segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Censura ou imperativo democrático?



A palavra “democracia”, como muitas outras em nosso país e no mundo,  costuma ser  usada ao bel-prazer de quem a empunha, em um semântico  balaio de gatos onde entra o que convém e  em função do momento. O  planeta  já abrigou, em tempos não muito longínquos, regimes discricionários que, por serem anticomunistas, se autoproclamavam e eram aceitos como representantes do mundo  “livre”.
Muitos, deliberada ou inocentemente, confundem o vocábulo  com “capitalismo”, “neoliberalismo” e coisas do gênero, considerando como dogma democrático a condução da sociedade pelas chamadas leis do mercado e elegendo a “livre iniciativa” como seu maior sustentáculo.  Os que pensam assim,  certamente consideram  democrática uma sociedade em que,  ao lado dos multimilionários especuladores do capital, prevalecem grandiosos bolsões de pobreza. Quando muito, são capazes de caras e bocas hipócritas que, misturando comiseração e cinismo, lamentam  que haja pobres no mundo...
A serviço desse pensamento que beira a perversidade,  não se admite sequer -  em nome de uma pretensa democracia -  a perda dos anéis para manter os dedos. Isso se comprova, aqui e fora daqui, pelas reações raivosas diante do pagamento de impostos  ou da taxação proporcional das grandes fortunas, medidas que têm a fundamentá-las, entre outros aspectos,   a  correção das desigualdades  sociais.  Esses assuntos, aliás, já mereceram alguns artigos aqui no DR, inclusive um dos últimos do Mair Penna Neto, cujos termos subscrevo enfaticamente.    
Em aparente defesa do ideal  democrático,  veiculam-se  falácias múltiplas, como a  tese de que  a grande mídia neste país  é intocável e não  pode ser submetida a qualquer controle, logo alcunhado de “censura”. Essa turma, aliás, entende bem de censura, inclusive de autocensura. A maioria conviveu  muito bem (e cresceu) com a ditadura militar, sendo até risível que muitos dos que a apoiaram à época da repressão  se apresentem  hoje como    arautos da liberdade.
Uma vertente a ser considerada, aqui, é a do sistema publicitário que, respaldado na “liberdade” que a democracia preconiza – mas fazendo predominar a sede de vender – veicula peças de propaganda que incitam a posturas pouco recomendáveis. O caso da modelo Gisele Bündchen, que atualmente se discute, é emblemático.  Ainda que alguns vejam, nas críticas que estão sendo feitas à propaganda de lingerie que ela protagoniza, um ranço de puritanismo, uma atitude exagerada do “politicamente correto” ou até “falta do que fazer”, nem por isso se pode deixar de considerar que a publicidade em questão nada acrescenta à luta da mulher brasileira pelo seu espaço social e pela emancipação do ancestral jugo machista e, pelo contrário, reforça um posicionamento de “objeto sexual” que, diga-se, está muito presente em nossas propagandas.
Voltando ao enfoque da informação, o assunto “controle social da mídia” é sério e como tal deve ser considerado, em um país em que as grandes empresas de comunicação constituem um verdadeiro cartel ideológico, fazendo transitar com ênfase as notícias que interessam, distorcendo fatos segundo seus interesses nada escondidos, manipulando leitores e telespectadores  com uma seleção intencional de ocorrências a serviço de seus desígnios, tudo isso sem o indispensável contraponto que constitui  uma exigência democrática.
Assim, quando se fala em “controle social” , a expressão é bem clara e não pode ser desqualificada, por maior que seja o esforço dos que pretendem desmoralizá-la.  A sociedade tem, sim, o direito de autodefender-se da manipulação. Pode e deve, perfeitamente, nomear seus representantes para isso.  Não se pode esquecer que, no caso dos canais de TV,  essa mídia existe sob a forma de concessão pública e, portanto, não pode nem deve fazer-se representante de uma parcela apenas desse público, tanto mais se essa parcela representar interesses elitistas, contrários ao do povo.  Sempre me pergunto por que um governo como o atual ainda alimenta (ou  sustenta)  certas organizações com polpudas verbas publicitárias e privilégios de outras naturezas. O poderio de uma organização como a Globo, por exemplo, pela forma direta ou (mais perigosa ainda) subliminar com que age na cabeça do público destinatário – com sua programação alienante e seus ídolos “fabricados”,  não pode, em nome de uma falsa liberdade, deixar de ser fiscalizado. E combatido, sempre que se mostrar contrário aos interesses do país.
Fique claro que não se quer, aqui, limitar o direito à  informação , mas tão somente fazer com que ela flua realmente de forma  democrática, respeitados, sem escamoteamentos, edições ou depoimentos de falsos “especialistas”, todos os pontos de vista, todas as óticas que cercam um fato objeto de notícia ou de comentário.  No caso da propaganda, o que se deseja é que prevaleçam os princípios básicos da ética e dos valores cidadãos. Esses são, realmente, imperativos da verdadeira democracia.
Sobre o autor deste artigoRodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.

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