segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

EDITORIAL I: O MUNDO ME CONDENA


Geraldo Elísio escreve no "Novojornal". Prêmio Esso Regional de jornalismo, passado e presente embasam as suas análises
Por Geraldo Elísio


“Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança!” – Dante às portas do inferno na Divina Comédia
Até quando os “donos do mundo” acreditam que poderão levar avante os seus planos, massacrando as pessoas e ampliando a faixa de exclusão social? Sarkozy, na França, e Angela Merkel, na Alemanha, anunciaram um 2012 “duríssimo”, o que significa, de acordo com as imposições dos banqueiros e do FMI, cortes sociais duramente conquistados e aumento de impostos exatamente para prover os bancos.
A combalida União Europeia cada vez mais vai ficando rachada e com exacerbação de intolerância racial. E o que é mais trágico, exatamente contra os povos de países que eles pilharam por anos a fio, inclusive o Brasil. Não seria, pois, a hora de começarmos a impor igualmente barreiras a eles? Chumbo trocado não dói, diz o ditado popular.


O novo ano, segundo Sarkozy, “será de todos os riscos”, o que evidentemente assusta. Merkel, por sua vez, comentou que será um caminho longo e com reveses. E, lógico, existem os que parecem ter um melhor senso apregoando que a crise não será solucionada apenas com reformas. E lá como cá ninguém acredita mais nos políticos, sendo enorme o absenteísmo.


Para variar um pouco, a Itália vai pondo em marcha os ajustes que lhe foram exigidos em meio a uma crescente tensão social, confirmando as previsões feitas em Davos e fazendo renascer os movimentos de rua, sem cunho partidário ou ideológico, porém enveredados pelo caminho mais grave que é a espontaneidade incontrolável.


Até agora as convulsões sociais italianas deixaram dois mortos e mais de 500 feridos e os sindicatos já advertem a Mario Monti da possibilidade de 300 mil trabalhadores perderem os seus empregos. O que acontecerá então diante de tal quadro? O “governo técnico” de Monti está sob suspeita, tendo o primeiro ministro procurado recursos atingindo funcionários, outros trabalhadores e aposentados, na sanha de atender à voracidade do deus mercado. Também na península os políticos não têm a confiança dos italianos.


De Madri, Espanha, veio a notícia de que uma multidão de agentes da polícia catalã, bombeiros, agentes rurais e funcionários das prisões, ao final do ano saíram às ruas e praças reclamando contra os recortes sociais impostos. Não é crível pensar que as forças de segurança do mundo inteiro possam se transformar em guardas pretorianos, o que pode ser lido como um profundo esgarçamento do tecido social. Minas Gerais talvez tenha sido pioneira em situação semelhante quando da greve da Polícia Militar ao tempo do governo de Eduardo Azeredo.


Os manifestantes da polícia dessa região da Espanha reclamaram das precárias condições dos serviços de segurança pública e do beneficiamento de instituições privadas. Em Minas, também não existe segurança pública e a última experiência bem sucedida para um avanço no setor, a criação do Centro de Estudos de Planejamento Estratégico – CESPE – uma criação do delegado Milton Fortes, bem como a modernização da Academia de Polícia Civil, igualmente por ele dirigida foi destroçada pelo ex-governador Itamar Franco em conluio com o ex-secretário da Casa Civil, Henrique Hargreaves.
A propósito das questões econômicas mundiais, o jornalista Luís Nassif publicou recentemente em seu blog um artigo super interessante escrito pelo economista Paul Krugman, em que ele garante que o seu colega John Maynard Keynes “estava certo” ao admitir que “um governo que adota política de cortes numa economia em depressão faz a queda ser pior, a austeridade deve esperar até que a recuperação esteja bem encaminhada”.


A tradução da matéria redigia por Krugman, de Thomas Muello, não aborda o que eu vou dizer agora, mas no Brasil, apesar de toda propaganda em contrário, mais de 68% dos brasileiros da sexta economia do mundo ganham apenas dois salários mínimos o que pode nos levar novamente ao que foi dito pelo general presidente Emílio Garrastazu Médici quando afirmou que a economia brasileira ia muito bem, mas o povo ia mal.


Os radicais de esquerda que me perdoem, mas eu não posso voltar atrás os ponteiros e mudar a história e julgo ser pouco inteligente brigar com a realidade.


Entretanto, o quadro mais assustador vem da Inglaterra de “her magesty the queen” onde o desemprego atinge mais de um milhão de jovens. A crise econômica os golpeia sem piedade e ninguém parece ter esperanças de que tudo irá melhorar em 2012. Para se ter uma idéia, a matrícula universitária custará 16 mil dólares e a ajuda estudantil secundária desapareceu. Sem contar a falta de perspectiva de trabalho.
No Brasil, felizmente o ensino federal torna possível o acesso de milhares de jovens às universidades, sem o que muitos não teriam a menor chance de obter um diploma de curso superior. O que se espera é que tal sistema não venha a ser golpeado por imposição do FMI e dos banqueiros.


“Nos bairros londrinos de Tottenham, Lewisham, Hackney, nos bolsões pobres das grandes cidades, em Manchester e Liverpool, Birmingham e Newcastle, há muito que se abandonou toda esperança. Durante a onda de saques que sacudiram o Reino Unido em agosto, cerca de 80% dos saqueadores presos tinha menos de 25 anos”, diz Marcelo Justus, correspondente da Carta-Capital em Londres.


No mesmo texto, Justo lembra que em sua mensagem de ano novo, anunciada no domingo, a máxima autoridade da Igreja Anglicana, o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, “exortou os britânicos a não demonizar os jovens”. Pediu a eles que “abandonem a hostilidade para com os jovens. É uma tragédia que existam saques quando podemos ver o que se pode conseguir com esses jovens quando essa energia é canalizada positivamente em um contexto de segurança e amor”, assinalou o arcebispo.
Tal fenômeno tem feito crescer na Inglaterra – bem como no Brasil e outros países do mundo – a prostituição em classes que antes não eram atingidas pelo fenômeno, o consumo de drogas, a entrada para o crime organizado de cérebros mais privilegiados e outras mazelas que nos levam a indagar quais os bens da globalização, uma internacional de direita, e da propalada economia de mercado.
Ou a democracia é o direito de todos passarem fome, privações, não dispor de moradias, saúde, transporte coletivo de qualidade, educação, lazer e outras necessidades básicas para alguém sobreviver? Responda quem puder, não valendo a afirmação de que a vida é um privilégio para muito poucos e o resto é simplesmente o resto.


Este espaço é permanentemente aberto ao democrático direito de resposta a todas as pessoas e instituições aqui citadas.


geraldo.elisio@novojornal.com


http://www.novojornal.com/editorial/noticia/editorial-i-o-mundo-me-condena-02-01-2012.html

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