14/7/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ver também, já traduzido:
Jornalistas e jornais de repetição em todo o mundo, de Washington a Bruxelas e Cabul, têm pela frente muitas noites em claro. A opinião pública mundial tem sido manobrada, a golpes de ‘choque e pavor’, para crer na quimera de que os EUA e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) estariam ‘vencendo’ a guerra-pacote de Obama no Af-Pak. OK. Agora, então, vamos aos fatos.
Imediatamente depois que o governo dos EUA decidiu “suspender” a ajuda de 800 milhões de dólares ao exército do Paquistão, o ministro da Defesa do Paquistão, Ahmed Mukhtar, disse ao canal local da Express TV, que “Se as coisas ficarem realmente difíceis, retiramos todas as nossas forças” – sugerindo que desapareceriam os soldados de Islamabad que combatem os guerrilheiros da maioria pashtun nas áreas tribais.
Mukhtar não poderia ser mais claro: “Se os EUA recusam-se a nos pagar, OK. Não temos como manter nossos soldados nas montanhas por período tão longo.”
É praticamente prova fotográfica de que, mais uma vez, o exército paquistanês joga – relutantemente – o jogo do contraterrorismo/ contraguerrilha de Washington nas áreas tribais. Por mais que Islamabad tema o nacionalismo pashtun, o exército sabe que tem de andar com cautela extrema, ou terá pela frente rebelião tribal em massa dos pashtuns, o que clamará aos quatro ventos o supremo tabu: a consolidação de um Pashtunistão, que destruirá o Paquistão que conhecemos hoje.
Cai o senhor-da-guerra
E houve também o presidente Hamid Karzai, o fantoche que, reza o folclore local, mal controla o próprio trono em Kabul, falando em conferência de imprensa ao lado do libertador da Líbia, o neonapoleônico presidente Nicolas Sarkozy da França, que visitava o Afeganistão.
Karzai disse: “Dentro de cada lar do povo afegão todos sofremos a mesma dor. Nossa esperança é que, se Deus quiser, chegarão ao fim a dor e o sofrimento do povo afegão e se implementarão a paz e a segurança.”
Mas é discutível que muitos afegãos sintam muita dor e sofram muito ao serem informados do assassinato de Ahmad Wali Karzai, meio-irmão do presidente, grande traficante de drogas, nome sempre presente na folha de pagamentos da CIA-EUA e o maior agente de negócios na alta cúpula do governo em Kandahar, onde preside o conselho provincial.
Considerando que os Talibã controlam atualmente cerca de 70% do Afeganistão, o assassinato vale troféu de ouro. Os Talibã já se declararam devidamente responsáveis, falando por seu porta-voz Usuf Ahmadi: “Foi das nossas mais importantes realizações desde o início das operações de primavera. Recentemente, Sardar Mohammad recebeu a incumbência de matá-lo. Sardar Mohammad é nosso mártir.”
O contradiscurso oficial em Kandahar insiste em que Sardar Mohammad, comandante em que Karzai confiava, nascidos ambos na mesma tribo Popolzai, teria matado Ahmed Wali com dois tiros na cabeça “por questões de drogas” e motivos pessoais.
Mas os Talibã já estão vencendo a disputa pela opinião pública. Desde a primavera de 2010, os Talibã já conseguiram assassinar o chefe da polícia provincial de Kandahar, o vice-governador, o chefe de distrito de Arghandab e o vice-prefeito de Kandahar City.
Agora, se livraram de Ahmed Wali Karzai, o mais importante personagem pró-Washington, não só de Kandahar mas de todo o sul do Afeganistão – onde está OTAN, sem outra tarefa além de esmagar os Talibã no seu próprio lar espiritual e território preferido. O assassinato de Ahmed Wali reduz a cacos a narrativa segundo a qual “a OTAN está vencendo”.
O rei de Kandahar
Passei uma longa tarde com Ahmad Wali em Quetta, capital da província do Baloquistão no Paquistão, quando os EUA bombardeavam os Talibã no outono de 2001 – semanas antes de que Ahmad e seu meio irmão se convertessem, de “vendedores dekebab” (como se ouvia pelas ruas), em peso-pesados da política.
Ahmad Wali já trabalhava para a CIA – naquele momento, os EUA estavam ocupadíssimos fazendo Hamid Karzai desembarcar de paraquedas no topo da política afegã – e era grande contrabandista de ópio, além de líder tribal e personalidade muito mais assertiva que seu meio-irmão.
Ao longo dos anos 2000s, Ahmad Wali conservou todas essas funções e papéis, além de ser dono de hotéis, terras, imóveis e até de uma loja de revenda da Toyota, mas, sobretudo, trabalhava para “conter” Kandahar, sempre pesadamente talibanizada, como comandante da “Kandahar Strike Force” – unidade privada paramilitar, linha duríssima, que auxiliava as Forças Especiais dos EUA e a CIA no serviço de “assassinatos predeterminados” [ing. targeted assassinations] dos altos comandantes Talibã.
Era o governador de facto, popularmente conhecido como “Rei de Kandahar” – muito mais poderoso que o governador e que o conselho provincial desdentados.
A lição que tadjiques, uzbeques, hazaras e pashtuns seculares extraem hoje do assassinato de Ahmad Wali é que o governo Karzai não passa de saco de gatos (OK, a maioria dos afegãos já sabia) – incapaz de proteger, sequer, o mais poderoso dos Karzais. Quanto à ficção de que a OTAN estaria conquistando corações e mentes afegãs e conseguindo que os afegãos caiam de amores pelo governo central em Kabul... Quem quiser, que tente contar essa a algum daqueles rostos de pedra, no Hindu Kush.
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O mesmo vale para a “vitória” da OTAN no Afeganistão.
O mesmo vale para a “vitória” da OTAN no Afeganistão.
Quanto à “vitória” dos EUA nas áreas tribais do Paquistão, basta considerar o que pensam o poderoso chefe do exército general Ashfaq Parvez Kiani – queridinho do Pentágono – e o chefe do serviço secreto paquistanês (Inter-Services Intelligence, ISI), tenente-general Ahmed Shuja Pasha. Por porta-vozes e subalternos já disseram que se podem safar perfeitamente bem sem os 800 milhões de dólares de Washington. E também podem pedir ajuda à China, “amiga de sempre, faça chuva faça sol”.
Segundo o coronel David Lapan, porta-voz do Pentágono, Islamabad pode facilmente pôr as mãos nos 800 milhões: basta que emita muitos e muitos vistos de entrada no país para, essencialmente, espiões norte-americanos, e reinstitua o treinamento em larga escala em táticas de contraterrorismo e contraguerrilha, de soldados paquistaneses. Islamabad – que já enfrenta a guerra dos aviões-robôs-drones dos EUA nas áreas tribais – não está interessada.
“Vencedor” nesse caso, realmente, só a al-Qaeda, que usou os Talibã paquistaneses num confronto com o exército paquistanês nas áreas tribais como tática diversionista – ao mesmo tempo em que trabalha para disseminar sua agenda pró-califato na direção da Ásia Central.
Mas... Como?! Os EUA não estavam “vencendo” a al-Qaeda? Foi, pelo menos, o que disse o general David Petraeus – que está agora de mudança, de principal comandante no Afeganistão, para a direção-geral da CIA: “Causamos danos enormes à al-Qaeda nas áreas tribais de administração federal... E há em prospectiva a possibilidade de derrota realmente estratégica” [para a al-Qaeda].
Quer dizer... Não, não há. A menos que você bombardeie as áreas tribais, com aviões-robôs-drones, até que por lá não reste um único ser vivo, até o Juízo Final.
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