terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O que sei do Nonno Paolo e do racismo no comércio de SP


Confesso que recebi com tristeza a notícia de que justo um estabelecimento comercial com o qual mantenho laços afetivos tenha se envolvido em um dos muitos casos de racismo e de discriminação de classe que infestam não só restaurantes, mas o comércio em geral nos bairros ditos “nobres” de São Paulo, entre os quais está o Paraíso, bairro em que fica o Nonno Paolo, pizzaria que freqüento com a minha família há quase 30 anos.
Para quem não conhece o caso – se é que isso é possível devido à sua larga repercussão em órgãos de imprensa de cobertura nacional como o portal de internet da Globo ou o da Rede Bandeirantes de televisão –, na última sexta-feira uma família espanhola em férias no Brasil foi ao restaurante Nonno Paolo, no bairro do Paraíso, em São Paulo. Os familiares adultos deixaram o filho adotivo – que é etíope e negro – sozinho por alguns momentos e ele teria sido expulso do restaurante pelo gerente. O garoto, que não fala português, foi encontrado pela família a um quarteirão de distância do local.
O caso vem repercutindo desde então e, devido às reações indignadas – e algumas destemperadas – que vem despertando, quero deixar registrada a minha opinião e também aproveito para revelar algumas coisas que sei sobre o racismo no bairro em que resido e no seu entorno.
Comecei a freqüentar o Nonno Paolo com a minha família por volta de 1985, quando me mudei para a rua Abílio Soares, onde fica esse restaurante. Passei a frequentar o estabelecimento com a minha mulher e com a única filha que tínhamos à época (que hoje tem 29 anos) e que, então, tinha quatro anos. Como nasci e vivi sempre nessa parte de São Paulo, os anos foram passando, outros filhos foram nascendo (mais três), nasceu-me a neta e continuamos freqüentando aquela pizzaria, ainda que atualmente faça tempo que lá não vamos.
O que posso dizer é que meus filhos, desde pequenos, talvez por serem brancos sempre foram tratados com muito carinho pelos garçons e até pela direção, e sempre que com esses filhos – ainda pequenos – entrávamos ou saíamos do restaurante víamos seus funcionários confraternizando com pessoas humildes – inclusive crianças de rua – à porta, ainda que também tenha visto crianças e moradores de rua sendo impedidos de entrar.
Ironicamente, o elegante bairro do Paraíso e todo seu entorno atrai muita população de rua, inclusive – e talvez sobretudo – crianças. No mais das vezes, essas pessoas são negras ou descendentes e a prática de impedi-las de entrar em restaurantes, lojas etc. é corriqueira. Aliás, pior do que restaurantes são os shoppings, que jamais deixam crianças ou moradores de rua entrar. Isso é comum e quem for da região e disser que nunca viu acontecer, mente.
Não sei o que aconteceu de fato. É bem provável que a criança, por ser negra, tenha sido mesmo retirada. Isso porque, nessa região, é difícil ver crianças negras em restaurantes como aquele, apesar de estar longe de ser dos mais caros. Acredito, portanto, que em qualquer restaurante de regiões “nobres” de São Paulo aconteceria algo parecido se vissem ali uma criança negra sozinha, já que, no Brasil, pobreza tem cor.

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