segunda-feira, 4 de julho de 2011

Itamar, um testemunho

 



Confesso que resisto falar sobre os que morrem. Há uma forte e justificável tendência ao panegírico, ao laudatório, como se a morte expiasse o lado das fraquezas humanas, restando divinizar quem se vai.

Em relação a Itamar, não hesitei. A razão é simples: seu modo de ser transparente, contrariando a mineirice, não escondia o temperamento turrão, a personalidade complexa e um jeito especial de ser.

Defeitos, quem não os tem? Agora, quem pode negar ao Presidente Itamar virtudes republicanas, hoje tão escassas, e uma dignidade pessoal exemplar?

Fui testemunha privilegiada da grandeza política do Presidente Itamar. Devo a ele a confiança singular e imensa de me escolher ministro da Fazenda de um governo que emergia no olho de um furacão: a mais profunda crise do regime presidencialista e que resultou, sem precedente histórico, no impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto popular depois do regime militar.

E mais, emergia no quadro caótico de uma nação politraumatizada: a morte de Tancredo, o envenenamento social provocado pelos efeitos deletérios da hiperinflação, recorrentes abalos e frustrações dos choques econômicos e, sobretudo, uma profunda crise ética.

A nossa nascente e tenra planta da Democracia (e bote tenra nisso) tornou-se por conta daquele e de episódios subsequentes na mais testada democracia do mundo.

Para efeito de registro histórico, cabe relatar que, no fim da tarde da quinta-feira, 01 de outubro de 1992, fui surpreendido com a notícia de que seria convidado para ocupar o ministério da Fazenda (feição clássica com a reorganização do superministério da Economia ocupado com zelo e dedicação inexcedível pelo embaixador Marcilio Marques Moreira).

A notícia foi dada pelo então governador de Pernambuco, Joaquim Francisco, que me indicara para compor o ministério do novo governo.

Fui, em companhia de Joaquim, ao encontro do Presidente Itamar e na presença de Aureliano Chaves, José Aparecido, Paulo Haddad, Henrique Hargreaves e outros personagens que a memória já não registra, Itamar formulou o convite.

Por dever de lealdade, fiz algumas ponderações, mostrando que a minha escolha contrariaria expectativas e acrescentaria, de partida, dificuldades políticas a um governo que assumia o poder diante de uma sociedade permeada pelos sentimentos díspares da esperança e da desconfiança.

Ele pediu a opinião dos circunstantes. Foram generosos. Meus argumentos não convenceram.

Itamar disse: “Deputado, faço um apelo...”. Interrompi: “Presidente não faz apelo, estamos juntos”.

O anúncio seria na sexta pela manhã. Discutimos diretrizes com Paulo Haddad, futuro ministro do Planejamento. Insônia e reflexão ajudaram a enfrentar a entrevista coletiva e a justificada curiosidade pública a meu respeito.

Tinha nítida noção da precariedade do meu prazo de validade. A instabilidade econômica levava de roldão planos, moedas e ministros. Esta era a regra. Percebi, realisticamente, os limites de uma ação política que levasse a cabo um plano de estabilização para o país. E não existe a figura do “pato manco” no ministério da Fazenda. Ou é forte, ou entrega o boné.

Não deu outra. Setenta e cinco dias depois da nomeação, deixei o cargo, voltei para o Congresso, mantendo-me firme na defesa do governo. E a despeito das dificuldades vividas, ganhei o amigo.

A convivência breve, porém intensa, adicionada à relação que se estabeleceu posteriormente, foi suficiente para identificar a dimensão política de Itamar.

A ideia e a prática da República e da Democracia repousam no princípio da virtude. Virtude traduzida pela paixão política, espírito cívico e supremacia do bem público sobre os interesses privados, ensina o Barão de Montesquieu, no atualíssimo Espírito das Leis, publicado em 1748.

Na mesma linha, Ortega Y Gasset , em Mirabeau ou o político, reconhece o conceito de virtude nas “almas grandes” e na “magnanimidade”, atributos do verdadeiro político que faz da vida missão criadora e, para quem viver é fazer grandes coisas e não simplesmente existir.

Itamar, magnânimo, encarnou a virtude pública e a dignidade pessoal. Por isso viveu e viverá na imortalidade do exemplo que legou ao Brasil.



Gustavo Krause é economista

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