Lideranças de movimentos negros manifestaram-se a este blog não apenas em solidariedade a Paulo Henrique Amorim, alvo da calúnia de que teria sido condenado pela Justiça por racismo, mas para explicar frase que teria gerado condenação que jamais existiu, sobre “negros de alma branca”.
Uma das lideranças é Adenilde Petrina Bispo, líder comunitária em Juiz de Fora (MG), professora de História e Filosofia formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora e fundadora da rádio comunitária Mega FM.
A outra liderança que escreveu ao blog para se solidarizar com o Paulo Henrique é Elias Candido, presidente do Partido dos Trabalhadores em Vila Matilde (São Paulo-SP), militante de combate ao racismo, professor e quilombola.
Conheci Adenilde quando, a seu convite e de sua comunidade, fui à sua cidade palestrar sobre a mídia e falar sobre a luta deste blog contra o racismo e em defesa de cotas para negros, política pública que Paulo Henrique Amorim apóia em oposição à maioria dos jornalistas de renome. Elias Candido eu não conheço.
Reproduzo, abaixo, as manifestações dessas lideranças enviadas a este blog na última quinta-feira.
—–
Desde pequenina (hoje estou lá pelos sessenta anos) ouvia sempre a minha avó dizer: “Fulano é um negro de alma branca”. Era até um elogio.
Mas, hoje, sabemos que o negro de alma branca é o negro submisso, conivente com os da Casa Grande.
Hoje, o pessoal do Hip Hop fala, através dos Racionais MCs no rap Juri Racional, em “Ovelha-branca da raça”, fala daquele que renegou a sua cor.
E o que dizer de negro jabuticaba? Quem milita nos movimentos negros, quem vive sempre relegado à invisibilidade e ao fundo da sala, sabe o que é conviver com os negros de alma branca, os jabuticabas da vida que atrasam a nossa caminhada e confundem nosso povo.
Parabéns por mais este post esclarecedor e pela justeza de suas colocações. Firmeza para você, amigo Eduardo, e para o Paulo Henrique Amorim.
Adenilde Petrina Bispo
—–
SOBRE NEGROS DE ALMA BRANCA
A história de luta do povo negro no Brasil começa logo que o primeiro navio negreiro aportou nestas paragens trazendo reis, rainhas, guerreiros, futuros quilombolas e negros de alma branca.
As lutas por liberdade nos séculos que se seguiram enfrentaram grandes dificuldades por conta do poderio bélico do agressor, da manipulação da igreja católica, dos cruéis castigos que intimidavam pessoas de bem que queriam resistir, e dos negros de alma branca.
A vitória parcial que foi a Abolição não veio através da Princesa, mas apesar dela. Muitas foram as batalhas, muitos foram os quilombos formados. Alguns superavam a sociedade brasileira institucionalizada em termos de organização, justiça, liberdade, fraternidade e paz. Não em poucos, conviviam índios, colonos brancos pobres e mouros em um clima de respeito à diversidade étnica e religiosa.
Muitos foram destruídos por ações de negros de alma branca que delatavam suas posições e quantidade de pessoas, facilitando o trabalho do agressor.
Naquele tempo, atendiam pelo nome de “negro da casa” ou “negro de dentro”. Com raríssimas exceções, eram escolhidos porque inspiravam confiança nos Senhores de Escravos por causa de suas fragilidades de caráter.
Correspondiam a essa confiança entregando seus irmãos que fugiam ou que cometiam o que o dono de engenho entendia por delito, atos esses que podiam levar seu companheiro ao aleijume, à privação de alimentos por dias ou até à morte.
Eram recompensados com a permissão de dirigir a palavra diretamente ao escravocrata e comer os restos do almoço da casa grande, comida de melhor qualidade. Além disso, raramente sofriam castigos físicos.
Com o aprofundamento da resistência, através de ataques a fazendas, fugas e multiplicação de quilombos com operação de resgate de escravos, os negros de alma branca se tornaram capitães do mato armados que recapturavam seus irmãos em fuga.
Eram a linha de frente em invasões de quilombos. Miseráveis morais, chegavam a arriscar a vida pelo opressor contra o próprio povo.
Finda a escravidão, apesar da contrariedade dos negros de alma branca, esses capitães do mato desempregados continuaram a agir da mesma maneira servil aos piores tipos de racista, que diziam que, diferente dos demais que se rebelavam, esses eram os bons negros, os de alma branca.
E esses ficavam felizes com esse tipo de comentários. Ainda ficam. Eles ainda estão por aí, contrários às cotas ou manifestações. Negam o racismo e votam nos racistas da pior espécie. Submetem-se a todo tipo de humilhação e querem que você faça o mesmo.
Envergonham-se do próprio cabelo, das roupas, costumes e religiosidade do seu povo e costumam dizer que o responsável pelo racismo é o próprio negro, como se fosse surdo e não ouvisse o absurdo de suas próprias palavras.
Como militante de combate ao racismo, fico muito a vontade para entender o que quis dizer Paulo Henrique Amorim. Como negro, sou a maior vítima dos negros de alma branca.
Eu, modestamente estudioso da história do negro no Brasil, conheço bem os negros de alma branca. Posso reconhecê-los à distância pela linguagem, pelo olhar medroso, pelo jeito janota de se vestir e pela sintaxe entreguista.
Reconheço o trabalho de PHA pelos negros, apoiando programas voltados a essa população e denunciando o racismo da grande mídia. Ele tem todo o meu apoio.
Que os negros e pessoas bem-intencionadas não se confundam: uma ação contra o racismo jamais viria de alguém da Rede Globo, a maior propagadora de racismo deste país.
Elias Candido é presidente do Partido dos Trabalhadores em V. Matilde, militante de combate ao racismo, professor e quilombola de coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário