Como policiais grevistas, agindo como bandidos, tramaram uma
onda de violência, disseminaram o terror pelas ruas da Bahia e
articularam paralisações por todo o País às vésperas do Carnaval
Flávio Costa, de SalvadorCONFRONTO
Policiais amotinados ousaram desafiar o Exército na Bahia
Às vésperas do Carnaval, as ruas da Bahia se transformaram num palco de terror. Foram registradas cenas de vandalismo, como saques a lojas, incêndio de ônibus, assassinatos em série e até o uso de crianças como escudo humano num conflito com as Forças Armadas. A disseminação do pânico e do medo não foi articulada por bandidos comuns ou integrantes do crime organizado, mas por policiais militares, aqueles que deveriam trabalhar com o propósito de proteger a população. Policiais que, amotinados até a madrugada da quinta-feira 9 na Assembleia Legislativa do Estado, se equipararam aos bandidos no modo de agir, intimidar e até se vestir, como os que colocaram capuzes e usaram trajes à paisana. Os policiais invocaram o direito de greve, mas ao atuar como criminosos, usando armas, metralhadoras, escopetas, e valendo-se do conhecimento e treinamento militar para impor o terror à sociedade na tentativa de pressionar o Estado, viram toda e qualquer razão se esvair pelo ralo. Na inequívoca tentativa de aterrorizar a população, seus líderes alcançaram a máxima ousadia de urdir o fechamento de uma rodovia federal, a Rio-Bahia, sugerindo atear fogo a uma viatura e duas carretas.
Por trás das ações havia um claro objetivo político-corporativo: causar tumulto e incitar paralisações em todo o País para aprovar no Congresso a criação de um piso nacional para o policial e o bombeiro militar, a chamada PEC 300. Conforme apurou ISTOÉ, a onda de crimes e paralisações começou a ser articulada no final de dezembro do ano passado. “Nós tínhamos, através do nosso serviço de inteligência, um mapeamento das situações em certos Estados que poderiam ter movimento grevista. A Bahia era um deles”, confirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Naquele mês, era conhecida nos quartéis uma movimentação para uma nova greve de policiais militares da Bahia. Representantes da Aspra, a associação de policiais militares que comandou a paralisação, há meses promoviam reuniões em batalhões e em companhias de todo o Estado baiano articulando um movimento grevista para o início do Carnaval, contando com o apoio de dirigentes de associações de PMs de outros Estados, principalmente Rio de Janeiro e Maranhão.
Por trás das ações havia um claro objetivo político-corporativo: causar tumulto e incitar paralisações em todo o País para aprovar no Congresso a criação de um piso nacional para o policial e o bombeiro militar, a chamada PEC 300. Conforme apurou ISTOÉ, a onda de crimes e paralisações começou a ser articulada no final de dezembro do ano passado. “Nós tínhamos, através do nosso serviço de inteligência, um mapeamento das situações em certos Estados que poderiam ter movimento grevista. A Bahia era um deles”, confirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Naquele mês, era conhecida nos quartéis uma movimentação para uma nova greve de policiais militares da Bahia. Representantes da Aspra, a associação de policiais militares que comandou a paralisação, há meses promoviam reuniões em batalhões e em companhias de todo o Estado baiano articulando um movimento grevista para o início do Carnaval, contando com o apoio de dirigentes de associações de PMs de outros Estados, principalmente Rio de Janeiro e Maranhão.
PRISÃO
Tropas federais confrontam grevistas
CRIME
PMs em greve incentivaram queima de carros e ônibus
TERROR
Policiais espalharam pânico exibindo armas em Assembleia
BANDIDAGEM
Grevista se mascara como criminoso e tenta intimidar com bomba caseira
Diante da instauração do clima de desordem, o Palácio do Planalto e os governos estaduais se mobilizaram. E, ao contrário do que ocorreu em administrações anteriores em que foi concedida anistia para líderes grevistas, o discurso desta vez foi duro e intransigente com os policiais arruaceiros. Em inspeção da Transnordestina, em Pernambuco, a presidenta Dilma Rousseff se revelou estarrecida. “Não consideramos que seja correto instaurar o pânico, o medo, criar situações que não são aquelas compatíveis com a democracia. Numa democracia, sempre tem que se considerar legítimas as reivindicações. Mas não considero que o aumento de homicídios nas ruas e a queima de ônibus sejam uma forma correta de conduzir o movimento”, disse a presidenta.
