumo de drogas.

Com porrete !

E não é de hoje.

É o que demonstra Vladimir Safatle, em artigo na pág. 2 da Folha: “Alckmin parece crer no poder de cura do porrete”:

Alckmin e a polícia


O governador de São Paulo parece ser um daqueles que rezam pelas virtudes curativas do porrete da polícia. Não é de hoje que ele expõe a sociedade às “ações enérgicas das forças da ordem”, mesmo que a eficácia de tais ações muitas vezes seja próxima de zero.


Há anos, sua polícia envolveu-se em uma operação para exterminar líderes do PCC, isso no caso conhecido como “Castelinho”. “Estamos definitivamente livres do PCC”, afirmava solenemente o secretário da Segurança. Anos depois, o mesmo PCC parou São Paulo em uma das mais impressionantes demonstrações de força do crime organizado.


Mais ou menos nessa época, militantes de direitos humanos se mobilizaram para exigir o afastamento de membros da polícia acusados de praticar tortura na ditadura. Expressiva maioria dessas demandas permaneceu letra morta.


Só nos anos de 2011 e 2012 vimos mais dois exemplos patéticos de atuação de uma polícia que sempre gostou de confundir segurança com demonstração histérica de força. A primeira ocorreu na USP.


Após a intervenção policial no desalojamento de estudantes que invadiram a reitoria, cresceram denúncias de maus-tratos praticados por policiais.


O último capítulo foi a recente e inacreditável cena de um policial com arma em punho ameaçando um estudante: prova cabal do despreparo de uma corporação acostumada a atirar primeiro e pensar depois. A sociedade deveria ler com mais calma os estudos que se avolumam nas universidades sobre violência policial.


Agora, fomos obrigados a assistir a uma incrível intervenção na chamada cracolândia.


Nada adianta a maioria dos profissionais de saúde mental insistir no absurdo que significa tratar uma questão de saúde pública como um problema de segurança. Nada adianta lembrar que a maioria das pessoas nessa região não são traficantes. São, na verdade, usuários, que devem ser tratados não a bala, mas em leitos de hospital. Afinal, há uma parcela da população que se excita quando vê a polícia “impondo a ordem”, por mais teatral e ineficaz que seja tal imposição. Para tal parcela, a polícia é um fetiche que serve para embalar o sonho de uma sociedade de condomínio fechado.


Se tais pessoas, ao menos, se lembrassem de Philippe Pinel, o pai da psiquiatria moderna, talvez elas entendessem o valor nulo de tais ações policiais, assim como da defesa de políticas de “internação compulsória” de viciados.


Aquele que é vítima de sofrimento psíquico (e a drogadição é um deles) só será curado quando o terapeuta for capaz de criar uma aliança com a dimensão da vontade que luta por se conservar como autônoma. Não será à base de balas e internação forçada que tal aliança se construirá.


VLADIMIR SAFATLE


(*) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é,  porque o dono é o que é; nos anos militares, a  Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.

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