Por Mauro Santayana
Mais uma vez, os Estados Unidos concluem uma guerra sem ganhá-la, ao não conseguir impor sua plena vontade aos agredidos. Os soldados norte-americanos não saem do Iraque como saíram de Saigon, em 30 de abril de 1975, escorraçados pelas tropas de Hanói e pelos vietcongs. Desta vez, eles primeiro arrasaram o Iraque, durante uma década de bombardeios constantes.
O despotismo de Saddam não incomodava antes os Estados Unidos, quando coincidia com o interesse de Washington. Tanto era assim, que os norte-americanos estimularam a guerra contra o Irã, e lhe ofereceram suporte bélico e diplomático, mas seu objetivo era o de debilitar os dois países. No momento em que — cometendo erro político elementar — Saddam pretendeu restaurar as fronteiras históricas do Iraque, ao invadir o Kueit, Washington encontrou, com o primeiro Bush, o pretexto para a agressão aérea a Bagdad, a criação da chamada zona de exclusão, em que o bombardeio aéreo era indiscriminado, e o bloqueio econômico.
Foram dezenas de milhares de mortos durante os dez anos de ataques aéreos, prévios à invasão. Entre os sobreviventes da agressão, houve milhares de crianças, acometidas de leucemia pela radiação das munições amalgamadas com urânio empobrecido.
Assim, ao invadir o país por terra, os americanos encontraram um exército debilitado, parte do território arrasado e um governo na defensiva diplomática. O pretexto, que os fatos desmoralizaram, era o de que Saddam Hussein dispunha de armas de destruição em massa.
Ontem, o presidente Obama disse que o Iraque é hoje um “país independente, livre e soberano, muito melhor do que era com Saddam”. Saddam, sabem os observadores internacionais, era muito menos obscurantista do que os príncipes da Arábia Saudita.
Seu povo vivia relativamente bem, suas mulheres não eram tratadas com desrespeito e frequentavam a universidade. Algumas ocupavam cargos importantes no governo, na vida acadêmica e nos laboratórios de pesquisas. Havia tolerância religiosa, não obstante a divergência secular entre os sunitas e os xiitas, que ele conseguia administrar, a fim de assegurar a paz interna.
O vice-primeiro-ministro Tarik Aziz era católico, do rito caldeu. País de cultura islâmica, sim, mas talvez o mais aberto de todos eles a outras culturas e costumes. O país se encontrava em pleno desenvolvimento econômico, com grandes obras de infraestrutura, e mantinha excelentes relações com o Brasil, mediante a troca de petróleo por tecnologia e serviços de engenharia, quando começaram os bombardeios.
Depois disso, nos últimos nove anos, a ocupação norte-americana causou a morte de mais de 100 mil civis, 20 mil soldados iraquianos e 4.800 militares invasores, dos quais 4.500 ianques. Milhares e milhares de cidadãos iraquianos ficaram feridos, bem como soldados invasores, a maioria deles mutilados. As cidades foram arrasadas — mas se dividiram os poços de petróleo entre as empresas dos países que participaram da coligação militar invasora.
Hoje não há quem desconheça as verdadeiras razões da guerra, tanto contra o Iraque, quanto contra o Afeganistão: a necessidade do suprimento de petróleo e gás, do Oriente Médio e do Vale do Cáspio, aos Estados Unidos e à Europa Ocidental. Daí a guerra preemptiva e sem limites, declarada pelo segundo Bush, que se dizia chamado por Deus a fim de ir ao Iraque matar Saddam Hussein. Não só os mortos ficam da agressão ao Iraque. Os americanos saem do país, deixando-o sem energia elétrica suficiente, sem água potável, com 15% de desempregados e, 85% dos que trabalham estão a serviço do governo.
Toda a história dos Estados Unidos — ao lado de méritos fantásticos de seu povo — foi construída no afã da conquista e da morte. Desde a ocupação da Nova Inglaterra, não só os índios conheceram a sua fúria expansionista: na guerra contra o México, o país vencido perdeu a metade do território pátrio, o que corresponde a quase um terço do atual espaço norte-americano no continente.
Uma das desgraças da vitória americana foi a ruptura do Compromisso do Missouri, com a ampliação do escravagismo aos novos territórios, que seria — pouco mais de dez anos depois — uma das causas do grande confronto interno, entre o Sul e o Norte, a Guerra da Secessão. Lincoln, que a enfrentou, havia sido, em 1847, um dos poucos a se opor ao conflito contra o México.
A partir de então, a ânsia imperialista dos Estados Unidos não teve limites. Suas elites dirigentes e seus governantes, salvo alguns poucos homens lúcidos, moveram-se convencidos de que cabia a Washington dominar o mundo. Ainda se movem nessa fanática determinação. Agora, saem do Iraque e anunciam que deixarão também o Afeganistão, no ano que vem. Mas, ao mesmo tempo, dentro da doutrina Bush da guerra sem fim, preparam-se para nova agressão genocida contra o Irã.
Os Estados Unidos nunca conheceram a presença de invasores estrangeiros. Sua guerra da independência se fez contra tropas britânicas, que não eram invasoras, mas sim ocupantes da metrópole na colônia. As poucas incursões mexicanas na fronteira, de tão frágeis, não contam. Mas há uma força que cresce, e que não poderão derrotar: a do próprio povo norte-americano, cansado de suportar o imperialismo interno de seus banqueiros e das poucas famílias bilionárias que se nutrem da desigualdade.
O povo, mais do que tudo, se sente exaurido do tributo de sangue que, a cada geração, é obrigado a oferecer, nas guerras sem glória, contra povos inermes e quase sempre pacíficos, em nome disso ou daquilo, mas sempre provocadas pelos interesses dos saqueadores das riquezas alheias.
A situação tomou rumo novo, a partir dos anos 80, como apontou, em artigo publicado ontem por El Pais, o biólogo e filósofo catalão Federico Mayor Zaragoza, ex-ministro da Educação de seu país e, durante 12 anos, diretor-geral da Unesco. A aliança de interesses entre Reagan e Margareth Thatcher significou a capitulação do Estado diante do mercado, e se iniciou a era do verdadeiro terror, com 4 bilhões de dólares gastos a cada dia, em armamentos e outras despesas militares, e, a cada dia, 60 mil pessoas mortas de fome no mundo.
Mayor lembra a que levou o novo credo das elites, que Celso Furtado chamou de “fundamentalismo mercantil”: a melancólica erosão da ONU e sua substituição por grupos plutocráticos, como o grupo dos 7, dos 8 e, agora, sob a pressão dos emergentes, dos 20. E na pátria da nova fé nas “razões do mercado”, os Estados Unidos, há hoje 20 milhões de desempregados, 40 milhões de novos pobres e 50 milhões de pessoas sem qualquer seguro de saúde.
A Europa assediada e perplexa, com a falência de suas instituições políticas, está presa na armadilha do euro, que não tem como concorrer com o dólar nem com o yuan, porque yuan e o dólar são emitidos de acordo com a necessidade dos Estados Unidos e da China. Disso conseguiu escapar a Inglaterra, que mantém a sua moeda própria.
Os Estados Unidos, se não houver a reação, esperada, de seu povo, se preparam para manter o terror no mundo, mediante suas armas eletrônicas de alcance global, entre elas os aviões não tripulados. Seu destino, se assim ocorrer, será o do atirador solitário, que se compraz em assassinar os inocentes à distância, até que alguém consiga, com o mesmo método, abatê-lo. E não faltam os que se preparam para isso.
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