No fim da noite da quinta-feira 9, os PMs, policiais civis e bombeiros do Rio de Janeiro decidiram em assembleia cruzar os braços. Na tentativa de esvaziar o movimento, a Justiça Militar expediu na sexta-feira 10 mandados de prisão contra os principais líderes da greve. Outros 14 agentes foram presos hoje sob suspeita de motim. Lograram êxito. Até o fechamento desta edição, a adesão da categoria era pequena e o comando da PM assegurava que os serviços não seriam paralisados; 59 grevistas estavam presos e 100 indiciados por crime militar. Mesmo assim, 14 mil homens do Exército ficaram de prontidão e a Força Nacional foi deslocada. “Tenho certeza de que os profissionais de segurança não vão aderir a essa manifestação de radicalismo. Greve não tem nada a ver com a função pública de um policial civil, policial militar e bombeiro”, disse o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, à ISTOÉ. Numa medida preventiva, Cabral, antes mesmo da assembleia, havia antecipado o pagamento de reajustes reivindicados pelos policiais.
Ao contrário do Rio, nos três primeiros dias de greve na Bahia, deflagrada no dia 31, a cidade viveu sob o signo do medo. Comerciantes receberam cartazes com ordens para que não abrissem suas lojas. Numa das principais vias da cidade, a avenida Paralela, policiais militares com pistolas P.40 em punho sequestraram ônibus, retiraram os passageiros e estacionaram os veículos de forma que bloqueassem a pista. Tiroteios foram constantes e os homicídios registraram uma alta assustadora, precisamente em bairros periféricos e regiões próximas a pontos de venda de drogas. Mendigos foram perseguidos, sendo que sete deles foram assassinados. Uma moradora de rua, que estava com um bebê no colo na praça da Piedade, morreu ao receber um tiro na cabeça. “Isso não é coisa de bandido comum. Qual o interesse de um traficante em matar um mendigo?”, indagou o secretário da Segurança Pública, Maurício Teles Barbosa. No domingo 5, os grevistas invadiram o prédio da Assembleia Legislativa com crianças e mulheres. Todos os policiais militares que participaram da ocupação estavam armados ao menos com uma pistola 40. Mas havia também duas metralhadoras e uma escopeta 12. O Exército que patrulhava as ruas de uma Salvador sem policiamento foi chamado para resolver a situação de total impasse, que só se encerrou com a desocupação da Assembleia na madrugada da quinta-feira 9.
No fim da noite da quinta-feira 9, os PMs, policiais civis e bombeiros do Rio de Janeiro decidiram em assembleia cruzar os braços. Na tentativa de esvaziar o movimento, a Justiça Militar expediu na sexta-feira 10 mandados de prisão contra os principais líderes da greve. Outros 14 agentes foram presos hoje sob suspeita de motim. Lograram êxito. Até o fechamento desta edição, a adesão da categoria era pequena e o comando da PM assegurava que os serviços não seriam paralisados; 59 grevistas estavam presos e 100 indiciados por crime militar. Mesmo assim, 14 mil homens do Exército ficaram de prontidão e a Força Nacional foi deslocada. “Tenho certeza de que os profissionais de segurança não vão aderir a essa manifestação de radicalismo. Greve não tem nada a ver com a função pública de um policial civil, policial militar e bombeiro”, disse o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, à ISTOÉ. Numa medida preventiva, Cabral, antes mesmo da assembleia, havia antecipado o pagamento de reajustes reivindicados pelos policiais.
Ao contrário do Rio, nos três primeiros dias de greve na Bahia, deflagrada no dia 31, a cidade viveu sob o signo do medo. Comerciantes receberam cartazes com ordens para que não abrissem suas lojas. Numa das principais vias da cidade, a avenida Paralela, policiais militares com pistolas P.40 em punho sequestraram ônibus, retiraram os passageiros e estacionaram os veículos de forma que bloqueassem a pista. Tiroteios foram constantes e os homicídios registraram uma alta assustadora, precisamente em bairros periféricos e regiões próximas a pontos de venda de drogas. Mendigos foram perseguidos, sendo que sete deles foram assassinados. Uma moradora de rua, que estava com um bebê no colo na praça da Piedade, morreu ao receber um tiro na cabeça. “Isso não é coisa de bandido comum. Qual o interesse de um traficante em matar um mendigo?”, indagou o secretário da Segurança Pública, Maurício Teles Barbosa. No domingo 5, os grevistas invadiram o prédio da Assembleia Legislativa com crianças e mulheres. Todos os policiais militares que participaram da ocupação estavam armados ao menos com uma pistola 40. Mas havia também duas metralhadoras e uma escopeta 12. O Exército que patrulhava as ruas de uma Salvador sem policiamento foi chamado para resolver a situação de total impasse, que só se encerrou com a desocupação da Assembleia na madrugada da quinta-feira 9.
