sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Por que é tão mais barato?



Os produtos nos Estados Unidos custam até três vezes menos do 

que no Brasil. A combinação de dólar barato, imposto alto e 

custos elevados leva o consumidor brasileiro a torrar bilhões no 

Exterior em vez de gastar aqui e impulsionar a economia nacional

Renata Agostini, de Nova York, Adriana Nicacio e João Loes
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NA TIMES SQUARE
Marco Coutinho e a família em Nova York: giro por oito
cidades americanas e mala cheia na volta ao Brasil
O empresário Ivan Carlos Zanchi, 38 anos, e a dentista Vanessa Zanchi, 34, estão juntos há 17 anos. Mas somente no ano passado fizeram a primeira viagem internacional em família. Com o dólar barato, escolheram os Estados Unidos como destino. Em novembro, levaram a filha Laura, 12 anos, para conhecer os parques da Disney, em Orlando. Ivan esticou a viagem sozinho por conta do trabalho e de um curso de inglês. Em janeiro, Vanessa foi encontrá-lo para mais uns dias de férias em Nova York. O casal havia reservado R$ 12 mil para as compras da viagem. Com os preços tão mais em conta nos EUA, estouraram o orçamento: gastaram cerca de R$ 30 mil. Nas malas, perfumes, roupas, relógios, bolsas, brinquedos, artigos para casa, dois notebooks, um iPad e três iPhones 4S. “Quando você chega e vê aquele mar de ofertas percebe que é hora de aproveitar. Até compra coisas que não precisa mesmo”, admite Ivan. “Mas o tempo todo vem a lembrança de como o Brasil está caro.”

Qualquer brasileiro que desembarca nos EUA se impressiona com a diferença de preços. O mesmo item no Brasil custa duas, três vezes mais do que nas lojas de Nova York, Miami ou Los Angeles. O abismo é tão grande que, em algumas ocasiões, vale a pena ir até os EUA comprá-lo. Um dos modelos de sapato masculino da Salvatore Ferragamo, por exemplo, custa no Shopping Iguatemi, em São Paulo, R$ 2.990. Com esse dinheiro, é possível adquirir uma passagem para Miami e ainda trazer o calçado. Isso explica por que os brasileiros despejaram US$ 21,2 bilhões em compras no Exterior no ano passado, quase o triplo do gasto de 2007. Estima-se que 60 mil toneladas de roupas, acessórios e calçados entraram em solo nacional nas malas dos turistas. A questão de fundo é: por que é tudo tão caro no Brasil? Mais: o que é preciso fazer para que esse dinheiro seja gasto no País, movimente a economia nacional e gere empregos no comércio?
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TUDO DE FORA
Raphael Pazos viaja uma vez por ano para os EUA. Lá, comprou o
enxoval da filha e uma bicicleta, além de eletrônicos e roupas
A resposta não é simples, há um conjunto de fatores envolvidos. “A principal influência, sem dúvida, é a taxa de câmbio”, diz Túlio Maciel, chefe do departamento econômico do Banco Central. Mas não é a única explicação. Especialistas ouvidos por ISTOÉ listam outras cinco causas para os preços elevados no Brasil: impostos, logística, custo administrativo, volume de vendas e margem de lucro do varejista. São questões que o País precisa enfrentar sob pena de ver a classe média transferir de vez suas compras para os Estados Unidos, que, atolados pela crise financeira, estão de portas abertas e tapete vermelho estendido para os brazucas. 

Lá, o consumidor brasileiro é fenômeno novo, mas crescente. A uma curta distância da Times Square, está localizada a única loja da Asics no país. Líder em vendas de tênis de corrida nos EUA, a marca comercializa seus produtos em grandes lojas de departamentos ou redes de itens esportivos. Mesmo um pouco afastada do centro nervoso das compras, é um termômetro do apetite nacional pelas pechinchas americanas e da importância desse mercado consumidor. Na época das férias de fim de ano, por exemplo, os brasileiros representam até 70% das vendas. “Ao contrário de nossos outros clientes, eles nunca compram apenas um tênis”, diz Karim Eldib, gerente da loja. “Chegam com uma lista que, geralmente, inclui pares para eles e para familiares e amigos.” Com o objetivo de atender essa clientela, quatro dos 12 funcionários estão tendo aulas de português e nas paredes há bilhetes com o significado em inglês de palavras como “grande”, “pequeno”, “número” e “errado”, além de um dicionário inglês-português estar sempre à disposição. “Esse público é uma novidade e as empresas na cidade estão pensando agora em como explorá-lo”, diz Tiffany Towsend, vice-presidente da NYC and Company, empresa de turismo municipal. A Macy’s, gigante das lojas de departamentos e adorada pelos brasileiros, vai promover o País por dois meses a partir de 16 de maio.

Quem viaja com frequência aos EUA se acostuma até com a garantia dada aos produtos. O administrador Raphael Pazos, 37 anos, vai uma vez por ano para alguma cidade americana. Nas viagens, já comprou de bicicleta a terno, passando pelo enxoval da filha recém-nascida. Uma câmera fotográfica adquirida em 2010 deu um pequeno problema. Ele a levou na viagem do ano passado e, mesmo sem nota fiscal, recebeu crédito equivalente ao valor do produto para gastar onde tinha comprado a máquina. “Eles não pediram nota, não me perguntaram nada. Pediram desculpas, me deram o vale e estava tudo resolvido”, conta Pazos. “Se fosse aqui no Rio de Janeiro, ia ser uma dor de cabeça.”

No Brasil, além de não ser tratado com a mesma deferência, o consumidor só tem como opção os preços altos. Os impostos estão no cerne da questão. “Os tributos aqui são muito mais elevados do que nos EUA e são repassados até chegar ao consumidor final, que não tem para quem repassar”, diz João Eloi, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). No ano passado, o total de tributos cobrados no País alcançou o recorde de 35,1% do PIB. A carga de impostos em um tênis importado, por exemplo, chega a 60%. Em um aparelho celular, 40%. “A diferença é grande em tudo, mas em eletrônicos é brutal”, diz o empresário Marco Coutinho que fez um périplo por oito cidades americanas com a mulher e as duas enteadas. Na bagagem, dois iPhones 4S, um iPod e um iPad, além de roupas, perfumes, relógios, bolsas e itens de maquiagem. “Dá para comprar cinco vestidos nos EUA pelo preço de um no Brasil”, compara a pediatra Gláucia Rodrigues, mulher de Marco. Mais de um terço dos gastos da família na viagem foi com compras.

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BÊ-Á-BÁ
Karim Eldib, gerente da Asics em Nova York: funcionários aprendem
português para atender brasileiros, que chegam a ser 70% dos clientes
A logística é outro fator que encarece os produtos em solo nacional. Pagam-se R$ 9 mil para transportar um contêiner, com capacidade de 25 mil quilos, do porto de Paranaguá (PR) para o Rio de Janeiro. Dos EUA para o Brasil, esse valor não chega a R$ 3 mil. Em termos globais, o País gasta 34% a mais com frete do que os Estados Unidos, além de ter um sistema alfandegário mais burocrático e ineficiente. No ano passado, os gastos com logística alcançaram 11% do PIB brasileiro. 

Características do mercado varejista nacional atual também contribuem para encarecer o produto final. O volume comercializado por ponto de venda é pequeno, se comparado ao gigante americano. Isso faz com que os custos unitários de administração desses itens sejam mais altos. Além disso, grifes boas buscam localização valorizada, o que custa caro. “Falam dos royalties das marcas, mas é uma merreca. A verdade é que manter uma loja no Brasil é muito caro”, diz o advogado Eduardo Machado, especialista em propriedade intelectual e que tem grandes shoppings centers como clientes. Em São Paulo, as luvas de uma loja de 40 m2 em um shopping custam entre R$ 400 mil e R$ 1 milhão. Por fim, tem a margem de lucro do varejista. Com a demanda interna aquecida, ele se sente à vontade para colocar os preços lá em cima. 

Para reverter esse quadro, é preciso retomar a competitividade brasileira e reduzir os tributos. “Estamos desalinhados com o mundo e desindustrializados, com juros e impostos altos e custos logísticos e de mão de obra nas alturas”, avalia Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção (Abit). “Só uma indústria brasileira forte derrubará os preços dos importados”, diz Carlos Thadeu de Freitas, ex-presidente do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio. “Hoje o brasileiro viaja para comprar. Essa é a regra e nada vai mudar a curto prazo. Por isso é preciso simplificar os impostos.”
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ALÉM DO ORÇAMENTO
Ivan e Vanessa Zanchi gastaram R$ 30 mil em compras
na temporada de férias, trabalho e estudos nos EUA
Enquanto os governos e o Legislativo não acordam para essa realidade, cada vez mais brasileiros farão as malas para ir às compras – que hoje incluem todo tipo de artefato. A carioca Fátima Bahia, dona de uma clínica de estética, já foi cerca de 40 vezes para os EUA, onde adquiriu 90% de suas roupas. Na próxima viagem, marcada para abril, além dos usuais cremes, xampus, suplementos vitamínicos, bolsas e sapatos, ela planeja trazer um par de ventiladores de teto para sua casa. Em Nova York, Fátima contrata os serviços da VIP Driver, empresa especializada em levar os turistas brasileiros aos outlets e shoppings da região. Assim, encontrou bolsas Fendi por metade do preço e sapatos Christian Louboutin por R$ 1,4 mil, uma pechincha se comparados aos R$ 4,5 mil cobrados aqui. “Me acostumei a ponto de praticamente não comprar no Brasil”, diz a empresária, que certa vez voltou dos EUA com seis malas de 32 quilos cada uma. Sorte de Sérgio Castro, dono da VIP Driver, cuja lista de clientes só faz crescer. “O brasileiro vem com mala e quer voltar com contêiner”, resume ele.

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