OUSADIA
Policial ataca tropa da Guarda Nacional com gás de pimenta
RIO GRANDE DO SUL
Polícia Civil cruza os braços e ameaça paralisação
CERCO
Durante seis horas, forças nacionais cercaram amotinados na Bahia
RIO DE JANEIRO
Policiais fazem assembleia e optam pela greve
Sob o comando do general Gonçalves Dias, 1.038 militares, 200 agentes da Força de Segurança Nacional e 20 do grupo de elite da Polícia Federal – o Comando de Operações Táticas – cercaram o prédio localizado no Centro Administrativo da Bahia, impedindo a entrada de medicamentos, alimentos e cobertores para os amotinados. O general Gonçalves Dias, no entanto, perdeu o prestígio ao aceitar um bolo dos manifestantes por conta do seu aniversário na quarta-feira 8. ISTOÉ apurou que o general tinha ordens de invadir e prender os manifestantes já no primeiro dia, mas não a executou, o que causou a irritação do governador da Bahia, Jaques Wagner, e da presidenta Dilma Rousseff. Na quarta-feira 8, ele foi destituído pelo superior imediato, o comandante do Nordeste, general Odílio Benzi, que foi o responsável por liderar a desocupação.
O processo de rendição demorou cerca de seis horas e o governo mostrou-se irredutível em sua oferta: pagamentos da Gratificação por Atividade Policial (GAP) IV a partir de novembro e da GAP V, a partir de abril de 2013 até 2015, anistia administrativa (abono de faltas), mas não criminal. “Não cabe a palavra anistia porque não vivemos num regime de exceção e eu não posso anistiar aqueles policiais militares que cometem crime e atemorizaram a população”, disse o governador Jaques Wagner. Com razão. No total, desde o início da greve, 145 pessoas foram assassinadas em Salvador e na região metropolitana. Corpos ficaram amontoados nos corredores do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. ISTOÉ ouviu dois funcionários do Departamento de Polícia Técnica que trabalham no local. Eles descreveram um cenário de horror e confusão no necrotério, tamanho o volume de cadáveres. “Há corpos que estão sendo liberados diretamente para as famílias, sem passar pela necropsia, com ajuda de funcionários de funerárias, porque não há tempo para fazer as autópsias”, disse um deles.
Em páginas de entidades da categoria era possível visualizar o chamado Mapa da Greve, informando sobre um possível efeito dominó que dependeria, em resumo, da virulência da paralisação na Bahia. Membro da diretoria da Associação Nacional de Policiais Militares (Anaspra), Marco Prisco era o responsável por coordenar as ações dos diversos grupos de policiais militares dentro da corporação. O discurso oficial do comando de greve era de um “movimento pacífico com objetivo de melhorar as condições de trabalho e salariais da categoria”, que tinha como pauta prioritária os pagamentos das gratificações de atividade policial IV e V, previstas em lei estadual. Mas o objetivo principal era outro: a aprovação da PEC 300. Isso explica a nacionalização do movimento. Além dos policiais do Rio de Janeiro, integrantes da categoria no Rio Grande do Sul, em Mato Grosso e Alagoas trabalham com possíveis indicativos de greve. Em Porto Alegre, está marcada para o dia 7 de março uma grande manifestação de policiais civis e militares em protesto contra os baixos salários. No mesmo dia, será realizada uma assembleia que pode decidir pela greve.
Escutas feitas pela Secretaria da Segurança Pública da Bahia, autorizadas pela Justiça, revelaram a participação de policiais militares e políticos de outros Estados interessados na manutenção da greve baiana. De posse de vários telefones celulares, Prisco arquitetava ações e convocava outros grevistas a participar da ocupação da Assembleia Legislativa. Em uma das gravações ouve-se uma conversa de Prisco com um interlocutor identificado como David Salomão. Ele diz que vai “queimar viatura” e “duas carretas” na rodovia Rio-Bahia (leia quadro). Num outro diálogo, com a deputada do PSOL Janira Rocha, o cabo do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro Benevenuto Daciolo fala sobre estratégias para a paralisação no Estado. Depois da divulgação das conversas, Daciolo foi detido, acusado de incitação à greve. Na tarde de 6 de fevereiro, no sétimo dia de greve, Prisco conversa com o sargento Francisco Xavier Ataíde Fonseca e ordena a chamada missão “feijoada”. Esse diálogo ocorre logo após um cerco a um ônibus escolar, que foi incendiado em Lauro de Freitas, de acordo com Maurício Teles Barbosa, secretário da Segurança Pública. “Vá fazer a missão, pelo amor de Deus, vá para a feijoada”, declarou Prisco. De acordo com a investigação, “feijoada” seria um código para ações de vandalismo.
O processo de rendição demorou cerca de seis horas e o governo mostrou-se irredutível em sua oferta: pagamentos da Gratificação por Atividade Policial (GAP) IV a partir de novembro e da GAP V, a partir de abril de 2013 até 2015, anistia administrativa (abono de faltas), mas não criminal. “Não cabe a palavra anistia porque não vivemos num regime de exceção e eu não posso anistiar aqueles policiais militares que cometem crime e atemorizaram a população”, disse o governador Jaques Wagner. Com razão. No total, desde o início da greve, 145 pessoas foram assassinadas em Salvador e na região metropolitana. Corpos ficaram amontoados nos corredores do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. ISTOÉ ouviu dois funcionários do Departamento de Polícia Técnica que trabalham no local. Eles descreveram um cenário de horror e confusão no necrotério, tamanho o volume de cadáveres. “Há corpos que estão sendo liberados diretamente para as famílias, sem passar pela necropsia, com ajuda de funcionários de funerárias, porque não há tempo para fazer as autópsias”, disse um deles.
Em páginas de entidades da categoria era possível visualizar o chamado Mapa da Greve, informando sobre um possível efeito dominó que dependeria, em resumo, da virulência da paralisação na Bahia. Membro da diretoria da Associação Nacional de Policiais Militares (Anaspra), Marco Prisco era o responsável por coordenar as ações dos diversos grupos de policiais militares dentro da corporação. O discurso oficial do comando de greve era de um “movimento pacífico com objetivo de melhorar as condições de trabalho e salariais da categoria”, que tinha como pauta prioritária os pagamentos das gratificações de atividade policial IV e V, previstas em lei estadual. Mas o objetivo principal era outro: a aprovação da PEC 300. Isso explica a nacionalização do movimento. Além dos policiais do Rio de Janeiro, integrantes da categoria no Rio Grande do Sul, em Mato Grosso e Alagoas trabalham com possíveis indicativos de greve. Em Porto Alegre, está marcada para o dia 7 de março uma grande manifestação de policiais civis e militares em protesto contra os baixos salários. No mesmo dia, será realizada uma assembleia que pode decidir pela greve.
Escutas feitas pela Secretaria da Segurança Pública da Bahia, autorizadas pela Justiça, revelaram a participação de policiais militares e políticos de outros Estados interessados na manutenção da greve baiana. De posse de vários telefones celulares, Prisco arquitetava ações e convocava outros grevistas a participar da ocupação da Assembleia Legislativa. Em uma das gravações ouve-se uma conversa de Prisco com um interlocutor identificado como David Salomão. Ele diz que vai “queimar viatura” e “duas carretas” na rodovia Rio-Bahia (leia quadro). Num outro diálogo, com a deputada do PSOL Janira Rocha, o cabo do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro Benevenuto Daciolo fala sobre estratégias para a paralisação no Estado. Depois da divulgação das conversas, Daciolo foi detido, acusado de incitação à greve. Na tarde de 6 de fevereiro, no sétimo dia de greve, Prisco conversa com o sargento Francisco Xavier Ataíde Fonseca e ordena a chamada missão “feijoada”. Esse diálogo ocorre logo após um cerco a um ônibus escolar, que foi incendiado em Lauro de Freitas, de acordo com Maurício Teles Barbosa, secretário da Segurança Pública. “Vá fazer a missão, pelo amor de Deus, vá para a feijoada”, declarou Prisco. De acordo com a investigação, “feijoada” seria um código para ações de vandalismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário